Em seu discurso do dia 30/11, o presidente do Banco Central americano (FED), Jerome Powell, argumentou que a aceleração inflacionária recente justifica uma redução mais rápida da agressiva política de compra de títulos e que serão utilizadas todas as ferramentas para que a alta da inflação não fique persistente. Diante disso, os mercados reagiram fortemente a este discurso. Os contratos futuros de petróleo aceleraram perdas de mais de 4%, o índice DXY que mede o desempenho da moeda americana passou a trabalhar em alta, enquanto isso o Ibovespa registrava novas mínimas seguindo as bolsas em Nova York.
Diante deste cenário de menor liquidez no mercado global e da eminência da elevação das taxas de juros nos EUA, resta saber: quais os principais impactos para o Brasil?
Entendendo a inflação americana
A inflação americana foi inicialmente vista como um fenômeno transitório, sob o argumento de que a inflação de serviços estava controlada, sugerindo que o elevado nível de preços era fruto de uma ressaca gerada pelas perturbações da Covid-19 que fez com que os gastos com serviços migrassem para bens durante o período mais restritivo da pandemia. Soma-se a isto os desarranjos nas cadeias globais de produção, que sob escassez de suprimentos viu os preços dos bens se elevarem rapidamente. A inflação gerada por problemas do lado da oferta é uma questão sobre a qual os bancos centrais possuem poder limitado de reação.
Por outro lado, o governo americano, como forma de combater os efeitos recessivos da pandemia, aprovou três pacotes fiscais desde o início da crise sanitária, que totalizaram ao todo US$ 5 trilhões em benefícios sociais e seguro-desemprego. A forte política fiscal gerou um expressivo aumento da poupança que saiu de US$ 1,2 trilhão de dólares para US$ 6,4 trilhões e da renda disponível que saiu de US$ 14,8 trilhões para US$ 19,1 trilhões. A política fiscal em resposta à pandemia mais do que compensou a perda de renda por conta das restrições de mobilidade.
Ao longo dos últimos meses, diante da melhora da saúde financeira das famílias e do forte acúmulo de renda, observamos um forte apetite por consumo nos EUA. Em um primeiro momento, num cenário de restrições a mobilidade, a forte demanda impulsionou o consumo de bens e com o arrefecimento da pandemia esse consumo passou a ser direcionado para os serviços. As importações de bens e serviços após a queda inicial devido o surto em 2020, apresentaram uma vultuosa recuperação e, atualmente, encontram-se 13,2% acima do nível pré-pandemia. Além disso, as vendas no varejo também seguiram nesta tendência e hoje se encontram 21,4% acima do nível observado antes da pandemia.
Entretanto, nos últimos meses, temos observado que tanto a inflação de bens quanto à inflação de serviços medidas pelo índice PCE não mostram sinais de arrefecimento. Além disso, as expectativas de inflação para os próximos meses dos produtores de bens e serviços seguem bem acima da média de 2019. E mesmo diante da deterioração do cenário inflacionário que se mostra mais persistente e disseminado, tanto o gasto com bens quanto serviços não mostram sinais de desaceleração. Em suma, observamos nos EUA uma forte expansão dos gastos mesmo em um ambiente de elevada inflação.
Por fim, adiciona-se a este cenário de elevada inflação as dificuldades que as empresas têm tido nos últimos meses para contratar novos funcionários que cada vez mais se traduzem em maiores desafios para a oferta atender uma demanda tão aquecida. Atualmente, o número de vagas abertas se encontra em nível recorde, de modo que, a razão entre o número de desempregados e o número de vagas abertas se encontra no menor nível de toda a série histórica. Este desbalanço entre oferta e demanda por mão-de-obra tem refletido nos aumentos do salário médio por hora trabalhada nos últimos meses como forma de atrair os trabalhadores. O aumento salarial, em ritmo mais acelerado desde a década de 80, numa conjuntura de forte demanda enquanto a oferta de curto prazo se encontra limitada, tende a pôr mais pressão no nível de preços que já se encontra em um patamar elevado. E sob expectativas de inflação mais elevada no futuro, a pressão por aumentos salariais deve crescer, de modo que, entramos em um cenário de risco de que a inflação se torne um processo que se retroalimenta.
Diante destes fatos, nossa avaliação é que o fenômeno de inflação global, sobretudo, nos Estados Unidos, possui um forte componente de demanda proveniente de uma economia superaquecida. A forte política fiscal fez com que a demanda se recuperasse rapidamente, enquanto a oferta não conseguiu acompanhar o mesmo ritmo criando um desbalanço entre oferta e demanda que tem se refletido em aumentos persistentes no nível de preços. O argumento de transitoriedade da inflação por conta dos desarranjos das cadeias globais de produção se mostra cada vez menos realista. Por outro lado, é crescente a necessidade de se combater esse processo inflacionário, caso contrário, corre-se o risco de entrar em uma espiral entre salários e preços.
Quais são os impactos para o Brasil?
Este cenário de elevada inflação e cada vez mais a percepção de que este processo inflacionário decorre de uma forte demanda devido ao superaquecimento da economia faz com que seja crescente a necessidade de um ajuste monetário para combater a alta de preços. O processo de redução de compras de ativos, conhecido como tapering, que atualmente reduz a compra mensal de ativos em um ritmo de US$ 15 bilhões deverá ser acelerado como forma de possibilitar que a taxa básica de juros nos EUA possa ser elevada ainda no primeiro semestre de 2022. Nossa expectativa é que na próxima reunião do Banco Central americano (Fed), seja divulgada uma aceleração do tapering de US$15 bilhões para US$30 bilhões por mês. Além disso, avaliamos que o Fed deve começar a aumentar os juros já no 1º semestre de 2022 (0,25 p.p. em maio de 2022).
Uma menor liquidez global e a elevação de juros nos EUA impõem um cenário mais desafiador principalmente, para países emergentes assim como o Brasil ao gerar uma depreciação cambial por conta do fortalecimento do dólar. Os principais destaques dos efeitos que essa movimentação pode gerar para a economia brasileira podem ser resumidas nos seguintes pontos: I) Depreciação cambial e elevação da pressão inflacionária; II) Aumento da taxa de juros Selic; III) Desestímulo ao investimento em ativos mais arriscados e aumento da demanda por renda fixa; IV) menos investimentos na economia real e consequentemente menos atividade econômica. Portanto, acreditamos que este cenário tende a beneficiar o mercado de renda fixa e prejudicar o mercado de renda variável de um modo geral.
Entretanto, vale destacar que o Brasil nos últimos meses se encontra em um ciclo de forte alta da taxa Selic por conta da aceleração inflacionária em conjunto com a elevação do risco país diante da ruptura de regime fiscal. Dessa forma, acreditamos que os efeitos acima podem ocorrer de maneira mais branda, visto que temos um diferencial de juros em relação aos EUA mais elevado o que pode mitigar os efeitos sobre o câmbio. Contudo, acreditamos que o apetite por ativos arriscados se reduzirá.