Na contramão do resto do mundo, os últimos dados têm apresentado uma tendência deflacionária no Brasil, majoritariamente gerada pelos preços administrados. Esta categoria é composta por itens pouco sensíveis à oferta e demanda, podendo ser regulados diretamente por órgãos do poder público. Como impacto da desoneração tributária e da queda no preço do petróleo no mercado internacional, o pior momento da inflação brasileira foi superado com uma forte contribuição da energia elétrica e da gasolina.
Uma das principais causas dessa queda nos preços administrados tem como fonte o PLP 18/2022, que passou a ser a Lei Complementar 194/2022, limitando as alíquotas de ICMS de combustíveis, energia elétrica, transporte coletivo e telecomunicações, além da zeragem dos tributos federais PIS/Cofins e Cide da gasolina e etanol. Agora sendo considerados bens essenciais, estes serão tributados pela alíquota geral do Estado (17% ou 18%), já apresentando um forte impacto nos últimos dados de inflação. Para a energia elétrica, outro fator deflacionário foi a aprovação das Revisões Tarifárias Extraordinárias de diversas distribuidoras, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), acabando com um velho sistema de bitributação do item. No IPCA de agosto, Gasolina, energia, etanol e passagem aérea foram os quatro itens de maior influência para a maior deflação da série histórica. Juntos, tiveram impacto de -1,37 ponto, sendo que apenas a gasolina foi responsável por -1,07 ponto.
A queda no preço do petróleo no mercado internacional também explica a tendência baixista dos preços dos seus derivados. Tanto a gasolina quanto o diesel tiveram seus preços para as distribuidoras reduzidos pela Petrobrás, respeitando a política de paridade com os preços internacionais. Em cerca de um mês, foram três cortes no preço da gasolina e dois no do diesel. Nesse último caso, o efeito ao consumidor é secundário, uma vez que é um combustível mais utilizado por caminhoneiros, tendo mais impacto no IGP-M por meio do IPA, índice de preços ao produtor amplo. Para a gasolina, ao contrário, o efeito nos postos de abastecimento afeta diretamente o dia a dia da população e, segundo o IPCA de julho, o produto ficou em média 15,48% mais barato nas bombas durante o mês.
A dinâmica da cotação do petróleo no mercado internacional tem suas raízes no baixo crescimento da China, bem como no conflito no leste europeu. Com a guerra da Ucrânia, houve um estrangulamento da oferta que fez o preço subir, mas uma expectativa de menor crescimento chinês devido, em grande parte, às interrupções da atividade pela política de “Covid-zero”, exerce uma pressão baixista. Além dessa incerteza acerca do maior consumidor de commodities do mundo, a reação contracionista dos principais bancos centrais frente à inflação descontrolada faz com que temores por uma recessão global diminuam o consumo do petróleo.
Nesse contexto, os preços administrados lideram o processo de desinflação da economia brasileira, nos levando a rever a projeção para o IPCA de 2022 de 9,4% para 6,6%. Tendo em mente o teto do ICMS e a zeragem do PIS/Cofins e Cide até o final do ano, e a tendência de manutenção do patamar mais baixo do preço do petróleo, eles são um importante contraponto à inflação de outros itens, como por exemplo alimentos, que envolvem fatores de maior risco. Para o ano de 2023, no entanto, os preços administrados voltarão a ser um vetor de crescimento da inflação e, por isso, aumentamos nossa projeção do IPCA no ano de 4,3% para 5,4%, tendo em vista a reversão da zeragem dos impostos federais. Caso essa reversão não se concretize, ou seja, o cenário tributário atual seja mantido, calculamos uma queda de -0,7 p.p., ou seja, uma inflação de 4,7%. Já a lei do teto do ICMS, um imposto estadual, será mantida a menos que haja alguma reviravolta jurídica, o que geraria um forte impulso altista para a inflação. Por enquanto, o Brasil consegue respirar em meio à tempestade inflacionária global.