Cenário Doméstico
Covid-19: Pico da onda causada pela variante Ômicron já foi superado na maior parte do mundo.
No último dia 26, o Brasil completou um período de dois anos desde que o primeiro caso de Covid-19 foi confirmado em território nacional. Hoje o cenário é bem mais animador, uma vez que o país já marca 20 dias de queda na média móvel de novos casos, em um contexto de ampla cobertura vacinal. A variante Ômicron levou o mundo a registrar recordes inimagináveis de contágio, mas o que se viu na maioria dos países foi uma onda mais passageira e menos letal. A média móvel de óbitos no Brasil está em queda há uma semana, mas ainda está em um patamar alto, visto que em fevereiro o país registrou 22 mil óbitos, o maior patamar desde agosto. Vale ressaltar que os parcialmente ou não vacinados foram as principais vítimas da cepa. Em fevereiro, ultrapassamos a marca das 650 mil mortes pela Covid-19.
Desde o começo do ano, a variante Ômicron fez com que o recorde do número de contágios em um dia fosse quebrado algumas vezes. Mas foi dia 03/02 que o maior patamar foi alcançado, com 298.408 diagnósticos da infecção pelo coronavírus SARS-CoV-2 em 24h. Tendo alcançado o pico da onda, a melhora no cenário foi ganhando força como o esperado pela experiência de outros países, como o Reino Unido e África do Sul que foram pioneiros nessa cepa.
O panorama global, nesse momento, é positivo, com exceção de algumas regiões asiáticas que ainda apresentam aumentos de casos. Apesar do alto nível de cobertura vacinal, China e Vietnã têm experimentado uma escalada nas últimas duas semanas, além dos recordes registrados na Coreia do Sul. No geral, 56% da população global já está totalmente vacinada. Assim, somada à queda no contágio, líderes de alguns países já suspendem medidas de distanciamento e uso obrigatório de máscaras. Como são os casos dos Estados Unidos, no qual algumas unidades federativas já não cobram o uso do item de proteção em ambientes abertos, ou o Reino Unido, onde já não é mais necessário adotar a máscara no transporte público, nas escolas, ou no comércio. França e Austrália já planejam implementar essas medidas em meados de março.
Uma novidade que despertou alertas foi a proliferação da subvariante da Ômicron BA.2. Estudos apontam que ela consegue ser ainda mais infecciosa que a cepa original, no entanto não apresenta sinais de maior gravidade. A OMS destaca uma “vantagem de crescimento” de 63%, o que explica a transmissibilidade e o escape de vacinas. Além de ter se tornado predominante no Reino Unido, África do Sul e Dinamarca, a BA.2 já é expressiva em Portugal, e foi detectada em mais de 70 países.
Os avanços médicos continuaram durante o mês, tendo como destaque a disponibilização pela Fundação Oswaldo Cruz da primeira vacina contra a Covid produzida com IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo) totalmente doméstico, sendo um marco da autossuficiência nacional. Além disso, ainda há a expectativa para o desenvolvimento da vacina brasileira que deve estar pronta para aplicação em 9 meses.
Atividade Econômica: Indicadores setoriais melhores que o esperado, com destaque para o setor de serviços e industrial
Em dezembro, os indicadores setoriais vieram melhores que as expectativas, impondo viés positivo para a atividade econômica no último trimestre do ano. No setor industrial houve crescimento de 2,9% m/m, sendo a primeira taxa positiva para o setor após a sequência de seis taxas negativas. O destaque no mês vai para a produção de veículos, produção de produtos alimentícios e equipamentos de informática. Em 2021, a produção industrial avançou 3,9% concentrado no 1º semestre do ano diante de uma base de comparação muito depreciada. No segundo semestre, com aumento da base de comparação e os diversos problemas nas cadeias produtivas, houve recuo de 3,4%. No ano, a indústria apresentou queda em oito dos doze meses. O ano foi marcado pelo desarranjo das cadeiras produtivas globais que provocaram forte escassez de matéria primas, como por exemplo semicondutores para indústria automotiva, tendo sido frequente a paralisação das plantas industriais ao longo do ano por falta de insumos importantes. Além disso, em um cenário de aumento da inflação global houve forte encarecimento dos custos, penalizando as margens dos produtores, que nem sempre conseguem repassar integralmente para os consumidores, num cenário de atividade econômica fraca e redução do poder de compra real com o aumento dos preços.
