A divulgação do tão aguardado decreto da meta contínua de inflação não trouxe surpresas negativas, retirando de cena um risco que pairava no ar desde junho do ano passado quando foi anunciado que o regime de meta de inflação com horizonte de ano-calendário seria alterado por um de horizonte contínuo a partir de 2025.
A regulamentação desse novo regime deve ser suficiente para estancar, ou ao menos enfraquecer, o movimento de desancoragem das expectativas de inflação que vem sendo observado nos últimos meses. Uma eventual reversão desse movimento, com uma convergência da inflação para as metas só deve ser possível quando as dúvidas acerca do novo presidente do banco central se dissiparem e quando o governo forneça sinais mais claros de que pretende levar adiante uma agenda séria de revisão de gastos.
Dentre os pontos de maior destaque no decreto que estabelece a nova sistemática de meta para a inflação estão: a antecedência mínima de 36 meses para a alteração tanto da meta de inflação como do intervalo de tolerância, e o período de 6 meses seguidos de estouro do intervalo de tolerância para caracterizar o descumprimento da meta. O primeiro ponto é o mais positivo, uma vez que retira de cena o risco de mudança da meta de inflação para um patamar mais alto (4,0% ou 4,5%) como aventado no início do ano passado. Já o segundo poderia ter sido um pouco mais rígido, exigindo menos meses consecutivos de inflação fora do intervalo para que se configurasse um estouro da meta.
Desde que o regime de metas de inflação entrou em vigor em 1999, pelo sistema de meta em ano-calendário, a mesma não foi alcançada sete vezes (2001, 2002, 2003, 2015, 2017, 2021 e 2022), superando o número de vezes (seis) que o banco central teria falhado em entregar a inflação dentro do intervalo de tolerância (2001-2003, 2005, 2011, 2015-2016, 2017-2018 e 2021-2023) no caso de vigência da meta contínua.
Nesse sentido pode-se argumentar que a atual mudança, de meta em ano-calendário para meta contínua, estaria promovendo um afrouxamento das regras do sistema. Por outro lado, um contra-argumento seria o de que o horizonte de ano-calendário gerava incentivos para a adoção de medidas que reduzissem a inflação de forma artificial no final do ano.
Adicionalmente, vale destacar que o que não está presente no decreto também é de suma importância. O horizonte relevante de política monetária continua a cargo do banco central, não sendo determinado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Esse horizonte sempre foi diferente do horizonte de verificação, que antes era caracterizado pela meta em ano-calendário e que agora será determinado pela nova sistemática da meta contínua.
Antes, o banco central tinha que escrever um documento público endereçado ao Ministério da Fazenda caso a inflação, na métrica em doze meses, se situasse fora do intervalo de tolerância no fim do ano (dezembro). Agora, o banco central, além da carta aberta ao Ministério da Fazenda, deverá divulgar as razões do descumprimento em uma nota contida no Relatório de Política Monetária (RPM), que substituirá o Relatório Trimestral de Inflação (RTI).
O horizonte de política monetária continuar na alçada do banco central é o mais correto a ser feito dado que a política monetária deve ser conduzida de forma discricionária pela autoridade monetária, sem ficar restrita a regras, de modo que ela possa responder de maneira distinta a cada choque que afete a inflação.