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Publicado em 03 de Maio às 19:52:42

Carta Macro (Abril/2022)

Cenário Doméstico

Atividade Econômica: mercado de trabalho segue surpreendendo positivamente

Em março, o mercado de trabalho, mais uma vez, surpreendeu positivamente. Tanto na geração de postos de trabalho formal (CAGED), quanto na visão global do emprego no país (PNAD), com a surpreendente queda da taxa de desemprego no 1º trimestre do ano. O resultado para o 1º trimestre de 2022 foi muito positivo. Historicamente, por conta da sazonalidade da série, a taxa de desemprego aumenta no 1º trimestre do ano com redução da população ocupada e aumento dos desempregados. Entretanto, nesse primeiro trimestre, houve redução da população desempregada em 62 mil (historicamente ocorre aumento de 1,3 milhão de trabalhadores desempregados) e redução de 472 mil pessoas na população ocupada (em média ocorre redução de 1,1 milhão de indivíduos). Já o mercado de trabalho formal apresentou criação de 136 mil vagas. Os dados do Caged vêm reportando criação de vagas principalmente no setor de serviços e, nos últimos meses, com impacto significativo do setor educacional devido à retomada das aulas presenciais.

Em relação aos indicadores setoriais, os destaques positivos no mês de fevereiro foram os setores industrial e varejista, enquanto os serviços e o setor agropecuário recuaram.  No setor industrial, o avanço decorreu da indústria extrativa (com a normalização do nível pluviométrico após as fortes chuvas ocorridas em janeiro, impactando a produção de minério em Minas Gerais) e a produção de alimentos (açúcar, carnes e aves). O setor varejista, que passou por um Natal com vendas mais fracas, realizou promoções ao longo do 1º bimestre do ano para impulsionar vendas, beneficiando as atividades de móveis/eletrodomésticos e vestuários/tecidos. Outro destaque positivo no mês foi para o setor de combustíveis e lubrificantes, que deve apresentar arrefecimento nos próximos meses com a escalada de preços. Já o setor serviços apresentou queda no mês com o desempenho negativo do grupo informação e comunicação, refletindo a desaceleração dos investimentos em TI, que foram impulsionados com a pandemia de Covid-19. O desempenho do setor agrícola, por sua vez, apresentou contração na estimativa de produção (-3,8%), diante das fortes chuvas na região Sul do país, porém a projeção para o ano continua positiva com avanço de 3,3%, atingindo nível recorde na série histórica.

Inflação: guerra no leste europeu deteriora cenário adverso para inflação global

Em relação à inflação, a última leitura do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) mostrou um avanço de 1,62% em março frente ao mês de fevereiro. Dessa forma, o principal índice inflacionário do Brasil acumula alta de 11,30% em 12 meses e de 3,20% apenas neste ano. Além da aceleração marginal, a inflação brasileira preocupa também por seu nível de difusão que se encontra em 76,1%, o maior nível desde fevereiro de 2016 e o terceiro avanço mês a mês. Pode-se atribuir à leitura negativa o impacto derivado do conflito no Leste Europeu que tem, cada vez mais, se mostrado um vetor para a continuidade da inflação a nível global. Tanto as commodities agrícolas quanto as energéticas contribuíram para a aceleração do IPCA no mês, tendo o grupo de alimentação avançado 2,42% e o de transportes 3,02%, representando 70% da variação total do índice. Além disso, os reajustes nos preços do GLP, em 16%, da gasolina, em 18,77%, e no diesel, em 24,9%, feitos pela Petrobras, impactaram ainda mais a inflação no período. Combustíveis avançaram 6,7% no mês devido principalmente à gasolina, que teve o maior desempenho individual no IPCA (0,44 p.p.). Ao decompor a inflação pelos segmentos, identificamos, após breve período de arrefecimento, forte aceleração da inflação na alimentação no domicílio, mesmo movimento que ocorrerá com os preços administrados. Além disso, a inflação de serviços e de bens industriais segue crescendo de forma contínua desde a 2ª metade de 2020.  Diante desse cenário adverso para inflação brasileira, projetamos IPCA em 8,3% ao final de 2022 com viés de elevação.

Por fim, vale destacar a aceleração de 3,13% do IPP em fevereiro (Índice de Preços ao Produtor), levando a uma taxa acumulada de 18,31% em 12 meses. O movimento é semelhante tanto em países emergentes quanto em economias avançadas – na Alemanha, por exemplo, o IPP ultrapassou a barreira dos 30%. Dessa forma, visto que o motivo para tal pressão de custos ao produtor é, em grande medida, as restrições de oferta provenientes de quebras nas cadeias globais de valor, preocupa o prolongamento do conflito na Ucrânia e a política de enfrentamento à Covid-19 na China – o congestionamento no porto de Xangai, por exemplo, é um exemplo claro dos impactos de tal política à inflação global.

