As redes de segunda camada são protocolos construídos em cima de uma blockchain. O principal objetivo desses protocolos é aprimorar a velocidade de transações e reduzir os custos, problemas enfrentados pelas principais blockchains.
Uma blockchain perfeita precisaria ser segura, escalável e descentralizada. Entretanto, nenhuma blockchain existente obteve êxito em unir as 3 características. A dificulde de atingir os 3 atributos é descrito pelo trilema das blockchains. Segundo o trilema, geralmente um dos atributos precisa ser abdicado em detrimento a outro.
O Bitcoin e a Ethereum são as maiores blockchains em valor de mercado. Ambos os projetos foram pensados para entregar segurança e descentralização. Entretanto, deixam de lado a escalabilidade, que passou a ser mais necessária com a popularização das redes.
O Bitcoin conta com uma solução de segunda camada conhecida como Lightning Network. Resumidamente, a Lightining Network permite o envio de BTC entre 2 carteiras sem a cobrança de taxas. Na solução é criado um canal de pagamento direto entre as 2 carteiras, que possibilita que transacionem BTC livremente entre elas.
As soluções de segunda camada também são conhecidas como layer-2 ou L2. As redes principais a que as L2’s servem são conhecidas como layer-1 ou L1. A Ethereum e o Bitcoin, por exemplo, são L1’s.
Dada as altas taxas de transação e demora no processamento, os desenvolvedores do Ethereum passaram a idealizar novas propostas de atualização da rede, que incentivem o surgimento e adoção de soluões de segunda camada. O problema e movimento dos desenvolvedores da Ethereum criaram um setor promissor no mercado cripto. Atualmente vários protocolos competem para se tornar a principal solução de segunda camada da Ethereum.
Por que a Ethereum precisa de uma segunda camada?
O ano de 2021 foi um grande marco para a Ethereum. O Ether (ETH), criptomoeda nativa da rede, superou US$ 500 bilhões em valor de mercado e a maioria das métricas de utilização da rede cresceram, atingindo máximas históricas. O aumento no uso da rede elevou as taxas de transação e as tornou mais lentas. Algumas transações simples chegaram a superar a casa de centenas de dólares. Os problemas com a usabilidade da Ethereum geraram uma busca por blockchains alternativas, mais baratas.
O gráfico abaixo apresenta o valor total travado (TVL) nas principais blockchains. O Ethereum iniciou 2021 com mais de 97% de todo o TVL do mercado. Porém, em função das altas taxas e lentidão da rede, o Ethereum foi perdendo participação, fazendo com que a participação no TVL atingisse mínimas próximas a 50% em Abr/2022.
Com o rápido crescimento de novas blockchains Layer-1, alternativas à Ethereum, ficou mais clara a necessidade de novas soluções de escalabilidade para a rede. As soluções L2 podem ser uma boa solução para a Etherem por otimizarem a rede, sem necessáriamente obrigar a migração dos usuários e desenvolvedores para outras blockchains L1. As blockchains nem sempre possuem a mesma linguagem de programação entre elas, dificultando a migração de usuários e desenvolvedores.
Problemas de Escalabilidade na Ethereum
Ao longo de 2021 foram registrados aproximadamente 600k endereços ativos por dia na rede da Ethereum, um aumento de 40% a/a. O número médio de transações diárias atingiu cerca de 1,3 milhões, um aumento de 35% a/a. Dado este aumento do uso da rede, o valor médio pago por transação saltou de ~US$ 1,5 em 2020 para mais de US$20 em 2021.
Um dos propósitos da Ethereum é de criar uma rede acessível a qualquer pessoa. Entretanto, as atuais taxas de transação vão contra esse princípio, por limitarem financeiramente a utilização da rede. A solução podem ser os protocolos de “Segunda Camada” (layer-2), que vem se popularizando. Os protocolos de segunda camada podem ser divididos em state channels, sidechains, plasma chains e rollups. Cada um dos tipos será explicados adiante.
Para fomentar as soluções de segunda camada, os desenvolvedores da Ethereum atualizaram seu cronograma de desenvolvimento, apresentando propostas de melhoria (EIPs). Dentre as principais propostas é possível destacar:
• EIP 4488: Reduz os custos de registro de transações realizadas em protocolos de segunda camada na rede principal. As transações ou saldo das carteiras em redes de segunda camada precisam ser registradas na blockchain principal. Para fazer o registro na rede principal é necessário pagar as taxas da rede.
