A Getnet, empresa de processamento de pagamentos, está próxima a concluir cisão do Santander, o que deve ocorrer no final de outubro com a listagem da adquirente na B3 e na Nasdaq. A cada 4 ações de Santander (2 units), o acionista receberá 1 ação da Getnet. A empresa pretende expandir sua relação, além do Santander, com outros parceiros, na atuação principalmente no e-commerce e concessão de crédito. A Getnet deverá utilizar o balanço de terceiros, dentre eles o Santander para originar crédito, mitigando o risco de inadimplência. Já nos produtos de pré-pagamento, a operação deve ficar 100% dentro de casa. Na nossa visão, a cisão vem em um contexto de oportunidade para a companhia, dado que atingiu um market-share equivalente ao do banco através da utilização do canal do Santander, parceria que constituiu a principal vantagem competitiva nos últimos anos. No contrato comercial firmado, a adquirente terá de pagar uma comissão ao banco por todo cliente advindo do seu canal. Contudo, se por um lado as condições da interação inferem em riscos de dissinergias, por outro lado, a Getnet poderá agora vislumbrar outras avenidas de crescimento.
Pontos positivos:
- E-commerce. A Getnet vem ganhando participação relevante no e-commerce, segmento com alto potencial de crescimento dada a baixa penetração ante varejo total. As vantagens competitivas da companhia, como menos fraudes e maior aprovação de transações, podem ampliar a relevância.
- Regulação. O banco central permitiu que mais instituições financeiras tivessem acesso aos recebíveis de cartão para conceder crédito, dentre elas adquirentes. A Getnet poderá aproveitar a oportunidade para a concessão de “crédito fumaça” (crédito com garantia do fluxo de recebíveis de cartão).
- Market share. Desde 2013, a Getnet ganhou 13 p.p. de participação de mercado, em função da capacidade de distribuição do canal bancário, que deverá continuar a ser utilizado mesmo com fusão.
- Parcerias. A Getnet tem buscado novas parcerias, por exemplo, para originar crédito, podendo ampliar seu crescimento.
- Asset light. Por utilizar o balanço de terceiros para a concessão de “crédito fumaça”, a empresa apenas ganha uma comissão de distribuição do crédito.
- Pré-pagamento. A Getnet possui uma penetração da antecipação de recebíveis de 40% do TPV (volume financeiro de cartão de crédito), alto, se comparado a pares do setor.
Pontos negativos:
- Dissinergias. A utilização do canal bancário do Santander para distribuir os produtos da Getnet constituíram a principal vantagem competitiva da companhia, podendo haver dissinergias com a cisão.
- Take rate. Com mudança do mix de clientes, a Getnet vem perdendo margem e take rate, o que pode continuar dependendo da agressividade da companhia em ganhar market share principalmente em grandes contas, que geralmente são menos rentáveis.
- Centrais de recebíveis. A Stone reportou problemas com as centrais de recebíveis que comprometeram a inadimplência e paralisaram as originações. A continuidade de tais problemas pode dificultar o crescimento do “crédito fumaça” na Getnet.
O Spin-off (cisão)!
O Santander avançou no processo de Spin-off de sua controlada, a Getnet. Desde março de 2021, a adquirente não está mais inserida nos demonstrativos do Santander Brasil, após fev/21 onde os acionistas aprovaram a cisão das duas empresas. Esperamos que listagem da Getnet na B3 e na NASDAQ seja feita até o final de outubro, uma vez já obtidas as aprovações e registros do banco central, da CVM e da SEC (comissão de valores mobiliários americana).
Segundo o Santander, o Spin-off tem como objetivos: dar maior flexibilidade à adquirente para implementar sua estratégia, expandindo a franquia internacionalmente; permitir que a Getnet tenha acesso ao mercado de capitais com autonomia na gestão da estrutura de capital e, fortalecer o posicionamento da Getnet na estratégia da PagoNxt, empresa de pagamentos global do Santander Espanha, controlador do banco no Brasil. O banco justifica que a operação deva destravar valor, tendo em vista o espaço conquistado entre 2013 e 2020, período em que passou de 3% de market share para 16%.
Ontem, segunda-feira (27/09), a Getnet organizou uma reunião com analistas de sell-side a fim de esclarecer quais são os próximos passos do processo de listagem, as parcerias estabelecidas com o banco após a cisão e a estratégia de crescimento da adquirente. A companhia acredita que pode continuar ganhando market share, recuperando margens e mix, perdidos com a pandemia e ganhar tração no varejo digital.
A bola da vez: crédito asset light
Da mesma forma que tem se tornado cada vez mais recorrente entre fintechs, a Getnet deverá passar a conceder crédito para capital de giro com garantia de recebíveis, operação conhecida como “crédito fumaça”, utilizando o balanço de um banco parceiro para a originação. O modelo possibilita que o risco de inadimplência fique com o banco e mitiga a necessidade de captação de recursos para crescer, estrutura asset light. Em contrapartida, a adquirente recebe uma comissão do banco parceiro pela originação.
