Home > Cenário Macroeconômico > Cenário Macroeconômico – Jan/23: Excesso de ruído começa a incomodar

Publicado em 02 de Fevereiro às 14:36:11

Cenário Macroeconômico – Jan/23: Excesso de ruído começa a incomodar

Por José Márcio Camargo – Economista Chefe

O primeiro mês do novo governo foi particularmente barulhento. A PEC da Transição criou um espaço adicional para aumento de gastos da ordem de R$ 200 bilhões, aproximadamente 2,0% do PIB, o retorno dos impostos federais sobre combustíveis foi adiado para março, no caso da gasolina, e para o final do ano no caso do diesel, foi anunciada a volta da política de reajuste anual do salário mínimo real, o Ministro Fernando Haddad anunciou um programa de ajuste fiscal baseado em aumento de receita sem aumento da carga tributária, o que é pouco crível, entre outras medidas.

Estas medidas não apenas irão tornar a política fiscal fortemente expansionista, aumentar o déficit e a dívida pública, que deverá atingir, este ano, 79,8% do PIB. Diante deste cenário, a dívida púbica poderá entrar em uma trajetória insustentável, no sentido de que o nível de superavit primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB exigiria um custo social considerado politicamente impossível de ser obtido.

O Ministro da Previdência declarou que a Previdência Social no Brasil é superavitária. O Ministro do Trabalho anunciou que vai “revisitar” a reforma trabalhista e que o trabalho por aplicativo é “trabalho escravo”. Foi enviada ao Congresso uma medida provisória que muda o marco regulatório do saneamento, retirando da Agência Nacional de Águas a prerrogativa de regular o setor, além de fortes pressões para a volta dos contratos de programa, o que inviabilizaria o marco regulatório, entre outros pontos importantes.

Finalmente, mas não menos importante, o Presidente Lula mostrou-se insatisfeito com o nível da meta para a inflação, que considera excessivamente baixo o que, segundo ele, irá forçar o Banco Central a adotar uma política monetária mais contracionista e qualificou a independência do Banco Central como uma “bobagem”

A combinação de muito ruído, política fiscal expansionista e indícios de que a meta poderá ser aumentada gerou aumento da incerteza e da volatilidade nos preços dos ativos e das expectativas para a inflação. Segundo o relatório Focus, em um mês, a expectativa para a inflação em 2023 saiu de 5,23% para 5,48%, acima do teto do intervalo de metas, para 2024 passou de 3,60% para 3,84%, para 2025 foi de 3,20% para 3,50% e para 2026 subiu de 3,01% para 3,22% ao ano. Todas acima das respectivas metas.

As projeções para a SELIC também aumentaram de 9,25% para 9,50% ao ano no final de 2023 e de 8,25% para 8,50% ao ano no final de 2024.

Em 2023, a inflação em doze meses terá um comportamento em formato de U. Nos primeiros três meses de 2022, a taxa de inflação superou 1% ao mês (fevereiro, março e abril). Nestes meses, a inflação mensal em 2023 será menor que em 2022. Em abril, o IPCA deverá atingir nível próximo a 4,0% ao ano.  Em meados de 2022, tivemos três meses de deflação (julho agosto e setembro), devido à redução do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações. Em 2023 estes meses deverão ter inflação positiva, aumentando a inflação anual, que deve fechar 2023 em 6,5%, acima do teto da meta pelo terceiro ano consecutivo.

As declarações de que governo pretende revisar as reformas e os marcos regulatórios aprovados ao longo dos últimos seis anos já começam a afetar negativamente a taxa de investimento na economia brasileira. O leilão da Corsan, a empresa de saneamento do Rio Grande do Sul, que teve apenas uma oferta, mostra este comportamento do setor privado, o que, em conjunto com as taxas de juros elevadas, deverá gerar desaceleração do crescimento da economia.

Esta combinação de política fiscal expansionista, política monetária contracionista, taxa de juros real elevada e desaceleração dos investimentos, sinaliza para um cenário de desaceleração da economia. Nossa projeção é de crescimento de 0,7% em 2023, e aumento da taxa de inflação, que deverá levar o Banco Central a aumentar a taxa SELIC para 14,5% no final de 2023. O excesso de ruído começa a incomodar.

Resumo

Projetamos crescimento de 0,7% em 2023. A desaceleração da atividade econômica refletirá os efeitos da política monetária contracionista e as incertezas em torno da política econômica do novo governo.

Avaliamos que o cenário fiscal brasileiro será protagonista na determinação da trajetória das principais variáveis macroeconômicas nos próximos anos. A expectativa de queda das receitas em um ambiente de forte expansão de gastos adiciona um viés negativo para o resultado primário de 2023. Nossa avaliação é que há um elevado grau de incerteza acerca das propostas fiscais já apresentadas pelo governo, bem como sobre o novo arcabouço fiscal a ser apresentado nos próximos meses.

A abrupta suspensão do rigor da política de “covid-zero” na China direciona o país para uma tendência oposta a grandes potências que esperam desaceleração econômica nos próximos meses. Como risco à expectativa de retomada do crescimento chinês, os indicadores de contágio e óbitos no país dispararam, gerando uma nova onda do vírus. Além disso, o mercado imobiliário e o crescimento demográfico são desafios para superar o segundo pior crescimento econômico anual em mais de 40 anos.

A economia americana se encontra em processo de desaceleração, com efeitos distintos em setores estratégicos da economia. Enquanto o setor de serviços continua forte e o mercado de trabalho se mantém resiliente, mesmo diante do ciclo de aperto monetário, os setores industrial e de varejo estão em trajetória de desaceleração, e o setor imobiliário já está em recessão. Nossa avaliação é que a economia americana irá conseguir evitar uma recessão nesse ano, principalmente por conta do excesso de poupança das famílias ainda em patamar elevado, bem como pelo controle da inflação nas últimas leituras.