• EIP 4484: Cria um novo formato de registro de rollups. O novo formato reduz drasticamente o custo de inserção de rollups na L1. Rollups são um instrumento específico para adicionar o histórico de transações efetuadas em redes de segunda camada na L1.
• Data Sharding: A Ethereum deve passar por uma atualização para implementar as redes de shards. As redes de shards permitem que a blockchain se subdivida para se tornar mais escalável. As redes de shards serão otimizadas para o armazenamento de transações processadas nos protocolos de segunda camada.
As redes de shards fazem parte da atualização conhecida como Ethereum2.0. Acesse nosso relatório sobre a Ethereum 2.0 aqui.
Sidechains
As sidechains são blockchains independentes e não submetem as suas transações ou estado da rede para a L1. Elas contam com pontes (bridges) que possibilitam enviar criptoativos da rede principal para a sidechain. Geralmente, as criptomoedas não podem ser transacionadas entre blockchains. As pontes possibilitam transacionar criptomoedas entre blockchains, caso as redes tenham compatibilidade. No caso da Ethereum, chamamos as redes compatíveis de EVM’s.
As sidechains geralmente oferecem baixas taxas de transação e permitem acesso a grande parte das aplicações oferecidas na rede principal, motivos que levaram uma grande adoção. O fator negativo das sidechains é o de que ao usar a ponte você estará retirando seus fundos da rede principal e colocando-os na L2. Assim, você deixa de utilizar a estrutura de validação e registro da L1, que geralmente é mais robusta e segura. Por geralmente serem menos seguras, as bridges e sidechains são alvos de ataques hackers mais frequentemente.
O processo para se utilizar uma ponte consiste no envio de um criptoativo para um contrato inteligente. Os contrato inteligente são responsáveis por executar funcionalidades específicas em blockchain. O criptoativo ficará travado no contrato inteligente da ponte e um “certificado de garantia” será emitido na sidechain. Os “certificados” asseguram a existência do lasto na L1 e podem ser transacionados na sidechain.
State Channels
Os state channels são canais diretos de transação. Eles podem ser vistos como cofres, nos quais dois ou mais usuários depositam criptomoedas. O deposito é registrada na Blockchain como a “transação inicial”, crando um canal de pagamento direto entre os usuários.
Os fundos podem ser transferidos livremente entre as partes. Os registros das transferências ficam fora da rede principal, favorecendo a escalabilidade. A interação com a rede principal só voltará a acontecer no fechamento do canal. Ao fechar o canal, o saldo das carteiras é registrada na blockchain. Dessa forma, todas as transações feitas em state channels serão resumidas em apenas um registro na L1.
Os state channels são simples e funcionais e geralmente se aplicam para casos de pagamento, onde há necessidade de muita escala. Do lado negativo, as transações que acontecem dentro dos canais não passam pela governança e validação da rede, exceto na hora de fechar o canal. O protocolo de State Channel mais conhecido é a Lightning Network (LN), segunda camada da rede do Bitcoin. A LN reduziu o custo de uma transação em Bitcoin (que variou entre US$1 e US$60 nos últimos 12 meses) para menos de um centésimo de centavo.
Plasma Chain
As redes plasma surgiram a criação de “blockchains-filhas” (child chains), derivadas da rede principal (“blockchain mãe”). As child chains podem passar a ser chamadas de “blockchain-mãe” caso criem suas próprias child chains.
As child chains processam transações indepentemente da rede principal, reduzindo a carga de processamento da “blockchain mãe”. Na prática, o efeito é semelhante ao que observamos com as side chains. Contudo, diferentemente das side chains, as child chains registram periodicamente as informações das carteiras na sua rede originária.
Os registros periódicos nas “blockchains mãe” criam um pouco mais de segurança, pois permitem que o histórico de “blockchain filhas” sejam guardados. Assim, caso a child chain precise ser resetada (reiniciada), o histórico ficará salvo. Para garantir a segurança da Plasma Chain, as transações podem ser contestadas no período de 7 a 14 dias.
