Cenário Doméstico
Atividade Econômica: mercado de trabalho consolida recuperação, com destaque para setor de serviços.
O mercado de trabalho segue surpreendendo positivamente o mercado. Os dados de maio para Caged e Pnad reforçam o bom desempenho da recuperação do setor de serviços, beneficiado pelo processo de reabertura, e dos indicadores de varejo. Na série com ajuste sazonal, o desemprego se encontra em 9,6%, o menor valor desde novembro de 2015. O Caged de maio teve um caráter mais disseminado, sendo que nenhum setor apresenta geração líquida negativa no ano. No entanto, quando analisamos a trajetória dos últimos doze meses, é possível notar um descolamento do setor de serviços em relação aos demais, uma vez que foi o único a emplacar uma trajetória consistente de crescimento, com 1,4 milhões de vagas criadas.
Em relação à atividade econômica, as dificuldades na produção de certos gêneros alimentícios, bem como os desarranjos das cadeias globais de suprimentos devido aos lockdowns na China são fatores de preocupação principalmente para a indústria. Já o setor de serviços, em nossa avaliação, um dos principais drivers de crescimento, avançou 0,2% m/m e 9,4% a/a em abril. O principal destaque permaneceu com os serviços prestados às famílias, atividade que ainda está 7,2% abaixo do nível pré-pandemia. Assim, avaliamos que ainda há espaço para recuperação com a retomada das atividades presenciais. Desse modo, para os próximos trimestres projetamos que os setores mais sensíveis ao crédito devem desacelerar, devido ao impacto da política monetária contracionista, enquanto os setores mais sensíveis à renda devem apresentar desempenho mais positivo, tanto pela recuperação do emprego quanto pelo arrefecimento da inflação.
Inflação: arcabouço fiscal gera mais incerteza ao cenário.
Os últimos dados sobre inflação vêm confirmando seu caráter persistente e disseminado. Ainda assim, tanto o IPCA de maio quanto o IGP-M de junho registraram desaceleração expressiva do etanol, contribuindo para melhora da abertura de Transportes. Além disso, a adoção da bandeira verde de energia elétrica, em que não há cobrança adicional, contribuiu para um recuo dos preços administrados. O IPCA-15 de junho já registrou um menor índice de difusão, além de que apenas duas das nove categorias pesquisadas tiveram aceleração mensal.
No geral, os riscos altistas estão associados à maior persistência inflacionária global e às incertezas em relação ao arcabouço orçamentário brasileiro, sobretudo das políticas fiscais que visam a sustentação da demanda agregada. Dentre as recentes decisões políticas aprovadas pelo Congresso estão a nova lei que zera a cobrança do PIS/Cofins da gasolina e do etanol, e a redução do ICMS sobre combustíveis e novos itens essenciais. No entanto, para que essa redução chegue ao consumidor, cada estado precisa aprovar em suas assembleias a adoção do novo imposto. Vale lembrar que as medidas com validade até o final do ano elevam, em menor magnitude, a inflação no horizonte relevante de política monetária. Por fim, a forte desvalorização cambial sofrida pelo real nesse mês gera um sinal de alerta. Após estar entre as moedas que mais subiram frente ao dólar no ano até maio, junho acumulou desvalorização de 11,1%. Além do cenário global volátil, as incertezas política e fiscal no Brasil têm contribuído para o enfraquecimento da moeda nacional, tendendo a piorar com a proximidade das eleições. A aprovação da PEC que permite despesas fora do teto de gastos aumentou a incerteza fiscal, dado que fragiliza a principal âncora fiscal do país.
Política Monetária: Para conter inflação, o aperto monetário continua e mantém ritmo forte.
Na última reunião do Copom em junho, o Comitê decidiu levar a taxa Selic para o patamar de 13,25% a.a., o valor mais alto desde janeiro de 2017. A decisão reflete a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta do horizonte relevante. A diretoria ressalta que os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativa de inflação nos próximos meses. Nossa expectativa é que o Banco Central aumente mais uma vez a taxa básica em 0,5 p.p. na próxima reunião, levando a Selic para 13,75%.
