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Publicado em 01 de Novembro às 15:21:10

Carta Macro (Outubro/22)

Cenário Doméstico

Eleições segundo turno: Luiz Inácio Lula da Silva é eleito para inédito terceiro mandato

A última pesquisa Genial/Quaest divulgada no sábado já adiantava que o resultado de domingo seria muito disputado, apontando para vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com 51,4% dos votos válidos. No entanto, a eleição presidencial de 2022 entrou para a história como a mais apertada desde a redemocratização: Lula (50,9%) obteve vantagem de 1,8 p.p. sobre Jair Bolsonaro (49,1%), sagrando-se presidente do Brasil pela terceira vez. Enquanto o presidente eleito foi vitorioso em 13 estados (todo o Nordeste, Minas Gerais, Amazonas, Pará e Tocantins), o segundo colocado saiu vencedor nos demais 14 (todo o Sul e Centro-Oeste, Rondônia, Acre, Roraima, Amapá, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo).

Entre os turnos, podemos ver que a campanha do atual presidente Bolsonaro foi mais bem sucedida, uma vez que conquistou 7,134 milhões de votos, enquanto Lula conquistou 3,086 milhões, vantagem que não foi suficiente para conquistar a eleição. Além da confirmação de uma divisão da população no pleito presidencial, a reta final da disputa foi marcada por importantes decisões estaduais. O presidente eleito contará a partir de 2023 com 11 governadores aliados, incluindo quatro do próprio PT, mas terá que lidar com oposição em 14 outros estados, especialmente no Sul e Centro-Oeste do país. Há também dois governadores eleitos que ficaram neutros, Eduardo Leite (RS) e Raquel Lyra (PE), ambos do PSDB. A vitória de Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, por outro lado, consolida um domínio “bolsonarista” no Sul e Sudeste. Nesta última, os governadores Cláudio Castro (PL-RJ) e Romeu Zema (Novo-MG) já haviam sido reeleitos no primeiro turno.

A maior vitória do “bolsonarismo”, portanto, foi conquistada no primeiro turno: os partidos (PL, União Brasil, PP, Republicanos e Podemos) mais alinhados aos interesses do atual presidente somam 258 das 513 cadeiras disponíveis na Câmara, além de 43 das 81 do Senado Federal. Com isso, o presidente eleito deverá encarar um cenário significativamente mais adverso em termos de aprovação de medidas que elevem os gastos públicos ou revoguem reformas. Existem, a nosso ver, três possibilidades de postura para o próximo governo Lula. A primeira, mais otimista, seria se valer dos apoios de economistas ortodoxos dos quais recebeu apoio ao longo da campanha e nomear um deles para o Ministério da Economia. O sinal seria de um plano de governo equilibrado e responsável do ponto de vista fiscal. A segunda e, a nosso ver, mais provável, condiz com a nomeação de um membro do PT com experiência no setor público para o ministério, como ocorreu no primeiro mandato de 2002. Neste caso, o mercado entenderia um sinal de maior neutralidade. Por fim, a terceira possibilidade seria nomear para ministro um economista com perfil “desenvolvimentista”, como os que ocuparam o Ministério da Fazenda no governo Dilma Rousseff. A reação dos investidores, nesse caso, seria extremamente negativa.

No que se refere ao crescimento de longo prazo, o cenário nos parece mais negativo. Continuar as reformas é fundamental, e o Partido dos Trabalhadores mostrou, em seus treze anos de governo, que não acredita em reformas e já anunciou que gostaria, até mesmo, de desfazer algumas das que foram feitas nos últimos seis anos. Neste sentido, nossa avaliação é que devemos esperar poucos progressos nesta área e, portanto, baixo crescimento econômico.

