O objetivo desse documento é tentar enriquecer o debate sobre o porquê da evolução dos preços da gasolina e tentar traçar soluções e propor medidas para que a gasolina pese menos em nossos bolsos. Aqui vamos entender como é composto o preço que chega as bombas de gasolina e quais as variáveis que fizeram com que chegássemos onde estamos.
Direto ao ponto: A principal variável responsável pela performance recente nos preços dos combustíveis é o câmbio. À medida que a Petrobras precisa seguir a paridade de preços internacionais – e evitar o custo multibilionário do subsídio ao combustível e derivados – a recente desvalorização do Real (R$) frente ao dólar (US$) fez com que o preço nas bombas disparasse. Somados a isso, os efeitos adversos da pandemia fez com que a atividade econômica desacelerasse e que o desemprego saltasse – piorando assim o sentimento da população em relação a tal insumo tão essencial nas famílias brasileiras. Outras variáveis relacionadas à composição do preço final ao consumidor que também possuem sua parcela de culpa são: preço internacional do petróleo, impostos e custos operacionais, mas de maneira menos acentuada que aquela ocasionada pelo câmbio a medida que os preços da commodity estão longe de estarem operando próximos aos seus topos históricos.
Preço da gasolina está lá em cima! O ano de 2021 está sendo marcado por uma expressiva evolução nos índices inflacionários nos últimos doze meses: IPCA e IGPM alcançaram 8,9% e 31,1%, respectivamente. Observando a evolução do preço médio na bomba nos últimos anos, podemos observar que o preço médio de revenda no Brasil alcançou o seu topo em níveis nominais: R$5,81 por litro.
Começando pelo básico: O Petróleo e seus derivados
Entendendo o Petróleo. O petróleo é uma Commodity, uma palavra do inglês que significa “mercadoria”. Esse termo se difundiu no “economês” para referir-se a um determinado bem ou produto de origem primária comercializado nas bolsas de mercadorias e valores de todo o mundo e que possui um grande valor comercial e estratégico. Dentre algumas características desejáveis para ser chamada de commodity, temos:
- Produção em Larga Escala
- Capacidade de ser estocada
- Pouca Industrialização e alto nível de comercialização
- Padrões de Qualidade Mundial
Quando uma determinada matéria-prima é considerada uma commodity, ela tende a ter seu preço estabelecido pelo mercado internacional e não por quem a produz. As commodities podem ter origem agrícola (soja, açúcar, laranja, milho, etc), financeiras (dólar, euro, reais, etc), minerais (etanol, ouro, minério, etc) e outros.
Padrões. É importante notar que uma commodity precisa ter um determinado padrão, seja em relação a sua pureza, dimensões e outras qualidades. Se por um lado commodities de origem agrícola podem ser diferenciadas por suas dimensões ou sabores, commodities minerais são, geralmente, diferenciadas pelo seu grau de pureza. Com certeza você já ouviu falar dos quilates, que é a medida de pureza do ouro. O minério de ferro é outra commodity que tem seu preço determinado pelo seu grau de pureza (medido termos percentuais). Tal definição existe porque estes produtos são encontrados disponíveis na natureza e naturalmente apresentam condições diferentes ao redor de todo o mundo.
O Petróleo não é o mesmo ao redor do mundo. Quando se fala em preço internacional do petróleo, as grandes referências (benchmarks) são o Brent e WTI. O petróleo Brent é mais famoso e serve como referência para o preço de pelo menos 60% de todo petróleo do mundo, e o WTI precificado principalmente no Canadá e Estados Unidos. O Brent é mais utilizado como referência global do preço do petróleo por ser mais representativo à medida que a maior parte do brent é produzido no oceano, enquanto o WTI é produzido em terra. À medida que o WTI precisa ser transportado de diversas maneiras (ferrovias, por exemplo), ele passa a ser razoavelmente ineficiente para precificação da maior parte do petróleo produzido no mundo. Vale lembrar que Brent e WTI não são as únicas referências de preços do mundo. Na realidade, é importante entender que a classificação do petróleo está relacionada ao seu grau de densidade relativa.