Caso uma transação contestada seja maliciosa, ela pode ser revertida antes do envio das informações das carteira para a “blockchain mãe”. O período de 7 a 14 dias é a razão para a principal desvantagem das plasma chains, dado que não é possível retirar as criptos das blockchains filhas antes do término do prazo. O período para acusar transações maliciosas é chamado de “período de contestação”.
A iliquidez é um dos fatores que fez com que redes plasma caíssem em desuso. No entanto, o seu formato de validação deu origem a ideia na qual os protocolos de rollup se basearam.
O que são Rollups?
Os rollups podem ser entendidos a partir de uma analogia com um bar lotado. Imagine se cada cliente tivesse que pagar cada drink na hora que fizer o pedido. O bar teria um grande volume de pagamentos ocorrendo o tempo todo, podendo gerar gargalos. O funcionamento atual da Ethereum é essencialmente esse, dada necessidade de validação de cada transação individualmente.
Voltando ao exemplo do bar, imagine se os clientes pudessem combinar todos os pedidos em comandas e realizar o pagamento de uma só vez. É assim que os rollups funcionam. Eles executam transações em suas redes e retornam somente com uma “grande comanda” para a blockchain principal da Ethereum, resumindo as transações.
Em tradução literal, um rollup (“enrolar”) consiste em múltiplas transações enroladas. As transações são originadas na segunda camada e enviadas para a L1. A rollup permite que um resumo de transações ocupe o espaço que seria destinado a somente uma transação na L1. Assim, os rollups oferecem uma forma de terceirizar o poder computacional, melhorando a escalabilidade da rede através da otimização dos dados de transação e redução de taxas.
Vale destacar que ao adicionar um rollup à blockchain principal é necessário pagar a taxa da blockchain de primeira camada. No entanto, como o rollup resume múltiplas transações, há uma otimização da taxa. Na prática, a taxa da rede de primeira camada é dividida entre vários usuários do rollup.
Os principais tipos de rollups em desenvolvimento são os optimistics rollups e os zero knowledge rollups.
Optmistic Rollups
Optmistics rollups partem do princípio de que as transações enviadas à rede principal são idôneas. Análogo à tradução literal do nome, esses rollups são “otimistas” quanto a veracidade das transações. Entretanto, eles permitem que essas presunções de veracidade sejam contestadas.
Esse sistema de contestação é chamado de “prova de fraude”. A optimistic rollup tem um período de 7 a 14 dias para que uma transação seja contestada antes de ser enviada para a rede principal. Dado período para ser verificada a existência de fraude, geralmente só é possível sacar fundos de optimistic rollups após o término do prazo, gerando uma liquidez não imediata. Existem aplicações que permitem a retirada de fundos instantaneamente em troca de uma taxa.
Como analogia, podemos utilizar uma criança dizendo aos pais que realizou a lição de casa. Os pais são otimistas quanto a afirmação da criança e acreditam nela. Os pais podem passar a questionar o filho quando um amigo da escola disser que o filho deles está mentindo (“prova de fraude”) e não fez a lição de casa. Dessa forma os pais se veem obrigados a realizar a verificação manual da lição do filho para assim ter a resposta concreta sobre quem estava mentindo.
A segurança do sistema de “provas de fraude” se baseia na ideia de que haverá pelo menos uma pessoa honesta monitorando as transações da L2 e enviando provas de fraude contra transações inválidas. Verificadores da L2 serão incentivados financeiramente, recebendo recompensas por identificar transações fraudulentas.
Para evitar que um conjunto de validadores mal intencionados acusem falsamente transações de serem maliciosas, os validadores precisam deixar uma garantia ao acusar uma transação. Caso a acusação seja errôna, a garantia é perdida. Acusar falsamente transações de serem maliciosas pode ser uma forma de sobrecarregar a rede, comprometendo a sua usabilidade.
Rollups otimistas possuem a capacidade de operar contratos inteligentes, possibilitando a criação de funcionalidades complexas com baixo custo e escalabilidade da L2. Os principais representantes de segunda camada baseada em Optimistic Rollups são a Arbitrum e a Optimism.