Atividade Econômica: Com resultados mistos, setor de serviços começa a desacelerar

Depois de duas altas consecutivas, sendo a última (+1,7% m/m em julho) a maior desde outubro de 2020, o IBC-Br, proxy para o PIB do Banco Central, teve resultado pior que o esperado em agosto, de -1,1% m/m. De modo geral, o desempenho da economia foi mista no mês: tanto a produção industrial quanto as vendas no varejo apresentaram queda, de 0,6% m/m e 0,1% m/m, respectivamente, e, por outro lado, o setor de serviços, que elencamos como o principal driver para o crescimento do PIB em 2022, avançou 0,7% no mês.

Acerca do mercado de trabalho, mais números acima das expectativas foram alcançados em setembro. O Caged registrou criação líquida de 278,1 mil postos de trabalho formal, tendo havido admissão de 1,92 milhões e demissão de 1,64 milhão de trabalhadores no período. O resultado de setembro foi puxado novamente pelo setor de serviços, com 122,6 mil vagas líquidas geradas. Historicamente o setor de serviços representa 40% das vagas líquidas criadas na economia, entretanto, no período recente, o patamar é de cerca de 52% do total, mostrando o protagonismo do setor na recuperação do período pós-pandemia. No entanto, na variação interanual, o saldo líquido geral do indicador foi menor em 38,9 mil vagas (de 317 mil para 278,1 mil), principalmente impactado pelo desempenho mais fraco do setor de serviços (-25 mil), o que demonstra, em concordância com a PMS, uma perda de tração do setor que ainda avança. Em nossa avaliação, esta desaceleração é natural, afinal o setor já se encontra bem acima do nível observado antes do início da crise sanitária, ficando apenas 0,9% abaixo do nível mais alto da série histórica (nov/2014).

Na mesma direção, a taxa de desemprego segue sua trajetória de queda. A última PNAD registrou 8,7%, a menor taxa de desocupação para um trimestre encerrado em setembro desde 2015. Compondo o resultado, a população ocupada apresentou crescimento robusto, alcançando novamente o patamar mais alto da série, com queda da taxa de informalidade. Houve aumento da população ocupada em 1,0 milhão (1,0% t/t), o recorde da série iniciada em 2012, e de 6,8% (6,3 milhões) no ano. Além disso, houve redução da população desocupada em 621 mil, representando uma queda de 6,2% no trimestre e de 29,7% (4 milhões) no ano. Ademais, diante da retração na inflação em conjunto com a expansão na ocupação com carteira assinada e de empregadores, o rendimento real cresceu 3,7%, enquanto a massa de rendimentos avançou 4,8% na comparação com o trimestre anterior.

Por fim, destacamos que o desempenho mais recente da economia brasileira está em linha com nossas expectativas para o crescimento do PIB em 2022. Acreditamos no protagonismo do setor de serviços, em meio à dinâmica de mudança do padrão de consumo de bens para serviços. Entretanto, projetamos que os próximos meses serão marcados por uma desaceleração do setor, refletindo os impactos da política monetária contracionista.  Além disso, o setor industrial vem se beneficiando das melhoras nas cadeias globais de valor e dos custos ao produtor cada vez menos pressionados. Por outro lado, o setor varejista parece começar a sentir os efeitos da política monetária contracionista, especialmente nos segmentos mais sensíveis ao crédito, haja vista a trajetória de queda das concessões para pessoas físicas. Mesmo assim, acreditamos que a ampliação dos programas de transferência de renda e outros estímulos à demanda agregada, como o corte nas alíquotas do ICMS e PIS/Cofins, serão relevantes para a dinâmica de curto prazo da atividade econômica.

