Em fevereiro, o índice de preços ao consumidor norte-americano (CPI) avançou 0,4% na comparação mensal, vindo em linha com as expectativas de mercado. Desse modo, a inflação acumulada em doze meses ficou em 6,0% como o esperado, desacelerando 0,4 p.p. frente aos 6,4% do mês imediatamente anterior. No que diz respeito ao núcleo da inflação (que exclui alimentos e energia), a variação mensal foi de 0,5%, vindo levemente acima da mediana do mercado (0,4%, Bloomberg). A métrica de 12 meses, por sua vez, veio em linha com o esperado e agora se encontra em 5,5%, recuando 0,1 p.p. ante os 5,6% registrados em janeiro.
Os aluguéis (“shelter”) voltaram a acelerar na métrica mensal, avançando 0,8% m/m e foram responsáveis por cerca de 70% da alta da inflação cheia no mês de fevereiro. Na métrica em doze meses, essa medida de inflação segue significativamente elevada (8,1% a/a) e sem dar sinais claros de arrefecimento. Outras contribuições relevantes vieram dos itens alimentação (0,4%), recreação (0,9%), mobiliário doméstico (0,8%) e operações (0,8%). Dentre as quedas do mês se destacaram os carros e caminhões usados (-2,8%) e os serviços médicos (-0,7%).
O grupo de energia voltou a registrar deflação em fevereiro (-0,6%), com destaque para os serviços de energia (-1,7%). As commodities energéticas moderaram um pouco a alta em fevereiro (0,5%) frente a janeiro (1,9%), ainda refletindo os efeitos da saída da China da sua política de “covid-zero”. Na comparação ano a ano, os serviços de energia e as commodities energéticas estão em situações completamente diferentes, registrando inflação de 13,3% e deflação de 1,4%, respectivamente.
Por sua vez, o grupo de alimentação avançou 0,4% m/m em fevereiro, um recuo de 0,1 p.p. em relação a leitura anterior. O resultado foi puxado pelo item de alimentação no domicílio, que saiu de 0,4% para 0,3%, dado que o item de alimentação fora do domicílio repetiu o resultado de janeiro e avançou 0,6%. Como a parte da alimentação fora do domicílio é enquadrada em serviços, a resiliência da inflação desse item é bem compreensível dada a inércia elevada de serviços. No acumulado dos últimos doze meses, observamos uma alta de 10,2% na alimentação no domicílio e 9,5% na alimentação em geral.
A tão aguardada desinflação de bens industriais vem ocorrendo no segmento de bens duráveis, que com o resultado de fevereiro (-0,04%) agora alcança seis meses seguidos de deflação e em doze meses recuo de 1,8% nos preços. A melhora no funcionamento das cadeias de suprimento globais com a reabertura da China e o consequente recuo no preço dos fretes e a queda no tempo de entrega vem contribuindo para aliviar a pressão de custos, o que certamente ajudou para que tivéssemos essa longa sequência de deflação observada nos preços dos bens duráveis. Por outro lado, os bens não-duráveis não vêm seguindo essa mesma trajetória, embora a sua taxa de inflação mensal tenha caído de 0,8% em janeiro para 0,4% em fevereiro, a métrica em doze meses continua em patamares elevados (6,4%).
O fato de o núcleo de inflação ter vindo acima do esperado na métrica mensal indica que os componentes mais inerciais, sobretudo ligados ao setor de serviços (mais intensivo em mão de obra) devem sustentar o nível de preços em um patamar significativamente elevado por mais tempo. Na passagem de janeiro para fevereiro a inflação de serviços desacelerou apenas marginalmente, saindo de 0,6% para 0,5%, o que fez com que a inflação permanecesse no patamar de 7,6% no acumulado dos últimos doze meses. Porém, olhando para a inflação de serviços excluindo os serviços de energia o movimento registrado foi o oposto, com a inflação acelerando de 0,5% para 0,6% no mesmo período. Vale destacar que o processo de desinflação também ainda não alcançou a métrica de serviços ex-shelter, que representa mais da metade do núcleo de inflação, e que o presidente do banco central norte-americano (Fed), Jerome Powell, já sinalizou que gostaria de ver apresentar um recuo de preços. O vigor do setor de serviços, que se repetiu no último payroll de fevereiro, tende a manter a inflação pressionada. Como forma de comparação, a composição da inflação desse mês se assemelhou bastante com a registrada nos últimos meses do ano passado, na qual a desaceleração na taxa de crescimento dos preços se deveu mais ao arrefecimento das commodities agrícolas e energéticas, indicando que o processo de desinflação ainda se encontra mais restrito a grupos que não tem a sua moderação de preços diretamente decorrente da ação da política monetária, o que deve dificultar o processo de convergência da inflação cheia para a meta de 2,0% ao ano.
Nossa avaliação é que diante do atual contexto de um mercado de trabalho ainda apertado e de pressões inflacionárias persistentes, principalmente do núcleo de inflação, o banco central norte-americano (Fed) deve seguir elevando a taxa básica de juros (fed funds rate) para combater o elevado nível de preços. Os eventos recentes envolvendo o colapso de alguns bancos regionais nos Estados Unidos não devem fazer o Fed alterar o seu plano de voo de empreender altas de juros de 25 pontos-base daqui em diante. O que pode ser alterado é o atual ritmo de redução do balanço do Fed (quantitative tightening), uma vez que num cenário de possível restrição na oferta de crédito uma política de quantidade (pausa no quantitative tightening) é mais apropriada do que uma política de preço (redução da taxa de juros). Caso ocorra uma piora mais generalizada no cenário econômico, as reduções de juros antes cogitadas para o final desse ano podem voltar ao radar.