Por fim, para a Europa o cenário econômico tem surpreendido positivamente, tanto em termos de atividade como em termos de inflação. A questão energética, influenciada pelos conflitos entre Rússia e Ucrânia, segue preocupante, ainda que a inflação desse segmento tenha cedido. O índice de preços em doze meses segue em patamar elevado, influenciado pela subida da inflação nuclear, o que nos leva a crer que o ciclo de aperto monetário continuará de forma significativa. Assim, diante desse cenário negativo, mas tendo em vista as surpresas positivas das últimas leituras, avaliamos que o bloco europeu também deve conseguir evitar uma recessão em 2023.

Vale ressaltar que, no pior cenário possível, tanto para os EUA quanto para o Bloco Europeu, haveria apenas uma recessão breve e de baixa intensidade.

Cenário Econômico-Projeções

Diante do impacto da política monetária contracionista sobre a atividade econômica, revisamos nossa projeção de crescimento do PIB do 4T de 0,1% t/t para 0,0% t/t. Contudo, mantemos nossa projeção para o crescimento de 2022 em 3,0%. Para 2023, devido à elevação do risco fiscal e da política monetária contracionista, acreditamos que a trajetória de desaceleração da economia brasileira será acentuada, de modo que, o PIB avançará 0,7%.

O mercado de trabalho teve uma forte recuperação em 2022, nossas projeções indicam que a taxa de desemprego encerre o ano em 7,9% da força de trabalho. Contudo, refletindo os efeitos da perda de tração da atividade econômica nos últimos meses e a perspectiva de manutenção da trajetória de arrefecimento da economia, nossas projeções apontam que a taxa de desemprego encerre 2023 em 8,8%.

Em um contexto de políticas de impulso à demanda combinadas com um mercado de trabalho aquecido; reoneração de tributos federais; e de desvalorização cambial refletindo o risco fiscal, revisamos nossa projeção de inflação para 2023 de 4,7% para 6,5%.

Quanto à política monetária, esperamos que o Banco Central aumente a taxa Selic para 14,50% até o final de 2023, diante da alta das expectativas de inflação no horizonte relevante.

Por fim, nesse cenário, esperamos desvalorização cambial em 2023, chegando a R$ 5,80 até o fim do ano.

Brasil – Atividade Econômica

Os indicadores antecedentes de atividade apontam para a perda de tração da economia brasileira no último trimestre de 2022. Sob a perspectiva de que o ciclo de aperto monetário deve ser retomado para combater a elevação das expectativas de inflação no horizonte relevante, acreditamos que o crescimento de 2023 será ainda mais penalizado devido ao efeito defasado da política monetária.

Além disso, o crescente risco de revogação, ainda que parcial, das reformas aprovadas nos últimos anos deve contribuir para uma queda na demanda por investimentos, que foi um dos pilares do crescimento nos últimos anos. Nossas projeções apontam para um baixo avanço do PIB no ano (0,7%), beneficiado pelo carrego estatístico da expansão de 2022.

Nosso cenário reflete o efeito líquido de vetores que apontam em ambas as direções. Por um lado, o encarecimento do custo do crédito, o ciclo de elevação da inadimplência e as incertezas sobre a agenda econômica do atual governo devem penalizar os principais setores da economia brasileira. Mantemos um viés negativo para a indústria, influenciada pelo ciclo de aperto monetário e a expectativa de desaceleração global. Já os setores de varejo e serviços devem ficar próximos à estabilidade, visto que as medidas de impulso à demanda podem mitigar os efeitos negativos.

Na ponta positiva, a expectativa de boas safras e o efeito base mais baixo decorrente das quebras de safra em 2022 devem impulsionar o setor agropecuário em 2023. Além disso, a manutenção do conflito na Europa e as revisões baixistas para a safra argentina devem beneficiar o setor com um viés altista para as exportações.

Na dinâmica externa há também fatores opostos: enquanto a reabertura da China se coloca como oportunidade de expansão de exportações, a onda de políticas monetárias contracionistas nas economias desenvolvidas promete uma desaceleração global (crescimento de 3,2% em 2022 para 2,7% em 2023) que impactará negativamente o Brasil.

Brasil – Inflação

A inflação já começa 2023 acima da meta (4,75%) e com elevado risco de não convergência ao longo do ano, o que se coloca como um desafio para a política monetária do BC.

As expectativas Focus continuam aumentando dentro do horizonte relevante de política monetária e para além dele. Esperamos que a inflação projetada para 2023 será maior do que a realizada em 2022, no entanto, com uma composição bem diferente, tendo preços administrados deixando o território deflacionário e sendo parcialmente compensados por algum arrefecimento na inflação de bens e serviços. A inflação em 2023 só consegue cair no mesmo ritmo que em 2022 se houver forte valorização do real, uma desaceleração da atividade mais intensa do que a esperada ou novas desonerações tributárias. Desses três, apenas a atividade mais fraca parece factível.

Outro vetor de pressão altista é o pacote de políticas de estímulo à demanda já incluso na PEC de transição do novo governo que deve pressionar a inflação de serviços em 2023.

Ao longo de 2023 a inflação em doze meses deve apresentar um comportamento em formato de “U”, visto que tivemos três meses de inflação mensal acima de 1,0% em 2022 (fevereiro, março e abril) que devem sair da amostra e outros três meses de deflação (julho, agosto e setembro) que quase certamente serão substituídos por meses de inflação positiva em 2023. Apesar do alívio temporário da inflação acumulada em doze meses até o meio do ano, ela deve voltar a acelerar, de modo a encerrar 2023 em 6,50%.

