Cenário Doméstico
Novo governo: Polarização e incerteza
Apenas uma semana após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva em seu terceiro mandato como presidente da República Brasileira, centenas de vândalos invadiram e depredaram a sede dos três poderes, o Congresso, o STF e o Palácio do Planalto. Além de serem atos de barbárie, os acontecimentos mostram uma divisão da sociedade brasileira sem precedentes. Diante disso, pelo menos no curto prazo, o presidente se fortalece, passando a agir a fim de enfraquecer ao máximo possível a imagem do bolsonarismo. Por outro lado, o risco se impõe à medida que as falas dos ministros e do próprio chefe do executivo elevam o risco de descontrole fiscal e desmonte das reformas econômicas aprovadas nos últimos anos.
Se mostrando um dos pouquíssimos membros do governo com preocupação quanto á sustentabilidade fiscal, o ministro da Fazenda Fernando Haddad divulgou um plano de ajuste fiscal de R$ 242,6 bilhões, saindo de um déficit projetado de R$ 253,7 bilhões para superávit de R$ 11,1 bilhões. O plano combina a reversão de desonerações, em medidas extraordinárias, e revisão de despesas para reduzir o impacto da PEC de Transição. No entanto, em nossa visão, há uma série de incertezas acerca da efetiva aplicabilidade das medidas listadas. A estimativa de obtenção de receitas parece um pouco ambiciosa e otimista demais, pois duas medidas apenas seriam responsáveis por angariar receitas extraordinárias. Dado o caráter de “incentivo” dessas medidas, é muito difícil prever se elas terão os impactos esperados sobre o comportamento dos agentes econômicos, sendo pouco provável que elas venham a arrecadar montantes próximos aos projetados. No sentido de redução de receitas, não foi pedido um grande esforço, com um pequeno corte no orçamento e revisão de programas e contratos. Além disso, há uma dificuldade com a aprovação de aumento ou reversão de impostos, uma vez que o Congresso já demonstra resistência.
Outro fator de instabilidade do novo governo se coloca na aparente dissonância entre o ministro da Fazenda e a ala política do Partido dos Trabalhadores. Haddad se posicionou favorável à manutenção do salário-mínimo no patamar de R$ 1.302, enquanto políticos se colocaram favoráveis a um aumento para R$ 1.320, financiado com corte de gastos do programa apresentado pelo ministério. Mas não para por aí, uma vez que o próprio presidente Lula recebeu o pedido de aumento para R$1.343 em encontro com centrais sindicais. A proposta da ala política custaria R$ 7 bilhões e a das centrais sindicais cerca de R$ 15 bilhões. Caso essas “derrotas” do ministro se concretizem, podem colocar em xeque a sua credibilidade, gerando dúvidas sobre as reformas difíceis que vem pela frente como a tributária e o novo arcabouço fiscal para substituir o Teto de Gastos, além de passar a impressão de descontrole fiscal, o que certamente impactaria os preços dos ativos, as expectativas de inflação e o câmbio.
Atividade Econômica: Em linha com nosso cenário, setores desaceleram
Os dados de atividade do mês de novembro confirmaram nossa expectativa de gradativa desaceleração da economia no final de 2022. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) apresentou resultado pior que o esperado, além de revisão que aprofundou a queda apresentada no mês de outubro. Com os recuos consecutivos de 0,28% m/m e 0,55% m/m, o indicador acumulou queda de 2,14% nas quedas dos últimos quatro meses. No ano, o resultado segue positivo, com alta acumulada de 3,26% até novembro, com carrego estatístico para o ano de 3,0%, em linha com nossa projeção de PIB.
Entre os principais setores, apenas serviços não registrou recuo, mantendo-se estável em uma clara trajetória de normalização após a recuperação ao longo do ano. A produção industrial registrou queda de 0,1% m/m, após dois meses de alta, muito influenciada pela indústria extrativa (-1,5% m/m). Embora tenha havido uma retração um pouco melhor do que o consenso de mercado estimou, 11 dos 26 ramos pesquisados e apenas umas das quatro grandes categorias econômicas mostraram recuos na produção, o que demonstra que a tendência para o setor segue contracionista, mas ainda não generalizada. Na mesma direção, o varejo foi influenciado pela alta no preço dos combustíveis e pelo desempenho mais fraco da Black Friday, registrando -0,6% m/m em novembro. Por fim, o setor de serviços manteve a estabilidade (0,0% m/m) após a queda de outubro (-0,5% m/m). Com isso, o setor de serviços se encontra 10,7% acima do nível pré pandemia e 0,5% abaixo do ponto mais alto da série (set/22), deixando carrego de 0,3% para o 4º trimestre e de 8,0% para o ano de 2022.
