Por meio de uma política monetária frouxa, com taxas de juros reais demasiadamente negativas, e políticas fiscais expansionistas, os Estados Unidos se recuperaram da crise de 2020. Contudo, a velocidade da recuperação pressionou o mercado de trabalho, gerando um desequilíbrio entre a oferta e a demanda por mão de obra que induziu uma persistente pressão inflacionária. Diante deste cenário, o Federal Reserve deverá endurecer a política monetária em suas próximas reuniões, realizando ao menos sete aumentos de 0,25 pontos de porcentagem na taxa básica de juros.
Considerando que a atividade econômica do país segue bastante aquecida e a inflação acumulada se mostra quase 4 vezes acima da meta, chegamos à pergunta: a adoção de uma política monetária mais hawkish, tomando as expectativas para a Fed Funds rate em 2,5% ao final de 2022 e um juro real ainda bastante negativo, irá gerar uma recessão este ano?
Prever o impacto de um aperto da política monetária sobre a taxa de crescimento da economia não é uma tarefa fácil. Todavia, existem dois indicadores comumente utilizados pelos analistas do mercado para atingir este objetivo: o desempenho do mercado de ações e a inclinação da curva de juros. O gráfico abaixo mostra a capacidade preditiva da inclinação – a diferença entre as taxas de 10 anos e as taxas de 2. Ela nos mostra que todas as recessões desde o início dos anos 80 foram antecedidas por uma inclinação negativa – nível para o qual caminhamos neste momento. Porém, vale destacar que nem toda inversão de curva antecedeu uma crise.
A inversão da curva de juros pode ser um indicador de recessão na medida em que ela precifica um ciclo de alta de juros no curto prazo devido à elevada inflação no presente, o que levaria à redução da atividade e menor inflação no futuro, viabilizando uma queda das taxas de juros mais longas. Sob outra ótica, a inversão da curva significa uma deterioração do core business dos bancos, que tomam empréstimos a taxas de curto prazo e emprestam a taxas de longo prazo. Assim, uma inversão cria um cenário desafiador para o setor bancário, fragilizando toda a economia. O segundo indicador antecedente de uma recessão é o comportamento do mercado de ações. Divergindo da inclinação, o desempenho do S&P 500 neste ano é altista. Isto é, o principal índice de ações do país está se recuperando das perdas de 2022 dando um sinal positivo para a economia norte-americana.
Em nossa visão, considerando que a taxa neutra de juros nominal do país é de 2,5% e diante de um mercado de trabalho bastante aquecido e de uma melhor saúde financeira das famílias, o endurecimento da política monetária já precificado não será suficiente para gerar uma recessão neste ano no país.
Todavia, o atual contexto inflacionário requer uma mudança na postura atual do Fed, exigindo uma rápida elevação da Fed Funds rate, para mitigar o risco de desancoragem das expectativas. A forma e a velocidade do ajuste dependerão da ponderação da função de resposta da autoridade monetária, isto é, se ela valoriza mais a suavização do ciclo econômico ou a estabilidade de preços.
Caso o controle da inflação tenha maior peso na função, o ajuste monetário deverá ser muito forte para desaquecer o mercado de trabalho, que se encontra próximo ao nível mais apertado da série histórica. Em nossa avaliação, para garantir a estabilidade de preços a taxa de juros deve encerrar o próximo ano substancialmente acima de 4%, em um território significativamente contracionista. Desse modo, convergindo a inflação para a meta ao custo de uma forte desaceleração da economia americana.
Por outro lado, se a escolha for a suavização do ciclo econômico, dificilmente a inflação convergirá para a meta de longo prazo, tampouco observaremos uma recessão diante de uma economia superaquecida. Esta postura aumenta substancialmente o risco de desancoragem das expectativas, tornando mais árduo e custoso o processo de estabilização do nível de preços.