Fiscal:  Contas públicas no verde, mas pressão por aumento de gastos eleva riscos ao cenário

O setor público consolidado (que compreende o Governo Central, os estados, municípios e as empresas estatais) apresentou um superávit de R$ 3,5 bilhões em fevereiro. Sendo o sétimo superávit consecutivo e o primeiro para o mês de fevereiro desde 2014. Desse modo, o superávit primário soma R$ 123,4 bilhões nos últimos 12 meses, correspondendo a 1,4% do PIB. Tal valor se origina principalmente do resultado positivo dos entes nacionais – devido à maior arrecadação via ICMS, explicada pela elevação nos preços dos combustíveis -, compreendendo 91% do superávit total.

Dados tais números, deve-se destacar que o desempenho das contas públicas tem se mostrado mais positivo do que as projeções feitas pelo mercado. Se por um lado o controle dos gastos públicos, indo de 20% do PIB para 18,2%, contribui de modo positivo, a maior arrecadação contribui ainda mais. Afinal, o cenário composto por inflação e valorização nos preços de commodities é positivo para as contas públicas. Isto é, ao passo que um nível geral de preços mais alto eleva o deflator do PIB e favorece o resultado primário do governo, a dinâmica das commodities potencializa a arrecadação tanto por meio de impostos sobre a exploração de recursos naturais quanto pelo recebimento de dividendos da Petrobras e do BNDES – que possui participações em outras empresas. Desse modo, a dívida bruta caiu de 79,6% em janeiro para 79,2% em fevereiro, principalmente devido à variação do PIB nominal.

Com a melhora significativa do quadro fiscal brasileiro, a pressão por mais gastos pode se intensificar. A pressão por reajuste dos servidores públicos federais permanece elevada, com a greve por parte dos servidores do BC retornando essa semana. A combinação de aumento de 5% linear nos salários em conjunto com o aumento de R$400 no vale alimentação, resultará em gastos adicionais na ordem de R$16 bilhões ao ano. Como a despesa será somente no 2º semestre e já há uma reserva de R$1,7 bilhões no orçamento, será necessário cortar R$6,3 bilhões em despesas (diante da existência do teto de gastos), que devem ser acomodadas via redução de emendas parlamentares.

Cenário Externo

Estados Unidos

Atividade: PIB americano recua na primeira leitura do ano, puxado por um forte déficit na balança comercial

No último mês, foram divulgados os dados da primeira leitura do PIB 1T22 em que se observou um recuo de -1,4% à uma taxa anualizada, a primeira contração desde 2020. O resultado veio significativamente pior que o consenso de mercado que aguardava expansão de 1,0% t/t. A surpresa negativa reflete um elevado déficit comercial e o recuo na formação de estoques privados, que juntos tiveram impacto de cerca de -4 p.p. na performance do PIB.

Embora a leitura aponte para uma forte contração do PIB americano no primeiro trimestre do ano, os dados apontam para uma sólida demanda por consumo das famílias e por investimentos por parte das empresas, mesmo em um ambiente de inflação elevada. Os gastos com consumo pessoal avançaram 2,7% t/t, contribuindo com 1,8 p.p. da variação do PIB. Além disso, as vendas finais para compradores domésticos em termos reais, medida subjacente de demanda, avançaram 2,6% em termos anualizados, acelerando em relação ao trimestre anterior (1,7%). Portanto, mesmo diante de um resultado negativo, a resiliência da demanda interna, sustentada por uma economia bastante aquecida deve seguir sustentando o nível de atividade nos próximos trimestres.

Ademais, os dados de atividade referentes a março apontam para um desempenho misto da economia americana. Por um lado, o setor Industrial apresentou um desempenho robusto no mês ao avançar 0,9% m/m, melhor que o consenso de 0,4% m/m. O resultado decorreu das altas bastante disseminadas entre os grupos analisados. O destaque vai para indústria manufatureira que teve alta de 0,9% m/m, puxado pelo setor automobilístico, cuja produção avançou 7,8% m/m beneficiada por um alívio na oferta de semicondutores. Já o varejo avançou 0,5% m/m, ficando um pouco abaixo do consenso (0,6% m/m). Entretanto, o grupo controle, que exclui os componentes mais voláteis, apontou para leve estagnação do segmento com o recuo de -0,1% m/m, refletindo os impactos da forte elevação dos preços dos combustíveis na renda e na confiança das famílias.