Fiscal: Resultado primário do Governo Central amplia superávit acumulado em 12 meses

Segundo o Tesouro Nacional, o resultado primário do governo central em setembro foi de +R$ 11,0 bilhões, fazendo com que o primário acumulado no ano seja de +R$ 33,8 bilhões, comparável a -R$ 81,9 bilhões no mesmo período do ano passado. Vale destacar que, em termos reais, no período entre jan/22-set/22 a combinação do resultado do Tesouro Nacional e o Banco Central foi de superávit de R$ 268,8 bilhões, o melhor resultado da série histórica. Este resultado reflete a melhora da arrecadação do governo central que atingiu a máxima histórica no acumulado em 12 meses de R$ 2,31 trilhões.  Além disso, houve pequeno recuo na Receita Administrada pela RFB (-0,5% a/a), onde pesam as desonerações sobre combustíveis de PIS/COFINS e IPI, enquanto, pelo lado dos gastos, houve redução de 1,1% em termos reais, diante da combinação dos seguintes fatores: crescimento de 6,0% dos benefícios previdenciários; e de 41,3% com despesas obrigatórias com controle de fluxo, refletindo os impactos do aumento do benefício pago pelo Auxílio Brasil em relação ao programa Bolsa Família.

As estatísticas fiscais do Banco Central também revelam que o setor público consolidado registrou superávit primário de R$10,7 bilhões em setembro de 2022, ante superávit de R$12,9 bilhões em setembro de 2021, pior que a expectativa do mercado. O Governo Central e os Governos Regionais apresentaram superávits de R$11,1 bilhões e de R$321 milhões, respectivamente. Vale ressaltar o papel da redução da alíquota do ICMS para a piora do resultado dos Entes Subnacionais. Por outro lado, as empresas estatais registraram déficit de R$688 milhões. Os juros nominais do setor público consolidado, apropriados por competência, somaram R$71,4 bilhões em setembro de 2022, comparativamente a R$55,0 bilhões em setembro de 2021. Além do aumento na taxa Selic, contribuiu para essa evolução a piora no resultado das operações de swap cambial. Assim, o resultado nominal do setor público consolidado, que inclui o resultado primário e os juros nominais apropriados, foi deficitário em R$60,6 bilhões em setembro de 2022. Por fim, a Dívida Líquida do Setor Público atingiu 58,3% do PIB, mantendo-se praticamente estável em relação ao mês anterior (58,2% do PIB), sendo que, no ano, houve aumento de 1,1 p.p. Para esse resultado, contribuíram os juros nominais apropriados, o efeito da variação da cesta de moedas que compõem a dívida externa líquida, a desvalorização cambial de 4,4%, o crescimento do PIB nominal e o superávit primário (-0,1 p.p.). A Dívida Bruta do Governo Geral, que compreende Governo Federal, INSS e governos estaduais e municipais, atingiu 77,1% do PIB, redução de 0,4 p.p. do PIB no mês. Por sua vez, essa evolução decorreu, principalmente, do efeito do crescimento do PIB nominal, dos resgates líquidos de dívida, dos juros nominais apropriados e do efeito da desvalorização cambial.

Inflação: Combustíveis ainda seguram indicadores, mas a tendência é de leve aceleração

As leituras para a inflação de outubro já divulgadas apontam resultados mistos. Enquanto o IGP-M marca a terceira contração consecutiva com -0,91% m/m, o IPCA-15 avançou 0,16% m/m depois de dois meses de deflação. Mais uma vez, a maior contribuição baixista do IGP-M foi o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA-M), tendo como destaques as quedas dos bens intermediários e das matérias-primas, apesar do aumento dos bens finais.

Já a inflação ao consumidor (IPC) encerrou a sequência de três meses seguidos de taxas negativas, avançando 0,50% em outubro. Seis das oito categorias marcaram aumento de preços, apenas os grupos Comunicação e Transportes registraram deflação. Embora tenha ocorrido aumento do preço do barril do petróleo no mercado internacional, a gasolina continuou a registrar deflação em outubro (-3,74%) devido ao acúmulo de defasagens (18%) no preço do litro (-R$ 0,75). Da mesma forma, no IPCA-15 os preços dos combustíveis continuaram impactando o indicador, mas em menor intensidade, ainda que a gasolina tenha exercido o maior impacto negativo (-0,29 p.p.). Por outro lado, a alta foi puxada pelo aumento das tarifas de passagens aéreas e pelo reajuste nos preços dos planos de saúde. Depois de apresentar deflação de -0,47% em setembro, o grupo de Alimentação e bebidas teve alta de 0,21%, tendo a alimentação no domicílio sentido a maior piora.

