Cenário Doméstico
Governo: Novo arcabouço fiscal
O novo arcabouço fiscal anunciado pelo Ministério da Fazenda prevê um limite para a expansão dos gastos públicos com base na receita do governo. Ele é composto por duas condições: uma regra de aumento de gastos e uma meta de superávit primário. A banda de reajuste real dos gastos foi estabelecida entre o piso de 0,6% e o teto de 2,5% em relação à 70% do crescimento da arrecadação no exercício do ano anterior. Há, com isso, um problema: uma pressão para ampliação da carga tributária como forma de atingir as metas de superávit primário de 2024 a 2026, respectivamente de 0% do PIB, 0,5% e 1,0%, com bandas de tolerância de 0,25 pp. Vale destacar que as três principais rubricas dos gastos obrigatórios já têm taxas de crescimento consideráveis, sendo saúde e educação ampliadas pelo mínimo constitucional que vigorava antes do Teto de gastos, e a previdência inflada tanto pelo envelhecimento populacional quanto pelo aumento real do salário-mínimo. É uma regra pró-cíclica, ou seja, se a economia crescer ou não haverá expansão de gastos. Outra matéria de preocupação é a instituição de um piso, sem um teto, para investimentos, uma vez que ainda não está claro se haverá limitações de quais contas poderão escapar da regra de gastos. Por fim, em nossa avaliação, para que o cenário de estabilização da dívida pública apresentado se concretize com esses parâmetros, é necessário, segundo nossas contas, desempenhar um superávit primário de cerca de 2,0% do PIB daqui em diante para estabilizar a relação dívida/PIB, muito acima das projeções mais otimistas do mercado e do próprio governo. Ou seja, até o momento, há uma falta de detalhamento que gera certas inconsistências na nova regra fiscal.
Atividade Econômica: Indústria permanece com cenário negativo
De maneira geral, todos os indicadores apontam para uma desaceleração da atividade econômica. Ao longo de 2022, sob a ótica da oferta, o setor de serviços contribuiu positivamente para o PIB, apresentando crescimento de 4,2% no ano. Tal tendência de crescimento não deve continuar, uma vez que o setor foi fortemente estimulado pela reabertura da economia e, consequentemente, pela rotação de consumo de bens para serviços. Sob a ótica da demanda, o consumo das famílias e as exportações apresentaram crescimento de 5,5% e 4,3%, respectivamente, dado os programas de auxílio do governo e a manutenção do preço das commodities em patamares elevados ao longo do ano. Os fatores que contribuíram para o crescimento de 2022 devem arrefecer dado o menor ritmo de crescimento da economia global, os efeitos da política monetária restritiva e a desaceleração do mercado de trabalho. Por outro lado, a expectativa de produção agrícola recorde, o aumento do salário-mínimo em conjunto com os programas de renegociação de dívidas e transferências governamentais devem contribuir positivamente para o consumo das famílias no início deste ano. Assim, esperamos crescimento de 0,7% para o PIB de 2023.
Vale destacar a continuação da expectativa negativa para o desempenho da indústria brasileira. Os últimos dados mostram que a produção se encontra 18,8% abaixo do nível recorde de maio de 2011 e 2,3% abaixo do patamar pré-pandemia, ou seja, há uma dificuldade estrutural de melhora do setor. Com a manutenção da taxa Selic em 13,75% por mais tempo, setores industriais ligados ao crédito continuarão sendo fortemente penalizados pelas altas taxas de juros e aumento gradativo da inadimplência tanto para pessoas físicas quanto jurídicas. Ademais, nosso viés negativo para a indústria também é reforçado pela expectativa de desaceleração global, especialmente pela moderada recuperação da China após a reabertura, que não deve apresentar rápida melhora das relações comerciais externas diante de uma fraca demanda interna. Por fim, a ausência de avanços na agenda de reformas estruturais, e o perfil disseminado da retração industrial demonstram que a tendência baixista do setor deve persistir nos próximos meses.
Mercado de Trabalho: Trajetória de desaceleração é reforçada
As duas primeiras leituras para a taxa de desemprego de 2023 mostraram uma mudança de trajetória: depois de onze meses em queda, a medida voltou a subir. Os dois últimos aumentos vão ao encontro do movimento já apontado por outras métricas, como a tendência de retração da criação de postos de trabalho formal no acumulado em doze meses. Neste indicador, o saldo total de vagas contraiu 4,5% m/m na passagem de janeiro para fevereiro, o décimo mês consecutivo de contração, refletindo a desaceleração de sete dos oito subgrupos pesquisados. Vale destacar que a gradativa queda da força de trabalho nas últimas leituras tem contribuído para o controle da taxa de desemprego, não sendo completamente um efeito de criação de empregos. Essa saída de pessoas desempregadas da força de trabalho, na nossa avaliação, tem forte relação com as políticas de transferência de renda que têm mantido a demanda aquecida. Diante disso, refletindo os efeitos da perda de tração da atividade econômica nos últimos meses e a perspectiva de manutenção da trajetória de arrefecimento da economia nossas projeções apontam que a taxa de desemprego encerre 2023 em 8,8%.