Apesar da perda de dinamismo nos últimos meses em todos os grandes segmentos da atividade econômica, o setor de serviços segue com uma melhor perspectiva que os demais, uma vez que ainda pode se beneficiar com a acomodação do perfil de consumo de serviços em substituição à aquisição de bens, além do forte carrego estatístico. Além disso, os efeitos inerciais da recuperação do mercado de trabalho em 2022 e as medidas aprovadas de impulso à demanda deverão contribuir positivamente para a expansão do setor nos próximos meses. Em contrapartida, para os setores Varejista e Industrial, o nosso viés segue pessimista diante da política monetária contracionista, que tem como consequência o encarecimento do crédito, prejudicial tanto pelas restrições ao consumo quanto pelo encarecimento das cadeias produtivas.
Por outro lado, o mercado de trabalho segue em uma trajetória positiva. A taxa de desemprego teve nova queda com a PNAD de novembro chegando a 8,1%, o menor valor desde o trimestre encerrado em abril/15. Ademais, tanto o rendimento real habitual como a massa salarial mostraram ganhos significativos. De modo semelhante, a população ocupada atingiu novamente o recorde da série histórica e a taxa de informalidade seguiu em queda. No entanto, embora os dados da PNAD Contínua sigam sinalizando a robustez do mercado de trabalho, os primeiros sinais de perda de fôlego já podem ser observados. Houve uma queda mais modesta da taxa de desocupação em linha com os resultados mais fracos dos indicadores de atividade setorial observados nos últimos meses de 2022.
Fiscal: Maior arrecadação e controle de despesas com o Teto de Gastos geram superávit do consolidado em 2022
Em 2022 o setor público consolidado (Governo Central, estados, municípios e empresas estatais) obteve o melhor resultado anual para o resultado primário desde 2011. O saldo foi de superávit de R$ 126,0 bilhões no ano, equivalente a 1,28% do PIB, sendo que, em dezembro, houve déficit de R$ 11,8 bilhões. No último mês de 2022 os superávits do Governo Central (R$ 6,2 bilhões) e das Empresas Estatais (R$ 637 milhões) não foram suficientes para contrapor o déficit dos Governos Regionais (-R$18,6 bilhões), gerando o pior resultado para o mês desde 2020.
Diante das reduções das alíquotas de ICMS, resultado da aprovação da LC 194/2022, fica clara a piora do resultado primário dos entes subnacionais ao longo dos últimos meses. Apesar da limitação em até 18% para a alíquota do imposto, os governos regionais acumularam superávit de R$ 64,9 bilhões nos últimos 12 meses. A dívida bruta recuou em dezembro para 73,5% do PIB, reduzindo 1,1 p.p. na margem, em função basicamente dos resgates líquidos de dívida (-1,3 p.p.), do crescimento do PIB nominal (-0.4 p.p.) e da incorporação de juros nominais (+0,7 p.p.). Este foi o melhor resultado da dívida bruta desde o final de 2016, refletindo os efeitos positivos do aumento de arrecadação nos últimos anos e do controle de despesas promovido pelo Teto de Gastos.
O Resultado do Governo Central foi positivo em dezembro com superávit de R$ 4,4 bilhões. Dentre as três contas que o compõem, o INSS apresentou superávit (R$ 6,6 bilhões), o Banco Central apresentou equilíbrio e o Governo Federal registrou déficit (-R$ 2,2 bilhões). Este resultado reflete a melhora da arrecadação total do governo central que atingiu máxima histórica no acumulado do ano de R$ 2,3 trilhões, com bom desempenho disseminado nos três grupos de receita. Além disso, no ano, a despesa total apresentou elevação de R$ 38,4 bilhões (2,1% a/a) em termos reais frente à 2021.
