Cenário Doméstico
Governo: Mais detalhes do Novo Arcabouço Fiscal
O governo encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar do novo arcabouço fiscal, prevendo o crescimento das despesas em termos reais em no mínimo 0,6% e no máximo 2,5% no ano, a depender do crescimento das receitas recorrentes acumuladas em 12 meses até junho do ano anterior e do cumprimento da meta de resultado primário.
Na nossa avaliação, a regra apresentada pelo governo por si só não é capaz de estabilizar a dívida pública em um patamar razoável nos próximos anos, de modo que, seu sucesso depende exclusivamente da capacidade do novo governo em aumentar a arrecadação em cerca de R$ 250 bilhões nos próximos anos. Nossas estimativas indicam que caso o governo falhe em elevar suas receitas, a relação dívida/PIB atinja o patamar de 89,4% do PIB ao final de 2026, substancialmente acima do nível projetado pelo governo (77,3%).
Entretanto, as tentativas frustradas em um passado recente mostram que aumentar as receitas não será uma tarefa simples. O Brasil possui uma elevada carga tributária, tornando a elevação/criação de tributos um grande desafio devido ao seu elevado grau de impopularidade. Os episódios recentes marcados pela dificuldade da equipe econômica em aprovar o retorna da cobrança de tributos federais sobre combustíveis, da tributação do IPI e o revés na discussão em torna da tributação de compras de até US$ 50 de sites no exterior ilustram o nosso ponto de vista.
Embora o projeto entregue tenha ficado em linha com as expectativas de mercado, a apresentação do novo arcabouço trouxe consigo algumas surpresas. Na nossa avaliação, os principais pontos negativos ficaram por conta da descaracterização do não cumprimento da meta de resultado primário como Crime de Responsabilidade Fiscal, passível de impeachment; e o fim da obrigatoriedade do contingenciamento de despesas em caso de descumprimento das metas estipuladas. Acreditamos que o fim do enforcement do cumprimento da meta de primário eleva significativamente os riscos de não convergência da dívida no longo prazo, que de acordo com o nosso cenário deve ocorrer apenas em 2033 em um patamar ao redor de 95% do PIB, ou seja, na beira do precipício.
Atividade Econômica: Vetores em ambas as direções
Em fevereiro, os indicadores mensais de atividade apresentaram resultados melhores que a expectativa do mercado para a variação na margem. Em geral, o cenário macroeconômico adverso, com a Selic sendo mantida em 13,75% a.a. por mais tempo, a inércia inflacionária e a elevação da inadimplência das famílias, tem feito com que a atividade se contraia gradativamente.
Com mais uma retração, a produção industrial acumula queda de 0,6% nos últimos três meses, sendo amplamente afetada pela expectativa de desaceleração global, em meio às políticas monetárias contracionistas nas economias desenvolvidas, e por uma recuperação não tão vibrante da China após a reabertura. Pelo lado oferta, temos visto uma melhora nos indicadores globais que medem a pressão sobre as cadeias de suprimento, com os índices já tendo recuado para os patamares que vigoravam antes da eclosão da pandemia, o que se configura como um vento favorável para a produção.
Já o varejo teve a sétima expansão na comparação interanual, ainda que seis das oito atividades analisadas pela pesquisa tenham apresentado taxas negativas no mês. Na comparação em trimestres móveis, o volume de vendas no varejo apresentou alta de 0,2% frente ao trimestre móvel encerrado em janeiro, sendo possível observar nesta métrica a tendência de estabilidade que vem se desenhando nos últimos meses. Como fator positivo, a expansão das políticas de transferência de renda e um mercado de trabalho ainda aquecido devem limitar o impacto dos vetores negativos sobre o setor.
Por fim, o setor de serviços se encontra 11,5% acima do nível pré-pandemia e apenas 2,0% abaixo do ponto mais alto da série histórica. Diante disso, o resultado demonstra que o setor de serviços ainda pode ser beneficiado pelas atividades de tecnologia da informação e transportes, o que pode ser explicado pela mudança no perfil de consumo impulsionado durante a pandemia, ainda que já seja possível notar uma perda de tração. Além disso, os serviços prestados às famílias também apontam nesta direção, dado o cenário econômico desfavorável. Assim, esperamos que 2023 seja de certa estabilidade para o crescimento dos principais setores da atividade.