Por fim, a elevação do risco fiscal impõe um viés altista para as expectativas de inflação nos horizontes mais longos.

Brasil – Política Monetária

O atual ciclo de aperto monetário é o mais forte dos últimos 20 anos, estacionado em 13,75% desde a última alta realizada na reunião de agosto. No entanto, diante da expansão fiscal promovida pelo novo governo com a aprovação da PEC da Transição e a significativa deterioração da trajetória da dívida bruta brasileira, com crescente risco de insustentabilidade, esperamos que a Selic retomará sua trajetória de aumento, fechando 2023 em 14,5%.

Vale destacar que a política monetária atual se tornou mais potente em relação àquela praticada nos anos anteriores, devido às reformas econômicas no mercado de crédito e à redução dos subsídios feitos por bancos públicos. Entretanto, o crescente risco de reversão das reformas e do retorno do crédito subsidiado pelo BNDES faz com que essa maior potência da política monetária esteja em perigo.

Por fim, ainda vemos o atual cenário como extremamente contracionista do ponto de vista da taxa de juros real. Nos encontramos em patamar similar ao observado nos anos de 2015-16 com juros real acima dos 8%.

Um risco que surgiu no radar com as críticas recentes de Lula, tanto à independência do Banco Central como à meta de inflação de 3,0%, é de que o Conselho Monetário Nacional (CMN), agora com maioria governista, decida por alterar a meta de inflação do ano que vem. Esse movimento teria forte impacto sobre a credibilidade do Banco Central e as expectativas de inflação, uma vez que alterar a meta com a inflação corrente ainda alta e as expectativas desancoradas passaria para o mercado a mensagem de que a autoridade monetária estaria sendo leniente com a alta de preços.

Brasil – Mercado de Crédito

Apesar dos recentes avanços registrados no saldo das concessões de crédito, os dados apresentam sinais de desaceleração na margem, tanto para empresas quanto para famílias.

Vale destacar que as taxas de crescimento das concessões ainda são significativas para as famílias, beneficiadas pela forte expansão do mercado de trabalho em 2022, sinalizando uma economia ainda resiliente. Ademais, acreditamos que as medidas fiscais promovidas pelo governo eleito devem contribuir para uma desaceleração suave, sem rupturas, das concessões ao longo do ano.

Contudo, os primeiros sinais de deterioração da economia já podem ser observados diante do aumento generalizado da inadimplência, que deve se agravar com a desaceleração econômica ao longo de 2023.

Além disso, para pessoas físicas, há uma expansão na concessão de crédito rotativo, enquanto o crédito não rotativo apresenta estabilidade nos últimos meses. Nesse cenário, há uma deterioração no perfil de endividamento das famílias, diante das elevadas taxas cobradas nesta linha, o que adiciona um viés altista para inadimplência nos próximos meses.

Por fim, acreditamos que a retomada do aperto monetário, refletindo a elevação do risco de desancoragem das expectativas em um ambiente de elevada incerteza sobre a trajetória fiscal, adiciona um vetor altista para o agravamento da inadimplência e a deterioração do mercado de crédito nos próximos meses.

Brasil – Fiscal

As reformas aprovadas nos últimos anos foram responsáveis por pavimentar o caminho para melhora da trajetória da dívida pública brasileira no período pós-pandemia. Embora o Teto de Gastos tenha sido estourado nos últimos anos, a sua efetividade e simplicidade foram responsáveis por controlar as despesas primárias, promovendo a melhora das contas públicas até o final de 2022.

Os níveis recordes de arrecadação, beneficiada pela robusta expansão da economia, inflação elevada e significativa alta das receitas extraordinárias (concessões e privatizações; dividendos e participações; e da arrecadação de tributos ligados à exploração de recursos naturais) e o comportamento moderado das despesas limitadas pelo Teto de Gastos (saiu de 19,3% do PIB em dez/18 para 18,3% do PIB em nov/22) foram responsáveis por melhorar a projeção inicial de resultado primário do ano que passou de déficit de R$ 76,3 bi em jan/22 para a concretização de um superávit de R$ 54,1 bi em dez/22.

Esse cenário possibilitou ao Governo Central obter um superávit primário após nove anos de déficits.

O cenário fiscal brasileiro será protagonista na determinação da trajetória das principais variáveis macroeconômicas nos próximos anos. O orçamento de 2023 foi aprovado com uma estimativa de déficit de R$ 231,5 bilhões (2,3% do PIB).

A PEC de Transição tem como principais propostas a expansão do Teto de Gastos em R$ 145 bilhões em 2023, além de permitir gastos extras que superam R$ 55 bilhões (R$ 23,9 bilhões referentes à receita extraordinária de 2022; e R$ 24,6 bilhões para aumento de investimentos usando dinheiro do PIS/PASEP). Nossas estimativas apontam que a PEC e seus penduricalhos tenham um impacto de R$ 203,9 bilhões em 2023.

Além disso, a expectativa de normalização das receitas extraordinárias provenientes de dividendos e partições, e da exploração de recursos naturais somada à aprovação do Teto do ICMS adicionam um viés negativo para o resultado primário de 2023.

Sob a pressão de reduzir a projeção de déficit de R$ 231,5 bi para 2023 e evitar que a dívida brasileira entre em uma trajetória insustentável, o governo anunciou um pacote de R$ 242,6 bilhões que combina a reversão de desonerações, em medidas extraordinárias, e revisão de despesas para reduzir o impacto da PEC de Transição.

