O que aconteceu?
No dia 25/01 o fundo imobiliário Maxi Renda tornou público via fato relevante a decisão do colegiado da CVM de que a distribuição de dividendos do MXRF11 não pode exceder seu lucro contábil. A comissão alega que o administrador do MXRF11 vinha distribuindo rendimento aos cotistas com base no lucro caixa, mesmo quando este era superior ao lucro contábil, o que não poderia ser feito sob a classificação de rendimento e sim como amortização do patrimônio do fundo, o que levaria ao eventual pagamento de imposto de renda em relação aos valores distribuídos.
Como isso pode afetar os demais fundos?
Hoje a decisão afeta somente o MXRF11, porém pode abrir jurisprudência para que seja aplicada a mesma metodologia aos demais fundos imobiliários. Embora ainda seja cedo para prever todas as consequências desta decisão, caso ela seja válida para os demais fundos imobiliários, ela poderá prejudicar a distribuição de rendimentos via dividendos caso haja uma reavaliação patrimonial que reduza o valor dos ativos. Tal evento geraria prejuízo contábil que impediria a distribuição via dividendos mesmo com o valor do aluguel disponível para distribuição.
Como era o entendimento da regra?
A lei 8.668/93 que criou os fundos de investimentos imobiliários determina que estes são obrigados a distribuírem 95% de seu lucro caixa gerado no semestre. O racional por trás desta regra era de assemelhar o ativo ao investimento em um imóvel em si, onde a variação do valor do imóvel não influencia a renda que este gera. Porém, na contabilidade não há a definição exata do que seria o lucro caixa e a lei tão pouco deixa isto claro. Deste ponto surgiu o ofício circular de 2014 com a orientação de como deveria ser apurado o lucro caixa.
“Entendemos que a base de distribuição prevista no art. 10o, p.u., da Lei 8.668/93, é obtida por meio da identificação das receitas/despesas reconhecidas contabilmente no período de apuração e que foram efetivamente recebidas/pagas no mesmo período. Com isso, o administrador deverá partir do resultado contábil (lucro ou prejuízo) apurado pelo regime de competência em um determinado período e ajustá-lo pelos efeitos das receitas/despesas contabilizadas e ainda não recebidas/pagas no mesmo período de apuração. As receitas/despesas contabilizadas em períodos anteriores, mas recebidas/pagas posteriormente, devem compor a base de distribuição do período em que forem efetivamente recebidas/pagas.”. Veja aqui.
Um rápido entendimento do Ofício: o lucro caixa é o lucro contábil excluídas todas as despesas/ receitas que não foram efetivamente recebidas ou pagas no período, ou seja, retira-se tudo o que não teve efeito caixa da conta.
Como funciona isso na prática?
A título de exemplo, para ficar claro o que está sendo discutido, supomos que haja um imóvel avaliado em R$100 milhões e gera R$1 milhão de lucro no ano excluídos os custos.
Cenário 1: No final do ano esse imóvel é avaliado em R$ 99 milhões. Essa redução de R$1 milhão no valor de mercado do ativo em questão seria reconhecido no balanço da empresa, eliminando o lucro contábil.
Observe que não houve venda do ativo e essa mudança foi apenas a reavaliação do mesmo, não afetando a geração de caixa do ativo em questão. Com as regras vigentes, a distribuição de rendimento deste ativo seria de R$0,95/cota conforme o lucro caixa. De acordo com as regras atuais, esse fundo é obrigado a distribuir R$0,95/cota referente ao seu lucro caixa.
Com a interpretação da CVM neste caso, como o lucro contábil é zero, não seria possível fazer a distribuição de dividendos. O que aconteceria seria a amortização do capital do fundo, mesmo tendo recebido o aluguel do ativo. Como houve a reavaliação do ativo em R$ -1 milhão, não há lucro contábil. Note que a reavaliação não gera nenhum impacto no meu caixa pois não há desembolso de capital fazendo com que o rendimento ficasse “preso”.
