A ida do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, à Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados na quarta-feira (22/05) contribuiu para a elevação das incertezas, gerando dúvidas sobre a sustentabilidade da âncora fiscal (novo arcabouço) e a estabilidade da âncora monetária (meta de inflação) do país.
As nossas estimativas apontam que em 2027 o orçamento federal já será quase completamente consumido pelas despesas obrigatórias, não restando espaço para gastos discricionários. Neste ponto, o novo arcabouço fiscal se assemelha ao antigo teto de gastos (ao longo dos anos ambos levariam a um cenário no qual as despesas discricionárias convergiriam para zero).
Porém, a grande diferença entre eles é que o teto de gastos, além de impedir o crescimento dos gastos em termos reais, gerava os incentivos para a realização de reformas que endereçassem os principais determinantes do crescimento dos gastos obrigatórios, enquanto o novo arcabouço fiscal busca meios de elevar a arrecadação federal para financiar o aumento dos gastos, uma vez que pela sua estrutura sempre há crescimento real da despesa.
Um outro ponto de extrema importância foi que quando o arcabouço substituiu o teto de gastos como a principal regra fiscal brasileira, ele reintroduziu as regras constitucionais de reajuste dos gastos com saúde e educação em uma porcentagem fixa de 15% e 18% da receita corrente líquida (RCL) e da receita líquida de impostos (RLI), respectivamente.
O principal desdobramento disso para a política monetária é que ela não pode se “harmonizar” com a política fiscal como deseja o ministro Haddad. Sem conseguir desvincular os gastos com saúde e educação dos mínimos constitucionais e desindexar as principais rubricas de gastos do salário-mínimo, a solução que resta é elevar a meta de inflação.
Mesmo assim, o Banco Central se veria forçado a praticar uma taxa básica de juros (Selic) mais alta independentemente da meta de inflação. Num eventual cenário de mudança de meta, as expectativas de inflação também não sairiam ilesas. Tivemos uma mostra do que pode ocorrer num cenário desses quando, no início de 2023, o governo teceu fortes críticas à meta de 3,0%. O risco de alteração fez com que as expectativas de mercado se deslocassem para um patamar entre 4,0% e 4,5% (supostamente o patamar da nova meta de inflação), resultando numa perda de potência da política monetária através de um menor juro real “ex-ante”.