Para o setor de serviços, houve avanço de 1,4% m/m, sendo o dobro da expectativa mediana do mercado. Em 2021, o setor de serviços avançou 10,9%, recuperando as perdas ocorridas no ano anterior (-7,8%). O crescimento no ano foi generalizado entre as atividades, apresentando alto índice de difusão. Com o fechamento de estabelecimentos em 2020, os serviços prestados às famílias foram diretamente impactados (restaurantes, hotéis etc.) e naturalmente esperaríamos uma boa recuperação desse setor com o arrefecimento da pandemia ao longo de 2021. Isso se observou nos dados, porém o setor ainda não se recuperou totalmente, estando 11,2 % abaixo do nível pré pandemia (chegou a ficar 62% abaixo). Entretanto, a pandemia trouxe oportunidade para setores que prestavam serviços às empresas como: transporte de cargas, tecnologia da informação, logística de transporte, armazenagem e serviços financeiros. Por exemplo, o setor de informação e comunicação não só recuperou rapidamente as perdas como já está 12,8% acima do nível pré pandemia. Outro setor que merece destaque é o de transporte que está 9,8% acima do nível pré pandemia. O desempenho do setor também não é totalmente homogêneo: o transporte aéreo foi o que sofreu o maior impacto, ainda estando 3,3% abaixo do nível pré. Por outro lado, transportes terrestres e aquaviários já se recuperaram e estão 5,8% e 19,4% acima, respectivamente. Diante desse contexto, vemos ainda o setor de serviços como um importante driver de crescimento ao longo de 2022, com destaque para normalização de serviços públicos, outros serviços e transportes (aéreo).
Já o setor varejista foi o único que recuou no mês (-0,1%), porém apresentando resultado melhor que a projeção mediana do mercado. O crescimento no ano ficou concentrado no primeiro semestre, avançando 6,7% a/a. O forte avanço interanual decorre de uma base de comparação depreciada, uma vez que, no mesmo período do ano de 2020, houve fechamento do comércio por conta da pandemia. O segundo semestre de 2021 apresentou recuo de 3,0% a/a, em um cenário de aceleração inflacionária, problemas nas cadeias produtivas e uma base de comparação maior. O setor que apresentou o maior impacto no varejo no ano foi o de Móveis e Eletrodomésticos (-1,8 p.p. e -7,0% a/a), com oito recuos nos últimos 12 meses. O setor apresenta dificuldade para se adaptar a mudança do padrão de consumo de bens para serviços que ocorreu com o arrefecimento da pandemia. Além disso, esse setor é sensível à taxa de câmbio e vem apresentando dificuldades com a desvalorização cambial ocorrida.
Em relação ao mercado de trabalho, tivemos mais um mês de redução na taxa de desemprego, chegando a 11,1% em dezembro, ficando no piso das projeções de mercado. O resultado para o mercado de trabalho em 2021 foi muito positivo, com a taxa de desemprego recuando de 14,2% para 11,1%, com elevação da força de trabalho em 6,1 milhões de indivíduos diante do crescimento da ocupação em 8,5 milhões de trabalhadores e redução de desempregados em 2,4 milhões. A população ocupada e o número de desempregados já retornaram para patamares similares ao observado no período pré pandemia.
Inflação: IPCA desacelera para 0,54%, porém composição impõe cautela; choques energéticos se dissipam enquanto Alimentos aceleram.
