Na última semana vivemos um dos momentos mais chocantes e avassaladores do mercado cripto em toda a sua história. A segunda maior exchange em volume, FTX, ficou insolvente após uma corrida bancária, ou seja, um grande volume de clientes correndo para sacar os seus depósitos na empresa. A dúvida que fica é como isso pode ocorrer com uma empresa que deveria, em tese, somente intermediar transações entre clientes. A resposta é simples e mais preocupante do que parece. Na nossa visão, a ausência de regulação gerou um faroeste no mercado cripto, no qual o dinheiro dos clientes e de muitas empresas não está segregado. Em suma, os depósitos dos clientes em algumas exchanges pode não estar mais lá, tendo sido usado para alimentar uma feroz competição que vemos no segmento de exchanges desde 2020.
No caso da FTX, a estrutura que parece ter sido usada foi emprestar dinheiro de clientes para a Alameda Research, empresa do mesmo conglomerado. A Alameda utilizaria esses recursos para tomar risco no mercado e em troca deixaria FTT como garantia na FTX. O FTT era um token emitido pela própria FTX. Caso a Alameda não tivesse condições para honrar o que tinha sido emprestado, a FTX poderia liquidar os FTTs e reaver os recursos emprestados. No entanto, tanto o FTT quanto os investimentos da Alameda eram ilíquidos e caso houvesse uma corrida bancária na FTX não seria possível reaver o valor dos empréstimos e nem vender as garantias. O resumo da ópera é que a FTX não foi capaz de levantar o montante que seus clientes tinham depositado, o que gerou a sua quebra. A esta altura, não podemos nem mesmo descartar que a própria FTX também tenha utilizado os depósitos de clientes para fazer aquisições, investir em marketing, dentre outras ações, que vinham sendo agressivas e alavancaram o crescimento da empresa nos últimos anos.
O mercado tradicional em seus primórdios também já passou por crises parecidas, mas muito concentradas nos bancos. Quando depositamos R$ 100 no banco, ele pode pegar esse dinheiro e emprestar para um terceiro. O terceiro tende a depositar os R$ 100 novamente no banco até que gaste o recurso. Na sequência, o banco pode emprestar novamente os R$ 100 para uma outra pessoa. Repare que o banco conseguiu transformar R$ 100 em R$ 300 e que se todos quiserem sacar o dinheiro de suas contas rapidamente, o banco não conseguirá pagar. Essa característica do banco de multiplicar os recursos é o que chamamos de multiplicador bancário. Como consequência dos aprendizados do mercado tradicional com quebras geradas pelo multiplicador, foram criados instrumentos para proteger o risco dos bancos quebrarem. Um deles é o compulsório, que nada mais faz do que obriga o banco a depositar uma parte do saldo em conta corrente dos clientes no banco central. Com essa ferramenta, dos R$ 100 depositados, o banco só poderá emprestar, por exemplo, R$ 75 e subsequentemente para o saldo depositado pelos devedores. Em síntese, o compulsório limita a alavancagem dos bancos, mitigando o risco de insolvência por uma corrida bancária.
Mesmo podendo traçar paralelos com o mercado tradicional, o que vimos na FTX era muito difícil de prever por duas razões. A primeira delas é que a FTX era uma exchange, que ao que se sabia não tinha operações relevantes de crédito. Assim, seu papel seria transacional e não inferiria em alavancagem. Em mercados tradicionais, as empresas transacionais, como corretoras de valores mobiliários, segregam o patrimônio dos seus clientes do seu próprio caixa. Colocando nesses termos parece obvio, mas para FTX não foi. A segunda razão é que o mercado cripto não é regulado, e conceitos difundidos no mundo tradicional não existem em cripto, como compulsório ou obrigatoriedade de ter segregação patrimonial, dificultando saber o quanto as exchange estão alavancadas.
Na nossa visão, algumas tendências vão nascer da quebra da FTX. A regulação sem dúvida deve se aproximar das exchanges. Elas passaram a ser negócios maduros e com uma escala capaz de gerar crises em outros setores em eventos inesperados. Correndo em paralelo, as exchange sérias devem buscar ter provas de depósitos, mostrando que o saldo do usuário está protegido. Já os protocolos DeFi, protocolos de finanças descentralizadas, serão os maiores vencedores. Os protocolos DeFi permitem que o usuário mantenha a custódia dos ativos, prática conhecida como self-custody, eliminando o risco da má utilização dos recursos por terceiros. Por fim, para entender o impacto na cotação dos criptoativos no curto e médio prazo, ainda precisará ficar mais claro quais outras empresas de cripto podem estar alavancadas e quais podem ter perdido recursos com a quebra da FTX. Mesmo olhando para frente, o evento da FTX já nos gera uma impressão de contágio que, por si só, deve continuar pressionando a cotação das criptos.
O Que Mais Aconteceu Na Semana?
O tema central da semana no universo dos criptoativos foram os acontecimentos relacionados à FTX e Alameda. Na última estimativa divulgada, a FTX teria perdido em torno de US$ 10b em ativos de seus clientes. Após congelar os fundos dos clientes, Sam, o fundador e ex-CEO da FTX e Alameda assinou um pedido de recuperação judicial. A recuperação judicial prevê que a empresa proponha um plano de reorganização, de forma que mantenha seu funcionamento e pague seus credores ao longo do tempo. Dois dias depois de assinar a recuperação judicial, funcionários da FTX informaram que a exchange sofreu um hack, no qual foram perdidos mais US$ 600m em criptoativos de clientes. A ordem dos eventos levou muitos investidores a acreditar que o hack foi um ataque interno, possivelmente orquestrado pelo próprio Sam, e que o pedido de recuperação judicial foi somente uma maneira de ganhar tempo.
Um levantamento recente apontou que mais de 130 empresas que estavam expostas ao ecossistema da Alameda também poderiam estar à beira da falência. A empresa de lending, BlockFi, foi a primeira a declarar falência em decorrência da situação. A incerteza quanto à proporção dessa desalavancagem de mercado fez com que muitos investidores acreditassem que outras exchanges também poderiam estar na mesma situação da FTX. Exchanges como Crypto.com, Huobi e Gate.io foram as primeiras a sofrer corridas bancárias. Até o momento da redação, as três exchanges conseguiram honrar os saques, mas apesar disso, a situação não parece boa.
Análise de Mercado
Nessa semana foram anunciados os dados de inflação americana (CPI) referentes ao mês de outubro. O CPI informado de 7.7% veio abaixo das expectativas de mercado, sinalizando que a política de aperto monetário que está sendo promovida pelo Fed visando controlar a inflação pode estar surtindo efeito.
Como antecipamos em nossa última newsletter, qualquer resultado diferente do esperado poderia desencadear um aumento de volatilidade nos mercados de ativos de risco. Os dados abaixo da expectativa serviram como estopim para o início de um rally de alta nas bolsas americanas, refletindo em uma valorização de cerca de 6% no S&P500 e mais de 8% na Nasdaq nas horas seguintes ao anúncio. A expectativa é de que, caso a inflação passe a apresentar quedas consistentes, o Fed poderá encerrar o ciclo de aumento das taxas de juros, indicando uma proximidade do final do ciclo de baixa nos ativos de risco.
Em teoria, a alta correlação do mercado de criptoativos com o mercado tradicional deveria ter feito com que as principais criptos também valorizassem. Entretanto, o temor criado pelo caso da FTX e Alameda, e o receio de que a contaminação pudesse respingar em outras instituições, fez com que os investidores de criptoativos tivessem mais cautela, resultando em uma descorrelação de curto prazo, com os principais criptoativos em baixa.
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