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Publicado em 03 de Outubro às 16:36:34

Carta Macro (Setembro/22)

Cenário Doméstico

Eleições primeiro turno: Bolsonaro surpreende e composição do Congresso limita ambição de gastos de Lula

O resultado do primeiro turno das eleições para presidente surpreendeu com Bolsonaro obtendo uma performance acima da esperada pela média das pesquisas eleitorais, com a disputa para presidente mais acirrada desde 1989. O atual presidente obteve 43,2% dos votos, enquanto as pesquisas apontavam para 39,6%. Em contrapartida, o ex-presidente Lula teve um desempenho próximo do previsto pelas pesquisas com um total de 48,5% dos votos (média das pesquisas de 48,5%).

Os números mais positivos para o atual presidente também puderam ser observados nos votos para os demais cargos. No Congresso, os partidos cujas diretrizes eram de direita ou mais próximos ao atual presidente conseguiram importantes vitórias. O PL, partido do atual presidente, saiu de 77 cadeiras na Câmara dos deputados para 99, se tornando a maior bancada eleita na Câmara nos últimos 24 anos. Os partidos (PL, União Brasil, PP, Republicanos e Podemos) mais alinhados com os interesses do atual presidente somam 258 das 513 cadeiras disponíveis na Câmara, sinalizando que o Presidente terá uma forte base para o próximo ano em caso de vitória.

No Senado, os números apontaram para a mesma direção. O PL será a maior bancada com 13 Senadores, que somado aos demais partidos aliados deverão compor maioria no Senado Federal. Vale destacar as vitórias do ex-Ministros bolsonaristas: Damares Alves (Distrito Federal), Tereza Cristina (Mato Grosso do Sul) e Marcos Pontes (São Paulo). Além disso, as vitórias do atual vice-presidente Hamilton Mourão (Rio Grande do Sul) e Rogério Marinho (Rio Grande do Norte) também merecem destaque.

Embora a corrida presidencial ainda aponte para uma vantagem do ex-Presidente Lula, a eleição de primeiro turno se mostrou desfavorável para o candidato do PT. O número de cadeiras no Congresso acima do esperado favoráveis para um eventual novo governo de Bolsonaro terá fortes implicações em caso de vitória de Lula. O ex-Presidente deverá encarar um cenário significativamente mais adverso em termos de aprovação de medidas que elevem os gastos públicos. Nesse contexto, esperamos um governo mais moderado, sobretudo em suas ambições políticas (revogação do Teto de Gastos, expansão de programas sociais e de Reforma Tributária, por exemplo). Já para o atual presidente, o resultado aponta que será fundamental reverter os votos que Lula obteve no primeiro turno, sobretudo em Minas Gerais e em São Paulo, para conseguir vencer a eleição. Nesse contexto, o atual presidente terá mais 4 semanas para virar o quadro, podendo se beneficiar da trajetória de melhora da economia, que deve registrar o terceiro mês consecutivo de deflação.

Atividade Econômica: Primeiro semestre de recuperação pujante

A atividade econômica brasileira iniciou o 3º trimestre do ano em significativa expansão, estando 3,5% acima do nível pré pandemia, sendo o patamar mais alto desde dezembro de 2014 e apenas 2,2% abaixo do patamar mais alto da série histórica. O índice de atividade econômica do Banco Central (IBC-Br) avançou 1,2% m/m em julho, além de ter revisado para cima o resultado de junho em +0,2%. Com isso, o carrego é de 1,7% para o 3º trimestre e de 3,3% para o ano de 2022.

