Estações mais secas que a média têm sido frequentes no Brasil nos últimos anos, mas o período entre agosto de 2020 e setembro de 2021 foi especialmente crítico, marcando a pior estiagem em 91 anos. Diante desse cenário, dado que a fonte hidrelétrica ainda representa cerca de 60% da matriz elétrica brasileira, a distribuição de energia ficou ameaçada, inclusive elevando substancialmente o risco de racionamento ao longo de 2022. Como forma de evitar este cenário, as autoridades implementaram uma tarifa adicional, para desestimular o consumo de energia, além do acionamento de usinas térmicas para ajudar na recuperação dos reservatórios.
O sistema de cobrança por bandeiras funciona desde 2015, classificadas por cor de acordo com a situação dos reservatórios, resultando em aumentos na taxa cobrada por consumo de energia. Porém, diante do inédito cenário de escassez crítico, houve a criação de uma bandeira emergencial denominada de Escassez Hídrica de R$ 14,20 extras por 100 quilowatt-hora consumidos, gerando uma escalada nos gastos com a conta de luz no bolso dos brasileiros. Entretanto, o cenário mudou diante da recuperação dos reservatórios, iniciada a partir de outubro. O recorde no volume de chuvas fez com que os principais reservatórios se encontrem hoje no maior patamar para o mês de fevereiro dos últimos anos.
Nesse cenário, as especulações de mudança da bandeira tarifária ganham força. As projeções da medida de risco que analisa a relação entre volume de energia produzido e garantia física das usinas (GSF) média para o ano de 2022 são de 86,4%. Além disso, as projeções do preço de liquidação das diferenças (PLD), uma medida otimizada de custo marginal de operação, se encontram no valor piso de R$ 56, devido a significativa recuperação dos níveis de armazenamento nas últimas semanas. A combinação destes dois indicadores, pela regra de implementação das bandeiras tarifárias, implicaria na adoção da bandeira verde (sem cobrança adicional), com o fim do período de vigência da bandeira de escassez hídrica.
Nossa avaliação é que a remoção da bandeira de escassez hídrica e a adoção da bandeira verde trarão um alívio imediato nos preços da energia elétrica cobrados ao consumidor, com um impacto direto de -0,8 p.p. no IPCA de maio. Este cenário impõe uma forte queda na trajetória da inflação no ano, que, de acordo com nossas projeções, ficará fora do teto da meta de 2022 (5,0%), além do potencial efeito de fazer as expectativas de inflação convergirem em direção ao centro da meta em 2023. Assim, acreditamos que a Selic, que encerrará o ciclo de altas em 12,75% no primeiro semestre do ano e permanecendo neste patamar até 2023, atuando como uma importante âncora cambial e contrabalanceando as pressões inflacionárias. Além disso, o recente conflito entre Rússia e a Ucrânia, que fez com que os preços das commodities agrícolas e energéticas apresentassem forte alta nos últimos dias, é um fator adicional de risco para nosso cenário base de inflação para o horizonte relevante de política monetária, que contempla os anos de 2022 e 2023.
Contudo, devido às elevadas incertezas em torno das projeções de chuvas para períodos mais longos, acreditamos que o risco de que o cenário de reversão para bandeira verde não ocorra deve ser considerado. De acordo com nossas estimativas, a mudança para a bandeira vermelha 1 traria impacto direto de -0,5 p.p. em maio, adicionando +0,3 p.p. ao nosso cenário base para inflação. Já a adoção da bandeira amarela, reduziria em 0,7 p.p. a inflação do mês, de modo que a inflação encerraria o ano em 5,6%.
Acreditamos que, embora haja substancial incerteza em relação ao cenário hídrico, visto que mudanças na meteorologia ocorrem de maneira abrupta, a reversão do cenário também pode não acontecer, fazendo com que a adoção da bandeira verde seja descartada. Porém, o fim da bandeira da crise hídrica já configura um alívio substancial na inflação do ano, que terá impacto direto no bem-estar da sociedade, promovendo aumento da renda disponível para consumo, portanto, impactando positivamente setores do varejo e serviços. Além disso, a melhora também impacta positivamente na percepção dos agentes sobre a economia o que pode ser um fator decisivo para as eleições deste ano, principalmente, para o atual governo.