Cenário Doméstico
Atividade Econômica: mais serviços, menos bens
O destaque para a atividade nos últimos meses segue sendo a recuperação do mercado de trabalho, com o forte crescimento da ocupação e da massa de rendimentos. Com resultado melhor que o esperado, o Caged de junho registrou geração líquida de 277,9 mil postos de trabalho formal. Mais uma vez, o setor de serviços foi o principal fator positivo do resultado, se descolando dos demais no acumulado em 12 meses. Já a taxa de desemprego do segundo trimestre do ano veio em linha com as expectativas, registrando 9,3%. Foi a menor taxa de desocupação para um trimestre encerrado em junho desde 2015. O resultado do mês foi muito positivo, com contingente recorde de pessoas ocupadas, além de registrar o maior nível de ocupação em sete anos. No período, entre as ocupações, a maior contribuição ocorreu nos trabalhadores do setor privado (58% do total), com ligeira maioria da geração de empregos formais. Vale salientar a recuperação da massa de rendimentos nas últimas leituras. De novembro de 2021 até junho de 2022, já apresentou crescimento de 5,6% e, apesar do crescimento do salário médio (1,7%), a contribuição adveio principalmente da recuperação da população ocupada (3,5%).
Os indicadores de atividade divulgados no mês são referentes a maio e, em geral, apontam para uma recuperação. Apesar do recuo na última leitura, o IBC-Br indica que a atividade econômica brasileira se encontra 1,0% acima do nível pré pandemia. Já as pesquisas realizadas pelo IBGE têm resultados mistos. Enquanto a indústria e o varejo tiveram resultado pior que o esperado pelo mercado, o setor de serviços segue surpreendendo positivamente, com crescimento disseminado e alta acumulada de 8,1% nos últimos três meses. Com a suspensão de restrições relacionada à pandemia, uma migração da demanda de bens para serviços está mais evidente, tendo em vista dados mais fracos de varejo que, apesar das cinco altas consecutivas, apresenta taxas decrescentes. A recuperação dos serviços de caráter presencial vem ocorrendo de forma contínua, em tendência oposta ao desempenho do setor de bens. No início da pandemia, os serviços contraíram rapidamente e se mantiveram em patamar historicamente baixo, enquanto o mercado de bens, após o impacto inicial, foi impulsionado pelo comércio eletrônico. Porém, mais recentemente, a inversão dessa dinâmica ganhou força com uma espetacular recuperação dos serviços presenciais, enquanto o setor de bens vem arrefecendo.
Os estímulos fiscais (redução do ICMS em itens essenciais e PEC dos benefícios) darão impulso econômico adicional para o 2º semestre do ano, postergando os impactos mais significativos da política monetária sobre a atividade. As políticas fiscal e monetária caminham em direções opostas: enquanto o Banco Central busca arrefecer a economia com uma taxa de juro real elevada, a política fiscal é estimulativa, dando sustentação à demanda no curto prazo. A redução do ICMS representará um crescimento da renda disponível das famílias, com redução de preço em produtos essenciais e amplamente consumidos (combustíveis, energia elétrica, telecomunicações), o que permitirá aumento do consumo em outros bens e serviços. Além disso, a PEC dos benefícios aumentará ainda mais a renda disponível, com destaque para a elevação do Auxílio Brasil em 50% e a zeragem da fila do programa. O pacote representa 0,45% do PIB em gastos fora do teto, por meio de créditos extraordinários. Nesse contexto, a desaceleração econômica não deve ocorrer no 3ºtrimestre diante dos estímulos fiscais criados, com o arrefecimento ficando mais evidente no último trimestre do ano e no início de 2023.
Inflação: Redução do ICMS e dos preços das commodities desaceleram inflação no mês
Ao longo do mês de julho, as divulgações dos principais índices de preços tiveram, em geral, resultados melhores que os esperados. Na ótica da inflação aos consumidores, a menor tributação do ICMS da energia elétrica e dos combustíveis foi o principal fator para queda da inflação, levando os preços administrados para território negativo. Nos preços livres, o destaque ficou com a alta da Alimentação, com destaque para o leite e seus derivados. Além disso, a inflação de serviços continua pressionando, chamando atenção para a evolução dos preços da alimentação fora do domicílio e das passagens aéreas. A inflação de serviços, em nossa visão, reflete ainda o efeito da reabertura da economia, principalmente nas atividades mais sensíveis à demanda. Nossa avaliação é que a aceleração da inflação de serviços ocorre mais pela recuperação das margens de lucro das firmas do que pela pressão vinda do mercado de trabalho. Já os bens industriais arrefeceram com a queda do etanol e da menor pressão dos bens duráveis.