No mesmo sentido, o mercado de trabalho segue sua trajetória de recuperação. Em agosto, a PNAD apontou que a taxa de desemprego atingiu o menor patamar para um trimestre encerrado em agosto desde 2015, em 8,9%. Seguindo a tendência dos últimos meses, a população ocupada apresentou crescimento robusto, alcançando novamente o patamar mais alto da série, enquanto a massa salarial (4,7%) e o rendimento real (3,1%) apresentaram crescimento significativo. Em relação ao trimestre encerrado em maio, a força de trabalho aumentou em 559 mil (0,5%), para 108,7 milhões de pessoas, foi o maior contingente de pessoas na força de trabalho da série histórica da pesquisa. Nesse trimestre, três atividades influenciaram de forma mais significativa para a queda na taxa de desemprego: o Comércio avançou 3,0% (566 mil) na variação com o trimestre anterior; a administração pública, educação e saúde avançou 2,9% (488 mil) e outros serviços cresceu 4,1% (211 mil).

Os indicadores de atividade mostraram continuidade da recuperação econômica ao longo do mês de julho, com avanço de 0,6% na indústria (PIM) com ajuste sazonal, e de 1,1% nos serviços (PMS). Dessa forma, em concordância com nosso cenário base, o setor de serviços segue sendo protagonista da recuperação pós-pandemia, com a combinação da flexibilização de restrições à mobilidade (impulsionando serviços presenciais), além do destaque para o setor de transportes (tanto de cargas quanto de passageiros) e serviços prestados às empresas. Em seguida, o setor industrial vem apresentando recuperação, com a melhora do ambiente macroeconômico, diante da menor pressão de custos na cadeia produtiva e da maior oferta de matéria-prima/componentes para produção. O único recuo ocorreu no setor varejista, com contração de 0,8% na visão restrita e -0,7% na ótica ampliada (que leva em consideração veículos e materiais de construção), que é consideravelmente mais sensível à política monetária. Entretanto, os estímulos fiscais combinados ao final de ano mais otimista para o setor varejista (Black Friday, Copa do Mundo, e festas de final de ano) e um mercado de trabalho mais robusto devem dar impulso adicional para o setor.

Assim, apesar da política monetária contracionista, a combinação do mercado de trabalho mais forte, um setor de serviços que não dá sinais de desaceleração em conjunto com os estímulos fiscais, acarretarão uma desaceleração mais suave nos próximos dois trimestres. Além disso, esses sinais positivos da atividade ajudam a sustentar a resiliência do mercado de crédito. Nossa projeção para o PIB de 2022 é de 3,0%, por outro lado, o ano de 2023 será de atividade econômica mais fraca, com os impactos mais perceptíveis da política monetária contracionista, além do esgotamento da normalização econômica no setor de serviços com o fim das restrições.

Fiscal: Despesas atípicas levam a novo déficit

No mês de agosto, o governo consolidado apresentou déficit de R$30,3 bilhões, com destaque para a ocorrência de eventos atípicos. Em primeiro lugar, com o pedido de postergação dos precatórios por parte do CNJ de julho para agosto, ocorreu nesse mês uma despesa adicional de R$25,3 bilhões. Além disso, houve encontro de contas entre a União e o município de São Paulo pelo pagamento do Campo de Marte. Esse episódio representou uma despesa adicional de R$23,9 bilhões para União e, em contrapartida, um ganho para cidade de São Paulo (entes subnacionais). Vale destacar que esse evento apesar de ser registrado contabilmente como despesa primária, não representa movimentação de disponibilidade financeiras, sem efeito sobre o endividamento público.

Nesse contexto, o resultado consolidado de agosto foi impactado negativamente pelo Governo Central que apresentou déficit de R$49,8 bilhões. Por outro lado, houve novo superávit nos entes subnacionais em R$18,5 bilhões, porém dessa vez exclusivamente decorrente do encontro de contas com a União. Excluindo esse evento não recorrente, é possível perceber a piora dos resultados dos entes subnacionais diante das reduções das alíquotas de ICMS.

A leitura para o mês de agosto é similar a dos meses anteriores, com um crescimento significativo da receita sobre o lucro (IR e CSLL), de dividendos & participações e de receitas com exploração de recursos naturais. Na comparação interanual, houve aumento real de 9,3% da arrecadação, com crescimento de 22,1% no imposto de renda, de 31,4% na CSLL, além do expressivo aumento dos dividendos (R$5,9 bi). Por outro lado, houve queda de 8,1% na arrecadação do COFINS, diante das desonerações sobre combustíveis ocorridas nos últimos meses.