O cenário fiscal brasileiro será protagonista na determinação da trajetória das principais variáveis macroeconômicas nos próximos anos. O orçamento de 2023 foi aprovado com uma estimativa de déficit de R$ 231,5 bilhões (2,3% do PIB), refletindo os efeitos da aprovação da PEC de Transição. A PEC de Transição tem como principais propostas a expansão do Teto de Gastos em R$ 145 bilhões em 2023, além de permitir gastos extras que superam R$ 55 bilhões (R$ 23,9 bilhões referentes à receita extraordinária de 2022; e R$ 24,6 bilhões para aumento de investimentos usando dinheiro do PIS/PASEP). Nossas estimativas apontam que a PEC e seus penduricalhos tenham um impacto de R$ 203,9 bilhões em 2023.
Inflação: Ano começa com resultados mistos, mas boa perspectiva para inflação subjacente
O ano de 2023 já começou com elevado risco de não convergência da inflação para a meta ao longo do ano. Diante das incertezas da política fiscal, as expectativas da pesquisa Focus aumentam semana a semana tanto dentro quanto além do horizonte relevante de política monetária. Em nossa visão, a composição da inflação será bem diferente da observada em 2022, com os preços administrados deixando o território deflacionário e sendo compensados por algum arrefecimento da inflação de bens e serviços.
Já nas primeiras divulgações do ano, é possível identificar uma série de desafios. O IPCA-15 de janeiro registrou a maior inflação desde junho do último ano, com aumento de 0,55% m/m acima da mediana das previsões do mercado. Na mesma direção, o IGP-M apresentou avanço de 0,21% m/m, abaixo do consenso de mercado, mas é a segunda variação positiva após quatro meses consecutivos de deflação. Enquanto o indicador do IBGE apresentou aceleração em relação ao avanço de dezembro (0,55% m/m ante 0,52% m/m), o da FGV perdeu certa força em janeiro (0,21% m/m ante 0,45% m/m).
Para compor o resultado pior que o esperado para a prévia da inflação, todos os nove grupos pesquisados apresentaram aumento no mês. As maiores pressões vieram dos grupos de saúde e cuidados pessoais (impacto de 0,14 p.p.) e alimentação e bebidas (impacto de 0,12 p.p.). Em contrapartida, houve recuo da gasolina (-0,59% m/m) e energia elétrica residencial (-0,16% m/m), bem como a taxa em 12 meses do indicador continuou a desacelerar, chegando a 5,87% em janeiro (ante 5,90%). Assim, apesar da aceleração do índice cheio, além da queda na taxa acumulada, é possível perceber um resultado melhor na inflação subjacente. A média dos núcleos teve o sexto mês consecutivo de queda no acumulado em 12 meses, ou seja, as altas não estão se concentrando nos componentes que compõem o núcleo, abertura sensível para as decisões do Banco Central.
Já para a surpresa positiva do indicador da FGV, o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA-M) foi o principal responsável pela moderação e menor repasse para o Índice de Preços ao Consumidor (IPC-M). Com a leitura de janeiro, o índice geral acumulou alta de 3,79% no período de doze meses encerrados em janeiro, uma redução considerável em relação a dezembro, quando o avanço foi de 5,45%. Os preços do setor industrial (0,12% m/m ante 0,92% m/m) tiveram maior impacto no IPA-M, com desaceleração nas matérias-primas brutas (1,55% m/m ante 2,09% m/m), dos bens intermediários (-1,06% m/m ante -0,30% m/m) e continuação de deflação dos bens finais (-0,05% m/m ante -0,29% m/m). Esse resultado do IGP-M ajuda a frear o pessimismo em meio as surpresas desagradáveis na inflação vindas do IPCA-15 de janeiro.
Política Monetária: Ruído político faz expectativas mudarem de trajetória
O atual ciclo de aperto monetário é o mais forte dos últimos 20 anos, estacionado em uma Selic de 13,75% desde a última alta realizada na reunião de agosto do Copom. No entanto, diante da expansão fiscal promovida pelo novo governo com a aprovação da PEC da Transição e, como consequência, a significativa deterioração da trajetória da dívida bruta brasileira, esperamos que o BC retomará a dinâmica de aumento da taxa básica. Assim, com o ruído político que marcou o primeiro mês do novo governo, e que não deve ceder, esperamos que a Selic feche o ano de 2023 em 14,5%.
Um dos efeitos diretos da incerteza em torno da taxa básica de juros é a deterioração do mercado de crédito. Apesar da resiliência da economia, com demanda ainda aquecida, já é possível ver uma retração gradual do saldo de concessões, especialmente entre as pessoas físicas na última leitura. A melhora no mercado de trabalho (queda do desemprego e aumento da massa salarial) e as políticas fiscais expansionistas, em nossa visão, ajudam a explicar o resultado do ano que demonstra resiliência.