A variação do IPCA em janeiro foi de 0,54% m/m, resultado ligeiramente melhor que o projetado pelo mercado (0,55%, Broadcast). Esta foi a maior variação para o mês de janeiro desde 2016 (1,27%). Apesar da desaceleração inflacionária (0,73% no mês passado), os núcleos de inflação vieram elevados; houve uma elevada taxa de difusão, sendo que oito dos nove grupos e 73,2% dos itens apresentaram aumento de preços; e a pressão sobre os bens industriais permanece alta, avançando 1,22% em janeiro. No ano de 2021, grande parte da aceleração inflacionária decorreu do aumento dos preços administrados, em especial energia elétrica, diante do cenário hidrológico negativo, e dos preços dos combustíveis. Esse fator foi resultado do aumento de 50% do preço do barril de petróleo, potencializado por uma desvalorização cambial de 7% que fez com que a commodity atingisse o preço recorde em reais. Além disso, ainda houve forte pressão inflacionária vinda dos bens industriais, resultado da aceleração do preço das commodities em contexto de recuperação global e dos gargalos nas cadeias de produção que geraram escassez de insumos básicos de produção. Para 2022, o preço dos alimentos vem sendo o principal componente para aumento da inflação, enquanto os choques energéticos já se dissiparam. Entretanto, com o surgimento do conflito entre Rússia e Ucrânia, o preço das commodities energéticas e agrícolas aumentou significativamente, com o petróleo Brent ultrapassando os US$110. Apesar da valorização do real nos últimos meses, o forte aumento do preço do petróleo deve ser sentido no preço dos combustíveis na bomba, mitigando o efeito deflacionário inicialmente projetado para os combustíveis. A Petrobrás não reajusta o preço dos combustíveis nas refinarias há quase 50 dias. Diante do aumento do preço do Brent nas últimas semanas, instituições avaliam que a gasolina pode aumentar em cerca de 80 centavos/ litro e o Diesel 99 centavos/litro. Por outro lado, diante da melhora no cenário hidrológico, a queda no preço da energia elétrica deve ser acentuada a partir do mês de abril com o fim da bandeira de crise hídrica.
Fiscal: Setor público consolidado apresenta superávit recorde de R$101,8 bilhões em janeiro
O setor público consolidado apresentou superávit de R$101,8 bilhões em janeiro, sendo o recorde para toda a série histórica. No mesmo mês do ano passado, houve superávit R$64,4 bilhões (corrigidos pelo IPCA). Esse foi o quinto superávit primário consecutivo. Nos últimos dozes meses, o superávit primário acumulado é de R$108, 2 bilhões (1,2% do PIB). Houve superávit no governo central (R$77,4 bilhões), nos governos regionais (R$20 bilhões) e empresas estatais (R$4,4 bilhões). No acumulado em 12 meses, o superávit decorre do forte resultado dos entes subnacionais (R$102,9 bilhões), além das empresas estatais (R$6,9 bilhões). O governo central, por sua vez, apresenta pequeno déficit de 1,6 bilhão, porém com uma trajetória excelente nos últimos meses, tendo apresentado déficit da ordem de R$750 bilhões há cerca de um ano.
O resultado fiscal no ano passado foi muito positivo, sendo o primeiro superávit primário desde o ano de 2013. E começamos o ano de 2022 com o melhor resultado da série histórica. Entretanto, vale destacar que o resultado de 2021 foi uma combinação de arrecadação elevada com controle das despesas primárias. O significativo aumento de arrecadação decorreu do forte crescimento econômico, mas principalmente pelo aumento dos preços na economia. Além disso, tivemos participação determinante dos estados e municípios para o resultado, em especial a significativa arrecadação de ICMS proveniente dos combustíveis. Combinado a isso, os entes subnacionais conseguiram manter o congelamento de salário dos servidores públicos e tiveram benefício de receitas extraordinárias, como a concessão da CEDAE no Rio de Janeiro. Nesse sentido, ao longo de 2022, o resultado primário deve retornar para o âmbito deficitário, em um cenário de elevação da conta com juros pagos sobre a dívida. Com o aumento da taxa básica de juros (Selic) e das taxas longas, o custo médio para captação da dívida já está em trajetória de crescimento. Com a provável reversão do primário para território negativo, a conta com juros pressionará o resultado nominal dos próximos anos. Com isso, a relação dívida/PIB apresentará reversão e aumentará nos próximos anos, em uma combinação de baixo crescimento, permanência de déficits primários e elevado juro real.