Crédito: Altas taxas de juros pressionam inadimplência
O mercado de crédito é um dos principais canais de transmissão da política monetária. Assim, dado o patamar de taxas de juros atual, espera-se um menor ritmo das concessões de crédito. Nesse contexto, a concessão de crédito livre desacelerou 2,5%m/m, com ajuste sazonal, com destaque negativo para as Pessoas Jurídicas (-3,8%). Enquanto isso, a concessão de crédito direcionado permaneceu estável. No ano, o saldo desacelerou de 7,5% para 6,7%, com destaque negativo para o segmento livre (7,2% para 5,6%) e positivo para saldo o segmento direcionado (8,0% para 8,2%). De maneira geral, a taxa de inadimplência subiu 0,1%, atingindo 3,3%. No segmento livre, observou-se a estabilidade em 6,1% para PFs e o crescimento de 0,1% para PJs, atingindo 2,4%. Por fim, vale destacar a deterioração do perfil de crédito das famílias com o crescimento de linhas relacionadas ao maior endividamento, por exemplo, crédito rotativo. Tal tendência deve ser agravada dada a desaceleração do mercado de trabalho.
Inflação: Política monetária tem a meta de inflação como prioridade
O último comunicado do COPOM reforçou o tom hawkish do Banco Central. Por um lado, o BC destacou a maior persistência da inflação, as incertezas fiscais e a desancoragem das expectativas. Por outro lado, a queda do preço das commodities em real, a desaceleração global mais forte em função da instabilidade do sistema financeiro e a desaceleração da atividade doméstica são fatores positivos para aliviar as pressões inflacionárias.
No cenário de referência, as projeções para inflação são 5,8% e 3,5% para 2023 e 2024 respectivamente. Além disso, o COPOM analisou um cenário alternativo em que os juros são mantidos em 13,75% ao longo de todo horizonte relevante. Nesse caso, as projeções de inflação são 5,7% e 3,0% para 2023 e 2024 respectivamente. Tal cenário está em linha com as nossas projeções de estabilidade de Selic para 2023.
Embora o IPCA e o IPCA-15 tenham apresentado desaceleração na métrica de 12 meses, tal movimento ainda é impactado pela medida de redução de impostos sobre gasolina e energia elétrica. Nossa avaliação é que apesar das principais contribuições altistas estarem concentradas em alguns itens (educação, habitação e saúde e cuidados pessoais) a aceleração vista no IPCA cheio de fevereiro em relação a janeiro aponta para alguns sinais de alerta para o Banco Central, haja vista a estabilização da inflação de serviços (de maior inércia) na métrica em 12 meses em um patamar significativamente elevado (7,85%). Os núcleos também apresentaram aceleração na comparação mensal, bem como o índice de difusão (65,25%). Por fim, projetamos o IPCA de 2023 em 6,5%.
Cenário Internacional
Estados Unidos
Atividade econômica persistente mantém aperto monetário
O mês de março foi marcado por uma grande tensão no mercado financeiro global. A desregulamentação financeira implementada por uma legislação de 2018, a concentração de depósitos de startups e sua alta rentabilidade devido ao processo de aperto monetário são fatores que ajudam a explicar a crise que levou à falência de três bancos americanos. No entanto, a rápida resposta do Fed colaborou para o controle da situação, ao garantir todos os depósitos, mesmo aqueles acima do limite do FDIC (US$ 250 mil), criando o programa de Financiamento a Prazo (BTFP) para oferecer empréstimos e expandindo as operações de redesconto (US$ 153 bilhões).
Apesar desse contexto inesperado, o Fed decidiu elevar a taxa básica de juros em 25 pontos-base, dando continuidade à política monetária contracionista. O presidente do banco central norte-americano (Fed), Jerome Powell, admitiu que o Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) chegou a discutir a possibilidade de interromper o ciclo de alta de juros, mas, levando em consideração um conjunto de dados mais amplo, o Fed tomou a decisão correta em vista da situação do mercado de trabalho e da inflação. O Comitê reforçou que o sistema bancário norte-americano é sólido e resiliente, não deixando de admitir que os eventos recentes devem causar um aperto nas condições de crédito.