Em janeiro, o saldo das concessões de crédito avançou 1,3% m/m, totalizando R$ 5,326 trilhões no período, após ter apresentado expansão de 0,9% m/m em novembro. Este resultado decorreu da expansão de 1,3% m/m tanto do saldo de crédito livre quanto de crédito direcionado, ambos com maior participação das pessoas jurídicas. Em linha com o alto patamar da Selic, as taxas cobradas pelas instituições financeiras no crédito livre acumularam alta de 8,2 p.p. nos últimos 12 meses. No entanto, em dezembro, foi registrada a primeira queda marginal desde junho de 2021, uma vez que a taxa média passou de 43,5% em novembro para 42,0% em dezembro (-1,5 p.p.)
Acreditamos que, no contexto de juros e inflação elevados, as taxas de inadimplência são um importante indicador para a desaceleração do mercado de crédito. Em dezembro elas apresentaram certa estabilidade em um patamar historicamente alto. No crédito livre, a inadimplência das famílias teve avanço marginal de 0,1 p.p. em dezembro ante novembro, voltando ao patamar mais elevado (5,9%) desde mai/17.
Para 2023, esperamos, além de uma desaceleração mais contundente, uma maior deterioração do mercado tanto pelo aumento da inadimplência quanto pela piora na qualidade dessas concessões. Acreditamos que as discussões em torno da nova âncora fiscal e o aumento do risco fiscal aumentaram a probabilidade de que o ciclo de aumento da Selic seja retomado, como forma de ancorar as expectativas de inflação, pressionando as taxas de juros e encarecendo ainda mais o crédito.
Cenário Externo
Estados Unidos
PIB do 4º trimestre de 2022 surpreende para cima
O PIB americano do 4º trimestre de 2022 foi o primeiro desde o 3º trimestre de 2019 no qual todos os componentes pela ótica da demanda (consumo, gastos do governo, investimentos e exportações líquidas) tiveram contribuições positivas para o crescimento da atividade econômica. O avanço foi de 2,9% t/t na métrica anualizada, ante expectativas de 2,6% t/t. A maior contribuição positiva para esse resultado veio dos gastos com consumo pessoal que, embora tenham se expandido em ritmo menor do que no terceiro trimestre (2,1%, ante 2,3%), ainda contribuíram com 1,42 p.p. O destaque negativo foi para as exportações líquidas de bens e serviços que, apesar de ainda ter apresentado contribuição positiva de 0,56 p.p., viu uma piora tanto das exportações como das importações.
Ainda que o mercado de trabalho siga dando indícios de algum descasamento entre oferta e demanda por mão de obra, há sinais de arrefecimento da demanda interna sinalizados pelo recuo das importações e pela moderação no consumo de serviços. Nos setores de tecnologia e serviços financeiros as demissões já começaram. Apesar disso, a economia americana tem se mostrado resiliente nesse cenário interno mais adverso, com a recente melhora das condições financeiras na margem ajudando nesse processo. O excesso de poupança das famílias deve durar mais tempo do que o inicialmente esperado, devendo dar algum fôlego para o consumo, que tem sido o principal pilar de sustentação da atividade ao longo dos trimestres e representa cerca de dois terços do PIB americano.
CPI continua a desacelerar em dezembro
O índice de preços ao consumidor (CPI) veio em linha com o esperado em dezembro, recuando 0,1% m/m. Na métrica em doze meses a desaceleração foi de 0,6 p.p. de novembro para dezembro, saindo de 7,1% para 6,5%. O mesmo ocorreu com o núcleo do CPI (que exclui alimentos e energia), que confirmou as expectativas ao avançar 0,3% m/m. Em relação a dezembro de 2021 a alta foi de 5,7%.
Desta vez a grande protagonista foi a gasolina (-9,4%), que foi de longe o item que mais contribuiu para a queda do índice cheio no mês, mais do que compensando a alta nos preços de habitação (0,8%). Num cenário mais amplo, houve recuo no item commodities energéticas e alta nos serviços de energia. Tal resultado reflete a queda forte do preço do petróleo no início do mês de dezembro devido aos temores com a atividade econômica global, o que permitiu quedas consideráveis dos óleos combustíveis e da gasolina. Na direção contrária, os serviços de energia foram um pouco pressionados pelo clima extremo que atingiu os Estados Unidos nas últimas semanas de dezembro, levando a queda de eletricidade em várias áreas do país e aumento da demanda por gás natural para aquecimento. Na comparação ano a ano, o óleo combustível lidera as altas, avançando 41,5%, seguido do gás natural (19,3%) e da eletricidade (14,3%).