Vale ressaltar que, mesmo diante de mais uma redução da dívida bruta do governo (-0,7 p.p.), estes resultados decorrem, principalmente, da elevação do PIB nominal. No lado das despesas, houve aumento de 36,4% a/a em termos reais, diante da seguinte combinação de fatores: crescimento de 22,7% nos Benefícios previdenciários e de 22,4% em Pessoal, ambos nas subcategorias de pagamento de precatórios como mencionado anteriormente. Por fim, em agosto iniciou o pagamento de R$600/mês para o Auxílio Brasil, dessa forma, houve aumento de 51,7% nas despesas obrigatórias com controle de fluxo. Ou seja, há um aumento considerável nas despesas recorrentes, representando um fator de risco fiscal para os próximos meses. Portanto, a definição da política econômica que será adotada pelo próximo chefe do executivo é esperada pelo mercado, mas a eleição de uma Câmara e Senado mais conservadores é um sinal de que possíveis programas mais expansionistas do ponto de vista fiscal não sejam facilmente aprovados.

Inflação: Preços administrados ainda lideram quedas, mas alimentos já apontam melhora

As leituras para a inflação de setembro já divulgadas confirmaram a tendência deflacionária já vista em agosto. O IGP-M do mês registrou a segunda queda consecutiva. Diferentemente do mês anterior em que houve significativa contribuição dos preços aos consumidores para deflação, em setembro, o impacto ficou concentrado no IPA (Índice de Preço ao Produtor Amplo). A combinação de queda nos preços das commodities e, por consequência, dos combustíveis, foi de suma importância para o resultado. O IPA (que possui 60% de peso no índice cheio) desacelerou de -0,71% em agosto para -1,27% em setembro, tendo como maiores influências o minério de ferro (-4,81%), óleo diesel (-4,82%), leite in natura (-6,72%) e gasolina (-9,18%). Ainda no IGP-M, também foi possível aferir queda na inflação ao consumidor, a terceira consecutiva, mesmo que apenas duas das oito categorias analisadas tenham apresentado queda.

Já o IPCA-15, prévia para a inflação de setembro, teve a menor taxa para o mês desde 1998.  A gasolina foi a principal influência para o resultado do IPCA-15 em setembro, com queda de 9,78% e impacto de -0,52 ponto percentual, o grupo Transportes foi o segundo com a variação negativa mais intensa dentre os nove grupos pesquisados, mas obteve o maior impacto negativo. Na passagem de agosto para setembro foram registradas quedas de 10,10% no preço médio do etanol, de 9,78% da gasolina, de 5,40% no óleo diesel e de 0,30% no gás veicular. Por outro lado, os preços de somente três dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados recuaram em setembro. O terceiro grupo com deflação em setembro foi o de alimentação e bebidas, tendo a queda sido influenciada pela alimentação no domicílio. Assim, nossa projeção preliminar é de -0,34% para setembro e 5,6% em 2022, diante de uma visão mais positiva para os alimentos e pela continuação da trajetória de queda dos derivados do petróleo.

