Em meio ao cenário de alta incerteza e volatilidade, as expectativas para o crescimento da economia mundial se mostram cada vez mais deterioradas. Com o Fed e outras autoridades monetárias, como o Banco Central Europeu, adotando uma política contracionista, e a China, bem como o conflito no Leste Europeu, pressionando as cadeias globais de valor, uma desaceleração se faz evidente num horizonte de curto prazo. Diga-se de passagem, o PIB dos Estados Unidos caiu tanto no primeiro quanto no segundo trimestre, bem como o da China – este último devido, principalmente, à rígida política de combate a Covid-19 e suas implicações sobre a indústria. Diante disso, surge a necessidade de compreender, ao menos minimamente, os efeitos da desaceleração de caráter global sobre o nível da atividade econômica do Brasil.
Como efeito de primeira ordem da desaceleração global, pode-se destacar a queda marginal da demanda por commodities, principalmente aquelas mais cíclicas como petróleo e minério de ferro, por exemplo. Desse modo, considerando que o Brasil figura entre os principais exportadores de commodities e que o desempenho da economia guarda uma correlação positiva com os preços de tais ativos, como evidenciada pela gráfico abaixo, pode-se esperar que o crescimento decline à medida que os Estados Unidos, o maior consumidor de petróleo do mundo, e a China, o principal parceiro comercial do Brasil – haja vista que cerca de 28% do total das exportações brasileiras têm o país asiático como destino –, apresentem taxas de crescimento trimestral menores.
De acordo com dados da Funcex, o principal produto exportado pelo Brasil para a China é a soja, que apenas em 2021 contribuiu com US$ 87,9 bilhões para nossa balança comercial. Para essa commodity, o conflito no Leste Europeu é uma variável externa de alto risco, uma vez que a Ucrânia é o quarto maior exportador de grãos do mundo. Deve-se destacar que em março, ainda no início do conflito, o preço do grão atingiu o pico dos últimos dez anos. Agora, porém, mais de cinco meses após o início da guerra, a liberação dos portos ucranianos por meio de um tratado com a Rússia promete trazer alívio aos preços das commodities produzidas no país. Contudo, ainda restam incertezas acerca das condições para o plantio da safra do ano que vem na Ucrânia, que deveria se iniciar entre setembro e outubro. Assim, somado aos desafios climáticos enfrentados na América do Sul, a oferta global desse importante produto da balança comercial brasileira gera preocupação para o próximo ano.
Como já mencionamos, a política chinesa de combate à pandemia se coloca como um tradeoff entre crescimento e intenso controle dos casos. A chamada “Covid Zero” foi responsável pelo êxito em manter os números de casos e óbitos em níveis baixos em comparação ao resto do mundo ao longo de 2020 e 2021. No entanto, a variante Ômicron do coronavírus foi responsável por uma reviravolta na história de sucesso do governo chinês contra o vírus. Assim, as principais cidades do país foram colocadas em um rígido sistema de lockdowns que foi responsável por paralisações de larga escala nas cadeias de produção. A consequência da adoção destas medidas pôde ser observada com a divulgação do PIB do segundo trimestre, que apontou para a contração do produto na margem de 2,6% t/t.
Atualmente, a tendência das medidas públicas aponta para uma flexibilização das atividades, principalmente em Xangai e Pequim, com uma normalização da produção e transporte, ainda que medidas de restrição sejam implantadas com a notificação de casos. Entretanto, seguimos com a avaliação de que o governo chinês enfrentará grandes desafios para conseguir promover o crescimento econômico, ao passo que se mantem fiel a política de Covid Zero. Neste contexto, projetamos que a economia chinesa deva crescer cerca de 3,5% em 2022, bem distante da meta inicial para o ano de 5,5%. Dessa forma, se faz necessário seguir monitorando com atenção a evolução da atividade produtiva no país, uma vez que a instabilidade de suas políticas públicas pode gerar consequências graves ao abastecimento de bens industriais e para as exportações de commodities do Brasil.
É, portanto, preciso salientar que, devido à conjuntura interna, o Brasil dificilmente será atingido pelos efeitos negativos mencionados acima neste ano. Em um cenário interno conturbado, 2022 foi marcado por uma forte alta nos preços dos alimentos e dos combustíveis, o que levou a uma série de medidas paliativas para estimular a demanda e, principalmente, mitigar os efeitos negativos nas camadas mais vulneráveis da população. Como consequência, o relatório Focus já apresenta seis altas consecutivas para a inflação de 2023, o que pode ser decisivo para a manutenção de uma política monetária contracionista por mais tempo. Entretanto, acreditamos que uma desaceleração em proporções maiores ocorrerá apenas em 2023 e, portanto, enxergamos poucos efeitos danosos ao Brasil no curto prazo, em linha com nossas constantes revisões altistas para o PIB deste ano, que, neste momento, se encontra em 2,1%.