Para abril, O PMI industrial recuou 1,7 pontos, alcançando o nível de 55,4, abaixo do consenso de mercado de 57,8 pontos. Embora apresente desaceleração em relação ao mês de março, o número, ao ficar acima do nível neutro (50), aponta para o 23º mês consecutivo de expansão do setor. Vale destacar que seu desempenho se mantém obstruído por problemas nas cadeias globais de produção e pelo desequilíbrio entre oferta e demanda por mão de obra, que se intensificou durante o mês de abril. Por sua vez, o indicador de confiança do consumidor da Universidade de Michigan avançou 5,8 pontos, se recuperando parcialmente da forte queda do último mês, no qual foi registrado o menor nível dos últimos 10 anos. A piora do sentimento do consumidor reflete o efeito do aumento das incertezas diante da conjuntura econômica (inflação e juros), parcialmente compensado por um mercado de trabalho aquecido.

Mercado de Trabalho: Taxa de desemprego surpreende o mercado ao recuar para 3,6% em março

Embora os dados do mercado de trabalho referentes a março tenham desapontado o consenso de mercado com a criação líquida de 431 mil vagas de emprego, a taxa de desemprego apresentou um significativo recuo de 0,2 p.p. ao alcançar o patamar de 3,6%, de modo que, o total de desocupados ficou em 6 milhões de americanos. O crescimento da ocupação no mês foi bastante disseminado, com destaque para os segmentos de serviços de lazer e hospitalidade, que adicionou 112 mil vagas de emprego beneficiado pelo arrefecimento da pandemia. Já o salário médio por hora acumulou alta de 5,6% em 12 meses, um avanço aquém da inflação registrada no mesmo período de 8,5%. Ou seja, mesmo diante de um mercado de trabalho que vem apresentando um forte desequilíbrio entre oferta e demanda de mão de obra, o elevado nível inflacionário vem corroendo o poder de compra das famílias em velocidade superior à recomposição salarial. Nesse contexto, observamos uma mudança no perfil do consumo das famílias americanas que, ao ter sua renda deteriorada, tende a dar preferência ao consumo de serviços em detrimento ao de bens com a melhora da pandemia.

Os dados de gastos com consumo pessoal (PCE) corroboram com essa visão ao apontar para um avanço em termos reais de 0,2% m/m, reflexo de uma contração de 0,5% m/m no consumo de bens ter sido compensada pela significativa expansão de 0,6% m/m dos gastos com serviços. Este resultado positivo surpreendeu o mercado, sinalizando que as famílias americanas entraram no segundo trimestre de 2022 bem-posicionadas para impulsionar a economia ao longo do ano. O resultado, mais uma vez, aponta para uma mudança no perfil de consumo na direção de maiores gastos com serviços, por conta da inflação elevada e pelo fim da pandemia, no lugar do consumo de bens, sobretudo duráveis.

De modo geral, os indicadores de atividade econômica apontam para a resiliência da economia americana, sobretudo da demanda por serviços. Nossa avaliação é que, embora indicadores de atividade tenham surpreendido negativamente, a demanda americana deve sustentar um crescimento econômico robusto ao longo de 2022. Acreditamos que diante da mudança no perfil de consumo americano e da intensificação dos gargalos nas cadeias globais de produção, em um cenário de guerra e política de tolerância zero covid na China, haverá um maior destaque para o setor de serviços, que deve ser o principal driver de crescimento em 2022.

Inflação: renova patamar recorde em 40 anos sustentando uma política monetária mais agressiva do Fed

No que diz respeito à inflação, tanto o índice de preços ao consumidor (CPI) e o índice de preços dos gastos com consumo (PCE) seguem apontando para o agravamento do quadro inflacionário americano decorrente da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. O primeiro, acelerou em relação ao mês anterior ao registrar alta de 1,2% em março, ficando 0,1 p.p. acima do consenso de mercado. Em 12 meses, o índice de preços ao consumidor acumulou alta de 8,5%. Já no seu núcleo, a variação mensal (0,3% m/m) surpreendeu positivamente o mercado que aguardava expansão de 0,5% m/m. No interanual, registrou-se alta de 6,5% da medida subjacente da inflação, o maior valor registrado desde agosto de 1982. Na mesma direção, o índice de preços medido pelo PCE apresentou aceleração de 0,9% m/m em março. Por sua vez, seu núcleo (a medida de inflação preferida do Fed) avançou 0,3% m/m no mesmo período, em linha com as expectativas de mercado. Em 12 meses, o índice headline acumulou alta de 6,6%, já o núcleo do PCE avançou 5,2%, significativamente acima da meta de estabilidade de preços de 2%.

