A renda pessoal (personal income) avançou 0,6% m/m em janeiro, vindo consideravelmente abaixo das expectativas de mercado (1,0% m/m, Bloomberg). Os gastos com consumo pessoal (personal consumption expenditures) assim como os gastos em termos reais (real personal consumption expenditures) apresentaram forte expansão em janeiro depois de retraírem em dezembro, avançando 1,8% m/m e 1,1% m/m, respectivamente. Por sua vez, a renda pessoal disponível (disposable personal income) avançou 2,0% m/m no mesmo período. Esse avanço da renda pessoal disponível bem acima da renda pessoal se deveu a queda nos impostos pessoais correntes (personal current taxes), que recuaram 7,9% m/m em janeiro.
Em termos reais, a renda pessoal disponível registrou forte avanço (1,4% m/m) em janeiro, ante expansão de apenas 0,2% m/m em dezembro. O consumo de bens voltou a apresentar alta robusta (2,2% m/m) no início desse ano após registrar recuo de 1,1% m/m no último mês de 2022, enquanto o consumo de serviços deixou para trás a estagnação de dezembro e avançou 0,6% m/m em janeiro. Essa forte alta no consumo de bens foi capitaneada pelo segmento de bens duráveis, que se expandiram 5,2% m/m no período, mostrando que o arrefecimento esperado no consumo de bens (que também se estende para os bens não-duráveis) foi interrompido. Esses dados do setor de bens estão em consonância com a declaração recente da presidente regional do Fed de Cleveland, Loretta Mester, de que a inflação de bens deve subir nos próximos meses.
O índice de preços de gastos com consumo (PCE price index) veio levemente acima das expectativas de 0,5% m/m e avançou 0,6% m/m em janeiro. No acumulado dos últimos doze meses, a trajetória de queda que se estendia desde setembro foi interrompida, com os 5,3% registrados em dezembro dando lugar a uma alta de 5,4%. O resultado foi reflexo da leve aceleração vista nos preços dos bens não-duráveis (de 6,9% a/a para 7,0% a/a) e dos serviços (de 5,4% a/a para 5,7% a/a). O grupo de bens e serviços de energia foi um dos destaques do mês, revertendo a deflação vista em dezembro (-3,6% m/m) e dando lugar a uma inflação de 2,0% m/m em janeiro. Isso fez com que a inflação em doze meses para esse grupo avançasse consideravelmente, de 8,5% para 9,6%. Por sua vez, o núcleo (que exclui alimentos e energia) avançou 0,6% m/m, vindo acima do consenso de mercado (0,4% m/m). Em doze meses, o núcleo do PCE também reverteu a trajetória de queda e saiu de 4,6% para 4,7% na passagem de dezembro para janeiro. O grupo de alimentação registrou avançou de 0,4% m/m no período, fazendo com que a inflação de alimentos em doze meses caísse de 11,6% para 11,1%.
Assim como o índice de preços ao consumidor (CPI) do mês de janeiro, os dados do índice de preços de gastos com consumo (PCE price index) apontam para uma interrupção do processo de desinflação da economia nesse início de ano. A resiliência mostrada pela inflação de serviços, que acelerou tanto na métrica mensal como anual em janeiro, continua a pressionar o índice cheio, com ele permanecendo em patamares que não estão em consonância com a meta do banco central norte-americano (Fed) de 2,0%. Soma-se a isso o fato de que praticamente todas as métricas de gastos com consumo pessoal tiveram um repique em janeiro, com tanto a renda como os gastos se expandindo fortemente, o que deve pressionar os preços de diversos bens e serviços nos próximos meses. Com os dados recentes mostrando uma economia mais forte do que a esperada, as três altas de juros de 25 pontos-base projetadas para esse primeiro semestre de 2023 devem se transformar em quatro, o que levaria a taxa terminal da fed funds rate para 5,50% (limite superior). Apesar da dissidência interna na última reunião do Fed, ainda é pouco provável que voltemos a ver altas de juros de 50 pontos-base nesse ciclo atual.
A poupança pessoal saltou de US$ 858,2 bilhões para US$ 918,8 bilhões na métrica anualizada na passagem de dezembro para janeiro, de modo que a taxa de poupança pessoal como proporção da renda disponível subiu de 4,5% para 4,7% no mesmo período. Vale destacar que esse aumento da poupança pessoal só foi possível devido a queda dos impostos pessoais. Caso esses impostos tivessem permanecido no mesmo patamar de dezembro, o avanço da renda pessoal disponível em janeiro teria sido de apenas 0,7% m/m (ao invés dos 2,0% m/m registrados), o que faria com que as métricas de gastos tivessem avançado mais do que a renda pessoal. Mas o recuo dos impostos e o fato da renda pessoal disponível avançar mais do que os gastos com consumo pessoal em termos reais permitiram com que a poupança pessoal continuasse a sua trajetória de elevação que já se estende desde setembro. Isso ajuda a dar ainda mais sobrevida ao estoque de excesso de poupança das famílias acumulado na pandemia, que atualmente se encontra próximo de US$ 1,5 trilhão. A união disso com fortes métricas de gastos tanto em termos nominais como reais mostra a resiliência da economia americana e coloca mais pressão sobre a condução da política monetária do Fed. Por outro lado, esses fatores também ajudam a afastar as chances de uma recessão econômica, pelo menos nesse ano. Mas a perspectiva de “pouso suave” da economia americana que é tão desejada pelo Fed pode estar se transformando em um cenário no qual não haverá desaceleração em 2023 e os maiores desafios em evitar uma recessão econômica na verdade fiquem postergados para 2024 em vista dos efeitos defasados da política monetária e do Fed ter de ir mais longe do que o esperado com as taxas de juros agora nesse ano.