Setembro consolidou tendências iniciadas em agosto, com o Ibovespa atingindo máximas históricas acima de 146 mil pontos e o real se valorizando para próximo de R$ 5,30, o menor patamar desde junho de 2024. O cenário global de cortes de juros pelo Federal Reserve, combinado com os diferenciais sobre a taxa de juros no Brasil, criou uma janela de oportunidade para ativos locais. Contudo, à medida que entramos em outubro, questões fiscais domésticas voltam ao centro do palco, exigindo reavaliação tática das posições.
A Festa Global
Se agosto foi o esquenta, setembro foi a pista cheia. Ouro subiu impressionantes 9,3% no mês, acumulando alta de 44% no ano, enquanto Bitcoin valorizou 5% e tanto o Ibovespa quanto o S&P 500 avançaram cerca de 3,5%. A dinâmica dos mercados globais reflete uma combinação incomum e historicamente favorável para ativos de risco.
O Federal Reserve iniciou em setembro seu ciclo de afrouxamento monetário com corte de 0,25 ponto percentual, levando a taxa para o intervalo de 4,00% a 4,25%, após reconhecer sinais de enfraquecimento estrutural no mercado de trabalho americano. O JOLTS (vagas em aberto) recuou para 7,18 milhões em julho, bem abaixo das expectativas, enquanto o payroll criou apenas 22 mil vagas em agosto, muito aquém das 75 mil estimadas, elevando a taxa de desemprego para 4,3%.
A sensação dominante é que os EUA estão crescendo próximo de 2%, impulsionados pelo capex em inteligência artificial, um crescimento que, desta vez, não está sendo acompanhado pela mesma dinâmica de geração de empregos. O PIB do segundo trimestre foi revisado para cima, atingindo 3,8% anualizado, com projeções do Fed de Atlanta acima de 3% para o terceiro trimestre, mesmo com o mercado de trabalho dando sinais de fadiga.
Essa é uma tríade rara: corte de juros + economia crescendo + lucros empresariais em alta (puxados pelas Big Techs). Historicamente, ciclos de corte de juros pelo Fed em cenários de “pouso suave” costumam gerar retornos medianos de cerca de 25% para o Ibovespa em seis meses, e foi exatamente esse pano de fundo que sustentou as performances robustas das bolsas globais em setembro.
No Brasil, o Ibovespa renovou recordes, fechando acima de 146.400 pontos, enquanto o dólar caiu para o patamar de R$ 5,28-R$ 5,30, impulsionado pelo diferencial de juros real de aproximadamente 10% ao ano. O fluxo de capital estrangeiro para a B3 acumulou entrada líquida superior a R$ 5,2 bilhões em setembro, revertendo a saída observada no início do mês.
O Enigma do Ouro
Mas o verdadeiro nocaute veio no dia 10 de julho, quando Trump anunciou tarifa de 50% sobre todas as exMas se o mundo está pró-risco, por que o ouro brilhou tanto? Normalmente, ouro é ativo de aversão, não de festa. A explicação é estrutural e vai muito além da conjuntura.
Os países desenvolvidos do G7 enfrentam sérios problemas de endividamento sem sinais claros de que pretendem endereçá-los, com a dívida pública americana representando 22% da arrecadação apenas em pagamento de juros e déficits fiscais próximos a 7% do PIB. Na Europa, a situação fiscal da França deteriorou-se ao ponto de seus títulos pagarem prêmios semelhantes aos da Itália pela primeira vez desde a criação da Zona do Euro, enquanto o Reino Unido enfrenta leilões problemáticos de dívida longa.
Os grandes investidores institucionais, os chamados “bond vigilantes” que sempre financiaram as dívidas longas dessas economias, começam a repensar suas estratégias de alocação. O resultado é uma migração gradual de recursos para o ouro como reserva de valor alternativa, com o metal já acumulando alta de 45% no ano e atingindo máximas históricas corrigidas pela inflação desde 1980.
Lembremos que o mercado de dívida pública global é um mamute; qualquer realocação, mesmo que percentualmente pequena, causa impactos monumentais. A China tem diversificado ativamente suas reservas para o ouro, sinalizando preocupação estrutural com moedas fiduciárias, enquanto bancos centrais ao redor do mundo aumentaram suas compras do metal.
No limite, o que está em jogo é a confiança nas moedas fiduciárias. Com juros reais potencialmente negativos sendo considerados nos EUA como forma de gerenciar a dívida crescente, ativos reais como ouro, commodities e até mesmo ações ganham apelo como proteção contra a desvalorização monetária. Este pano de fundo explica por que bolsas mundo afora seguem em máximas históricas mesmo com valuations elevados: investidores querem menos papel-moeda, mais ativos reais.
Outubro – After ou Rave?
Enquanto todas essas questões política aconteciam, os dados econômicos brasileiros começaram a A grande questão: esse cenário de setembro vai seguir embalando os ativos de risco em outubro?Sim, mas com nuances importantes, e algumas ressalvas para o Brasil.
Globalmente, podemos ver realizações pontuais. Indicadores técnicos mostram sinais de excesso no curto prazo, especialmente em setores ligados à inteligência artificial nos EUA, enquanto o índice de sentimento ainda não aponta euforia extrema, o que tecnicamente é positivo.