Em particular, há pouca clareza sobre os efeitos do programa Litígio Zero sob a arrecadação. O programa busca aumentar a arrecadação tanto através de incentivos à autodeclaração das empresas quanto de renegociação de litígios no CARF. Por outro lado, o Reestabelecimento do Voto de Qualidade no CARF tende a aumentar a judicialização dos processos para anular as autuações fiscais.

O Brasil possui elevada carga tributária, o que torna a criação/elevação de tributos uma tarefa bastante difícil. Ademais, as recentes derrotas da equipe econômica no que diz respeito à volta da cobrança do PIS/Cofins sobre os combustíveis e da tributação do IPI sinalizam que potenciais ganhos com a reoneração de impostos são bastante incertos.

Por fim, avaliamos que os ganhos com a revisão de despesas também geram dúvida. O redesenho do Bolsa Família deve reduzir as despesas em R$ 25 bi, provenientes da redução do número de famílias constituídas de uma única pessoa. Entretanto, acreditamos que estes recursos serão redirecionados para a expansão de outras políticas (reajuste do salário mínimo).

Nossa avaliação é que, embora o governo tenha apresentado um conjunto de medidas que visam reduzir o déficit primário de 2023, há um elevado grau de incerteza em torno da efetividade das propostas. Além disso, o embate entre a ala econômica e política do governo deve ser responsável por elevar a volatilidade dos ativos ao longo do ano. As recentes derrotas da equipe econômica sinalizam que os gastos aprovados para o exercício de 2023 devem ser incorporados na nova âncora fiscal, tornando o cenário prospectivo mais nebuloso.

Nossas estimativas apontam que a aprovação da PEC de Transição combinada com a queda da arrecadação com receitas extraordinárias serão responsáveis por gerar um déficit primário do governo consolidado de mais de 2% do PIB.

Nossa avaliação é que a expansão fiscal aprovada para o ano de 2023 será apenas a ponta do iceberg. Sob a perspectiva que a nova regra fiscal a ser proposta pelo governo Lula incorpore, ainda que parcialmente, o aumento de gastos aprovado na PEC de transição e que as incertezas fiscais levem a uma deterioração do cenário macroeconômico, projetamos que a dívida/PIB saia de 73,5% do PIB em 2022 para 93,6% do PIB em 2026.

Assumindo que no longo prazo tenhamos um crescimento do PIB de 2%, superávit primário de 2% e um juros real de 4%, teremos um lento ajuste da trajetória da dívida pública brasileira…

China – Atividade

A retirada abrupta das restrições sanitárias da política de tolerância de Covid-zero ao final de 2022 deu início ao processo de reabertura da economia chinesa. Entretanto, a euforia do mercado sob a perspectiva de um crescimento mais robusto já em 2023 foi posta em dúvida por um expressivo aumento nos indicadores pandêmicos (casos e óbitos). Agora autoridades afirmam que o pico do contágio foi superado, já havendo uma melhora da atividade.

Em linha com o nosso cenário, o PIB chinês avançou 3,0% a/a em 2022, uma forte desaceleração em relação aos 8,1% a/a registrado em 2021. Esse foi o segundo pior crescimento desde 1976, só sendo superado por 2020 (2,2% a/a) com a eclosão da pandemia.

Para 2023, nossa projeção preliminar é de crescimento de 4,5% da economia chinesa, que deve refletir a combinação de vetores que atuam em ambas as direções. Por um lado, a redução da regulação sobre os setores de tecnologia e imobiliário; fim da política zero-Covid; e o suporte do governo à economia devem impulsionar o crescimento. Em contrapartida, a desaceleração global, que penaliza as exportações chinesas; a deterioração da confiança das empresas e famílias; a crise imobiliária; e os impactos da pandemia serão fatores limitantes para o crescimento no ano.

Vale ressaltar a postura cautelosa da autoridade monetária chinesa (PBOC) como forma de evitar a injeção de estímulos excessivos, responsáveis por causar o descasamento entre a oferta e a demanda no ocidente e a consequente disparada da inflação. Nesse cenário, esperamos cortes moderados nas taxas de juros, como forma de estabilizar o mercado imobiliário. Projetamos um corte de 10 bps na taxa de juros de 1 ano após o feriado lunar e a adoção de medidas direcionadas de suporte ao setor imobiliário, visando garantir linhas de financiamento para as incorporadoras.

China – Setor Imobiliário

Embora o PIB chinês tenha surpreendido positivamente no último trimestre do ano, a crise imobiliária da China é um importante fator de risco para manutenção desta trajetória positiva nos próximos anos.

O setor imobiliário/construção representa cerca de 25% do PIB além de que 70% da poupança das famílias chinesas está atrelada ao setor. A crise de liquidez se estende desde o final de 2021, quando várias incorporadoras de alto nível deixaram de pagar suas dívidas. Os indicadores setoriais seguem indicando que o setor deve continuar sendo penalizado.

Dessa forma, o prolongamento deste cenário tem o potencial de gerar consequências catastróficas, o que levou o governo a tomar medidas de recuperação do setor. Em novembro, o governo chinês divulgou um plano de 16 pontos responsáveis por flexibilizar as restrições impostas para reduzir a especulação no setor. Contudo, vale destacar que com este pacote de medidas o governo visa garantir que os empreendimentos vendidos sejam concluídos, reduzindo o impacto da desalavancagem do setor sobre as famílias.

Além disso, os bancos estatais concordaram em lançar linhas de crédito para combater o alto nível de dívidas e aumentar a credibilidade e o governo permitiu que as cidades cortem seus pisos de taxas de hipoteca para além do mínimo central, como medida permanente para evitar uma implosão desordenada do setor imobiliário.

