Economia

Publicado em 23 de Setembro às 16:19:49

Chama o Var

O relatório bimestral de receitas e despesas do quarto trimestre divulgado na última semana projeta que o déficit primário do governo central para 2024, após a exclusão de R$ 40,5 bi em despesas do cômputo da meta, será inferior ao limite da meta de resultado primário. Embora a projeção de cumprimento da meta no ano já fosse amplamente aguardada pelo mercado, a reversão do contingenciamento de R$ 3,8 bi que havia sido realizado no terceiro bimestre contrariou o consenso que tinha como expectativa um contingenciamento adicional entre R$10-15 bi.

Em contrapartida, houve aumento de R$ 2,1 bi no valor bloqueado, refletindo os aumentos nas projeções de despesas com pagamento de benefícios previdenciários e com o BPC da LOAS/RMV que foram parcialmente compensadas pelo recuo nas estimativas de gastos com Apoio financeiro a Estados e municípios, gastos com Pessoal e encargos sociais e Sentenças judiciais e precatórios. Dessa forma, a combinação entre a reversão do contingenciamento de R$ 3,8 bi e o aumento de R$ 2,1 bi no valor bloqueado gerou um saldo líquido que reduziu o esforço fiscal orçamentário em R$ 1,7 bi, saindo de R$ 15,0 bi do relatório anterior para R$ 13,3 bi no relatório atual.

Pelo lado das receitas, houve incremento de R$ 2,0 bi em relação ao relatório anterior, refletindo principalmente a combinação entre a redução de R$ 25,8 bi da projeção de receitas administradas pela RFB e o aumento de R$ 30,1 bi das Receitas não administradas pela RFB. Para a primeira projeção, a queda foi decorrente da atualização dos efeitos das alterações na legislação tributária sobretudo nas projeções de arrecadação com o voto de qualidade no CARF pró-fisco e às transações resolutivas de litígios que impactaram as rubricas de outras receitas administradas pela RFB e de Imposto sobre a renda.

Por sua vez, o aumento nas receitas não administradas reflete principalmente dos aumentos nas estimativas de arrecadação com Dividendos e participações, derivado principalmente do aumento da arrecadação com dividendos extraordinários da Petrobrás e do BNDES, e com a rubrica de Demais receitas devido ao recolhimento de valores empoçados na Caixa Econômica Federal, depósitos judiciais em processos encerrados e do programa desenrola agências reguladoras. Apesar do aumento da estimativa de arrecadação, o relatório deixa evidente que a melhora nas projeções do governo decorre principalmente de medidas extraordinárias que provavelmente não se repetirão no próximo ano, de modo que, não reduzem o risco fiscal brasileiro.

Pelo lado das despesas, houve um aumento de R$ 11,8 bi na projeção em relação ao relatório anterior, refletindo a combinação entre R$ 13,9 bi nas despesas obrigatórias e a queda de R$ 2,1 bi nas despesas discricionárias, refletindo principalmente o cancelamento de gastos para o atendimento do limite de despesas. Os principais destaques ficaram por conta do aumento na estimativa de gastos com Benefícios previdenciários (+R$ 8,3 bi), créditos extraordinários (R$ 3,6 bi) e Subsídios, subvenções e Proagro (+R$ 1,9 bi). Além disso, cabe destacar que houve redução de R$ 2,2 bi nas economias esperadas pela revisão de benefícios previdenciários, reduzido de R$ 9,0 bi para R$ 6,8 bi em 2024, e na subestimação de despesas previdenciárias em um montante de cerca de R$ 7,5 bi.

Em suma, o que observamos no relatório da última sexta-feira é que o governo segue apostando na estratégia de subestimação de despesas e a exclusão de algumas despesas no cômputo do resultado primário para fins de cumprimento da meta, e a forte dependência do uso de medidas extraordinárias de receitas para o atingimento da meta, ou pelo menos o seu limite inferior. Essa combinação permite que o governo faça um gol ao aumentar as chances de cumprimento da meta de déficit zero em 2024. Entretanto, esse objetivo só é alcançado após a exclusão de R$ 40,5 bi de despesas do cálculo do resultado primário, que ainda impactarão a trajetória do endividamento público brasileiro. Ou seja, o governo está comemorando um gol feito com a mão, mas esquece que o mercado é o árbitro de vídeo. Chama o Var.

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