Política Monetária: Sinal amarelo para o ciclo de aperto monetário

Na reunião de setembro do Copom, o Comitê manteve a taxa Selic em 13,75% a.a., tendo como diferencial a presença de dois votos dissidentes. Dois diretores se votaram pelo aumento de 0,25 p.p., o que revela a preocupação do Banco Central em combater a inflação. Além do comunicado, a Ata da reunião enfatiza que a equipe não hesitará em retornar o processo de elevação dos juros no futuro caso o processo de desinflação não ocorra como o esperado, mas a cautela para avaliar os efeitos do ciclo de aperto já realizado prevaleceu. O Copom afirmou que a inflação ao consumidor, apesar da queda recente em itens mais voláteis e dos efeitos das medidas tributárias, segue elevada. O Comitê destacou que componentes mais sensíveis ao ciclo econômico e à política monetária, que apresentam maior inércia inflacionária, estão acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação. No cenário doméstico, o Comitê avalia que o aumento de gastos de forma permanente e a incerteza sobre sua trajetória a partir do próximo ano podem elevar os prêmios de risco do país e as expectativas de inflação à medida que pressionem a demanda agregada e piorem as expectativas sobre a trajetória fiscal. No cenário base do Banco Central, a projeção para inflação passou de 6,8% para 6,0% em 2022, se manteve em 4,6% em 2023 e aumentou de 2,7% para 2,8% em 2024. O comitê reiterou o foco no horizonte de política monetária seis trimestres a frente (1º tri de 2024), em que sua projeção é de 3,5%. Diante disso, nossa projeção é que a taxa Selic permanecerá nesse patamar por um maior período, ou seja, já foi encerrado o ciclo de aumento. Além disso, esperamos que o ciclo de afrouxamento se inicie no terceiro trimestre de 2023, com a Selic terminando o próximo ano em 11% a.a.

No que diz respeito às concessões de crédito, com a divulgação dos dados para julho e agosto, houve uma reversão da tendência de arrefecimento nas concessões de crédito observada nos meses anteriores. Após três quedas consecutivas, em julho houve avanço de 4,9% e em agosto de 1,7% m/m. Enquanto no primeiro houve um avanço generalizado entre as aberturas, em agosto houve avanço concentrado nas empresas (2,3%), enquanto houve queda nas concessões para as famílias (-2,7%). Nas famílias, houve recuo das concessões no crédito livre (-0,7%), com destaque para contração no não rotativo (-0,5%) e para aquisição de veículos, que recuou 0,2%, sendo a quinta taxa negativa consecutiva nesse segmento. Por outro lado, houve avanço de 1,1% na concessão via cartão de crédito à vista. Diante disso, avaliamos que o cenário de maior evidência do impacto da política monetária sobre as concessões de crédito parece ainda não se concretizar. O crescimento das concessões no cartão de crédito à vista está ligado a recuperação da economia, com maior consumo de bens e serviços, ainda que as taxas cobradas pelas instituições financeiras estejam no maior nível desde março de 2018 em 40,6% a.a, um aumento de 10,9 p.p. nos últimos 12 meses. Outro indicador que merece atenção é a aceleração apresentada pela taxa de inadimplência. No crédito livre, a inadimplência das famílias e das empresas apresentam dinâmicas diferentes: por um lado, vemos baixa e estável inadimplência por parte das empresas (1,8%), mas em relação às pessoas físicas vemos significativa aceleração, estando em 5,6%, ultrapassando os patamares observados no período pré-pandemia.

Cenário Externo

Estados Unidos

Inflação: CPI surpreende as expectativas, principalmente no núcleo

Desde nossa última carta, a dinâmica de preços nos Estados Unidos se manteve estável. Isto é, com o avanço de 0,1% do CPI de agosto frente ao mês imediatamente anterior, a inflação no país chegou a 8,3%, sendo esta a segunda desaceleração da taxa acumulada em 12 meses. Após uma maior precificação no mercado de commodities de uma desaceleração econômica de caráter mundial, os preços do petróleo sofreram forte correção e os da gasolina, até então o principal driver para as persistências inflacionárias, recuaram 10,6% no mês. Desse modo, mesmo diante do encarecimento da energia elétrica e do gás natural, energia foi o grupo responsável por segurar o avanço da inflação em agosto. Entretanto, como se a frustração não fosse suficiente quanto ao headline, haja vista que as expectativas apontavam para -0,1%, o núcleo da inflação – que exclui alimentos e energia – avançou 0,6%, bem acima das expectativas de 0,3%. Torna-se nítida a influência do grupo de habitação, ou shelter, sobre o núcleo da inflação, tendo o aluguel ao proprietário contribuído com aproximadamente 17 bps para a inflação ao avançar 0,7% no mês. Diante disto, a julgar pela característica inercial de alguns componentes do CPI, acreditamos que o mesmo deve se manter em um patamar elevado por mais tempo, muito embora esperamos uma desaceleração em setembro diante da continuidade da queda dos preços da gasolina.