Dessa forma, diante de um quadro fiscal que vem mostrando recuperação, porém ainda permanece frágil, medidas populistas que visam angariar benefícios eleitorais de curto prazo aumentarão o risco no cenário base fiscal. As discussões de novas medidas que visam aumentar gastos sociais em ano eleitoral (PEC dos Combustíveis, reajuste salarial de servidores públicos, subsídios ao transporte público e desoneração de tributos) pioram substancialmente a percepção dos agentes em torno do arcabouço fiscal que já se encontra bastante debilitado. Será importante monitorar o desfecho dessas propostas, que serão importantes sinalizadores para o arcabouço fiscal a ser adotado, uma vez que parte significativa da credibilidade foi perdida com a aprovação da Pec dos precatórios.
COPOM: Banco Central aumenta Selic para 10,75% a.a.
Em sua última reunião, ocorrida no início de fevereiro, o Banco central decidiu aumentar a Selic em 1,5 p.p. para 10,75% a.a. Porém, diferentemente das reuniões anteriores, deixou em aberto a magnitude dos próximos aumentos, enfatizando que não serão da mesma ordem de grandeza dos ajustes anteriores. No cenário doméstico, o comunicado destacou que os dados para atividade econômica no quarto trimestre vêm apresentando desempenho acima das expectativas, principalmente no mercado de trabalho. Por outro lado, a inflação ao consumidor permanece surpreendendo negativamente, tanto nos itens mais voláteis quanto nos núcleos. Além disso, o comunicado destaca que apesar do resultado positivo para as contas públicas, o risco fiscal ainda permanece elevado, colocando pressão sobre expectativas para inflação. Já em relação ao cenário externo, o comitê destacou que o ambiente segue menos favorável com a maior persistência inflacionária nos EUA, elevando o risco de um aperto da política monetária americana. Além disso, destaca que a nova onda de Covid-19 aumentou a incerteza no cenário de atividade econômica global, ao mesmo tempo que posterga a normalização das cadeias globais de produção.
Revisamos nossa projeção para Selic terminal em 12,5%, com fim de ciclo em junho. Ou seja, projetamos mais três aumentos consecutivos com magnitudes decrescentes (1,0 p.p., 0,5 p.p. e 0,25 p.p.). Avaliamos que a taxa Selic pode ser reduzida conforme a taxa de inflação for desacelerando (2º semestre de 2022), caso contrário poderemos ter um juro real extremamente elevado. Elencamos alguns riscos ao cenário base para Selic: elevação do risco fiscal (ampliação de despesas e/ou desoneração de tributos); desancoragem das expectativas de inflação; aumento da taxa de juros americana em ritmo maior que o esperado; riscos associados ao cenário base de inflação como: a não reversão no preço das commodities em um cenário de recuperação global que comprometa a trajetória de arrefecimento dos preços; desvalorização cambial excessiva em ano eleitoral com aumento das incertezas políticas em um ambiente de polarização.
A política monetária já está em território contracionista e avançará ainda mais. A taxa de juros real está acima de 6%, em patamar similar ao observado nos anos de 2015-16. Com uma defasagem de 2 a 3 trimestres, a política monetária terá impactos significativos sobre a atividade econômica. Um primeiro sinal que já vem sendo observado é a redução nas concessões de crédito, com o encarecimento das linhas de financiamento, que perderão ainda mais potência ao longo do ano. Além disso, dívidas/passivos de famílias e empresas devem ser afetadas. Será importante monitorar a taxa de inadimplência ao longo do ano, que permanece em patamares historicamente baixos. Diante das reformas econômicas ocorridas nos últimos anos no mercado de crédito, que reduziram as taxas de juros subsidiadas com a diminuição do BNDES na economia, a política monetária ganhou potência. Ou seja, uma mesma taxa de juros, hoje, tem um impacto maior na atividade que em anos anteriores. Isto é, a elasticidade entre juros e atividade aumentou.