Em nossa avaliação, as medidas aprovadas têm como foco evitar um colapso da economia no curto prazo, haja vista o seu potencial impacto sobre a poupança das famílias e, consequentemente, sobre a demanda interna. Para o longo prazo, devido aos problemas estruturais, sobretudo a contração demográfica, acreditamos que o setor passará por um reequilíbrio entre oferta e demanda, fazendo com que perca o papel de destaque como motor de crescimento chinês.

China – Contração Demográfica

A divulgação de dados demográficos da China lançou luz sobre uma grande preocupação para o futuro da segunda maior economia do mundo. O rápido envelhecimento da população, a desaceleração do crescimento da produtividade, bem como a queda populacional, são alguns dos fatores que podem impedir a retomada do vigor econômico chinês.

Pela primeira vez desde 1961 a população da China diminuiu, chegando a 1,412 bilhão (-850 mil habitantes). Essa mudança de rumo ocorreu antes do esperado e pode prejudicar as ambições de crescimento, uma vez que significa menos mercado consumidor e menos mão de obra fabril.  Vale lembrar que o consumo tem tomado posições cada vez mais relevantes para impulsionar o crescimento.

O número de nascimentos em 2022 foi de 9,56 milhões de crianças, ante 10,6 milhões em 2021, configurando o menor nível desde 1950. Vale ressaltar que a desaceleração no número de novos nascimentos ocorre mesmo após o esforço governamental de aumentar a taxa de natalidade. Esta vem sendo a principal causa para contração demográfica chinesa.

A taxa de desemprego entre pessoas de 16 a 24 anos permaneceu elevada (16,7%) em dezembro, em relação ao pico de quase 20% no semestre anterior. Além disso, o crescimento da renda disponível per capita pode desacelerar para cerca de 4% ao ano nos próximos anos, em comparação aos cerca de 8% antes da pandemia. Outra estimativa preocupante é de que a população em idade ativa da China, que atingiu o pico por volta de 2014, deve cair 0,2% ao ano até 2030. De acordo com o censo demográfico, 62% da população está em idade ativa, ante 70% há 10 anos.

Os dados apontam que o encarecimento do custo de vida, sobretudo no que diz respeito à gastos com educação e moradia, têm impactado substancialmente o índice de natalidade, que se encontra nos níveis mais baixos das últimas décadas.  O envelhecimento da população será um grande desafio para economia chinesa nos próximos meses, prejudicando o crescimento de longo prazo com o fim do bônus demográfico e a expectativa de uma demanda interna mais fraca.

EUA – Atividade Econômica

O PIB americano do 4º trimestre de 2022 foi o primeiro desde o 3º trimestre de 2019 no qual todos os componentes pela ótica da demanda tiveram contribuições positivas.

O bom número se deu pelo resultado sólido dos gastos privados com consumo e dos gastos do governo tanto em defesa nacional como em outras rubricas. O destaque negativo foi das exportações líquidas, pois, apesar de ainda terem apresentado contribuição positiva de 0,56 p.p.,  houve piora tanto das exportações como das importações.

A economia americana está em trajetória de desaceleração, com o mercado imobiliário já se encontrando em recessão. O setor industrial continua na sua tendência de esfriamento, com a produção industrial retraindo 0,7% m/m em dezembro. A capacidade instalada recuou de 79,4% para 78,8%. As vendas de varejo também acompanharam essa trajetória, contraindo 1,1% m/m. Porém, o setor de serviços, que responde por quase 70% da economia, continua forte.

Em contrapartida, ainda vemos um mercado de trabalho muito resiliente, com a taxa de desemprego retornando para 3,5%. Sinal promissor para o Fed foi o esfriamento dos ganhos salariais.

EUA – Atividade Econômica

O fato da renda disponível ter se expandido mais do que os gastos pessoais justamente no período mais propenso ao varejo nos EUA (Black Friday e Natal) fez com que as famílias acumulassem poupança, o que deve postergar a zeragem do excesso de estoque de poupança incialmente previsto para o último trimestre de 2023. Essa ocorrência contribuiu para aliviar a inflação nos últimos meses de 2022 e deve dar impulso adicional para o consumo ao longo de todo o ano de 2023, sustentando a atividade. Com isso, o diagnóstico atual é que o cenário de “pouso suave” da economia, tão almejado pelo Fed, está se tornando mais provável.

A combinação de um resultado sólido na criação de vagas, com a taxa de desemprego caindo, a taxa de participação aumentando e os ganhos salariais esfriando indica que as principais variáveis relativas ao mercado de trabalho que o Fed acompanha estão se movendo ainda muito lentamente em direção aos patamares que a autoridade monetária deseja.

Há sinais de desaceleração em segmentos mais sensíveis aos juros (habitação), ao passo que a redução de demanda nos demais pode levar mais tempo. Alguns dirigentes do Fed estão otimistas com a atividade para 2023, esperando crescimento do PIB de 1,0%, enquanto a mediana de mercado se encontra em 0,5%.

Os mais usuais indicadores antecedentes (LEI, CFNAI, Curva de Rendimento Invertida dos Títulos Públicos) apontam, todos, para a ocorrência de uma recessão em 2023. Contudo, devido ao resultado acima do esperado para o PIB do 4º trimestre de 2022, aumentando o carrego estatístico para 2023, nossa avaliação é que a economia americana irá conseguir evitar uma recessão nesse ano principalmente por conta do excesso de poupança das famílias ainda em patamares elevados. A elevação da taxa de poupança pessoal no final de 2022, postergando o término dessa reserva financeira das famílias, deve ajudar a sustentar um piso mínimo para o consumo ao longo de 2023.