Política monetária: Federal Reserve adotará postura hawkish por um bom tempo

Sobre a condução da política monetária, em sua última reunião o Federal Reserve optou por elevar a taxa básica de juros da economia norte-americana em 75 bps, em linha com nossas expectativas. De acordo com a autoridade monetária, a manutenção do ciclo de alta de juros se faz necessária haja vista seu objetivo de convergir a inflação à sua meta de longo prazo de 2% ao ano, da qual a inflação atual se mantém distante. Além disso, o dot plot, que mostra a percepção dos dirigentes do Federal Reserve sobre até onde irá a taxa de juros, evidenciou que a mesma pode ir além das expectativas de mercado até aquele momento. Isto é, se até a reunião do Fomc a expectativa para a fed funds rate ao final de 2022 era de 3,75%, agora é de 4,5%. Diante disso, as treasuries avançaram consideravelmente, com a de 2 anos quebrando a barreira dos 4%, e o S&P 500 afundou em uma onda de aversão ao risco, que já custa uma baixa de 24% no ano. Nosso cenário já contemplava a adoção de uma postura muito mais hawkish do que a mediana das expectativas apontava antes mesmo do último Fomc, por compreender que ainda há pressões especialmente endógenas à economia norte-americana, como o desequilíbrio no mercado de trabalho. Dito isso, optamos por incorporar as sinalizações do Federal Reserve e elevar marginalmente nossa projeção para a taxa básica de juros no país ao final de 2022, de 4,25% para 4,50%, com viés de alta.

Mercado de trabalho: desequilíbrios entre oferta e demanda por mão de obra impõe viés altista sobre o CPI

Sobre o mercado de trabalho, pouca novidade se pôs na mesa. De acordo com o Department of Labor dos Estados Unidos, em agosto houve a criação líquida de 315 mil postos de trabalho não agrícolas. Além de mostrar a resiliência do mercado de trabalho, o resultado veio levemente acima das expectativas, que apontavam para um ganho de 300 mil. Contudo, esta não é a primeira surpresa, haja vista que as expectativas têm sido superadas a cinco meses consecutivos, ao passo que a criação total de empregos desde abril já superou em 525 mil as projeções (já considerando as revisões). Além disso, outros indicadores ajudam a expor o quão desequilibrado está a relação de oferta e procura por mão de obra, como, por exemplo, o job opening rate, que hoje se encontra em 6,9%, muito acima na média pré-Covid de aproximadamente 3%. Deve-se destacar também a taxa de desemprego, que hoje se encontra em 3,7%, próximo ao limite inferior da tendência de longo prazo do Federal Reserve.

Gastos com consumo: excesso de poupança em declínio será driver negativo para o consumo das famílias

Por fim, os gastos com consumo avançaram 0,4% em agosto na comparação com o mês imediatamente anterior, sendo este o sétimo mês consecutivo de expansão. Contudo, ao excluirmos os efeitos da inflação, observamos um crescimento de apenas 0,1% no mês, evidenciando a influência de uma alta taxa de inflação sobre o poder de compra das famílias. Em cartas anteriores, pontuamos o que, em nossa visão, seriam os principais drivers do consumo norte-americano: (i) a taxa de poupança privada ou o chamado “excesso de poupança”; e (ii) o crédito – em especial, o cartão. Acreditávamos, sob outro ponto de vista, que o declínio da taxa de poupança viria ser o principal empecilho ao consumo, haja vista que ela saiu de aproximadamente 33% no auge da pandemia para, até então, 5%. Todavia, esse percentual foi revisado para 3,5% no último relatório do PCE, impondo um viés baixista sobre nossas estimativas sobre o consumo norte americano devido à redução do excesso de poupança das famílias americanas.