Cenário Externo – Estados Unidos
Atividade: Varejo e Indústria surpreendem positivamente o mercado com os fortes avanços em janeiro
No último mês, foram divulgados os dados de atividade referentes a janeiro. Nesse sentido, tanto a indústria quanto as vendas no varejo vieram melhor que o consenso de mercado com avanços significativos na margem.
Por um lado, a produção industrial americana avançou 1,4% m/m, superando a expectativa de mercado de avanço mais modesto de 0,4% m/m. Com este resultado, o setor se recupera da leve queda de 0,1% m/m observada no mês anterior, beneficiado pelo avanço de 9,9% m/m de utilities, a maior expansão desde o início da série histórica em 1972, devido ao aumento da demanda por aquecimento. A indústria manufatureira avançou 0,2% m/m, diante do avanço da produção de máquinas e equipamentos elétricos ter sido parcialmente compensada pela queda na produção de veículos e derivados de petróleo. Por fim, a indústria extrativa avançou 1% m/m em janeiro. Com isso, a produção industrial americana avançou 4,1% a/a em janeiro, seguindo um avanço revisado (+0,1 p.p.) de 3,8% a/a na expansão observada no mês de dezembro. Para fevereiro, o PMI da indústria avançou 1,8 pontos refletindo uma recuperação mais forte do setor manufatureiro decorrente de uma produção mais acentuada e expansões de novos pedidos que contribuíram para o crescimento do indicador. Com este resultado, o índice alcançou o patamar de 57,3 pontos, ficando acima do nível neutro (50), indicando expansão do setor no mês.
Na mesma direção, as vendas no varejo apresentaram forte avanço de 3,8% m/m, a maior expansão em 10 meses, se recuperando do forte recuo de 2,5% m/m observado em dezembro, devido ao recrudescimento da pandemia com o avanço da variante Ômicron. Este resultado aponta para a resiliência do consumo nos EUA mesmo diante da manutenção dos indicadores pandêmicos em patamares elevados durante o mês de janeiro e do maior nível inflacionário observado nas últimas quatro décadas. O avanço em janeiro veio melhor que o esperado pelo consenso de mercado que aguardava uma expansão de 2% m/m. As principais contribuições foram observadas no segmento de varejistas sem loja (14,5% m/m); vendas de móveis (7,2% m/m); e vendas de automóveis (5,9% m/m). Já para o mês de fevereiro, o indicador de confiança do consumidor da universidade de Michigan recuou 4,4 pontos para 62,8, o menor nível nos últimos dez anos. Este resultado se deu pela piora da percepção dos agentes no que diz respeito à persistência inflacionária, que se encontra no maio nível em 12 meses desde 1982, de um eminente aperto monetário para conter a elevada inflação, queda na confiança da condução de política econômica por parte do governo e de expectativas mais negativas de longo prazo para atividade econômica.
Além disso, tivemos a divulgação dos dados referentes a criação líquida de empregos nos EUA (Payroll) referentes ao mês de janeiro. Nesse sentido, foi reportada a criação líquida de 467 mil novas vagas, ante um resultado revisado de 510 mil em dezembro. O resultado veio significativamente acima do consenso de mercado que aguardava a criação de 150 mil postos de trabalho no mês. Vale ressaltar que no mês de janeiro houve a continuidade da disseminação da Covid em território norte-americano em que foi registrado a manutenção do número de novos casos e de óbitos em patamar bastante elevado ao longo de todo o mês. As principais contribuições positivas foram nos segmentos de lazer e hospitalidade; profissionais e administrativos; comércio varejista; e transporte e armazenagem. Embora a criação de novos empregos tenha se mostrado bastante resiliente ao avanço da pandemia, a taxa de desemprego aumento em 0,1 p.p., atingindo o patamar de 4,0%, ficando levemente pior do que o consenso de mercado que era de estabilidade em 3,9%. Este resultado decorreu no aumento de 194 mil do número de desempregados, rompendo com a sequência de 6 meses consecutivos no total de desocupados (6,5 milhões).