Política Monetária: Pausa no ciclo de aperto monetário é mantida unanimemente

Na reunião de outubro do Copom, o Comitê manteve, mais uma vez, a taxa Selic em 13,75% a.a. Diferente da última reunião, dessa vez houve unanimidade na decisão, com ênfase no caráter vigilante do comitê quanto à estratégia de manter a Selic no patamar mais elevado desde dezembro de 2016 para garantir a convergência da inflação. Além disso, foi reforçado que o Banco Central não hesitará em retornar o processo de elevação dos juros no futuro caso o processo de desinflação não ocorra como o esperado, destacando que os anos de 2023 e 2024 estão no horizonte relevante em igual magnitude. Avaliamos que a decisão veio em linha com o esperado, principalmente ao sinalizar a moderação do crescimento dos indicadores de atividade econômica. Nesse sentido, outro ponto inédito foi a menção a uma maior sensibilidade dos mercados a fundamentos fiscais, inclusive em países avançados, sendo este um ponto de maior atenção para economias emergentes.

O comunicado destacou que existem riscos para o cenário inflacionário em ambas as direções. Os riscos altistas estão associados à maior persistência inflacionária global; às incertezas em relação ao arcabouço fiscal brasileiro, sobretudo dos estímulos de impulso à economia que impliquem em sustentação da demanda agregada; e a um hiato do produto mais estreito que o utilizado pelo Comitê em seu cenário de referência, em particular no mercado de trabalho. Por outro lado, os riscos de baixa estão ligados a um arrefecimento dos preços das commodities em moeda local; a uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e à manutenção dos cortes de impostos para serem revertidos em 2023. Em nosso cenário base, o BCB deixará a taxa em 13,75% até o 3º trimestre de 2023, quando iniciará o processo de redução, encerrando o ano em 11%.

No que diz respeito às concessões de crédito, dando continuidade ao movimento de reversão do arrefecimento, apresentaram terceiro avanço consecutivo em setembro, após três quedas nos meses anteriores. Houve avanço de 2,2% m/m, totalizando R$ 5,2 trilhões no período, e, de maneira similar ao observado no mês anterior, houve avanço generalizado nas diversas aberturas, haja vista que tanto as concessões para empresas (2,4% m/m) quanto para famílias (1,3% m/m) apresentaram expansão na margem. Sobre o crédito para pessoa física, o crescimento foi disseminado entre as modalidades, mas o destaque foi a expansão do crédito rotativo em 5,8% m/m.

Uma novidade se observa no rompimento da sequência de aumentos das taxas cobradas pelas instituições financeiras, com um recuo de 0,2 p.p. ficando em 44,4% a.a., reflexo da pausa do aperto monetário, ainda que esteja 0,9 p.p. maior na comparação com o ano passado. No contexto de juros e inflação elevados, ainda vemos baixa inadimplência por parte das empresas (1,9%), mas já há uma significativa aceleração para famílias, estando em 5,7%, ultrapassando os patamares vistos no período pré-pandemia. O contexto macroeconômico atual, com a melhora no mercado de trabalho (queda do desemprego e aumento da massa salarial) em conjunto com políticas fiscais expansionistas, em nossa visão, ajuda a explicar certa resiliência do mercado de crédito. Entretanto, a desaceleração econômica, que deve ocorrer a partir do 4º trimestre de 2022 e deve perdurar ao longo de 2023, provavelmente será responsável por reverter esta trajetória positiva, gerando um viés altista para o avanço da inadimplência tanto para as pessoas físicas quanto jurídicas.