Zero Knowledge Rollups (ZK)
Os ZK Rollups, diferentemente dos Optimistic Rollups, realizam a verificação de seus dados de forma proativa. Essa verificação é feita a partir de “provas de validade” que são enviadas à L1. Resumidamente, as transações são verificadas pela própria L2, fora da rede principal. Após o término da verificação é gerado um comprovante (prova de validade) de que as transações foram verificadas. Essa prova de validade é enviada à rede principal como forma de comprovar a veracidade das transações que ela representa.
Utilizando a analogia da lição de casa, seria como se o professor da criança verificasse as lições feitas e enviassem um aviso aos pais. Dessa forma, os pais sabem que o filho realizou as tarefas, sem necessariamente saber quais tarefas foram feitas. Uma desvantagem dos ZK Rollups é que gerar uma prova de validade é um processo complexo e demorado.
Os rollups de ZK não exigem um período de contestação, pois a comprovação de validade já verificou a legitimidade dos dados da transação. É por isso que os rollups ZK permitem tempos de retirada muito rápidos. Portanto, embora os ZK Rollups normalmente não sejam bons para aplicativos de uso geral, eles são ótimos para trocas e outros aplicativos que exigem pagamentos simples.
Os principais representantes da segunda camada baseada em ZK Rollups são a Loopring, a zkSync e a StarkNet.
Validium
O sistema Validium funciona de forma semelhante aos ZK Rollups, utilizando um sistema de prova de validade. Ao invés de incluir todas as transações em sua prova de validade, o Validium envia para a L1 apenas uma versão comprimida do estado da rede, tornando essa solução ainda mais rápida que os ZK Rollups.
O lado negativo é que as informações das transações são mantidas fora da L1, fazendo com que os usuários de Validium tenham que confiar que os detentores dos dados da rede forneçam essas informações quando necessário.
Dados OnChain
As soluções que atualmente se categorizam como segunda camada contam com cerca de US$ 5 bilhões em TVL.
A Polygon se encaixa em uma categoria conhecida como commit chain, que funciona como uma mistura de plasma chain com side chain. A Polygon atualmente está desenvolvendo soluções de ZK Rollups e, por isso, por enquanto segue não sendo categorizada como uma solução de segunda camada. Apesar disso, vale destacar que a rede possui US$ 2,3 bilhões em TVL que eventualmente entrarão na conta das L2.
O painel abaixo mostra um atual overview dos pincipais representantes dentre as soluções de segunda camada. A Arbitrum está pareada à Polygon, ambas com cerca de US$ 2,5 bilhões em TVL, liderando a categoria.
A tabela abaixo compara as taxas de transação das soluções de segunda camada com as taxas da Ethereum. A tabela comprova que as soluções de segunda camada estão no caminho para atingir seu objetivo de reduzir as taxas e democratizar a rede. Conforme as evoluções propostas, como os EIPs 4484 e 4488, forem saindo do papel, deveremos ver reduções ainda mais significativas.
As taxas pagas pelas layer-2 para a validação da Ethereum estão começando a ganhar tração e se tornando relevantes. Conforme aumentem a adoção de usuários, tendem a se tornar uma relevante fonte de renda até mesmo para a primeira camada. Na tabela abaixo podemos observar as taxas pagas pelas L2’s.
Conclusão
Os protocolos de rollup estão assumindo a frente das soluções de segunda camada. Eles possibilitam acesso à funcionalidades e registo do histórico de transações da primeira camada, aumentando a escalabilidade e reduzindo taxas. Esses fatores deixam os rollups bem posicionados para ter um aumento de adoção no curto prazo.
O ano de 2022 deve ficar marcado pelo lançamento dos tokens nativos de algumas das principais soluções de segunda camada, permitindo que o público geral consiga investir nesse ecossistema.
Apesar das diferenças entre Optimistic e ZK Rollups, o cenário do mercado indica que ambas as soluções seguirão se desenvolvendo, com objetivo de alcançar uma rede mais amigável, escalável e segura, independente do mecanismo de verificação de transações. Provas de validade e provas de fraude, eventualmente podem vir a funcionar em uma solução conjunta.
A dinâmica competitiva criada entre esses protocolos torna o segmento de soluções de escalabilidade de segunda camada um candidato a ditar o próximo ciclo de alta do mercado de criptoativos.