Na mesma direção, os gastos com consumo pessoal, se recuperaram do resultado negativo em dezembro -0,8% m/m, com a forte expansão registrada em janeiro de 2,1% m/m (US$ 337,2 bilhões), superando as expectativas de expansão de 1,6% m/m no período. Esse resultado decorreu dos aumentos de US$ 285,4 bilhões nos gastos com bens, que foram bastante disseminados, e de US$ 51,8 bilhões com serviços, com destaque para os gastos com habitação e serviços públicos. Em termos reais, os gastos com consumo tiveram alta em menor magnitude, devido ao elevado nível inflacionário, ao avançar 1,5% no mês. Vale destacar que a resiliência do consumo nos EUA ocorre em meio a um elevado processo inflacionário, reflexo dos aumentos nos salários tanto no setor privado quanto governamental resultantes do desequilíbrio entre oferta e demanda por mão de obra no mercado de trabalho norte-americano.
Em suma, o mês de janeiro se mostrou bastante positivo em termos de atividade econômica, visto que os principais indicadores apresentaram forte recuperação em relação aos recuos observados em dezembro, devido ao recrudescimento da pandemia. Nossa avaliação é que a economia americana se mostra bastante resiliente, mesmo diante da manutenção do elevado nível inflacionário que vem renovando recordes mês a mês e do recrudescimento da pandemia. Vale destacar que os dados divulgados até o final de fevereiro não incorporam os potenciais efeitos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, sobretudo das sanções econômicas aplicadas ao país invasor. Embora acreditemos que os impactos serão mais fortes na Europa do que no resto do mundo, nossa avaliação é que os próximos dados de atividade serão de suma importância para a real compreensão dos impactos do conflito no velho continente. Soma-se a isso, o retorno da poupança pessoal para a média histórica, que traz consigo uma perspectiva de menores gastos nos próximos meses.
Inflação: Maior variação em 12 meses desde 1982 e aumento da taxa de juros em 0,25 p.p. março
No que diz respeito à inflação, os dados de janeiro medidos pelo índice de preços de gastos com consumo pessoal (PCE price index), a medida de variação de preços preferida do Fed, apontaram para aceleração de 0,1 p.p. ao avançar 0,6% m/m na margem. Por sua vez, o núcleo, que exclui alimentos e energia, avançou 0,5% m/m, ficando em linha com o consenso de mercado. Em 12 meses, o aumento foi de 6,1% para o índice headline e de 5,2% para o núcleo, o maior patamar registrado desde abril de 1983.
Na mesma direção, o índice de preços do consumidor medido pelo CPI avançou 0,6% m/m em janeiro, acelerando 0,1 p.p. em relação ao número do mês anterior. Este resultado veio acima do consenso de mercado de alta de 0,4% m/m. Em 12 meses, a taxa de inflação acumulou alta de 7,5%, renovando a maior variação anual desde 1982, também ficando acima do consenso de mercado de 7,2%. A alta em janeiro foi puxada pelos movimentos observados nos grupos de alimentação, energia e habitação que contribuíram com mais de 2/3 da variação do índice cheio. Vale destacar que a alta nos preços da energia (0,9%) foi influenciada pelo aumento do preço da energia elétrica (4,2%) ter sido parcialmente compensado pelos recuos de 0,8% e 0,5% da gasolina e gás natural, respectivamente. Embora a gasolina tenha apresentado arrefecimento nos últimos meses, o recente aumento nos preços do petróleo, decorrentes das crises energéticas e geopolíticas na Europa, ameaçam a continuidade desta trajetória. De acordo com estimativas, o avanço do preço do barril de petróleo para US$ 120 poderia impactar substancialmente o processo inflacionário americano, empurrando-o para próximo de 10%. Já o seu núcleo avançou 0,6% m/m, ficando acima da mediana das projeções de mercado de 0,4% m/m. No interanual, registrou-se um avanço de 6,0%, a maior variação em 12 meses em quase quatro décadas, que também ficou acima do consenso de mercado de 5,9%.