A Getnet pretende utilizar o spin-off como oportunidade para adquirir novos parceiros. A companhia utiliza também, além do balanço do Santander, o dos bancos Original e Pine. Do lado da antecipação de recebíveis, operação onde a adquirente antecipa o pagamento ao lojista, geralmente efetuado em D+30, para D+2, a Getnet manterá a operação em casa (in house), em decorrência provavelmente do menor risco desta modalidade de crédito. Hoje, a antecipação tem uma penetração de 40% do TPV.
Pagamento é tech!
Uma das oportunidades observadas pela Getnet é crescer no segmento do e-commerce, cuja penetração no Brasil é de somente 3% ante a 8% dos EUA, 15% do Reino Unido e 16% da China. A adquirente acredita ter vantagens competitivas para obter ganhos de market share no digital, tais como um menor índice de fraude por 3 anos consecutivos, uma maior taxa de aprovação, uma plataforma para criação de lojas digitais e um ecossistema de serviços completo, a partir do conceito de one-stop-shop.
Até o momento, a Getnet tem tido êxito em sua estratégia digital, apresentando um crescimento de TPV no e-commerce a uma taxa anual composta de 94% entre 2018 e 2020. Além disso, a empresa atingiu até março uma participação de mercado de 33%, consolidando a liderança no segmento.
Mantendo as origens
A fim de manter a parceria com o Santander, que na nossa visão foi o maior atributo da Getnet na construção de sua trajetória de sucesso, a adquirente continuará tendo acesso às mais de 3k agências, 20k vendedores e 110 pontos de atendimento do banco, termos firmados através de um acordo comercial. Em contrapartida, a Getnet irá remunerar o Santander por todo cliente gerado através do canal bancário.
O acordo estabelece direito de exclusividade para o uso do canal bancário sem prazo para término, mas pode ser revisto a qualquer momento. Além disso, apesar de a adquirente ter dito que funcionários do banco não seriam trazidos, tendo em vista os 1,2k já dedicados, algumas pessoas de seu alto escalão são herança do banco, a exemplo de André Parize, ex CFO do Santander, que assumiu o mesmo cargo na Getnet. No futuro, a adquirente deverá ser controlada pela PagoNxt, holding que consolidará a estratégia do Santander Espanha para o segmento de pagamentos do grupo.
Desafios no curto prazo
Na pandemia, a Getnet perdeu volumes referentes ao meio da pirâmide, constituídos em sua maioria por pequenos e médios varejistas, a exemplo de postos de gasolina e restaurantes, nichos aos quais a companhia tem exposição elevada. A perda de volumes no meio da pirâmide foi mitigada pelo ganho de participação no topo da pirâmide, com uma expansão da base de clientes em grandes varejistas. Dentre seus clientes, a Getnet já conta com empresas como Cobasi, PagueMenos, Shell, Starbucks, dentre outras.
A mudança do mix de clientes traz dúvidas em relação à manutenção do take rate, correspondente ao percentual do TPV transformado em receitas e das margens. A participação dos clientes de pequeno e médio varejo na carteira da adquirente, que antes da pandemia chegava a 60%, alcançou 40% no pior momento da paralisação econômica, atingindo patamares de 45% atualmente. Geralmente, clientes do topo da pirâmide possuem um volume transacionado superior e um take rate mais baixo.
O impacto da mudança já pode ser sentido nos demonstrativos de resultado, com a piora das margens líquidas de 21,56% no 1S20 para 14,9% no 1S21. A Getnet sinalizou que o take rate deve se recuperar, ao menos em parte, em função da retomada dos pequenos e médios varejistas, mas não a patamares anteriores. A empresa estima que a carteira deverá ter uma concentração de 50% de pequenas e médias varejistas até o final de 2021.
Valuation Preliminar
A fim de termos uma aproximação de quanto poderia valer a Getnet com a listagem, fizemos um exercício comparando-a com a Stone e Cielo através do múltiplo preço/lucro (P/L). A Cielo possui uma concentração superior nos clientes do topo da pirâmide que, como comentamos, possuem um take rate inferior. Já a Stone possui uma base de clientes mais concentrada no meio da pirâmide, o que amplifica seu take rate. Por atuar tanto no topo quanto no meio da pirâmide, assumimos um P/L para Getnet como a média das comparáveis. Vale ressaltar que este calculo é somente um exercício e que o modelo de valuation será feito posteriormente.
Com um lucro de R$ 490 milhões em 2020 e uma capitalização de mercado de R$ 6,5 bilhões, o múltiplo P/L da Cielo é de 13,35x. Já a Stone teve um lucro no mesmo ano de R$ 837 milhões e possui um valor de mercado de R$ 63,9 bilhões tomando como base um câmbio de R$/US$ 5,38, atribuindo-lhe um P/L de 76,32x. Portanto, tendo em vista o lucro da Getnet de R$ 361 milhões e o P/L médio de comparáveis de 44,84x P/L chegamos a um valuation de R$ 16 bilhões para a companhia. Considerando o total de units do Santander de 3,75 bilhões e a proporção de 1:4 da cisão, o valor por unit de Getnet seria de R$ 17,30 para um market cap de R$16 bilhoes e P/L 2020 de 44,8x.