Cenário Externo

Estados Unidos

CPI avança acima das expectativas por mais um mês seguido, indo a 8,2% na comparação ano a ano Durante o mês de setembro, o CPI avançou 0,4%, mais uma vez acima das expectativas do mercado, que apontavam para uma alta de 0,2%. Assim, a inflação nos Estados Unidos foi a 8,2%, o que representa um recuo de 10 bps em relação ao mesmo mês do ano anterior. Por mais um mês consecutivo, os preços da gasolina foram responsáveis por “segurar” o avanço da inflação, ao recuar 4,9% no mês, tendo em vista que a cotação do Brent foi de aproximadamente US$ 96 por barril para cerca de US$ 87. Contudo, com o fechamento das plataformas de produção no Golfo do México diante das preocupações com o furacão Ian, e com a decisão da Opep+ de cortar a produção em 2 milhões de barris por dia, os preços do petróleo saltaram em outubro, e, desse modo, impõem um viés altista para a próxima leitura do CPI. Por outro lado, o segundo driver de mais relevância para a inflação, isto é, alimentação, evidencia modestos sinais de desaceleração, ao partir da alta de 11,3% no mês passado para os atuais 11,2%. Todavia, os preços em restaurantes, bares e similares apresentaram alta de 0,9% na comparação mês a mês, além de continuarem em trajetória de alta na comparação ano a ano. Ao excluirmos os itens mais voláteis, como energia e alimentação, a inflação nos Estados Unidos foi de 6,7% em setembro, tendo os preços de habitação (shelter) contribuído com 24 bps para o headline. De modo geral, acreditamos que a inércia inflacionária se fará persistente nos próximos meses, fazendo com que o CPI se mantenha em um nível elevado até o final de 2022, horizonte para o qual a expectativa do mercado é de 8,4%.

Payroll continua evidenciando o descasamento entre oferta e procura por mão de obra Em relação ao mercado de trabalho, o payroll de setembro mostrou a criação líquida de 263 mil postos de trabalho, levemente acima das expectativas do mercado, que apontavam para a criação de 255 mil. Diante disso, cabe destacar que as surpresas inflacionárias não são as únicas que impõem um viés altista ao balanço de riscos do Federal Reserve, afinal, o mercado de trabalho norte-americano vem consistentemente superando as expectativas do mercado quanto a criação de postos de trabalho. Além disso, a taxa de desocupação segue em níveis historicamente baixos, a julgar pelos 3,5% de setembro, o que representa uma baixa de 0,2 p.p. frente ao mês imediatamente anterior e abaixo da NAIRU estimada pelo próprio Federal Reserve, em 4%. Portanto, ainda se observa um descasamento entre oferta e procura por mão de obra, o que justifica a dinâmica de elevação dos salários, que cresceram 5% na comparação ano a ano em setembro, e que se fazem um relevante driver para a inflação.

Federal Reserve deve elevar a fed funds rate até 4,75% no final de 2022

Diante das persistências inflacionárias e os desequilíbrios no mercado de trabalho, acreditamos que o Federal Reserve se manterá firme em elevar a fed funds rate até 4,75% ao final do ano. Para o próximo Fomc, esperamos uma alta de 75 bps, levando a taxa de juros a 4% ao ano. Além disso, acreditamos que Powell deve reforçar a visão de que os juros se manterão em um patamar elevado por um longo período, o chamado higher for longer, ao passo que no SEP (Summary of Economic Projections), que reúne as expectativas do Federal Reserve, a mediana da taxa de juros se encontra em 4,6% em 2023. Para nós, embora não conste em nosso cenário base, a desaceleração no ritmo de alta pode ocorrer neste ano, isto é, ao invés de uma alta de 75 bps em dezembro, uma de 50 bps pode vir a acontecer. Para nós, tais projeções para a fed funds são palatáveis, pois mesmo que a inflação ainda se encontre acima da meta da autoridade monetária, de 2%, as expectativas de inflação para diversos horizontes começaram a recuar, e as condições financeiras estão se deteriorando (um bom exemplo disso é a elevação das taxas de hipotecas, que já ultrapassam 7% para o horizonte de 30 anos).

