Quando o Arcabouço Fiscal foi anunciado em meados de 2023, a principal dúvida entre os analistas e investidores era se o governo seria capaz de atingir as metas de superavit primário definidas no projeto aprovado pelo Congresso. De lá para cá, a credibilidade do Arcabouço Fiscal mostrou forte deterioração.
Ainda que o governo tenha conseguido aprovar no Congresso um grande conjunto de medidas de aumento da carga tributária e, portanto, de receitas, o aumento dos gastos públicos, em particular dos gastos obrigatórios, faze com que as dúvidas não apenas persistam, assim como as metas de 2025 a 2026 foram significativamente reduzidas.
Entretanto, a perda de credibilidade do Arcabouço tem origem em decisões, a nosso ver, ainda mais graves e está vinculada à tendência de retirar gastos não planejados das metas de superavit primário a serem cumpridas. Em especial, os gastos com precatórios (R$ 44 bilhões), com as enchentes do Rio Grande do Sul (R$ 28,8 bilhões) e com o combate aos incêndios que estão atingindo o país de forma aparentemente descontrolada (total ainda não definido), já foram oficialmente excluídos da meta, além do custo para o Tesouro da renegociação das dívidas dos Estados, estimados em R$ 60 bilhões. No total, estes gastos fora do Arcabouço vÕ totalizar mais de R$ 100 bilhões.
A questão é que as metas de superavit primário foram definidas para controlar o aumento da dívida pública. E os aumentos de gastos terão de ser financiados por aumento da dívida, mesmo não sendo contabilizados nas metas de superavit primário. Em outras palavras, as metas de superavit primário do Arcabouço Fiscal perderam a função para a qual elas foram definidas. Por nossas projeções, a dívida pública do governo brasileiro deverá atingir 85,7% do PIB em 2026, fora as exceções que ainda virão no futuro. E sem expectativa de estabilização no horizonte relevante.
O resultado é aumento da percepção de risco do Brasil e da taxa de juros demandada pelos investidores para financiar nossa dívida. Mais cedo ou mais tarde, será indispensável um forte ajuste fiscal de caráter estrutural, ou seja, que ataque a origem dos aumentos de gastos, os obrigatórios, para evitar que a trajetória da dívida domine a política monetária, tornando-a inócua. Neste sentido, a trajetória atual da dívida é insustentável.