No Brasil, o ajuste pode ser mais desafiador, amplificado pela volta das preocupações fiscais. A pesquisa Datafolha mostrou recuperação da aprovação do governo Lula de 29% em julho para 33% em setembro, enquanto a reprovação caiu de 40% para 38%. Adicionalmente, o governo conseguiu aprovar no Congresso a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, reforçando capital político, mas acendendo alertas sobre a trajetória fiscal.
A preocupação com a política fiscal intensificou-se após notícias de que o governo estaria estudando exceções ao arcabouço para viabilizar R$ 30 bilhões em investimentos nas Forças Armadas e possível ampliação do Bolsa Família. A mídia reportou que Lula teria solicitado à Casa Civil e ao Ministério da Fazenda alternativas para expandir programas sociais, embora o governo tenha anunciado congelamento adicional de R$ 1,4 bilhão no Orçamento.
Do lado positivo, o Copom manteve a Selic em 15% com comunicação dura, sinalizando juros contracionistas por “período suficientemente prolongado”, e a ata da reunião mostrou reconhecimento de sinais de desaceleração econômica, com o IBC-Br recuando 0,5% em julho. O IPCA-15 de setembro apresentou composição favorável, com núcleos e serviços mostrando arrefecimento, indicando que a política monetária está surtindo efeito.
A tensão política com os EUA adicionou volatilidade ao longo do mês. O julgamento do ex-presidente Bolsonaro pelo STF resultou em condenação, levando a sanções adicionais dos EUA sob a Lei Magnitsky contra autoridades brasileiras, incluindo a esposa do ministro Alexandre de Moraes. Contudo, a sinalização posterior de Trump de que se reuniria com Lula trouxe alívio aos mercados, com o presidente americano destacando ter tido “química excelente” com o brasileiro.
Estratégia para Outubro
Brasil – Postura Tática mais Cautelosa:
Recomendamos reduzir exposição à bolsa após a forte valorização e diante dos riscos fiscais renovados. O Ibovespa acumula alta próxima de 18% no ano em reais, e as ações sensíveis a juros já precificam boa parte do otimismo. Episódios de volatilidade são esperados conforme o debate fiscal se intensifica rumo às eleições de 2026.
Aumentar peso em renda fixa longa indexada ao IPCA. Os títulos NTN-B negociam em taxas de 7,15%-7,30%, níveis historicamente atrativos que refletem prêmios de “país quebrado” e oferecem assimetria positiva caso haja melhora fiscal ou alternância política. Com o Copom sinalizando manutenção dos juros até pelo menos o primeiro trimestre de 2026, a curva oferece carrego substancial.
Manter parte relevante em CDI (caixa). Com Selic a 15% e juros reais de 10%, o CDI proporciona retorno competitivo com liquidez, permitindo flexibilidade para aproveitar oportunidades que surjam de eventuais correções.
Exterior – Manter Exposição Estrutural com Redução Tática:
Recomendamos redução tática em bolsas globais após o rali recente, mas manter exposição estrutural às Big Techs que continuam liderando o ciclo de investimentos em IA e entregando crescimento de lucros. A Oracle valorizou 36% em um único pregão, exemplificando o momentum do setor, enquanto as 109 ações do índice Goldman Sachs AI TMT agora valem mais de US$ 30 trilhões, equivalente ao PIB americano.
A China merece atenção especial, com o CSI 300 subindo mais de 27% em determinados períodos e empresas como Alibaba ganhando 19%-20% após anúncios de avanços em inteligência artificial. Os valuations chineses seguem atrativos relativamente aos americanos, e fluxos institucionais para mercados emergentes permaneceram fortes em setembro, com entradas superiores a US$ 3 bilhões semanais.
Ouro e Bitcoin – Manter Posições Estruturais:
Apesar da expressiva alta recente, a dúvida sobre continuar exposto é natural. No entanto, a tese estrutural permanece intacta e até se fortaleceu. O ouro funciona como hedge contra a perda de confiança nas moedas fiduciárias e contra os riscos fiscais crescentes no mundo desenvolvido, com bancos centrais globalmente aumentando reservas no metal.
O Bitcoin, embora mais volátil, compartilha da narrativa de escassez digital e proteção contra desvalorização monetária, tendo valorizado consistentemente ao longo do ano. Recomendamos manter posições nestes ativos como hedge estrutural, não como aposta tática, representando entre 1%-3% do portfólio total para diversificação e proteção de cauda.
Palavras Finais
Setembro entregou retornos sólidos praticamente em todas as classes de ativos, confirmando a tese de “dólar fraco” e reabertura de apetite por emergentes. O Brasil capturou esses fluxos graças ao carry excepcional de 10% ao ano em termos reais, mas agora precisa provar que consegue manter a disciplina fiscal necessária para sustentar essa atratividade.
Outubro será um mês de definições: globalmente, os dados de emprego americanos dirão se o Fed pode manter cortes graduais ou precisará acelerar; localmente, o debate sobre o Orçamento de 2026 e as articulações eleitorais começam a ganhar corpo.
A recomendação é clara: aproveitar o carrego generoso da renda fixa brasileira, reduzir exposição tática a ativos mais arriscados após o rali, mas manter posições estruturais em tecnologia global e ativos reais (ouro/Bitcoin) como proteção contra os riscos sistêmicos que continuam latentes no sistema financeiro global.
A festa continua, mas talvez seja hora de se aproximar da saída, mantendo um olho na pista e outro na porta.