Já na inflação ao produtor, o destaque vai para a queda no preço das commodities, porém sendo compensada pelo avanço do preço do diesel no mês. O óleo diesel, que vem apresentando forte crescimento nos últimos meses, se tornou o combustível mais caro do país. Esse contexto motivou o executivo a criar o auxílio caminhoneiro para tentar mitigar os impactos sobre o preço do frete. Por isso, projetamos deflação para o mês de julho com IPCA em -0,62%. As reduções no preço da gasolina cobrada pelas refinarias da Petrobras serão sentidas no mês de agosto, em que projetamos mais um mês de deflação (-0,23%). Esse cenário motivou revisão da nossa trajetória para inflação em que projetamos 6,9% para 2022, porém com 5,4% em 2023.
Vale destacar que a combinação da redução do ICMS de itens essenciais e do aumento de transferências sociais com a PEC dos benefícios, pressionará ainda mais a inflação de serviços no curto prazo, impondo um desafio adicional para a condução da política monetária por parte do Banco Central.
Fiscal: PEC dos benefícios e Auxílio Brasil permanente aumentam risco fiscal
No mês de julho, foi aprovada a PEC dos Benefícios, na qual foi reconhecido o estado de emergência para criar uma despesa adicional de R$41,25 bilhões pagos fora do teto de gastos por meio de créditos extraordinários. Entre as principais medidas, temos a ampliação de R$400 para R$600 por mês no benefício médio do Auxílio Brasil, com a zeragem da fila do programa que, combinadas, representam R$26 bilhões em despesas até o final do ano. Além disso, foi aprovado um auxílio caminhoneiro no valor de R$1000, com intuito de evitar a mobilização dessa categoria diante do aumento expressivo do diesel nos últimos meses.
Nesse contexto, intensificado pela incerteza eleitoral, o risco fiscal aumentou significativamente nos últimos meses, uma vez que o mercado vê com ceticismo o retorno do auxílio para os R$400. Não é politicamente simples reduzir o valor do benefício, e os dois candidatos que lideram as pesquisas eleitorais já deram declarações de que manterão o Auxílio Brasil em R$600. Dessa forma, a dúvida que fica é: como acomodar essa despesa dentro do teto de gastos? Será necessário encontrar R$56 bilhões de espaço no teto, que até poderia vir de corte de despesas (discricionárias), porém seria operacionalmente e politicamente difícil articular isso com os ministérios. Dessa forma, nossa avaliação é que se o próximo governo decidir por manter o auxílio em R$600 haverá, inevitavelmente, uma mudança na âncora fiscal brasileira para acomodar esse aumento de gastos. Ou seja, há um risco fiscal significativo, pois, além de não sabemos quem vencerá a eleição e qual política fiscal será adotada, também vemos com probabilidade elevada a alteração do instrumento nos diversos cenários. A importância do teto de gastos foi salientada no último mês na Avaliação Bimestral do Tesouro Nacional. Com a derrubada do veto presidencial sobre a lei Paulo Gustavo, que prevê incentivos à cultura (R$3,86 bi), e a aprovação do piso salarial dos agentes comunitários de saúde (R$2,24 bi) foi necessário realizar um contingenciamento (bloqueio) no orçamento de R$6,7 bilhões para respeitar o teto de gastos. Além disso, o relatório incorporou em suas projeções receitas extraordinárias como a privatização da Eletrobras (R$26,8 bi) e dividendos do BNDES (R$18,8). O governo fez uma consulta para avaliar a possibilidade de as estatais anteciparem dividendos esse ano, para ajudar a cobrir os impactos do aumento de gastos da PEC dos benefícios.
Cenário Externo
Estados Unidos
Inflação e Política Monetária: persistências inflacionárias exigirão mais aumentos na Fed Funds Rate
Em relação aos Estados Unidos, o CPI de junho evidenciou as persistências inflacionárias no país após avançar 1,3% e levar a inflação acumulada em 12 meses a 9,1%. Entretanto, nota-se um problema ainda maior por meio do avanço de 0,7% do seu núcleo (excluí alimentos e energia). Isto é, ao passo que a continuidade da elevação dos preços dos itens mais voláteis – como energia e alimentação – já era prevista, o avanço de itens mais básicos, por outro lado, não. Grande parte da elevação no nível de preços da economia norte-americana pode ser explicada por combustíveis, haja vista que a alta volatilidade dos preços do petróleo persiste – muito embora os preços tenham se contido nas últimas semanas.