EUA – Inflação

As últimas leituras, tanto do PCE quanto do CPI, reforçam a percepção de números melhores na margem. O índice de preços de gastos com consumo (PCE price index) mostrou desaceleração no preço dos bens, principalmente dos duráveis (que continuam a apresentar deflação), e uma manutenção da inflação de serviços. Diante disso, e com a recuperação das cadeias globais de oferta, o impulso deflacionário vindo de bens deve finalmente chegar em 2023, ajudando a aliviar o índice cheio ao longo do ano.

Já o índice de preços ao consumidor (CPI) também deu bons sinais, apesar do alívio inflacionário ter ficado mais concentrado em alimentação e energia devido ao recuo nos preços das commodities nos últimos meses de 2022. Por sua vez, o núcleo de inflação vem apresentando maior inércia em virtude da recuperação do setor de serviços no pós-pandemia. O recuo de 0,5% m/m da inflação ao produtor (PPI) em dezembro levou a métrica em doze meses para 6,2% a/a, praticamente retirando o espaço de repasses para a inflação ao consumidor (CPI).

Diante de um mercado de trabalho apertado e de uma inflação nuclear ainda persistente, o Fed deve seguir elevando a fed funds rate até alcançar a taxa terminal de 5,25% (limite superior) prevista pelos membros do FOMC. Presidentes regionais do Fed já sinalizaram explicitamente que a trajetória mais adequada para a política monetária norte-americana daqui para frente é seguir com altas de 25 pontos-base. Esse ritmo mais lento de aperto monetário por parte do Fed tem feito com que o dólar devolva parte dos ganhos que teve frente às divisas tanto de países desenvolvidos como emergentes ao longo de 2022.

As expectativas de inflação para 1 ano à frente e para horizontes mais longos (3 e 5 anos) seguem acima da meta de estabilidade de preços, mas a expectativa para 1 ano apresentou recuo considerável na margem em janeiro (de 4,4% para 4,0%).

Europa – Atividade Econômica

O cenário econômico tem surpreendido positivamente, tanto em termos de atividade como em termos de inflação. Contudo, os riscos são negativos, com a inflação em doze meses ainda em patamares elevados e as taxas de juros do Banco Central Europeu (BCE) ainda precisando subir de forma significativa. Grande parte da melhora veio de um clima mais ameno do que o esperado para o inverno, fazendo com que os preços do gás natural recuassem e os estoques se mantivessem elevados. Além disso, houve um esforço de alguns países, principalmente da Alemanha (mais afetada pela interrupção no fornecimento russo pelo gasoduto Nord Stream I) em firmar novas parcerias para fornecimento de gás natural.

Na Zona do Euro, a Alemanha deve escapar por pouco de uma recessão em 2023 e ter um crescimento mais robusto em 2024. Fora da União Europeia, o Reino Unido deve enfrentar uma das piores recessões do continente. Embora a economia na Zona do Euro tenha desacelerado de 0,3% t/t no 3t/22 para 0,1% t/t no 4t/22 de acordo com a primeira prévia do PIB, o resultado surpreendeu positivamente o mercado que esperava -0,1% t/t. Comparando com igual período de 2021, o avanço foi de 1,9% a/a no 4t/22, ante expectativas de 1,7% a/a. Com isso, as condições financeiras, que estavam em franca trajetória de aperto, passaram a ficar menos pressionadas nos últimos meses, diminuindo a sua incidência negativa sobre o PIB.

Dentre os previsores de recessão mais usuais para a Zona do Euro, o agregado monetário M1 previu corretamente a contração econômica ocasionada pela Grande Crise Financeira de 2008 e pela Crise da Dívida Europeia de 2011/12. Agora, o indicador se encontra em contração acentuada, indicando que uma recessão já estaria contratada para os meses seguintes. O outro previsor (produção industrial) anteviu corretamente as últimas três recessões e estava prevendo que haveria uma outra em 2023, mas uma surpresa positiva na divulgação dos dados mais recentes da produção industrial colocou o indicador de volta em patamar de expansão. Assim, no atual momento, nos encontramos com apenas um dos indicadores (M1 deflacionado) apontando para a ocorrência de uma contração da atividade econômica no futuro. Nesse cenário, e com algumas outras divulgações recentes de dados surpreendendo positivamente, achamos que o bloco europeu conseguirá evitar uma recessão em 2023.

Europa – Inflação

O CPI da Zona do Euro alcançou 9,2% a/a em dezembro, configurando o segundo mês seguido de desaceleração após atingir a máxima histórica para o bloco em outubro (10,6% a/a). Já o núcleo do CPI (que exclui alimentos e energia) continua bem abaixo do índice cheio, reforçando o fato de o processo inflacionário na Europa estar, diferentemente dos EUA, muito mais concentrado nos itens voláteis do que na inflação nuclear. Pelo lado do produtor, a inflação (PPI) em queda reduz o espaço de repasses para a inflação ao consumidor (CPI).

Dos principais países da Zona do Euro, a França continua a se destacar por ter sido o membro no qual a inflação atingiu um dos menores picos. Isso se deu pelo fato do país ainda ter a energia nuclear com uma grande participação na matriz energética. Na esteira da invasão da Ucrânia pela Rússia, a energia nuclear voltou a despertar o interesse de alguns países. Mais recentemente, a Coréia do Sul e os Emirados Árabes Unidos voltaram a discutir o protagonismo dessa fonte de energia para o processo de transição energética.