Ambas medidas de inflação americana apontam para persistência inflacionária decorrentes de sucessivos choques, desde o início da pandemia. A variação no mês de março foi concentrada nos grupos de Energia, Alimentação e Habitação. Em especial, a guerra na Europa impactou substancialmente os números de março, visto que a alta de 18,3% no preço da gasolina no período foi responsável pela maior parte da variação de ambos os índices de inflação no mês. Além disso, a inflação de alimentos que se encontra estabilizada em um patamar elevado (1,0%), deve se manter pressionada nos próximos meses como consequência da guerra sobre as exportações globais de trigo e na produção de insumos agrícolas. Por fim, o aumento das exportações de gás natural (LNG) com destino à Europa, cujo preço alcançou o nível mais elevado em 13 anos, tende a ser um vetor adicional de pressão inflacionária ao fazer com que a inflação do velho continente seja importada para os EUA. Embora a inflação tenha se concentrado de maneira mais significativa nos componentes voláteis, a persistência desta em um patamar elevado, diante dos sucessivos choques, deteriora as expectativas e exacerba o risco de desancoragem das mesmas. Isso pode ser observado nas expectativas de inflação para 12 meses à frente que se encontram substancialmente acima da meta de 2%, um sinal de que será uma dura tarefa para o Fed fazer com que a inflação convirja sem que haja uma significativa desaceleração econômica.

Nesse contexto, a combinação de uma economia aquecida puxada por uma forte demanda por consumo das famílias e um elevado nível inflacionário reforça a necessidade de uma abordagem mais hawkish do Banco Central americano para garantir a estabilidade de preços. Acreditamos que diante de um diagnóstico preocupante da dinâmica inflacionária, o Banco Central levará rapidamente a taxa de juros para o seu nível neutro (2,5%). Nossa avaliação é que isso será alcançado por meio de quatro aumentos consecutivos de 50 b.p. ao longo de 2022, a serem iniciados a partir da reunião de maio. Nossa avaliação é que os últimos dados reforçam a necessidade desta aceleração da retirada de estímulos da economia, sustentando nossa visão de que, ao final do ano, a taxa de juros americana se encontrará em território contracionista entre 2,75%-3,00%.

China

Atividade: Política de tolerância zero-Covid torna mais distante a meta de crescimento de 5,5% em 2022

A China registrou em março as piores leituras tanto das vendas no varejo quanto do mercado de trabalho desde o fim da primeira onda de covid em 2020. O primeiro recuou 3,5% em relação ao mesmo mês do ano anterior, decorrente do avanço da variante Ômicron e da adoção de lockdowns localizados como forma de combater o surto, sobretudo em Xangai. O resultado foi puxado por quedas bastante disseminadas entre os grupos pesquisados, principalmente em cosméticos, vestuário e cuidados pessoais. Já a taxa de desemprego alcançou o nível de 5,8% em março, ante 5,5% no mês anterior. O índice também foi bastante prejudicado pelo recrudescimento da pandemia, que refletiu na paralização total de diversas atividades, reduzindo a demanda por trabalhadores no período.

Embora indicadores de alta frequência apontem para uma economia em plena desaceleração, a divulgação do PIB do primeiro trimestre surpreendeu positivamente o mercado ao avançar 4,8% no primeiro trimestre, enquanto o mercado aguardava expansão de 4,2% no período.  O investimento em ativos fixos avançou 9,3% no primeiro trimestre, também surpreendendo o mercado, cuja expectativa era de 8,4% para o período. Estes números divergem das leituras de dados de fontes independentes que apontam para contração de mais de 10% tanto da produção de aço quanto de cimento, levantando questionamentos sobre a validade dos dados oficiais.

Nossa avaliação é que as próximas leituras tanto da indústria quanto do varejo devam apontar para uma significativa desaceleração da economia chinesa, refletindo os impactos da política de zero Covid. A politização do vírus será uma variável chave para a atividade econômica ao longo do ano de 2022, visto que o governo chinês se mostra cada vez mais disposto a sacrificar o crescimento econômico para defender uma narrativa política que retrata o país como o combatente do vírus mais bem-sucedido. Isso torna uma mudança de política sanitária muito difícil, visto que isso implicaria em admitir um erro na política anterior, um custo que Xi Jinping não está disposto a pagar, principalmente em um ano em que concorrerá a um inédito terceiro mandato.

Nesse contexto, o período entre abril-junho será crucial para que o governo chinês atinja a meta de crescimento de 5,5% em 2022. Entretanto, o Banco Central (PBOC) se mostra bastante cauteloso com a política monetária, como forma de evitar uma excessiva desvalorização cambial, além dos riscos inflacionários que vêm impactando diversas economias ao redor do mundo. Soma-se a isso o ciclo de aumentos de juros do Federal Reserve que limitam o espaço de política monetária do PBOC. Esta dualidade entre a política zero-Covid e a necessidade de manter a estabilidade econômica ditará o ritmo de crescimento da economia chinesa. Entretanto, o tempo segue correndo e cada vez mais exige-se uma forte atuação governamental para sustentar a atividade econômica.

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