Até agora o alívio inflacionário nos EUA ficou mais concentrado em alimentação e energia devido ao recuo nos preços das commodities nos dois últimos meses de 2022, com a inflação subjacente apresentando maior inércia, dificultando o processo de convergência da inflação cheia para a meta de 2,0% ao ano.
Criação de vagas surpreende para cima novamente em dezembro (+223 mil)
A criação líquida de vagas em setores não-agrícolas nos EUA em dezembro foi de 223 mil. Com esse número, nos meses de 2022 foram registrados, em média, a criação de 375 mil postos de trabalho, ante 562 mil para o mesmo período de 2021. Sob essa ótica, o mercado de trabalho norte-americano se mantém em desequilíbrio, com o número de empregos nos setores não-agrícolas se encontrando 1,04 milhão acima do patamar observado no período pré-pandemia (fev/20). A revisão dos dados de outubro e novembro revelaram uma perda líquida de 28 mil empregos. Mesmo assim, fechou-se o ano de 2022 com a criação de 4,5 milhões de postos de trabalho em setores não agrícolas, quase batendo o recorde de geração de emprego para o período de doze meses.
A combinação de um resultado sólido na criação de vagas, com a taxa de desemprego caindo, a taxa de participação aumentando e os ganhos salariais esfriando indica que as principais variáveis relativas ao mercado de trabalho que o Fed acompanha estão se movendo ainda muito lentamente em direção aos patamares que a autoridade monetária deseja.
Gastos com consumo novamente avançam menos do que a renda pessoal
A renda pessoal avançou 0,2% m/m ao passo que os gastos com consumo pessoal recuaram 0,2% m/m. A demanda das famílias repetiu em dezembro a tendência de moderação já vista no “shopping season” (Black Friday) de novembro, indicando que os indivíduos permaneceram reticentes em aumentar os gastos na mesma proporção do aumento de renda. A perda de ímpeto dos gastos tanto em termos nominais como reais abriu espaço para que o avanço da renda fosse alocado mais para poupança do que para cobrir os gastos das famílias. Isso fez com que o estoque do excesso de poupança se mantivesse no patamar próximo de US$ 1,4 trilhão.
O índice de preços de gastos com consumo (PCE price index) apresentou recuo considerável na métrica em doze meses, saindo de 5,5% para 5,0%. O mesmo ocorreu com o núcleo (que exclui alimentos e energia), que recuou 0,3 p.p. na passagem de novembro para dezembro, alcançando 4,4% a/a.
Por outro lado, a resiliência mostrada pela inflação de serviços, que acelerou em dezembro e ficou estável na métrica em doze meses (5,2%), assim como a sua alta inércia, deve continuar a pressionar o índice cheio, forçando o Fed a dar prosseguimento ao processo de subida de juros ao longo dos primeiros meses do ano.
Europa
Zona do Euro: Atividade econômica surpreende positivamente
O cenário econômico tem surpreendido positivamente, mas no curto prazo o balanço de riscos é negativo com a inflação em doze meses ainda em patamares elevados e as taxas de juros do Banco Central Europeu (BCE) ainda precisando subir de forma significativa.
Grande parte dessa melhora recente veio de um clima mais ameno do que o esperado para o inverno no hemisfério norte, fazendo com que os preços do gás natural recuassem e os estoques se mantivessem elevados. Isso, por sua vez, abriu espaço para a queda da inflação e afastou a possibilidade de racionamentos de energia que certamente penalizariam a atividade econômica. Com isso, as estimativas anteriores de recessão na Zona do Euro estão em revisão. A combinação de clima favorável com a buscar por novos fornecedores de gás natural e bilhões de euros em apoio fiscal injetados na economia deve fazer com que o bloco atravesse razoavelmente bem esse período.
Embora a economia na Zona do Euro tenha desacelerado de 0,3% t/t no 3t/22 para 0,1% t/t no 4t/22 de acordo com a primeira prévia do PIB, o resultado surpreendeu positivamente o mercado que esperava -0,1% t/t. Comparando com igual período de 2021, o avanço foi de 1,9% a/a no 4t/22, ante expectativas de 1,7% a/a. Com isso, as condições financeiras, que estavam em franca trajetória de aperto, passaram a ficar menos pressionadas nos últimos meses, diminuindo a sua incidência negativa sobre o PIB.
