O principal tema econômico global em 2023 é, sem dúvida, se as principais economias do ocidente (Estados Unidos e Europa) conseguirão evitar uma recessão nesse ano. Até alguns meses atrás esse cenário era tido como praticamente certo, apenas com uma divergência de “timing” de quando cada país entraria em recessão. De acordo com o que se esperava no ano passado os países europeus, prestes a entrarem no inverno com grande incerteza quanto ao suprimento energético, tinham elaborado planos rígidos de redução no consumo de energia, o que vinha pesando na economia (que esperava-se entrar numa recessão leve logo nos primeiros meses de 2023). Os indicadores econômicos mostravam isso, com os índices dos gerentes de compras (PMI) da indústria e dos serviços apresentando piora constante, adentrando em território contracionista (abaixo de 50) em julho. O pior momento foi registrado em outubro, a partir de quando esses indicadores passaram a registrar surpresas positivas que acabaram se estendendo até dezembro. Já os Estados Unidos, mantida a trajetória de queda do estoque de excesso de poupança, viria a se deparar com uma retração da atividade econômica somente na segunda metade do ano.
Agora, entretanto, o cenário que se apresenta já é consideravelmente diferente. Os dados na margem apontam para um processo de desinflação que vem surpreendendo positivamente e dados de atividade econômica que mostram uma resiliência acima do esperado, principalmente no bloco europeu. A divulgação do PIB dos EUA referente ao 4º trimestre de 2022 reforçou esse cenário um pouco mais positivo. O avanço foi de 2,9% t/t na métrica anualizada, ante expectativa de 2,6%. Esse resultado foi o primeiro desde o 3º trimestre de 2019 no qual todos os componentes do PIB pela ótica da demanda tiveram contribuições positivas para o crescimento do produto. Com base no que os dados disponíveis até agora indicam, uma recessão global, se de fato ocorrer, não deve ser algo sincronizado.
Em estudo econômico recente, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), avaliou como ciclos simultâneos de alta de juros podem acabar retardando o processo de desinflação. Isto ocorreria, pois o canal tradicional de valorização cambial não estaria mais ativo devidevido àdo a diminuição do diferencial de juros entre os países. Ao longo de 2022, a taxa básica de juros foi elevada em, 425 pontos-base (do intervalo de 0,00-0,25% para 4,25-4,50%) nos EUA e em 250 pontos-base na Zona do Euro (de -0,50% para 2,00%). Com essa diferença de magnitude, o Dollar Index (DXY), uma média ponderada do valor do dólar em relação a seis moedas de outros pares desenvolvidos, apresentou forte valorização no ano passado. Agora em 2023 o diferencial de juros entre as duas regiões deve voltar a se estreitar, com o banco central norte-americano (Fed) sinalizando altas de juros mais modestas daqui em diante, de apenas 25 pontos-base por reunião, ao passo que o Banco Central Europeu (BCE) já expressou o desejo de empreender aperto monetário num ritmo constante de 50 pontos-base por vez. Esse estreitamento nas taxas de juros esperado para 2023 pode fazer com que os bancos centrais tenham que elevar ainda mais os juros e/ou mantê-los elevados por mais tempo. Isso, por sua vez, acarretaria num impacto dos juros na atividade econômica superior do que na inflação, em vista de uma menor demanda tanto interna como externa. No fundo, esse estudo aponta para o risco de que ciclos simultâneos de alta de juros podem desencadear processos de estagflação.
Contudo, as evidências amparadas nos dados conhecidos até agora não apontam para algo desse tipo. Nos EUA, embora os setores de tecnologia e serviços financeiros já tenham dado início as demissões, o mercado de trabalho ainda se encontra bem aquecido, com esses desligamentos recentes podendo vir até a ajudar o Fed a levar a inflação para meta de 2,0% mais rapidamente devido à descompressão das pressões salariais. O mercado imobiliário, o setor industrial e as vendas no varejo vêm apresentando recuos consideráveis, mas cerca de dois terços da economia composto pelo setor de serviços continua forte, embora na margem já se possa notar alguns sinais de desaceleração. Isso é encampado pelos resultados preliminares dos Índices de Gerentes de Compras (PMI) de janeiro que vieram todos (composto, industrial e serviços) abaixo de 50 (nível abaixo do qual há contração da atividade) em 46,6, 46,7 e 46,6. As estimativas, entretanto, eram ainda piores, de modo que, nesse sentido, houve uma surpresa positiva.
Mesmo assim, os mais usuais indicadores antecedentes (Indicador Antecedente Composto da Economia, Indicador de Atividade Econômica do Fed de Chicago, Curva de Rendimentos Invertida dos Títulos Públicos) apontam, todos, para a ocorrência de uma recessão em 2023. Colocando tudo isso na balança, o nosso diagnóstico atual é que o cenário de “pouso suave” da economia, tão almejado pelo Fed, está se tornando mais provável, principalmente por conta da moderação na trajetória de redução do excesso de poupança das famílias, que elevaram a taxa de poupança pessoal no final de 2022, postergando o término dessa reserva financeira das famílias, o que deve ajudar a sustentar um piso mínimo para o consumo ao longo de 2023.
Para o caso europeu, as estimativas preliminares dos PMI de janeiro apontaram para um resultado acima das expectativas, com o índice composto e o de serviços voltando para o território que indica expansão da atividade (acima de 50). Esse quadro reforça a posição do BCE de continuar elevando as taxas de juros em magnitude constante, ao mesmo tempo em que afasta os temores de uma desaceleração mais forte da atividade econômica nesse início de ano. Com isso, as condições financeiras, que estavam em franca trajetória de aperto, passaram a ficar menos pressionadas nos últimos meses, diminuindo a sua incidência negativa sobre o PIB. Os efeitos desse alívio já puderam ser sentidos no último trimestre do ano passado. Comparando com igual período de 2021, o avanço do PIB da Zona do Euro foi de 1,9% a/a no 4º trimestre de 2022, ante expectativas de 1,7% a/a. Na comparação trimestral, o resultado também surpreendeu positivamente, com a economia do bloco se expandindo 0,1% t/t no mesmo período, na ocasião em que as estimativas eram de contração da atividade (-0,1% t/t).
Não obstante, dentre os previsores de recessão mais usuais para a Zona do Euro, o agregado monetário M1, que previu corretamente a contração econômica ocasionada pela Crise Financeira de 2008 e pela Crise da Dívida Europeia de 2011/12, agora se encontra em contração acentuada, indicando que uma recessão já estaria contratada para os primeiros meses de 2023. O outro previsor (produção industrial) anteviu corretamente as últimas três recessões e estava prevendo que haveria uma outra em 2023, mas uma surpresa positiva nos últimos dados divulgados da produção industrial colocou o indicador de volta em patamar de expansão. Assim, no atual momento, nos encontramos com apenas um dos indicadores (agregado monetário M1) apontando para a ocorrência de uma contração da atividade econômica no futuro.
Em vista dessa indefinição e de sinais truncados nos demais indicadores econômicos, podemos concluir que, no pior dos cenários, uma recessão nos EUA e na Europa, se ocorrer, seria de duração curta e de intensidade baixa.