Mercado de Trabalho: Tendência de desaceleração se consolida
Em março, o indicador de criação de postos de trabalho formal superou o teto das projeções do mercado. Apesar disso, mantemos nossa visão de que esta não é a dinâmica que o mercado de trabalho desempenhará nas próximas leituras. Como embasamento para esta tese, ressaltamos a desaceleração do número de postos criados no acumulado no ano até março, que passou de 619,3 mil em 2022 para 526,2 mil em 2023. Além disso, a análise dos dados dessazonalizados nos revela que houve contração de 7,2% m/m no número de admitidos e queda de 14,6% m/m no saldo de desligamentos na passagem de fevereiro para março, sinalizando que o resultado no mês está associado a um menor número de demissões ao invés de uma recuperação no número de contratações. Ademais, o bom desempenho do resultado geral foi liderado pelo setor de serviços, cuja dinâmica de preços apresenta maior inércia inflacionária, reforçando o argumento que defende a manutenção da postura firme por parte do BC no que diz respeito à condução da política monetária.
Na mesma direção, tivemos mais um aumento da taxa de desemprego em março (8,8%). No primeiro trimestre de 2023, houve a terceira contração consecutiva do contingente de população ocupada na comparação trimestral, enquanto houve a segunda expansão de desocupados, sendo que a taxa de março apresentou forte aceleração (10,0% t/t ante 5,5% t/t no mês anterior). Assim, na mesma direção, a taxa de participação apresentou sua sexta queda, o que mostra a perda de força do mercado de trabalho e, em nossa visão, reflete os efeitos da expansão das políticas de transferência de renda.
Crédito: Desaceleração gradativa e sem rupturas
O saldo das concessões de crédito apresentou a décima desaceleração consecutiva no mês de março, acumulando queda de 5,7 p.p. desde junho do último ano. Em linha com o forte ciclo de aperto monetário, a taxa média de juros das operações de crédito voltou a acelerar em março, com continuação da aceleração no quarto mês consecutivo para pessoas físicas e volta de incremento para pessoas jurídicas após uma forte queda no mês anterior. Nesse contexto, as taxas de inadimplência seguem em aceleração, sendo que, no crédito livre, a inadimplência das famílias renovou o patamar mais elevado desde out/16. Portanto, o mês de março demonstra que o cenário de desaceleração do mercado de crédito tem se mostrado gradativo e sem rupturas, aliada a uma deterioração da qualidade das concessões. Assim, somada a uma percepção negativa acercado do Novo Arcabouço Fiscal apresentado até aqui que, em nossa visão, não será capaz de estabilizar a dívida pública, esperamos que a taxa básica de juros seja mantida em 13,75% a.a. por mais tempo, dando continuidade ao atual ritmo de desaceleração das concessões.
Inflação: Mesmo com recuo dos índices, desoneração de combustíveis é forte vetor de alta
As divulgações de abril demonstraram que os índices de preços tiveram uma desaceleração melhor que a esperada pelo mercado. Como fator de alta, a gasolina foi destaque tanto no IGP-M quanto no IPCA-15 do mês, influenciado pela volta gradativa da incidência do ICMS sobre o item.
Com o resultado do IGP-M em abril, o espaço para repasses da inflação ao nível do produtor para o consumidor diminuiu. A forte deflação registrada pelo IPA Agrícola confirmou o bom momento que vive o setor agropecuário e reforçou a nossa tese de que esse setor registrará um forte crescimento neste ano. O aumento da oferta de alimentos deve continuar a aliviar a pressão sobre os preços, de modo que o IPA agrícola deve continuar a registrar contribuições negativas para o índice cheio.
Do lado dos itens mais voláteis ao consumidor, energia e alimentos apresentaram forte contribuição positiva, sendo que para o restante do ano, o cenário para esses dois itens é promissor dado o elevado nível dos reservatórios e a expectativa de manutenção da bandeira tarifária verde sobre a energia elétrica, e a projeção de um ano de forte crescimento do setor agropecuário, aumentando a oferta de alimentos e aliviando a pressão sobre os preços.
