A Câmara dos Deputados encerrou a votação da Proposta de Emenda Constitucional da Reforma Tributária (PEC 45/2019), na tarde desta sexta-feira (07/07). O texto obteve um apoio expressivo de 382 deputados durante a votação, superando de maneira significativa os 308 votos necessários para a aprovação da PEC. A matéria segue para ser examinada no Senado Federal em agosto. A expectativa é que o ritmo de tramitação da pauta seja desacelerado, refletindo uma análise mais cautelosa por parte de senadores, que devem estimar os impactos da Reforma Tributária sobre os estados e municípios e adicionar propostas ao texto aprovado na Câmara.
Houve alterações em relação ao substitutivo apresentado pelo relator Aguinaldo Ribeiro no final de junho para atender demandas, principalmente dos governadores e do agronegócio. Os principais pontos do texto original podem ser vistos na nossa análise anterior. Além disso, foram promovidas alterações na fase de transição de unificação dos tributos (PIS, Cofins, ICMS e ISS), que deverá ocorrer entre 2026 e 2032, com extinção do sistema atual em 2033.
A transição iniciará em 2026 e o CBS (IVA federal) terá alíquota de 0,9%, enquanto o IBS (IVA estadual e municipal) terá uma alíquota teste de 0,1%. Em 2027, o PIS e a Cofins serão extintos ao passo em que a alíquota do IPI será zerada, exceto para os produtos tenham produção na Zona Franca de Manaus. Estes impostos serão substituídos pelo CBS, que entrará em vigor com uma alíquota de referência. Já em 2029, inicia-se uma redução escalonada da cobrança do ICMS e do ISS, que serão reduzidos em 1/10 por ano, sendo extintos em 2033. Por sua vez, as alíquotas do IBS serão elevadas gradualmente compensando a redução escalonada dos tributos atuais.
O texto também beneficiou setores que terão tratamento favorecido ao propor uma redução da alíquota reduzida de 50% para 40% da alíquota padrão. Além disso, o relator adicionou novas exceções em relação ao substitutivo original, que passou a incluir produções artísticas, culturais e atividades jornalísticas e audiovisuais nacionais. Ademais, foi incluído um trecho que impõe que as alíquotas dos dois novos impostos criados não deverão aumentar a carga tributária incidente na economia.
O relator também atendeu os pedidos dos governadores dos estados mais populosos, ao incluir na redação alterações no Conselho Federativo que demandam que o voto dos estados some juntos, pelo menos 60% da população brasileira. O texto propõe que 3 critérios sejam atendidos para que haja aprovação de quaisquer medidas:
i) O voto da maioria dos estados;
ii) Os estados que votaram devem somar ao menos 60% da população brasileira;
iii) O voto da maioria dos representantes dos municípios.
Vale destacar que os municípios e o DF serão representados por 27 membros, dos quais 14 serão eleitos por voto igualitário e 13 com base em votos ponderados pela população. Este conjunto de alterações visa atender as demandas, principalmente das regiões Sul e Sudeste que apresentavam resistências ao substitutivo da PEC, visto que um regime igualitário de votos no Conselho Federativo – responsável por centralizar a arrecadação do IVA – penalizaria os estados mais populosos vis-à-vis as regiões com mais estados como o Norte e o Nordeste.
Outro destaque do texto aprovado no Congresso foi o trecho que impõe isenção para uma cesta básica nacional, a ser definida via lei complementar. Dessa forma, as alíquotas previstas para os IVAs federal e estadual serão reduzidas a zero para estes produtos. Este ponto visava atender a demanda da bancada da agropecuária no Congresso, que argumentava que o novo regime tributário aumentaria a carga tributária de itens que compõem a cesta básica, penalizando a parcela da população mais carente. Em outro aceno ao setor agro da economia, o texto prevê isenção de cobrança do IVA para o produtor rural com receita anual de até R$ 3,6 milhões, atendendo parcialmente uma demanda da Frente Parlamentar da Agropecuária, que demandava isenção para produtores com receita anual de até R$ 4,8 milhões.