Zona do Euro: Inflação avança recua para abaixo de 10% a/a em dezembro
O CPI da Zona do Euro alcançou 9,2% a/a em dezembro, configurando o segundo mês seguido de desaceleração após atingir a máxima histórica para o bloco em outubro (10,6% a/a). Já o núcleo do CPI (que exclui alimentos e energia) continua bem abaixo do índice cheio, reforçando o fato de o processo inflacionário na Europa estar, diferentemente dos EUA, muito mais concentrado nos itens voláteis do que na inflação nuclear. Pelo lado do produtor, a inflação (PPI) em queda reduz o espaço de repasses para a inflação ao consumidor (CPI).
China
Reabertura pós política de “covid-zero” cria potencial de crescimento em meio à desaceleração global
A retirada abrupta das restrições sanitárias da política de tolerância de Covid-zero ao final de 2022 deu início ao processo de reabertura da economia chinesa. Entretanto, a euforia do mercado sob a perspectiva de um crescimento mais robusto já em 2023 foi parcialmente ofuscada pela estimativa de que, entre dezembro e janeiro, houve mais de 60 mil óbitos pela doença, tendo em vista que há uma larga subnotificação. Esperamos que o avanço da pandemia deve limitar o ritmo de recuperação no primeiro semestre de 2023, visto que os indicadores de confiança do consumidor e dos empresários devem permanecer depreciados, limitando a expansão da demanda interna e dos investimentos.
Em linha com o nosso cenário, o PIB chinês avançou 3,0% a/a em 2022, uma forte desaceleração em relação aos 8,1% a/a registrado em 2021. Esse foi o segundo pior crescimento desde 1976, só sendo superado pela recessão de 2020 (2,2% a/a) com a eclosão da pandemia. Para 2023, nossa projeção preliminar é de crescimento de 4,5% da economia chinesa, que deve refletir a combinação de vetores que atuam em ambas as direções. Por um lado, a redução da regulação sobre os setores de tecnologia e imobiliário deve permitir uma recuperação mais contundente dos setores, aliados a outros incentivos públicos e privados, devem impulsionar o crescimento. Em contrapartida, a desaceleração global, que penaliza as exportações chinesas, e a deterioração da confiança das empresas e famílias são as barreiras a essa recuperação, bem como o mercado de trabalho ainda frágil especialmente entre os mais jovens. A taxa de desemprego entre pessoas de 16 a 24 anos permaneceu elevada (16,7%) em dezembro, em relação ao pico de quase 20% no semestre anterior. Além disso, o crescimento da renda disponível per capita pode desacelerar para cerca de 4% ao ano nos próximos anos, em comparação aos cerca de 8% antes da pandemia.
A produção industrial da China cresceu 1,3% a/a em dezembro de 2022, o que representa uma desaceleração em relação a novembro (2,2% a/a). Já as vendas no varejo recuaram 1,8% a/a, bem melhor que as expectativas que apontavam para recuo de 7,8% a/a, e melhor que a leitura de novembro (-5,9% a/a). Por fim, em linha com o consenso de mercado, os investimentos em ativo fixo subiram 5,1% a/a.
Para janeiro, os primeiros dados sugerem que, apesar da eclosão de uma nova onda de covid-19, a suspensão das políticas restritivas foi bem-sucedida no que diz respeito à recuperação da atividade. O Índice de Gerentes de Compras (PMI) oficial da indústria subiu para 50,1 em janeiro de 47,0 em dezembro, deixando o terreno contracionista. Já o PMI de serviços avançou de 41,6 para 54,4, um avanço muito contundente e inesperado, que contou com o incentivo do turismo interno durante as comemorações do primeiro Ano Novo Lunar pós política de “covid-zero”.
Diante disso, o Fundo Monetário Internacional (FMI) elevou a previsão para o crescimento econômico mundial em 2023, com o argumento de que a reabertura recente da China abriu caminho para uma recuperação mais rápida do que a esperada. Agora o FMI prevê que a economia mundial crescerá 2,9% neste ano e não mais os 2,7% de sua projeção de outubro, com o prognóstico de crescimento da economia da China subindo de 4,4% para 5,2%.