Avanço de 2,6% do PIB norte-americano esconde a desaceleração da absorção doméstica

Por fim, o crescimento de 2,6% em termos anualizados do PIB norte-americano no 3T22 põe fim a uma sequência de dois trimestres em queda. Contudo, tal crescimento se deve especialmente ao setor externo, não muito sustentável no curto prazo, em nossa visão. Durante o terceiro trimestre do ano, as exportações líquidas contribuíram com 2,8 p.p., ao somarem um déficit de US$ 0,9 trilhão, uma modesta melhora frente ao déficit do segundo trimestre. Por outro lado, a absorção doméstica, isto é, o somatório do consumo das famílias, dos gastos do governo e dos investimentos, decepcionou. Para nós, em linha com a perspectiva de uma desaceleração econômica da China e outros pares, e com o fortalecimento da moeda norte-americana – bem visível no desempenho do DXY, que já se valorizou cerca de 16% em 2022 – no âmbito do ciclo de alta de juros no país, o ritmo de crescimento das exportações deve desacelerar, e a “âncora” do crescimento do PIB se esgotará. Além disso, falando mais especificamente sobre o consumo das famílias, o mesmo desacelerou frente ao trimestre anterior, passando de uma alta de 2% para uma de 1,4%. Pontuamos em cartas anteriores que, para nós, um dos principais drivers para o consumo era o chamado “excesso de poupança”, isto é, a poupança que as famílias teriam acumulado durante os anos de 2020 e 2021 em meio a todos os estímulos fiscais. Acreditamos, contudo, que esse driver está se tornando cada vez menos relevante, haja vista que esse excesso era de aproximadamente e US$ 2,3 trilhões no 3T21 e hoje se encontra em US$ 1,4 trilhão, e em breve os gastos com consumo devem arrefecer como consequência do efeito riqueza negativo.

Europa

Preços de energia continuam pressionando a inflação na Zona do Euro

Em relação à Europa, as persistências inflacionárias permanecem à medida que os preços de energia se elevam. De acordo com o Eurostat, a inflação na Zona do Euro chegou a 9,9% em setembro, levemente abaixo das projeções do mercado, de 10%. Durante o mês, os preços de energia saltaram 40,7% na comparação ano a ano, contribuindo com 3,95 p.p. para o headline da inflação, seguido por alimentação, álcool e tabaco (2,47 p.p.), serviços (1,80 p.p.) e bens industriais não-energéticos (1,47 p.p.). Contudo, ao removermos os preços de energia e alimentação, isto é, ao olharmos o núcleo da inflação, vemos um avanço de 4,8%. Portanto, fica evidente como as pressões inflacionárias se originam na escassez de oferta de energia, especialmente por conta do conflito na Ucrânia, que tem encarecido consideravelmente os preços do gás natural (muito embora uma certa acomodação tenha sido vista) e da energia elétrica, e como tem pressionado o custo de vida da região. Além disso, deve-se destacar que a inflação de serviços, um componente bastante inercial, vem acelerando mês a mês, chegando a 4,3% em setembro. Para outubro, a leitura preliminar do Eurostat para o CPI foi de 10,7%, bem acima das projeções do mercado, que apontavam para uma alta de 10,3%. Ademais, cabe destacar a estimativa para o crescimento do PIB no 3T22 de 0,2%, em linha com nossa visão de uma desaceleração econômica na região, haja vista que no segundo trimestre a alta foi de 0,8%.