Tal persistência inflacionária certamente fará com que o Federal Reserve mantenha sua postura hawkish e endureça o discurso à medida que possíveis novos choques dificultem a convergência da inflação à meta no horizonte relevante para a política monetária. Em sua última reunião, o Fomc elevou a taxa básica de juros norte-americana em 75 bps em linha com as expectativas de mercado. De acordo com o Comitê, a inflação segue sendo sua principal preocupação e novas altas na taxa são previstas para as próximas reuniões. No que se refere a reunião de setembro, esperamos uma alta de mesma magnitude, visto que esperamos que as próximas leituras do mercado de trabalho americano sigam apontando para um forte descasamento entre oferta e demanda por trabalhadores. Neste contexto, acreditamos que a postura do Fed diante do cenário atual fará com que ele prioriza o retorno da inflação à meta em detrimento do chamado soft landing, que segundo o presidente Jerome Powell se traduz na estabilização do nível de preços sem um aumento substancial da taxa de desemprego.
Atividade Econômica: PIB contrai 0,9%, segunda queda consecutiva da economia norte-americana
De acordo com os dados do PIB do 2T22, a economia norte-americana recuou 0,9% a uma taxa anualizada, sendo este o segundo trimestre consecutivo de queda. Contudo, cabe destacar que houve leve melhora em relação à queda de 1,6% do primeiro trimestre do ano. Mesmo assim, os dados evidenciam a desaceleração da economia norte-americana. Acreditamos em uma forte desaceleração nos próximos trimestres, haja vista o impacto da política monetária contracionista e da deterioração das condições financeiras sobre o consumo pessoal e decisão de investimento. Em meio a expectativa de um cenário mais adverso à frente, decorrente de uma inflação elevada, ciclo de alta de taxa de juros e elevada incerteza global, que vem adicionando volatilidade aos mercados, indicadores de confiança do consumidor vem se contraindo nos últimos meses. Não obstante, os indicadores antecedentes da indústria seguem a mesma trajetória, refletindo os receios de que uma recessão possa atingir a economia americana ainda neste ano.
Por fim, vale destacar a última leitura do PCE, que embora tenha apresentado um avanço de 1,1% dos gastos pessoais com consumo, quando deflacionamos a série vemos um encolhimento para um avanço de apenas 0,1%. Em linha com nossa última carta, acreditamos que o consumo das famílias deva desacelerar consideravelmente nos próximos meses, refletindo tanto a deterioração do poder de compra devido ao elevado nível inflacionário quanto ao uso da poupança para manutenção do consumo corrente, que levou a taxa de poupança para 5,4%, o menor nível da série histórica.
Mercado de Trabalho: desequilíbrio persiste, mas há sinais positivos para a política monetária do Fed
Se por um lado a desaceleração econômica pode soar negativa, para o Fed certamente soa belo aos ouvidos, haja vista que seria necessária uma menor contração monetária para combater a inflação. Entretanto, a resiliência do mercado de trabalho norte-americano deixa evidente que, ao menos por hora, uma recessão é ainda pouco provável. Enquanto indicadores antecedentes da indústria e da confiança do consumidor se deterioraram nos últimos meses, os indicadores de mercado de trabalho seguem bastante robustos.
