Retrospectiva 2021
O comportamento do risco fiscal foi o principal determinante do desempenho da economia brasileira (crescimento do PIB e inflação) e dos preços dos ativos financeiros (câmbio, juros e bolsa) do país em 2021. No início do ano, as previsões eram de crescimento do PIB de 3,4% e inflação de 3,3%. Com este cenário, a previsão dos analistas era de déficit primário próximo de R$ 220 bilhões e com a dívida caminhando para 100% do PIB no final do ano. Os mercados reagiram com desvalorização cambial, aumento das taxas de juros e queda dos preços das ações. Como os preços das commodities nos mercados internacionais (alimentos, minério e energia) estavam em elevação, a desvalorização do câmbio gerou forte pressão inflacionária, forçando o Banco Central a antecipar o início do processo de regularização da política monetária de agosto para março e adotar uma política monetária mais dura do que o esperado.
Com a divulgação do resultado do PIB do 1º trimestre de 2021 (inicialmente em 1,2% t/t e agora revisado para 1,3%), muito acima da expectativa do mercado (0,7% t/t), houve revisões em sequência do crescimento do ano, chegando a 5,3% em julho. Ao mesmo tempo em que o maior crescimento gerava um aumento inesperado das receitas públicas (o que foi ajudado por uma inflação muito acima do esperado, como veremos), o governo federal surpreendeu os investidores ao implementar um forte programa de consolidação fiscal, com crescimento menor dos gastos obrigatórios, o que permitiu a geração de superávit primário de R$ 51,6 bilhões no primeiro trimestre do ano, que persistiu durante os meses. Ao contrário das previsões de déficit primário próximo a 5% do PIB, o déficit primário será praticamente zerado em 2021, após um déficit próximo a 11% do PIB em 2020.
A combinação de mais crescimento com superávit primário reverteu as expectativas dos investidores quanto à trajetória de dívida como proporção do PIB, o que afetou diretamente os preços dos ativos financeiros. Ao contrário da previsão anterior, de que a dívida iria caminhar para níveis próximos a 100% do PIB até o final de 2021, com mais crescimento e menos gastos públicos as projeções passaram a apontar uma relação dívida/PIB no final do ano próxima a 80%. A reação dos mercados foi bastante positiva, com valorização da taxa de câmbio, diminuição da inclinação da curva de juros, com queda dos juros futuros, e aumento dos preços das ações.
Este cenário positivo perdurou até julho, quando surgiu a notícia de que as despesas com o pagamento dos precatórios (dívida do governo federal já tramitada em julgado) seriam de R$ 90 bilhões em 2021 e não de R$ 50 bilhões como constava da proposta orçamentária. Além disso, o Presidente decidiu substituir o principal programa de transferência de renda, o Bolsa Família, pelo Auxílio Brasil e aumentar a transferência, por família, de R$ 190,00 em média, para um mínimo de R$ 400,00, para 20 milhões de famílias, o que significava um aumento de despesas da ordem de R$ 40 bilhões.
Este aumento dos gastos com precatórios e do custo do programa de transferência de renda, simplesmente não caberia dentro do teto do gasto público. Com isto, os investidores reagiram negativamente à possibilidade de que o teto do gasto pudesse ser desrespeitado, o que gerou queda dos preços dos ativos e forte volatilidade. No final, o governo enviou ao Congresso uma emenda constitucional que criava um subteto para o pagamento dos precatórios em 2022, calculado a partir do valor do teto em 2016, quando a PEC foi aprovada, corrigida pela taxa de inflação entre 2017 e 2021. Ao mesmo tempo, mudou a fórmula de cálculo do teto de tal forma a elevar seu valor em R$ 50 bilhões (em lugar de corrigir o teto pela taxa de inflação de julho de um ano a junho do ano seguinte, o teto passou a ser corrigido pelo IPCA de janeiro a dezembro do mesmo ano).
O teto era a principal âncora fiscal do país. Com o teto do gasto, qualquer aumento de receita somente poderia ser utilizado para reduzir a carga tributária ou para reduzir a dívida. Se, na primeira vez que o teto é alcançado, o governo decide pagar o preço de enviar uma PEC para o Congresso para mudar a regra, mesmo sabendo da forte reação negativa dos investidores, o teto perdeu grande parte de sua credibilidade. O resultado foi forte pressão sobre a taxa de câmbio, inclinação da curva de juros e queda nos preços das ações, com uma volta dos preços a níveis abaixo do início de 2021.
Com o aumento da taxa de juros e dos preços internacionais das commodities, e as interrupções das cadeias produtivas principalmente no setor industrial, a taxa de inflação surpreendeu para cima, forçando o Banco Central a adotar uma política monetária muito mais dura a partir de março, ao contrário do esperado no início do ano. Com inflação em elevação e taxas de juros em alta, a economia entrou em desaceleração. Após um crescimento de 1,3% no primeiro trimestre em relação ao quarto trimestre de 2020, o PIB apresentou queda de -0,4% no segundo trimestre e -0,1% no terceiro trimestre.