Europa

Políticas fiscais e a contínua depreciação da libra esterlina e do euro

Em relação à Europa, as estimativas do Eurostat para a inflação na Zona do Euro no mês de setembro chegaram a 10% no acumulado em 12 meses, com uma elevação de 1,2% frente ao mês imediatamente anterior. Desde o início de 2022, os preços do gás natural se elevaram em cerca de 120%, cotado hoje em € 180, e, dada a continuidade do conflito na Ucrânia, as pressões que o insumo impõe sobre o nível de preços devem se prolongar por mais alguns meses. Agora com o Nord Stream I fora de operação, a Europa terá de encontrar meios para garantir não apenas que as casas de seus cidadãos os aqueçam quando o inverno chegar, mas também que eles possam pagar por isso. Um pacote de cerca de US$ 194 bilhões a fim de atenuar os efeitos dos altos preços da energia foi anunciado na Alemanha. De acordo com Olaf Scholz, primeiro-ministro do país, a política fiscal está longe de se assemelhar com a do Reino Unido, isto é, não põe em xeque a sustentabilidade fiscal do país. Além de um cap para os preços de energia e a diminuição do imposto sobre a venda de 19% para 7%, a Alemanha está trabalhando em uma recomposição de sua matriz energética para se desvencilhar da alta dependência da Rússia. Acreditamos que contar com a benevolência de Putin e a volta do Nord Stream I não é a melhor estratégia para a Europa, em especial diante dos vazamentos no Mar Báltico.

Além disso, no que se refere a política monetária, o Banco Central Europeu optou por elevar a taxa básica de juros da Zona do Euro em 75 bps, bem como havíamos antecipado em nossa última carta. Deve-se destacar o tom hawkish da autoridade monetária quanto à trajetória da taxa de juros, afinal, a mesma deixou claro que espera promover novos aumentos em suas próximas reuniões. Acreditamos que a taxa deve ir além do consenso de mercado, hoje em cerca de 2,25% para o final de 2022. Já no Reino Unido, as políticas fiscais da primeira-ministra Elizabeth Truss trouxeram um sentimento de risk-off aos mercados de ativos de risco. Desde que o montante de £ 161 bilhões – em cinco anos – veio à tona, a libra esterlina despencou e as taxas de juros de curto prazo se elevaram consideravelmente. Em resposta, o Bank of England iniciará um programa de compra dos títulos de longo prazo do governo inglês, as chamadas gilts, a fim de evitar que o risco fiscal deteriore as condições financeiras do país.

China

Atividade econômica: Setor imobiliário e combate à pandemia são vetores de risco

Os indicadores de atividade da China apresentaram resultados mistos em setembro. Enquanto o PMI do setor industrial da China apurado pelo grupo de mídia Caixin e pela S&P Global recuou para 48,1 em setembro, ante 49,5 em agosto, marcando o segundo mês consecutivo de recuo, o indicador apurado pelo governo passou do campo contracionista. O índice de gerentes de compra industrial do Escritório Nacional de Estatísticas da China (NBS) subiu para 50,1 pontos, configurando uma expansão depois de dois meses. Os PMIs industriais oficial e privado diferem na metodologia. O oficial cobre grandes empresas estatais, enquanto o privado se concentra mais nas empresas de variados portes do setor privado. Essa melhora pode ser atribuída à dissipação dos impactos de uma crise de energia causada por uma forte seca, além dos efeitos das recentes iniciativas de apoio do governo ao setor. No entanto, não enxergamos sinais de que essa melhora possa ser sustentada nos próximos meses, tanto por fatores de risco interno, como políticas fiscais fracas de estabilização econômica, quanto pelo crescente receio de uma recessão global.