Já a desaceleração na variação em doze meses do IPCA-15, que já está ocorre há doze leituras, deve ser interpretada com cautela, tendo-se em vista que o efeito base da inflação elevada nos meses de fevereiro a abril de 2022 sobre o índice deve beneficiar o arrefecimento desta métrica nos próximos meses. Além disso, outras medidas de inflação como a média dos 5 núcleos (7,49% a/a), que já desacelera há dez leituras, somente agora começaram a apresentar uma desinflação mais expressiva, mas ainda se encontram em patamares que não estão em consonância com a meta de inflação. Entretanto, a partir do segundo semestre, o oposto será observado com o fim dos efeitos deflacionários das desonerações aprovadas no último ano sobre o acumulado em 12 meses, levando a dinâmica de preços para uma trajetória altista.
Cenário Externo
Estados Unidos
Resultado do PIB não foi tão fraco como o número do trimestre fez parecer
A primeira prévia do PIB americano veio bem abaixo das expectativas dos analistas de 1,9% t/t, com a economia avançando 1,1% t/t a uma taxa anualizada no 1º trimestre de 2023. Apesar dos desdobramentos da crise bancária recente, da divulgação do Livro Bege ter mostrado queda no volume e na demanda por empréstimos para pessoas físicas e jurídicas, e de sinais mistos em diversos indicadores, a divulgação do PIB não representa um número tão fraco como o resultado para o período pareceu indicar.
A combinação de dois fatores, métricas de consumo fortes tanto das famílias como do governo aliadas a uma variação de estoques negativa, contribuiu para que os dados do PIB apresentassem um viés inflacionário. É provável que a recomposição desses estoques não deve enfrentar as mesmas dificuldades que enfrentou durante o período de pandemia, uma vez que as cadeias de suprimentos globais já se normalizaram. Mesmo assim, a métrica de inflação nuclear do índice de preços dos gastos de consumo pessoal (PCE price index) trouxe surpresas altistas, avançando 4,9% no primeiro trimestre e registrando o seu maior ritmo em um ano. Isso pode fazer com que o banco central norte-americano (Fed) tenha que continuar a elevar a taxa de juros em 25 pontos-base não só na próxima reunião de maio como na de junho também.
Apesar do arrefecimento das métricas de inflação de bens e serviços, o núcleo de inflação só se reduziu em 0,1 p.p, deixando a inflação em patamares que ainda não estão em consonância com a meta do banco central norte-americano (Fed) de 2,0% ao ano. Na divulgação da primeira prévia do PIB trimestral vimos que a combinação de dois fatores, consumo forte tanto do governo como das famílias aliado a uma formação de estoques negativa que contribuiu para retirar 2,26 p.p do PIB, colaborou para manter a inflação pressionada nesse primeiro trimestre do ano. Olhando à frente, um ponto positivo é que essa variação negativa de estoques não deve continuar pesando negativamente sobre a inflação nos próximos meses, visto que a recomposição desses estoques não deve enfrentar as mesmas barreiras de oferta que estavam presentes no período da pandemia. Ainda assim, esse cenário de inflação pode fazer com que o Fed eleve a taxa de juros em 25 pontos-base em reuniões subsequentes a de maio.
A poupança pessoal saltou de US$ 951,6 bilhões para US$ 1,0 trilhão na métrica mensal anualizada na passagem de fevereiro para março, de modo que a taxa de poupança pessoal como proporção da renda disponível subiu de 4,8% para 5,1% no mesmo período. O fato de a renda pessoal disponível avançar mais do que os gastos com consumo pessoal em termos reais permitiram com que a poupança pessoal continuasse a sua trajetória de elevação, que já se estende desde outubro. Isso ajuda a dar ainda mais sobrevida ao estoque de excesso de poupança das famílias acumulado na pandemia, que atualmente se encontra próximo de US$ 1,4 trilhão. Num cenário no qual os desdobramentos da crise bancária recente ainda são presentes, apesar de ela ter sido contida, essa queda mais lenta do que a anteriormente prevista do excesso de poupança das famílias parece ser o único fator a impedir que a economia norte-americana entre em um quadro de atividade baixa e inflação alta (estagflação).