Fora da Zona do Euro, o CPI do Reino Unido alcançou 10,5% a/a, com o núcleo de preços em dinâmica bastante robusta. Outro mau sinal na seara de preços é a escalada das expectativas por conta da maior duração do choque inflacionário comparativamente a outros países do continente. Isso deve forçar o Banco da Inglaterra (BoE) a manter a taxa de juros num patamar mais elevado por mais tempo e o governo a implementar uma política fiscal mais restritiva.

Segundo um boletim econômico divulgado pelo Banco Central Europeu (BCE), a inflação ao consumidor na Zona do Euro só deve atingir a meta de 2,0% no segundo semestre de 2025. A inflação média anual deve ser de 6,3% em 2023, 3,4% em 2024, e 2,3% em 2025.

Em face de um cenário inflacionário e geopolítico ainda desafiador, projetamos que a taxa de depósitos no velho continente deva ser elevada em 50 bps nas próximas duas reuniões pelo menos, de modo a alcançar a taxa terminal desse ciclo de alta antes da chegada do verão.

Riscos ao Cenário Base

Risco fiscal (risco elevado)

A aprovação da PEC de Transição, responsável por expandir as despesas primárias em mais de R$ 200 bilhões, elevou as incertezas em torno da sustentabilidade da dívida pública brasileira. Acreditamos que há um elevado risco de que a maior parte dos gastos aprovados para 2023 não sejam revertidos, pressionando negativamente o resultado primário dos próximos anos. Pelo lado da receita, a perspectiva de desaceleração sincronizada das principais economias globais gera um viés baixista para a arrecadação de receitas extraordinárias. Por fim, as recentes derrotas da equipe econômica do novo governo no que diz respeito à reoneração de tributos federais é um fator de risco adicional para a redução do déficit nos próximos anos. Diante disso, acreditamos que o pacote de medidas proposto pelo ministro Fernando Haddad terá um impacto muito menor do que as estimativas do Ministério da Fazenda, adicionando incertezas sobre a trajetória da dívida pública.

Ademais, a nova equipe econômica tem até agosto para apresentar uma nova regra fiscal que venha substituir o Teto de Gastos. A grande preocupação é se o novo mecanismo será capaz de impor disciplina à dívida pública brasileira com a mesma eficiência que a regra anterior. A construção de uma nova âncora fiscal crível e sustentável é fundamental para garantirmos a sustentabilidade da dívida no longo prazo. Entretanto, as falas do novo governo vão na direção contrária, apostando no uso das despesas como motor de crescimento e defendendo a construção de uma nova regra flexível para promover maiores gastos. Nesse cenário, acreditamos que o balanço de riscos fiscais se mostra bastante assimétrico, o que deve se refletir negativamente na trajetória das demais variáveis macroeconômicas brasileiras. 

Lento processo de desinflação (risco elevado)

Na ausência das desonerações de tributos em 2022, a inflação brasileira teria encerrado o ano em 9,56% a/a. Com a escalada do risco fiscal e o viés altista para o preço das commodities com o fim da política de “covid-zero” na China, acreditamos que há um elevado risco de que o processo de desinflação esteja comprometido. As estimativas de inflação já se encontram acima da meta em todo o horizonte contemplado pela pesquisa focus (até 2026), pressionando o Banco Central a adotar uma postura mais firme de política monetária.

Desaceleração econômica (risco elevado)

Os excessivos pacotes fiscais aprovados durante a pandemia foram responsáveis por gerar um processo inflacionário persistente derivado de um descasamento entre oferta e demanda agregada nas principais economias. Como resposta à dinâmica de preços mais adversa, os Bancos Centrais iniciaram o ciclo de aperto monetário que terá significativos efeitos sobre o nível de atividade econômica em 2023. Como reflexo de uma política monetária mais restritiva, o Banco Mundial reduziu sua expectativa de crescimento global em 2023 para 1,7%, o ritmo mais lento à parte das recessões de 2009 e 2020.

Esse cenário adiciona um viés negativo para os preços das commodities no mercado global, penalizando economias emergentes, assim como o Brasil. Além disso, as incertezas em torno do processo de desaceleração tem o potencial de criar um movimento de risk-off , ou seja, gerar desvalorização cambial de moedas emergentes e a manutenção de taxas de juros de médio/longo prazo mais elevadas que o antecipado.

Polarização política (risco elevado)

O resultado das urnas ilustra o elevado nível de polarização política da sociedade brasileira. Nesse cenário, acreditamos que, embora os atos extremistas ocorridos em Brasília tenham enfraquecido o movimento de extrema-direita no curto prazo, o cenário macroeconômico mais adverso nos próximos meses pode provocar novas manifestações, gerando instabilidade política para o novo governo. A elevação do risco político deve desestimular os investimentos estrangeiros, gerando um vetor de desvalorização cambial.

Fim da pandemia na China (risco moderado)

O abrupto fim da política de “covid-zero” na China foi responsável por elevar substancialmente o número de casos e óbitos por Covid na segunda maior economia do mundo. A cobertura vacinal mais fraca e a maior transmissibilidade das novas variantes geram um risco de superlotação dos hospitais que estão concentrados nas principais metrópoles, sobrecarregando o sistema de saúde principalmente das regiões do interior da China. Embora o pico da atual onda de Covid já tenha sido superado, o desempenho econômico da economia chinesa no pós-pandemia se mostra incerto.

Diferentemente dos países do ocidente, a China não implementou políticas fiscais extremamente expansionistas durante o início da pandemia para mitigar os efeitos recessivos das restrições sanitárias. Ademais, o processo de reabertura acontece em um momento em que a saúde financeira das famílias está abalada devido à crise imobiliária. A combinação destes fatores é um fator de risco que deve limitar a recuperação da demanda interna, penalizando o ritmo de crescimento econômico em 2023.