BCE adota uma postura dovish, mesmo diante de uma elevação de 75 bps na taxa de juros

Diante de todas as persistências inflacionárias, o Banco Central Europeu elevou a taxa básica de juros da Zona do Euro em 75 bps na reunião de outubro, levando a taxa a 1,50%, em linha com a expectativa do mercado. Contudo, uma fala mais dovish foi perceptível. Acontece que a autoridade monetária, ao se referir ao ciclo de elevação na taxa de juros, apenas afirmou que espera continuar sua trajetória de alta, ao passo que em sua última reunião afirmou que tais aumentos aconteceriam em diversos encontros. Além disso, após a reunião, Christine Lagarde, presidente do BCE, afirmou que, tanto a inflação como também os lags da política monetária são usados em sua formulação. Diante disso, é importante salientar que o fato de citar os efeitos defasados da política mostra a preocupação do BCE sobre os efeitos da taxa de juros sobre o hiato e muito provavelmente, um sinal de que o ritmo de alta pode desacelerar em breve. Outro fator que aponta para essa desaceleração é a mensagem de que a autoridade monetária começará, já em dezembro, a discutir acerca da redução do balance sheet, um movimento que apenas aconteceria, segundo o BCE, quando todo o ajuste da taxa de juros fosse feito. Em suma, a autoridade monetária adotou uma postura meeting-by-meeting, isto é, irá ajustar a política monetária com base nos dados entre uma reunião e outra.

China

Renovação de mandato de Xi Jinping promete continuidade da política de “Covid-zero”

Em outubro, o 20° Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês renovou o mandato do atual presidente Xi Jinping e foi responsável pela nomeação dos principais membros do Comitê Central. Em seu inédito terceiro mandato, o líder do país começou sua nova gestão exaltando a política de “covid-zero” que, por estar sendo estendida mesmo com um número relativamente baixo de novos casos, tem gerado mais danos à população do que benefícios. Enquanto o resto do mundo aprende a conviver com o vírus investindo em boas vacinas, a população chinesa tem sido submetida a paralisações, testes em massa e lockdowns. Apenas em Xangai, cerca de 1,5 milhão de pessoas estão submetidas a restrições no principal centro financeiro do país. Diante da aposta de manter essa política, a metrópole anunciou planos para construir uma estrutura permanente de quarentena que deve custar US$ 221 milhões com 3.009 quartos de isolamento e 3.250 leitos, segundo a agência de notícias da China, “Caixin”.

Nesse cenário, a economia chinesa apresentou sinais mistos de recuperação no terceiro trimestre de 2022. O PIB 3T22 apresentou crescimento acima do esperado, marcando 3,9% a/a na comparação anual. Além disso, a indústria surpreendeu o mercado avançando 6,5% a/a enquanto o varejo desapontou com expansão de 2,5% a/a. E ainda, a desaceleração das importações e exportações mostram enfraquecimento generalizado, e devem tornar a economia mais vulnerável à crise imobiliária e à política de zero-Covid. Por fim, o desemprego na China aumentou, e a taxa de desocupados passou de 5,3%, em agosto, para 5,5% em setembro, segundo agências internacionais.

Os principais medidores oficiais de atividade da China nos setores industrial, de construção e de serviços caíram em território de contração em outubro, trazendo novos sinais de fraqueza na segunda maior economia do mundo. O PMI industrial medido pelo governo caiu para 49,2 em outubro, em comparação com 50,1 em setembro, com destaque para o subíndice que mede a produção fabril que caiu para 49,6 ante 51,5 no mês anterior. O PMI não industrial oficial da China, que cobre a atividade dos setores de serviços e construção, caiu 0,9 p.p., atingindo 48,7 em outubro, pressionado pelo setor de serviços em queda e crescimento mais lento na atividade de construção. Nesse contexto, avaliamos que tanto fatores internos (política de zero-Covid e crise imobiliária) quanto externos (desaceleração da atividade econômica global) pesarão sobre a atividade econômica no curto prazo. Soma-se a este prognóstico negativo, a deterioração de fatores estruturais que pesarão sobre a economia no médio/longo prazo (fim do bônus demográfico; transição para uma economia voltada para demanda interna; redução da dependência do setor imobiliário; a maior centralização do processo decisório; e a baixa natalidade, por exemplo) e impõe a manutenção do viés negativo para os próximos anos.

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