Além disso, deve-se destacar que o Relatório de Inflação de junho refletiu a preocupação do Copom acerca das incertezas do cenário, resultando em um aumento das projeções de inflação em todo o horizonte considerado. Destaca-se que houve aumento da probabilidade de termos inflação acima do limite superior da meta tanto em 2022, chegando a 100%, quanto em 2023, chegando a 29%. As projeções apresentadas não contemplam ainda os efeitos da PLP 18, então devem ser revisadas em breve.
Fiscal: Contas públicas permanecem no verde, mas pressão por aumento de gastos eleva riscos do cenário.
Devido à alta do preço do petróleo no mercado global, e com a política de Preço de Paridade Internacional (PPI) adotada pela Petrobras, os altos preços dos combustíveis têm gerado insatisfação popular. A PEC dos Combustíveis, aprovada no Senado, propõe medidas para compensar uma parcela da população mais vulnerável e, para que a União possa criar programas sociais às vésperas das eleições, foi aprovado o estado de emergência. As medidas contidas na PEC dos Combustíveis serão executadas com abertura de crédito extraordinário, com impacto de R$ 41,25 bi fora do teto de gastos, com validade até o final do ano. O que era para ser uma proposta de zerar as alíquotas de ICMS foi transformada em um pacote para gastos sociais, que contempla o aumento do valor do programa auxílio Brasil em 50%; zeragem da fila do Auxílio Brasil; auxílio caminhoneiro de R$1200/mês; gratuidade para idosos em transporte público; compensação aos estados pela redução do ICMS do etanol; aumento do vale-gás de 50% para 100% do preço do botijão; auxílio para taxistas e incremento do Alimenta Brasil. Além da perda de credibilidade do teto de gastos, outros fatores geram apreensão: até que ponto essas despesas realmente serão temporárias? Medidas como zerar a fila do Auxílio Brasil implicam em aumento de despesa permanente, que deve ser encaixada no orçamento e no teto de gastos.
Além disso, o resultado primário do Governo Central foi deficitário em R$ 39,4 bi em maio, com redução da receita líquida (-3,3%) e crescimento da despesa total (+7,9%) em relação a maio do ano anterior. Para tal saldo, o déficit do Resultado da Previdência Social é o principal destaque, com expressivo aumento de 71,3% em relação ao mesmo mês do ano passado. Os principais motivos que explicam o desempenho final das despesas totais são a antecipação do 13º salário do INSS e uma transferência extraordinária de recursos ligados à cessão onerosa de petróleo para os entes subnacionais.
Cenário Externo
Estados Unidos
Inflação e Política Monetária: Fed reafirma compromisso com a estabilidade de preços.
Em relação à inflação norte-americana, o CPI (Consumer Price Index) avançou, na margem, 1,0% em maio e, portanto, acumula uma alta de 8,6% nos últimos 12 meses. De acordo com o U.S. Department of Labor, o CPI foi impactado pelo avanço de 4,1% nos preços da gasolina e de 1,4% nos preços dos alimentos, isto é, os componentes mais voláteis. Torna-se claro, portanto, que a continuidade do conflito no Leste Europeu é um vetor extremamente negativo para a dinâmica inflacionária no país, devido aos seus impactos sobre os preços do petróleo e do gás natural, e torna a tarefa do Fed mais desafiadora. Conforme dados compilados pela Bloomberg, a mediana das expectativas para o CPI de 2022 e 2023 são, respectivamente, 7,5% e 3,3%.
Além disso, a surpresa inflacionária, isto é, a leitura maior que a expectativa, bem como a reaceleração da inflação após se acreditar que o pico havia sido em março, fez com que o Federal Reserve acelerasse o ritmo da contração monetária e elevasse a taxa de juros em 75 bps na sua última reunião. Cabe ressaltar que até o início da semana da decisão do Fomc, a expectativa era de um aumento de apenas 50 bps, alterada rapidamente após a pesquisa preliminar da Universidade de Michigan apontar um aumento nas expectativas de inflação de longo prazo e do CPI acima do consenso de mercado. Acreditamos que a postura hawkish adotada pelo Federal Reserve reflete o cenário de alta persistência inflacionária e um mercado de trabalho pressionado, e poderá ser repetida na reunião de julho com base nas falas de Powell, que ressaltou a preocupação e o compromisso da autoridade monetária em trazer a inflação à meta de 2%. Considerando, contudo, o trade-off entre inflação e desemprego, o mercado passou a precificar cortes nas Fed Funds rate já no final de 2023.