Reversão das reformas microeconômicas (risco moderado)

Desde o fim das eleições, o discurso do PT contrário às reformas microeconômicas aprovadas nos últimos anos passou a preocupar ainda mais o mercado. Reforçamos seu papel fundamental para aumentar a produtividade brasileira e promover melhorias no ambiente de negócios. A trajetória de elevação das taxas de investimento e de poupança refletem os primeiros impactos positivos da aprovação destas medidas, sendo um importante vetor de crescimento para o futuro.

Como exemplos, a aprovação dos Marcos Legais (Saneamento, Ferrovias, Cabotagem, Lei Cambial, etc.) e das reformas econômicas (Trabalhista, Mercado de Crédito, Teto de Gastos, Previdência, etc.) foram fundamentais para elevar o produto potencial. Já no âmbito fiscal, foi possibilitado um maior controle das despesas obrigatórias do Governo Central durante o pós-pandemia. Além disso, houve uma desburocratização do mercado de trabalho e redução de custos para o empregador. Nossa avaliação é de que parte da forte recuperação do mercado de trabalho ao longo de 2022 reflete os impactos diretos das reformas aprovadas.

Assim, em nossa visão, a reversão dessas medidas seria prejudicial para o crescimento de longo prazo do país, bem como interromperia o ciclo positivo dos últimos anos. Já podemos observar os primeiros sinais de recuo da demanda por investimentos, refletindo o elevado grau de incerteza em torno das “contrarreformas” do governo PT. O leilão da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) ilustra esta perda de apetite por investimento, visto que o leilão foi vencido por um lance único de ágio de apenas 1,15%. Em comparação, o leilão da Companhia Estadual de Água e Esgoto do Rio de Janeiro (Cedae) teve lances de quatro consórcios e um ágio de 114% em 2021. Além disso, a possível reversão da autonomia do Banco Central adiciona um viés altista para a trajetória da taxa de juros nos próximos anos. 

Tensão geopolítica (risco moderado)

Em nossa visão, os pontos de tensão geopolítica atuais se encontram na guerra do leste europeu e na relação entre Taiwan e China. Ambos os embates envolvem grandes players mundiais, ou seja, um descontrole poderia levar a  interrupções em cadeias produtivas estratégicas. Apesar de “já precificado” no curto prazo, a possibilidade de escalada da proporção e prolongamento do embate na Ucrânia são um risco para a safra de grãos de inverno e mantém as incertezas sobre a situação energética da Europa no inverno.

O crescente atrito em relação à soberania de Taiwan gera preocupação devido ao aumento das pressões militares chinesa sobre a ilha, que é uma importante aliada dos EUA. A recente visita da presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, reforçou a aliança entre os dois governos, gerando insatisfação em Pequim e levando o país a aumentar o volume de exercícios militares na fronteira.

Gargalos nas cadeias globais de produção (risco baixo)

Com a expectativa de desaceleração global e com a flexibilização das políticas de “covid-zero” na China, em nossa visão, novos choques com potencial de causar gargalos nas cadeias globais de produção são menos prováveis. No entanto, esperamos que a recuperação chinesa demorará alguns meses para tomar ritmo, já que a elevação dos contágios se coloca como empecilho para a normalização da atividade. Depois de anos de escassez, os estoques de semicondutores (chips) passaram a aumentar na esteira da menor demanda num cenário de desaceleração da economia global. Por serem utilizados em um amplo leque de setores importantes (carros, eletrodomésticos, celulares, computadores e etc), os semicondutores são, historicamente, um termômetro natural para medir a atividade econômica. Contudo, se houver surpresa positiva na atividade, ainda podem haver pontos de estrangulamento na cadeia global de semicondutores, uma vez que a produção permanece limitada em alguns chips específicos, principalmente de carros e eletrodomésticos.

Calote da dívida norte-americana (risco baixo)

O teto da dívida norte-americana (US$ 31,4 trilhões) foi atingido agora no final de janeiro, com o Executivo e o Tesouro já adotando as medidas cabíveis. Se o teto do endividamento público não for elevado pelo Congresso, o Tesouro dará calote na sua dívida em meados desse ano. Caso ocorra, isso levaria a um rebaixamento no “rating” soberano dos EUA, o que respingaria também na dívida das empresas. O dólar teria o seu status de moeda global posto em xeque e a credibilidade do crédito americano seria arranhada para sempre, visto que na história do país nunca ocorreu um calote na dívida pública.

Vale destacar que paralisações parciais no funcionamento do governo (“shutdowns”) em vista de impasses nas negociações entre o Executivo e o Legislativo para o aumento do teto da dívida tem sido relativamente comuns no período recente. A crise mais recente dessas foi a de 2011 durante o governo Obama.

Caso não se chegue a um acordo, agora há três saídas possíveis: usar o dinheiro em caixa para dar prioridade ao pagamento tanto dos juros como do valor principal da dívida em detrimento de outras obrigações do governo federal, invocar a 14ª emenda da constituição que supostamente classifica um calote na dívida como algo inconstitucional, usar um mecanismo previsto em lei que admitiria nesse caso a emissão de uma “moeda de platina” de US$ 1 trilhão. A adoção de qualquer uma dessas medidas seria algo péssimo para economia, tendo impactos negativos diretos sobre a atividade e a inflação justamente num momento em que a economia vem flertando com uma recessão e o banco central (Fed) ainda luta contra os preços elevados.

Entretanto, a maior probabilidade é de que os poderes Executivo e Legislativo cheguem a um acordo de elevar o teto da dívida.

Cenário Econômico – Tabela Projeções – Brasil

Acesse o disclaimer.

Leitura Dinâmica

Recomendações

    Vale a pena conferir