De acordo com o último relatório de criação de vagas de emprego não agrícolas (payroll), houve criação de 372 mil postos de trabalho durante o mês de junho, surpreendendo o mercado cuja expectativa apontava para a criação de um número mais modesto de 265 mil vagas. Já a taxa de desemprego, se manteve estável em 3,6% da força de trabalho pelo quarto mês consecutivo. Todavia, de acordo com o relatório de ofertas de emprego (JOLTS), as vagas abertas caíram 427 mil em maio, entretanto, o número segue bastante elevado, com 11,25 milhões de vagas abertas
Europa
Inflação em alta na Zona do Euro força Banco Central Europeu caminhar taxa de juros para patamar contracionista
Em relação à Europa, a última leitura do CPI referente ao mês de julho mostrou um avanço de 0,1%, levando a inflação acumulada em 12 meses a 8,9%. Grande parte da dinâmica inflacionária recente se deve aos preços de energia, muito impactados pelo conflito no Leste Europeu diante da relevância dos países no mercado global de commodities, sobretudo energéticas, metálicas e agrícolas. Vale destacar o impacto do conflito, especialmente, no que diz respeito ao fornecimento de gás natural para união europeia, visto que a Rússia é responsável pelo fornecimento de cerca de 40% do gás natural que é importado pelo velho continente. Na última semana, o principal gasoduto Nord Stream I, que liga as duas regiões, teve sua capacidade de fornecimento cortada de 40% para 20% da capacidade total, com implicações não só em termos inflacionários, mas também eleva substancialmente as preocupações de um racionamento de energia, em face dos baixos níveis dos reservatórios de gás natural na Europa.
Sobre a política monetária, o Banco Central Europeu optou por elevar, em sua última reunião, a taxa básica de juros da Zona do Euro em 50 bps, levando a taxa novamente a 0% ao ano. De acordo com Christine Lagarde, presidente do BCE, após a reunião, a autoridade monetária renunciou o seu forward guidance dado em junho que previa um aumento na reunião de setembro, deixando em aberto as próximas elevações a serem definidas reunião após reunião de acordo com os dados disponíveis. Em nossa visão, a condução da política monetária na Zona do Euro, segue demasiadamente atrasada. Este contexto se torna mais dramático em face da estrutura do bloco que consiste em apenas uma política monetária enquanto os países membros possuem uma política fiscal bastante heterogênea. Este fato dificulta significativamente o processo decisório de política monetária, visto que estas podem gerar grandes instabilidades dentro do bloco, que vem apresentando fragilidade nos últimos anos. Contudo, acreditamos que a postura adotada por Lagarde deixou, antes tarde do que nunca, de ser leniente com a inflação. Neste contexto, acreditamos que o BCE terá um grande desafio pela frente em garantir a estabilidade de preços ao mesmo tempo em que o fantasma da recessão segue à sua cola.
China
Queda acentuada do PIB evidencia os problemas provenientes da rígida política de combate a Covid-19 no país
Por fim, no que se refere a China, a queda marginal de 2,6% no PIB do 2T22 representa uma surpresa apenas por sua magnitude, haja vista que uma desaceleração já constava em nosso cenário base. Ainda nos preocupa a continuidade da política de combate a Covid-19 de Xi Jinping, ao passo que destacamos a adoção de lockdown em um distrito de 1 milhão de habitantes, próximo a província de Wuhan.
Os impactos já podem ser observados na economia real, o recuo de 2,6% no PIB do segundo trimestre foi o mais forte desde o início da pandemia em Wuhan em 2020. A instabilidade do setor imobiliário na china, decorrente de uma crise de confiança sob o principal driver de crescimento da economia asiática nos últimos anos, torna ainda mais difícil a situação da China. Vale destacar que cerca de 70% da riqueza das famílias chinesas se encontra associadas ao setor imobiliário que vem amargando contrações nos últimos meses. Em junho, o número de novas construções recuou 45,1% a/a em relação ao mesmo mês do ano anterior. Já o preço de novos imóveis contraiu 0,1% m/m, a décima queda consecutiva na margem, consequência das grandes dificuldades que o setor vem enfrentando nos últimos meses. Por fim, o mercado de trabalho também segue bastante preocupante, mesmo com o leve recuo da taxa de desemprego de 5,9% para 5,5%, posto que a taxa de desemprego entre os jovens alcançou 19,3%, o maior nível da série histórica. Estes fatores devem continuar afetando a o sentimento dos consumidores nos próximos meses, tornando mais difícil a retomada econômica nos próximos meses.
Contudo, em nossa visão, mais estímulos fiscal e monetário – este último feito pelo PBoC – devem ser implementados a fim de alcançar a meta de crescimento de 5,5% em 2022, que, em nossa opinião, dificilmente superará os 3,5%. Ainda há bastante incerteza em torno da economia chinesa, em especial o fim que terão as imobiliárias e o desempenho da indústria, que, conforme o PMI da manufatura evidenciou com a queda de 50,4 para 49 pontos, está em tendência de retração. Nos mantemos céticos sobre o desempenho da economia chinesa neste ano.