Ultimamente, muito tem sido discutido sobre as elevadas taxas de juros, as metas de inflação e a autonomia do Banco Central. A inflação já começou 2023 com elevado risco de não convergência para a meta (3,25%) ao longo do ano, o que se colocou como um grande desafio para a política monetária do BC. Ademais, até o mês de março, o IPCA já acumula alta de 2,09% no ano, quase dois terços do alvo.
Ao longo de 2022, ocorreram diversos eventos que pressionaram a inflação pelo lado da oferta, entre eles, a guerra entre Rússia e Ucrânia e a recuperação mais rápida da economia mundial enquanto a China adotava a política de Covid zero. No entanto, atualmente, observamos a normalização do indicador que acompanha os custos das cadeias de suprimento global e o arrefecimento dos preços das commodities (em reais) em geral.
Nesse contexto, vale ressaltar a diferença entre os dois momentos de desinflação: o primeiro ocorreu mais rapidamente, impactado pela normalização das cadeias de suprimentos e pelo efeito positivo dos preços das commodities, já o segundo ocorre de maneira mais lenta, marcado pela manutenção dos núcleos em patamares elevados devido ao excesso de demanda.
Diante disso, embora a inflação acumulada de 12 meses esteja desacelerando consistentemente, em nossa visão ainda não há espaço para cortes de juros pelo BC. Dentre os principais motivos para a manutenção da Selic em patamar historicamente alto, apontamos a inflação de serviços, pressionada por um mercado de trabalho ainda próximo dos menores níveis desde 2015/16. Pela última PNAD, a massa salarial real de março de 2023 subiu acima de 10%, e a taxa de desemprego dessazonalizada no primeiro trimestre de 2023 fechou a 8,1%, ainda menor que a taxa natural de desemprego.
Ao longo de 2023, a inflação em doze meses deve apresentar um comportamento em formato de “U”, uma vez que, passado o efeito base da inflação elevada entre fevereiro e abril do último ano, o indicador deve voltar a acelerar, de modo a encerrar 2023 em 6,50%. Para compor esse cenário, na ponta otimista, apesar da reoneração de impostos, o elevado nível dos reservatórios e expectativa de manutenção da bandeira tarifária verde devem fazer com que a energia não seja um vetor de pressão. Ademais, a projeção de um ano forte para o setor agropecuário contribui para que a oferta de alimentos, em geral muito volátil, também não seja inflacionária. Por outro lado, o corte surpresa na produção da OPEP+, bem como a escalada de ruídos políticos, como as críticas ao regime de metas de inflação, à independência do BC, passando pelas discussões acerca das metas de inflação e política de preços da Petrobras, são eventos responsáveis pela elevação das expectativas de inflação longa e aumento da incerteza.
Diante do exposto, em nossa visão há três fatores de maior influência para a inflação no longo prazo: a evolução do preço das commodities, a inércia inflacionária e o hiato do produto. Já está avançada a etapa de normalização das cadeias produtivas globais que contribuiu para o arrefecimento do preço das principais commodities, o que teve impacto direto na diminuição das pressões de custo nos níveis de preços do Brasil. Ademais, há uma preocupação recorrente do BC quanto à inércia inflacionária, uma vez que o mercado de trabalho e políticas de transferências de renda agem no sentido de aquecer a demanda, dificultando a ação da política monetária por meio da atividade.
Fica, portanto, a cargo do Banco Central a amarga tarefa de manter as taxas de juros em patamar historicamente elevado. Em cada nova reunião, a autoridade monetária tem reforçado seu compromisso com a busca pela estabilidade de preços de acordo com as metas, apesar das críticas de representantes do governo. Reforçamos nossa expectativa de que a taxa Selic será mantida em 13,75% a.a. pelo menos até o final de 2023, mas as incertezas acerca da política fiscal podem atrasar ainda mais a tão esperada convergência da inflação.