O NBS também divulgou na sexta-feira em Pequim o PMI de serviços oficial da China, que cobre a atividade de serviços e construção civil. O indicador caiu acentuadamente para 50,6 em setembro, ante 52,6 em agosto, pressionado pelo recuo expressivo no setor de serviços. Com isso, fica clara a forte influência da política de “zero covid” no desempenho desse setor, uma vez que atividades de varejo, turismo e restaurantes foram amplamente prejudicados pelo aperto das restrições no combate à covid-19, mesmo com o mundo optando por aprender a conviver com o vírus e investindo em vacinação eficiente.

O enfraquecimento da atividade no setor de serviços mostra os limites dos estímulos à demanda interna, uma vez que o desemprego entre os jovens se encontra em torno de níveis históricos recorde, o crescimento da renda está estagnado e o mercado imobiliário continua deprimido. Apesar da série de medidas de estímulo para o setor imobiliário, setembro marcou mais uma queda em vendas de moradias em termos anuais. As vendas das 100 maiores incorporadoras imobiliária do país caíram 25,4% em relação a setembro de 2021, para o equivalente a cerca de US$ 80 bilhões, o que representa o décimo quinto mês consecutivo de retração interanual. Nesse contexto, alguns sinais mais fortes da crise aumentaram ainda mais o nível de preocupação com o setor. Uma reportagem revelou, no final de setembro, que a companhia Cifi Holdings estaria inadimplente. Quando o provedor de inteligência de crédito Reorg informou que a incorporadora chinesa não havia pagado certas dívidas, as ações listadas na bolsa de Hong Kong chegaram à mínima histórica após cair 32,3%. Como efeito, em Xangai, títulos de empresas imobiliárias, incluindo Cifi, Sunac Real Estate e Gemdale estavam entre as maiores perdas, além de suspender brevemente a negociação de um título Cifi, citando flutuações anormais. Episódios como esse, portanto, fazem com que o governo tenha ainda mais trabalho para estabilizar esse setor estratégico.

Um subíndice do índice oficial de atividade do setor industrial que acompanha os novos pedidos de exportação, mostrou que a demanda internacional continuou enfraquecendo em setembro. O subíndice caiu para 47 pontos, o menor nível em quatro meses. Nos primeiros dez dias de setembro, a movimentação de cargas e contêineres para o comércio exterior nos maiores portos chineses teve uma contração de cerca de 15% em comparação ao mesmo período do ano passado. Esse é um fator de grande preocupação, uma vez que a economia chinesa é amplamente dependente do setor exportador. Assim, é possível que uma maior deterioração desse setor possa ser o incentivo necessário para que o governo reveja suas medidas de combate ao Corona vírus, sem que haja mais interrupções de produção e transporte.

No entanto, o que vemos hoje é a tendência de manutenção das políticas de restrição à mobilidade e paralisação da produção e turismo quando há sinais de transmissão da Covid-19. Ou seja, é provável que essas medidas impeçam uma recuperação forte até o final do ano. Até o final do mês de setembro, as cidades sob alguma forma de restrição contra a covid respondiam por 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Diante disso, o Banco Mundial, juntamente com muitos bancos privados de investimentos, reduziu suas previsões de crescimento para a China para 3% este ano, ou menos – algo muito distante da meta oficial de Pequim de cerca de 5,5%.

Vale lembrar que a proximidade do 20º Congresso Nacional do Partido Comunista chinês, onde mudanças na alta liderança serão consagradas, deve movimentar o cenário. A expectativa é que o mandato presidencial de Xi Jinping seja renovado para seu terceiro consecutivo. As especulações estão em torno da composição do Comitê Permanente de Politburo (CPP), que é o centro decisório do partido. Quanto menor o grupo, há uma tentativa de concentrar o poder de decisão próximo ao secretário-geral do Partido, gerando eficiência. Quanto maior o grupo, há uma necessidade de contrabalancear facções rivais, gerando potencial de conciliação, porém perdendo em eficiência na tomada de decisões. Por fim, vale lembrar que a população tem se mostrado cada vez mais insatisfeita com as políticas implantadas pelo governo, tanto no combate à pandemia, quanto na área econômica.

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