A versão aprovada trouxe também mais exceções em relação ao substitutivo da PEC, com destaque para os serviços relacionados ao turismo (hotelaria, restaurantes, parques de diversão e temático e aviação regional), que se junta aos setores que pagarão a alíquota reduzida. Por fim, vale destacar a inclusão da possibilidade de criação, através de lei complementar, do Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Amazonas, que será financiado pela União. Este fundo tem como objetivo fomentar o desenvolvimento e compensar uma eventual perda de receita do estado do Amazonas com a aprovação da reforma.
Em suma, o texto aprovado na semana passada trouxe alguns ajustes em relação ao substitutivo apresentado pelo relator Aguinaldo Ribeiro no final do mês de junho. Nossa avaliação é que estas modificações foram feitas para atender demandas de grupos políticos, sobretudo da agropecuária e dos governadores das regiões Sul e Sudeste, que vinham apresentando resistência à aprovação da matéria no plenário da Câmara. Os destaques vão para a adição de novas isenções, principalmente para produtos da cesta básica, novas exceções à alíquota padrão e a criação do Fundo de Desenvolvimento do Amazonas.
Dessa forma, seguimos avaliando positivamente a aprovação da PEC da Reforma Tributária, que deve promover uma importante simplificação do complexo sistema tributário brasileiro após mais de 30 anos de discussão. No médio/longo prazo, enxergamos que essa simplificação é um importante passo que será dado para aumentar a produtividade da economia através da redução dos custos das empresas devido à complexidade do sistema atual tanto em termos da redução da litigiosidade quanto do menor nível de distorções de preços relativos diante da complexa heterogeneidade das alíquotas atuais. Nesse cenário, enxergamos um ambiente mais favorável para os investimentos, que devem promover uma trajetória mais sustentável de crescimento nos próximos anos.
Embora a leitura de um modo geral tenha sido positiva, vale destacar que seguem alguns pontos de atenção em relação ao texto aprovado na última semana. Em primeiro lugar, ressaltamos que o elevado número de exceções e isenções concedidos durante a tramitação do texto devem ser responsáveis por reduzir os potenciais ganhos com a aprovação da reforma devido a manutenção de um grau de complexidade mais elevado no novo sistema tributário que deve continuar gerando distorções nos preços relativos da economia e elevar o valor da alíquota padrão.
Acreditamos que neste cenário a alíquota de referência deverá ser superior aos 25% estimados pelo governo na ausência de exceções à regra, de modo que, esperamos uma alíquota de cerca de 30% para manter estável a arrecadação de impostos. Este ponto é particularmente importante, haja vista que aproximadamente 175 países adotam o sistema de tributação IVA no mundo, com uma alíquota média padrão de 19,2%. A maior alíquota é da Hungria, cujo valor é de 27,5%, que deve ser inferior à alíquota que será aplicada no Brasil, certamente sendo este um problema que afetará a competitividade da economia brasileira.
Por fim, vale mencionar que durante a tramitação do texto na Câmara, uma emenda aglutinativa adicionou “jabutis” ao texto da reforma, prejudicando a proposta original do texto que é de simplificação do atual sistema tributário brasileiro. Os principais destaque vão para a inclusão de produtos e insumos aquícolas, atividades desportivas e de cibersegurança no conjunto de atividades contempladas pela alíquota reduzida. Além disso, houve Ampliação da imunidade tributária para entidades religiosas, incluindo organizações assistenciais e beneficentes. Por fim, o principal “jabuti” foi a inclusão de um trecho que permite a criação de uma nova contribuição de competência estadual sobre produtos primários e semielaborados até 2043, que atuará como um novo tributo a ser criado.
Em suma, seguimos com uma avaliação positiva no que diz respeito à aprovação do texto da reforma tributária na Câmara. Entretanto, avaliamos que diante do grande número e exceções à regra e a inclusão de “jabutis” ao texto aprovado, os ganhos com a reforma devem ser limitados. Acreditamos que em termos de crescimento, o aumento do crescimento do PIB nos próximos 10 anos deve ficar abaixo dos 10 p.p. estimados pelo governo. Na nossa avaliação os ganhos devem ficar entre 2 e 5 p.p. em linha com a experiência que vem sendo observada pela Índia e das estimativas apresentadas por um estudo recente do IPEA.