No final da última sexta-feira, tivemos a divulgação do último relatório bimestral de receitas e despesas de 2024, no qual o governo estima obter um déficit de R$ 28,7 bi no ano, ficando R$ 18,9 mi acima do limite inferior de resultado primário de déficit de R$ 28,8 bi. Cabe destacar que esse número excluí despesas não computadas para fins de apuração do resultado primário (calamidade pública do RS, emergência climática e acórdão 1103/2024-TCU) no montante de R$ 36,6 bi, de modo que, o resultado primário global de 2024 é na realidade de um déficit de R$ 65,3 bi.
A estimativa de déficit global de R$ 65,3 bi já considera a previsão de cancelamento de despesas discricionárias no montante de R$ 19,3 bi (R$ 6,0 bi a mais do que no relatório anterior) em face do ajuste necessário para fins de cumprimento do limite de despesas de 2024. Ou seja, mesmo após a exclusão de um montante considerável de despesas primárias, a margem de manobra do governo é extremamente baixa nos dois últimos meses do ano, evidenciando que a dinâmica de crescimento das despesas impõe sérios riscos mesmo em um ano de forte desempenho das receitas.
Pelo lado das receitas, houve uma redução de R$ 2,1 bi na estimativa de receita primária em relação ao relatório anterior. Este resultado foi derivado da combinação entre o aumento de R$ 5,4 bi na estimativa das receitas administradas pela RFB e dos decréscimos de R$ 5,4 bi e de R$ 2,1 bi nas projeções de receitas líquidas para o Regime Geral de Previdência Social e de receitas não administradas pela RFB, decorrentes da alteração das projeções dos parâmetros macroeconômicos e de valores efetivamente arrecadados nos meses de jan–out de 2024.
Os principais destaques ficaram por conta dos aumentos de R$ 6,2 bi, R$ 2,8 bi e R$ 2,4 bi nas receitas com a COFINS, IPI e no imposto de importação, respectivamente, refletindo o maior dinamismo da economia nos últimos meses e também de uma expectativa de um câmbio mais desvalorizado.
Em contrapartida, tivemos a redução de R$ 6,3 bi, R$ 4,8 bi e de R$ 2,2 bi nas estimativas das outras receitas administradas pela RFB, demais receitas não administradas e de concessões e permissões, nesta ordem. Os recuos refletem uma menor expectativa de arrecadação em função da realização de valores inferiores aos previstos até outubro com medidas voltadas à recuperação de créditos tributários em litígio, retirada de expectativas de ingressos referentes às transações do “Desenrola Agências Reguladoras” (-R$ 4,0 bi) e da revisão da estimativa e receitas provenientes do setor ferroviário.
Além disso, houve revisões nas estimativas de arrecadação das medidas tributárias adicionais que compuseram o PLOA 2024, em que o governo espera arrecadar R$ 17,0 bi nos dois últimos meses do ano. Entre os principais destaques estão as estimativas de arrecadação com as subvenções de ICMS (R$ 4,7 bi) e com a retomada do voto de qualidade no CARF pró-fisco (R$ 424,0 mi) nos dois últimos meses do ano. Vale relembrar que originalmente o governo tinha como expectativa arrecadar R$ 35,3 bi e R$ 54,8 bi com essas duas medidas ao longo de 2024, respectivamente.
Em suma, pelo lado as receitas, apesar da sua forte expansão ao longo do primeiro semestre de 2024, os números do último relatório bimestral reforçam a percepção de que o ajuste focado no aumento de arrecadação é desafiador, impondo grandes riscos ao cumprimento das metas de resultado primário nos próximos anos.
Por sua vez, em relação ao último relatório bimestral, houve recuo de R$ 7,3 bi nas projeções de despesas primárias. O principal destaque altista na projeção ficou por conta do aumento de R$ 8,2 bi na projeção de despesas com o pagamento de benefícios previdenciários, refletindo uma maior execução financeira decorridos nos meses de setembro e outubro. Em contrapartida, tivemos reduções de R$ 4,0 bi nos créditos extraordinários, -R$ 2,6 bi em subsídios, subvenções e Proagro, -R$ 1,9 bi em despesas com pessoal e encargos e -R$ 7,2 bi com despesas discricionárias, que incluem o bloqueio adicional de R$ 6,0 bi em relação ao relatório anterior.
Apesar do bloqueio adicional de despesas, o déficit primário nominal acumulado nos 12 meses findos em setembro está R$ 176,1 bi acima do projetado para o ano (R$ 65,3 bi), refletindo uma receita líquida inferior em R$ 117,9 bi e uma despesa primária R$ 58,0 bi superior do que as projetadas no relatório bimestral.
Embora haja uma expectativa de que os próximos meses sejam marcados por resultados robustos pelo lado da arrecadação e a saída do pagamento de precatórios no montante de cerca de R$ 90,0 bi do resultado acumulado em 12 meses, acreditamos que o resultado primário do governo central para fins de averiguação de meta seja de R$ 37,3 bi, bem próximo ao limite inferior da meta de resultado primário. Dessa forma, considerando o empoçamento de despesas primárias (gastos não executados) usual do governo de R$ 20,0 bi, esperamos que o governo atinja a meta de resultado primário em 2024.
Porém, mesmo diante da concretização deste cenário, que há alguns meses parecia praticamente impossível de se concretizar, o pessimismo persiste no mercado. Esse fato reflete a percepção de que a meta de resultado primário perdeu a sua relevância, visto que a exclusão de despesas de diversas despesas em seu cômputo torna o seu cumprimento uma mera ficção.
Nesse contexto, é esperado que a dívida bruta brasileira atinja o patamar de 78,6% do PIB ao final de 2024, de modo que, o superávit primário necessário para estabilizar a dívida se encontra entre 1,5%-2,0% do PIB, significativamente acima das metas perseguidas nos próximos anos. Dessa forma, enquanto o governo estiver focado apenas em entregar um número compatível com a meta de resultado primário e não na aprovação de medidas estruturais que garantam a estabilização da dívida, esperamos que esta continue se elevando nos próximos anos e atingirá o patamar de 85% do PIB ao final de 2026.
A combinação entre resultados primários insuficientes e juros reais elevados decorrentes da elevação do risco país devem gerar uma trajetória explosiva para a dívida pública nos próximos anos. A reversão deste processo depende da mudança da postura do governo, principalmente em reconhecer que o principal problema é o elevado ritmo de crescimento das despesas primárias. Porém, as últimas semanas, marcadas pelos sucessivos adiamentos do anúncio do pacote de revisão de gastos, seguem sugerindo que o foco está no lugar errado.