O que é o Grau API? É uma escala que mede a densidade do petróleo cru ou dos produtos refinados. Quanto mais leve (ou menos denso) for o petróleo, mais valor agregado tende a ter o produto após processados na refinaria. Mas antes de mais nada, é importante entender que à medida que a qualidade do petróleo processado nas refinaria tem características distintas, o produto derivado também será distinto. Não faz sentido econômico usar petróleo leve para produzir asfalto ou petróleo pesado para produzir gasolina. Em uma reportagem veiculada pelo caderno de economia da UOL, um dos técnicos da Agência Nacional de Petróleo disse o seguinte:
“Produzir petróleo leve e colocá-lo em uma refinaria, que foi projetada para processar petróleo pesado, você está desperdiçando recursos, não otimizando. Eu sempre gosto de dar esse exemplo. É como pegar um vinho nobre e transformar em sagu [sobremesa com mandioca e vinho]. Você estaria desperdiçando, porque o sagu deveria ser feito com vinho barato.”
Produção Nacional de Petróleo. A Agência Nacional do Petróleo publica mensalmente a produção de petróleo do país (Link) em milhões de barris de óleo equivalente por dia (MBoe/dia). Perceba como devido à evolução da produção do Pré-sal, hoje, produzimos mais petróleo do que consumimos. Outra informação interessante é como é dividida a produção do petróleo de acordo com a sua densidade. Como podemos perceber, o percentual de petróleo leve produzido no Brasil é muito pequena (~2,3-2,5%) em relação ao petróleo Médio e Pesado (91,2% e 6,5% em Julho/21, respectivamente).
Autossuficiência. Será? Ou seja, se observarmos a quantidade de petróleo produzida (em barris de óleo equivalente), podemos até achar que o Brasil é autossuficiente, mas, infelizmente, isso não é verdade. O Brasil não é auto-suficiente em petróleo porque não produz petróleo nas proporções exatas de acordo com as nossas necessidades. Sendo assim, o Brasil precisa importar petróleo e derivados nas qualidades necessárias as suas necessidades. Assim como aquela parte da produção que vai além das suas necessidades são exportadas.
Paridade de preços internacionais. À medida que o Brasil não é verdadeiramente autossuficiente, a Petrobras precisa vender seus produtos/derivados ao preço de mercado internacional. Caso o contrário, irá incorrer em perdas financeiras via subsídio dos derivados a serem vendidos no mercado interno. Apesar disso tudo, perceba que a evolução da produtividade dos campos do pré-sal fizeram com que a necessidade de importações caísse tanto em termos de quantidade importada de barris quanto no volume total gasto para essas importações.
Importações: o caso do Arábia Saudita e da Venezuela. A ideia de importar petróleo mesmo com a quantidade produzida internamente pode soar estranha, mas não é. Pegando o caso mais extremo de todo o mundo, vamos dar uma olhada na Arabia Saudita. De acordo com o anuário da ANP, o país é o segundo maior produtor de petróleo de todo o mundo, alcançando a produção diária de 11.8 milhões de barris por dia (2019) versus o consumo de “apenas” 3.8 milhões de barris/dia. Mesmo assim, apesar do excedente produzido em relação ao seu consumo, a Arábia Saudita precisa importar petróleo e derivados. mesmo que em menor intensidade que em outros países. Para fins explicativos, colocamos no gráfico abaixo o caso da Venezuela (ainda que os motivos de sua produção/consumo e necessidade de importação esteja muito influenciada pelos acontecimentos no país na última década.
Quão cara é a gasolina no Brasil? À despeito do discurso popular e fortalecendo a nossa tese relacionada à desvalorização cambial, o Brasil não tem a gasolina mais cara do mundo. Na realidade, entre 167 nações do mundo, Brasil tem a 88º gasolina mais cara do mundo – “no meio do caminho”, por assim dizer. Ou seja, como já dissemos antes, a evolução do preço da gasolina está mais relacionada à recente desvalorização cambial do que a evolução do próprio preço do petróleo.
E o poder de compra? Em uma tentativa de interpretar o sentimento da população em relação ao preço da gasolina, resolvemos tentar observar a quantidade de litros que o salário mínimo conseguiria comprar. O que podemos observar é que, apesar da evolução nominal do salário mínimo ao longo dos anos, a recente desvalorização do real em relação a um produto dolarizado trouxe, naturalmente, uma redução no poder de compra do consumidor.