O fato de o núcleo de inflação ter vindo acima do esperado na métrica mensal indica que os componentes mais inerciais, sobretudo ligados ao setor de serviços (mais intensivo em mão de obra) devem sustentar o nível de preços em um patamar significativamente elevado por mais tempo. O processo de desinflação ainda se encontra mais restrito a grupos que não tem a sua moderação de preços diretamente decorrente da ação da política monetária, o que dificulta a convergência da inflação e justifica a postura adotada pelo último FOMC. Ademais, o processo de queda do excesso de poupança das famílias formado ao longo da pandemia continua no ritmo mais lento já observado desde o final do ano passado, dando certo sustento aos níveis de atividade por mais tempo. Por fim, o mercado de trabalho segue sendo um viés de pressão inflacionária, uma vez que a criação de postos de trabalho continua surpreendendo as projeções, mostrando a resiliência da economia.
Zona do Euro
Em meio à persistente pressão de preços, cenário para atividade segue negativo
Na Zona do Euro, a preocupação com os níveis de preço segue sendo protagonista no cenário econômico. A inflação nuclear mantém a tendência altista, com destaque para serviços, setor mais sensível ao forte desempenho do mercado de trabalho. Por outro lado, as pressões de custo estão menores, com o nível de preços ao produtor em um processo de desinflação mais intenso que o esperado, sendo um viés positivo para melhoras marginais no preço final. Como consequência, o poder de compra das famílias segue mais apertado, e a continuação de uma sequência de resultados fracos para a atividade provavelmente resultará em um primeiro trimestre pouco otimista, tanto em vendas no varejo quanto para os gastos do consumidor em geral, à medida que a queda da renda real pesa sobre as famílias. Em um processo iniciado com a pandemia, o excesso de poupança das famílias ainda segue em trajetória de crescimento, o que ajuda a sustentar moderadamente o consumo. O PMI de serviços aponta para uma expansão mais contundente, enquanto a indústria segue com números mais fracos. Apesar do avanço em janeiro, a produção industrial segue majoritariamente em contração.
Confirmando a indicação feita na reunião de fevereiro, mesmo em meio aos últimos acontecimentos do sistema financeiro internacional, o Banco Central Europeu decidiu elevar a taxa básica de juros em 0,50 p.p., fazendo com que as taxas de empréstimo, refinanciamento e de depósito chegassem aos maiores níveis desde 2008. A continuação do processo de subida de juros confirma nossa tese de que a prioridade da política monetária continuará sendo o controle da inflação, com especial atenção às métricas nucleares mais resilientes. No mesmo sentido, o Bank of England também continuou o aperto, com alta de 0,25 p.p., mais uma vez ressaltando as consequências do mercado de trabalho apertado e da inércia inflacionária.
China
Segunda economia do mundo terá caminho tortuoso em sua recuperação
Os primeiros dados do ano para a atividade chinesa demonstraram que há sinais de moderada recuperação, com tanto o crescimento das vendas do varejo quanto da produção industrial ficando abaixo do esperado no primeiro bimestre. Além da inflação ao consumidor bem abaixo da meta do banco central, mais um sinal da falta de impulso da demanda interna, o alto valor da taxa de desemprego é um dos fatores que mantém a confiança do consumidor em patamar historicamente baixo e retarda o processo de retomada do consumo.
Nesse sentido, ao longo de fevereiro houve um processo mais fraco que o esperado de normalização da atividade concentrada no setor de serviços que, em nossa visão, enfrentará desafios para se sustentar. Outro ponto desfavorável à atividade se colocou na queda acentuada dos lucros da indústria no primeiro bimestre, mesmo já sem as restrições da política de covid-zero, mostrando que há um efeito inercial negativo. Assim, mais uma vez, é preciso que haja uma melhora da demanda interna para que a confiança do empresariado também se eleve.
Vale ressaltar o papel do governo chinês nos incentivos a setores estratégicos da economia. Como destaque, houve crescimento das vendas de residências, do investimento imobiliário e do investimento em ativos fixos no primeiro bimestre de 2023, com o governo prometendo apoio político para ajudar a reverter a prolongada crise que o setor tem enfrentado. Ou seja, há um movimento induzido para que ocorra o aumento dos investimentos, processo que pode não ser sustentável no longo prazo. Por isso, projetamos um cenário mais pessimista que o consenso de mercado, projetando um crescimento de 4,8% para o PIB chinês em 2023.