Cenário 2: no final do ano o imóvel é reavaliado em R$101 milhões, hoje a distribuição de rendimento deste ativo continuaria sendo R$1 milhão, conforme o lucro caixa, já o lucro contábil, neste caso, seria de R$2/cota, sendo R$1/cota dos lucros e R$1/cota referente a reavaliação do ativo. Hoje, a obrigação de distribuição neste caso seria de no mínimo R$0,95/cota e no máximo R$2/cota dependendo da apuração do administrador e do caixa do fundo.
Cenário 3: ao final do primeiro ano, o imóvel foi reavaliado em R$99 milhões como no primeiro exemplo e o rendimento foi distribuído via amortização, diminuindo seu preço médio e gerando efeito tributário. Ao final do segundo ano o mesmo imóvel foi reavaliado em R$ 101 milhões. Porém, já foi feita a amortização com efeito no preço médio do investidor. Neste caso surge a dúvida: como seria feita a contabilidade neste caso? Como ficaria o investidor que foi amortizado?
Potenciais impactos
Hoje a decisão afeta somente o MXRF11, porém pode abrir jurisprudência para os demais fundos imobiliários do mercado o que impactaria a previsibilidade da distribuição de dividendos dos fundos.
Seguem as principais mudanças que ocorreriam nos segmentos, em nossa leitura:
– Fundos de fundos: Achamos que esse segmento seria o mais afetado. Como esse segmento tem a marcação de sua carteira diariamente (marcado a mercado) com base na oscilação do preço de mercado dos ativos em que investe, em períodos de queda como o que estamos passando, esses fundos registrariam prejuízos contábeis e não poderiam distribuir dividendos, mesmo que tenham dinheiro em caixa devido ao recebimento do rendimento de seus ativos. A estimativa é de que boa parte dos fundos deste segmento seriam impactados por essa regra com base no resultado acumulado até o 3º trimestre de 2021 (último resultado disponível), essa estimativa pode mudar a medida que os resultados do último trimestre sejam tornados públicos.
– Fundos de tijolo: a dinâmica é similar aos fundos de fundos, com a diferença que o resultado contábil seria afetado pela reavaliação dos ativos físicos do portfólio. Aqui vale pontuar que os imóveis possuem menos volatilidade do que as cotas dos fundos, quando analisamos a quantidade de FIIs que podem ser impactados nesse segmento o percentual fica próximo de 20%.
– Fundos de papel: seria o segmento menos impactado em termos de mudança contábil na apuração do resultado, hoje alguns administradores já fazem a apuração de resultado em linha com a decisão da CVM. Neste segmento, cerca de metade dos FIIs seriam impactados
Possíveis soluções e implicações:
Uma possível solução seria a abertura dentro da Demonstração De Mutação Do Patrimônio Líquido (PCLD) o que é resultado do ajuste da avaliação patrimonial ao valor justo e o que é efetivamente o resultado das vendas de ativos. Porém esta não é uma solução definitiva uma vez que cria uma zona cinzenta de como deve ser classificada a Provisão para Crédito de Liquidação Duvidosa e um eventual default, que hoje é o principal ponto levantado pela CVM contra o Maxi Renda.
Considerações
Ainda é cedo para termos certeza do que pode acontecer, ainda cabe recurso ao administrador do MXRF11 que possui argumentos bem embasados para rebater as considerações da CVM. Não devemos esperar nenhum impacto nos dividendos dos demais fundos do mercado até a publicação de um ofício circular por parte da CVM orientando os demais participantes sobre como deve ser apurado o resultado dos fundos.
Em nossa visão, essa discussão é super importante e deve ser o começo de uma padronização na contabilidade dos fundos que hoje é pauta de muita discussão entre gestores, analistas e investidores. Também pode ser o início da discussão de como tratar as PCLDs e defaults na apuração de resultado do fundo, que não possui efeito caixa mas deveria ter impacto no resultado a ser distribuído do fundo.