Ao decidir pela manutenção da Selic em 13,75% a.a. na última reunião do Copom, o Comitê praticamente acabou com as chances de cortes da Selic em 2023, diante do elevado risco de desancoragem das expectativas. O comunicado reforçou a postura vigilante, avaliando se a manutenção da taxa de juros no atual patamar por um período prolongado será capaz de garantir a convergência da inflação no horizonte relevante (2023 e, em maior grau, 2024). Nossa avaliação é que o comunicado veio mais hawkish do que o esperado pelo mercado, mas em linha com o Cenário Macroeconômico da Genial.
A grande surpresa do comunicado ficou por conta da divulgação do cenário alternativo que considera a manutenção da Selic em 13,75% a.a. até o final de 2024. Nesse cenário, há uma lenta convergência da inflação para a meta (3,0%), que deve ser atingida apenas nos últimos meses do ano, ou seja, mesmo em um ambiente de política monetária significativamente restritiva, o processo de desinflação não será tarefa simples. Isso pode ser visto como um forte sinal de que a autoridade monetária não vê espaço para corte de juros nem no médio prazo. E o mercado reagiu. No dia seguinte à reunião, as expectativas para a Selic de 2024 e 2025 avançaram 0,25 p.p. cada, para 9,75% e 9,00% respectivamente, enquanto para 2023 se manteve em 12,50%, uma convergência gradual para as nossas projeções (14,5% em 2023, 13,0% em 2024 e 11,0% em 2025).
Como plano de fundo dessas mudanças, o presidente Lula tem tecido duras críticas ao Banco Central e à condução da política monetária, criando um embate direto com a autoridade monetária. Segundo ele, as metas para a inflação são “ilusórias”, além de seguir fazendo críticas à lei de independência, afirmando que, ao término do mandato de Roberto Campos Neto, pretende reavaliá-la. Em nossa visão, já detalhada em nosso quadro base, fazer esse tipo de alteração com a inflação corrente ainda alta e com as expectativas desancoradas passaria para o mercado a mensagem de que a autoridade monetária estaria sendo leniente com a alta de preços. O surgimento desse risco de mudança das metas determinadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) foi apontado pelo próprio BC na Ata da última reunião como ponto-chave para um agravamento da deterioração do panorama econômico. Avaliamos que a insistência em questionar esses mecanismos que já demonstraram seu valor apenas gera desgaste político, aumenta a incerteza e tira o foco dos reais problemas que o país enfrenta.
Vale mencionar que, assim como detalhamos em nosso cenário, o Banco Central já deixou claro que não é apenas a desancoragem das expectativas de longo prazo que impede o fim do ciclo de aperto monetário. A própria inflação corrente se mostra generalizada e persistente, sem contar com o alto nível de indexação da economia brasileira que gera uma perigosa inércia inflacionária. Ao longo de 2022, nossa principal tese era de que, com as desonerações de tributos, os preços administrados seriam o motor da desinflação, o que se mostrou acertado. Na ausência dessas medidas, a inflação brasileira teria encerrado o ano em 9,56% a/a, o que colocaria os juros real entre 4% e 5%, bem abaixo do nível entre 8% e 9% de hoje, o mais alto do mundo. Além da questão fiscal, o mercado de trabalho resiliente, as pressões externas que ainda contam com elevada incerteza e a inflação de serviços em patamar elevado, fazem com que a manutenção do nível da taxa básica de juros seja justificada.
O ponto diferencial da nossa tese para a retomada do aperto monetário se encontra na dinâmica inflacionária. Ao longo de 2023, a inflação em doze meses deve apresentar um comportamento em formato de “U”. Acreditamos que, a partir do segundo semestre, com a expectativa de inflação positiva em três meses (julho, agosto e setembro) em que houve deflação em 2022, a inflação em doze meses começará a acelerar. Além disso, essa deve ser a época de definição do novo arcabouço fiscal que, em nossa visão, será certamente menos rígido que o atual Teto de Gastos e, consequentemente, menos efetivo no controle das despesas públicas. Ademais, acreditamos que os ruídos políticos com possíveis contrarreformas (reversão da independência do BC, mudança das metas de inflação, fim da Lei das Estatais) só tendem a fragilizar ainda mais o cenário e contribuir para a desancoragem das expectativas). Assim, apesar do alívio temporário da inflação acumulada em doze meses até o meio do ano, ela deve voltar a acelerar, de modo a encerrar 2023 em 6,50%.
Reafirmamos, portanto, que a política fiscal será protagonista na determinação da trajetória das principais variáveis macroeconômicas nos próximos anos. Nosso ponto principal para defender o Teto de Gatos é que, além de simples, ele obriga o governo a priorizar certas pautas e fazer escolhas para direcionar o orçamento. No entanto, em linha com nosso panorama, a autoridade monetária planeja manter a Selic no maior patamar desde dezembro de 2016, a fim de avaliar os impactos acumulados deste que foi o ciclo de aperto monetário mais forte dos últimos 20 anos. Estimamos, em seguida, que o BC será levado a retomar o aperto monetário a partir do segundo semestre, levando a Selic para 14,5% a.a. no final de 2023. Esse é o preço pago pelas desventuras em série do novo governo.