Zona do Euro
Atividade econômica exibe sinais mistos
Na Zona do Euro, assim como no caso dos EUA, as vendas no varejo surpreenderam para baixo (-0,8% m/m; expectativa: -0,7% m/m) e a produção industrial surpreendeu para cima (1,5% m/m; expectativa: 1,0% m/m). Pesam sobre a atividade econômica a inflação e os juros altos que continuam pressionando o orçamento das famílias, além do fato de que a crise bancária resultou em alguma redução na oferta de crédito. A indústria continua a exibir números fracos, expressos nos PMI industriais abaixo de 50 (nível que indica contração da atividade). O setor mais vibrante da economia europeia continua a ser o de serviços, que vem acelerando desde o início do ano em todas as principais economias da região. A resiliência mostrada por esse setor, que tem sido o “carro chefe” da recuperação econômica no pós-pandemia e é intensivo em mão-de-obra, contribui para retardar a desaceleração do mercado de trabalho e da inflação. Em um processo iniciado com a pandemia, o excesso de poupança das famílias ainda segue em trajetória de crescimento, o que ajuda a sustentar o consumo apesar do nível elevado de preços.
A preocupação com os níveis de preço segue sendo protagonista no cenário econômico. Apesar do CPI ter vindo em linha com o esperado, o núcleo acelerou 0,1 p.p. na passagem de fevereiro para março saindo de 5,6% para 5,7% a/a. O processo inflacionário se tornou de base mais ampla, não se limitando apenas aos itens voláteis e se tornando mais nuclear.
No tocante a política monetária, os diretores do Banco Central Europeu (BCE) reforçaram a mensagem que a política monetária está entrando em uma fase mais discricionária, na qual a cada reunião o BCE irá se basear em três fatores (projeções próprias para a inflação subjacente, dinâmica da inflação subjacente, efeitos acumulados e a potência da política monetária) para tomar a sua decisão sobre os juros.
Por fim, o fato de os bancos europeus terem de pagar, no final de junho, US$ 525 bilhões em empréstimos tomados junto ao BCE devido ao fim do Programa de Operações Direcionadas de Refinanciamento de Longo Prazo (TLTRO) pode reforçar os temores de uma nova crise bancária, uma vez que o fim abrupto desse programa pode desencadear uma crise de liquidez. Bancos, em sua maioria de países do sul da Europa, se encontram altamente dependentes desse programa, ao mesmo tempo em que não tem recursos suficientes para repagar os empréstimos contraídos. A saída para esse impasse deve passar pelos bancos pegarem mais empréstimos neste ano para honrar os que foram contraídos anteriormente.
China
Segunda economia do mundo terá caminho tortuoso em sua recuperação
Os primeiros dados do ano para a atividade chinesa demonstraram que há sinais de moderada recuperação, com o PIB apresentando crescimento de 4,5% (frente a uma expectativa de 4,0%) e a produção industrial superando as expectativas de crescimento após 5 retrações seguidas em comparação ao mesmo período do ano anterior. Apesar de dados de atividade mais fortes, a inflação ao consumidor abaixo da meta do banco central representa um sinal de baixa demanda interna. Além disso, o alto valor da taxa de desemprego é um dos fatores que mantém a confiança do consumidor em patamar historicamente baixo e retarda o processo de consumo.
Nesse sentido, ao longo de março houve um processo mais fraco que o esperado de normalização da atividade concentradas nos setores de varejo e serviços, que em nossa avaliação, refletem a liberação de uma demanda reprimida por conta da pandemia, que enfrentará desafios para se sustentar nos próximos meses. Nesse contexto, as vendas no varejo avançaram 10,6% a/a e o setor de serviços expandiu 9,2% a/a em março. Em contrapartida, sinais negativos puderam ser observados, sobretudo diante da divulgação do núcleo de inflação que acumulou alta de apenas 0,7% a/a em março, sinalizando uma baixa demanda interna. Além disso, outro ponto desfavorável à atividade se colocou na queda acentuada dos lucros da indústria no primeiro bimestre, mesmo já sem as restrições da política de covid-zero, mostrando que há um efeito inercial negativo. Assim, mais uma vez, é preciso que haja uma melhora da demanda interna para que a confiança do empresariado também se eleve.
Ademais, os indicadores do mercado imobiliário apontam para uma recuperação nesse início do ano, refletindo os efeitos positivos da liberação de uma demanda reprimida e dos suportes promovidos pelo governo. Como destaque, houve crescimento de 7,1% nas vendas de moradias em valor, acelerando em relação ao ganho anual de 3,5% observado no primeiro bimestre do ano. Dessa forma, revisamos nossa projeção de crescimento da economia chinesa em 2023 de 4,8% para 5,0%, refletindo os sinais mais positivos advindos do primeiro trimestre do ano.