Atividade Econômica: consumo das famílias deteriorado, baixa taxa de poupança e acúmulo de dívidas
Sobre a atividade, a revisão para baixo no consumo das famílias, bem como a queda na leitura mensal do PCE, seguem em linha com nosso cenário para a economia norte-americana. Enxergamos alguns bons motivos para acreditar que o ímpeto do consumo privado deve se deteriorar ainda mais nos próximos meses e levar a um crescimento menor no 2T22, comparado ao 1T22, em linha com a piora das condições financeiras.
O primeiro motivo diz respeito ao declínio da taxa de poupança privada dos 33,8% no auge da pandemia para os atuais 4,4%, evidenciando, assim, que um dos principais drivers para a manutenção do consumo no nível atual está comprometido. Em outras palavras, o excesso de poupança já foi consumido. Além disso, como segundo motivo, pontuamos o crescimento do crédito rotativo – especialmente cartão de crédito – para US$ 1,1 trilhão, acima do nível pré-pandemia. Ou seja, boa parte do consumo hoje é financiado com dívida, uma situação insustentável para além do curto prazo, principalmente em um ambiente de juros mais altos. Contudo, cabe a ressalva de que tal crescimento ao menos não se reflete em um nível alarmante de endividamento das famílias.
Deve-se destacar, ainda, a queda de 0,3% nas vendas no varejo em maio em relação ao mês anterior. As vendas reais, isto é, após o ajuste pela inflação, caíram ainda mais – 1,6% no mesmo período – evidenciando a perda do poder de compra das famílias. Desse modo, enxergando-o como uma proxy de gastos com bens, pode-se dizer que, em linha com nossas expectativas, o consumo das famílias começa a decepcionar. Acreditamos que a economia norte-americana deve crescer aproximadamente 2,5% no 2T22, ante 3,5% no 1T22.
Mercado de Trabalho: desequilíbrio persiste, mas há sinais positivos para a política monetária do Fed
Por fim, as últimas leituras apontaram para a continuidade das pressões sobre o mercado de trabalho, especialmente no que diz respeito ao crescimento de 5,2%, em termos anualizados, dos salários nominais, uma preocupante fonte de alimentação inflacionária. Entretanto, a criação líquida de 390 mil vagas em maio, conforme mostrou o payroll, representa uma desaceleração na margem ante os 436 mil de abril. Além disso, a taxa de abertura, que mede o percentual de vagas não preenchidas, caiu para 7% no mesmo mês e a razão entre as vagas abertas e o número de desempregados caiu marginalmente, para 1,91x. Desse modo, considerando os dados expostos acima e outros indicadores, tais como os planos de contratação de pequenas empresas, acreditamos que o mercado de trabalho em breve convergirá para uma situação menos desfavorável para a condução da política monetária do Fed.
China
Cenário adverso mesmo em meio aos dados econômicos positivos; Covid-19 ainda impõe riscos
Em relação à China, o afrouxamento das restrições que visam conter a propagação da Covid-19 no país levou a leituras positivas de diversos dados econômicos. De acordo com o National Bureau of Statistics, a produção industrial cresceu 0,7% em maio ante o mesmo mês do ano passado, surpreendendo as expectativas – que apontavam para queda – e deixando os -2,9% de abril para trás. Em linha, o PMI da manufatura avançou de 48,1 para 51,7, mostrando que há espaço para uma recuperação do setor. Além disso, vale destacar a desaceleração do PPI no período, indo de 10,8% para 9,1%, e evidenciando as menores pressões sobre as cadeias produtivas. Conforme dados compilados pela Bloomberg, as expectativas para o 2T22 são de contração da ordem 1,5%.
Tais leituras insinuam que, talvez, a política monetária do PBoC poderá ser menos estimulativa. Em outras palavras, que as taxas de juros se mantenham nos níveis atuais e, desse modo, o spread de juros frente aos Estados Unidos apenas se deteriore devido ao movimento do Fed, e não de movimentos opostos de ambas as autoridades monetárias. Isto é, haverá menos pressão para o renminbi, que já se depreciou pouco mais de 5% no ano. Se por um lado a recuperação econômica da China é positiva para o Brasil, que mantêm relevantes relações comerciais com o país, por outro, amplia a lista de vetores negativos para a inflação global.