Nesse contexto, diante da persistência do processo inflacionário, significativamente acima da meta de longo prazo de 2%, decorrente dos desarranjos no mercado de trabalho, que têm promovido sucessivas altas nos salários; da manutenção dos gargalos nas cadeias globais de produção em 2022; e da resiliência da atividade econômica mesmo em um cenário mais adverso, avaliamos que o Fed aumentará a taxa básica de juros em 0,25 p.p. na reunião de março. Acreditamos que, em face do aumento da incerteza e da desaceleração econômica global, por conta do conflito entre Rússia e a Ucrânia, o Banco Central americano adotará uma postura mais conservadora limitando a alta de juros em 0,25 p.p., dando início ao processo de 7 altas consecutivas em 2022. Vale destacar que, a persistência da inflação e a resiliência da economia americana seguem como fator de risco para um ajuste mais agressivo nas reuniões futuras.
Cenário Externo – Europa
Na última semana de fevereiro a escalada das tensões entre a Rússia e Ucrânia culminaram na invasão do território ucraniano. Imediatamente, as principais economias ocidentais anunciaram sanções econômicas que incluem a exclusão dos principais bancos russos do sistema global de pagamentos, Swift, o congelamento de ativos do Banco Central e dos oligarcas russos, a restrição de trocas de bens, sobretudo de alta tecnologia e o fechamento do espaço aéreo para aeronaves russas. Vale destacar que a dura resposta dada pelo ocidente, que pretende, em última instância, isolar Moscou dos mercados globais, possui elevados custos no que diz respeito à atividade e inflação global, principalmente no continente europeu.
A precificação deste cenário ocorreu de maneira imediata. Reflexos puderam ser observados nos movimentos dos preços das commodities agrícolas e energéticas nos últimos dias. O barril de petróleo avançou 14% nas últimas duas semanas de fevereiro, atingindo o maior patamar em mais de 7 anos. Na mesma direção, observamos significativos movimentos nos preços de grãos, devido à relevância tanto da Rússia quanto da Ucrânia neste mercado. O trigo, a soja e o milho avançaram 16,1%, 4,7% e 6,4%, respectivamente, nas última duas semanas do mês. Soma-se a isso a elevação nos preços dos fertilizantes, que já se encontravam em patamar bastante elevado e tendem a continuar sendo pressionados devido ao fato de que este mercado é bastante concentrado e a Rússia é um dos principais fornecedores globais.
O aumento dos preços ocorre em um momento em que as economias globais enfrentam uma inflação bastante persistente, a maior em décadas. Ao passo que o conflito tende a gerar mais pressões altistas à medida que o preço do petróleo se aproxima de US$ 120 dólares por barril e os preços dos alimentos seguem em tendência de alta, avaliamos que a inflação se manterá em um patamar bastante elevado nos próximos meses, podendo atingir patamares entre 8% e 10% nas principais economias desenvolvidas. Um choque massivo inflacionário que potencializará as discussões em torno da condução da política monetária, por conta da elevação do risco de desancoragem das expectativas.
Sinais do aumento das incertezas foram observados também no mercado de títulos nos últimos dias, registrando importantes quedas nas taxas de 2 anos e 10 anos, o que reflete uma busca por ativos mais seguros e a precificação de uma possível recessão econômica na Europa. Esse cenário decorre da relevância da Rússia no cenário energético da região e, principalmente, da mudança do ciclo de política monetária global, cujo ritmo a ser adotado pelo Fed pode trazer substanciais efeitos em termos de crescimento global. A forte dependência da Europa sobre o gás natural russo e as incertezas em torno de seu fornecimento futuro impõem um viés de redução de 2% nas projeções de crescimento do bloco em 2022 devido à acentuação dos gargalos nas cadeias de produção, piora na confiança dos agentes e aumento dos custos de produção.
O trade-off é claro: manter a política acomodatícia por mais tempo e tolerar uma elevada inflação ou combater a inflação mudando a direção da política monetária exacerbando a desaceleração econômica. Os Bancos Centrais terão um duro trabalho para definir qual será a sua prioridade, mas o que já sabemos é que sob qualquer uma das narrativas, os custos serão elevados.