Dois fatores foram importantes para evitar uma queda mais pronunciada da economia. Em primeiro lugar, o comportamento da pandemia a partir do final do segundo trimestre do ano, quando o número de novos casos e de óbitos entrou em trajetória de queda acentuada permitindo a redução das medidas de isolamento social e restrições à mobilidade urbana. Como consequência, houve geração forte de demanda por serviços presenciais, principalmente serviços prestados às famílias, como restaurantes, bares, alojamento, viagens, turismo, etc. Como este é um setor muito intensivo em mão de obra, principalmente mão de obra pouco qualificada, grupo que mais sofreu com a pandemia, o mercado de trabalho reagiu positivamente a partir do segundo trimestre de 2021, com a geração de mais de 3 milhões de postos de trabalho por trimestre. Com isso, a taxa de desemprego, que havia iniciado em 14,9% da força de trabalho, atingiu 12,1% no trimestre terminado em outubro e deve fechar o ano próxima a 11,0% da força de trabalho. É a maior queda da série histórica.
Se o aumento do teto de gastos gerou forte deterioração do cenário macroeconômico, com perda de credibilidade do arcabouço fiscal, no cenário microeconômico o governo conseguiu grandes vitórias no Congresso ao longo do ano. Várias reformas e novos marcos regulatórios foram aprovados, aumentando a eficiência da economia, melhorando o funcionamento dos mercados e o ambiente de negócios no país, e começaram a fazer seus efeitos já em 2021. Entre outros, podemos destacar a aprovação da autonomia do Banco Central, com a adoção de mandatos fixos para seus diretores não coincidentes com o mandato do Presidente da República, as reformas no mercado de crédito e de capitais e o novo marco regulatório do mercado de câmbio, que abre espaço para instituições financeiras brasileiras e estrangeiras investirem no exterior e no Brasil recursos capitados tanto domesticamente quanto internacionalmente.
No âmbito do setor de infraestrutura, a adoção do regime de autorização para a construção de novas ferrovias, o novo marco regulatório da cabotagem (BR do Mar), que simplifica e flexibiliza as regras para a utilização de embarcações de bandeiras de outros países, reduz o custo e aumenta a concorrência no transporte marítimo entre portos do país. O objetivo é aumentar a competição, reduzir o poder de mercado do transporte rodoviário, que é hegemônico no país, e reduzir os custos de transporte.
As expectativas apontam para um aumento da navegação em 40% nos próximos três anos, com aumento de 65% do volume de contêineres transportados por ano já em 2022. Por outro lado, o Ministério da Infraestrutura já recebeu mais de 35 pedidos de autorização para a construção de novas ferrovias que, se aprovados, significará um aumento de 9 mil km de ferrovias e um total de R$ 120 bilhões em investimentos. A expectativa é que o modal ferroviário aumente sua participação de 20% para 40% do total em 15 anos.
Importantes projetos foram também aprovados no mercado de energia. Tivemos a regulamentação da nova Lei do Gás natural que tem por objetivo aumentar a concorrência no setor, a construção de gasodutos por meio do processo de autorização no lugar do tradicional regime de concessão da lei anterior. Foi aprovado um novo marco Legal da Geração Distribuída que visa regular e incentivar a instalação de micro e mini geradores de energia elétrica e a consequente injeção de energia na rede de distribuição. O projeto beneficia os consumidores que fazem parte do sistema de geração distribuída e mantém a isenção do pagamento de taxas até 2045, trazendo maior segurança jurídica e previsibilidade no que diz respeito à distribuição de energia.
No âmbito das concessões e privatizações, foram feitas concessões de rodovias, portos, aeroportos, do sistema de água e esgoto de várias regiões, inclusive do estado do Rio de janeiro, com outorga de mais de R$ 23 bilhões e investimentos previstos de R$ 50 bilhões nos próximos 13 anos, com leilões bastante concorridos com o pagamento de ágios volumosos e promessas de investimento expressivas. Foram 22 aeroportos, 13 portos, 3 rodovias, 1 ferrovia, 7 linhas de transmissão de energia, o leilão do 5G na telefonia celular que movimentou R$ 46,7 bilhões dos quais R$ 42 bilhões a serem investidos em infraestrutura.
O ano de 2021 foi, portanto, um fracasso do ponto de vista macroeconômico, com o rompimento do teto do gasto e consequente perda de credibilidade do regime fiscal e o adiamento do pagamento dos precatórios, o que gerou forte volatilidade e desvalorização dos preços dos ativos brasileiros. Por outro lado, do ponto de vista microeconômico o ano foi bastante positivo, o que nos permite afirmar que o pilar da volta do investimento privado na economia brasileira continua de pé, o que aumenta as expectativas de crescimento de longo prazo, apesar das incertezas de curto prazo devido ao cenário macroeconômico ainda confuso.
O que esperar para 2022?
O ano de 2022 será desafiador não só por se tratar de um ano eleitoral, mas pelos grandes desafios macroeconômicos que enfrentaremos. Nossa projeção para 2022 é de baixo crescimento do PIB, diante da elevação da taxa de juros para combater o processo inflacionário, que deverá permanecer acima do teto da meta (5%) durante todo o ano.
Com isso, o Banco Central terá um grande desafio pela frente, dado que entraremos em 2022 com uma inflação de dois dígitos, em um país com uma forte inércia inflacionária. Projetamos desaceleração da inflação no ano, porém mais lentamente devido aos diversos preços na economia que sofrerão reajustes. Ademais, a correção do salário-mínimo pelo INPC será elevada, acima de 10%, criando mais um componente de pressão altista para a dinâmica inflacionária. Diante disso, avaliamos que a taxa de inflação só voltará para a meta em 2023. Isso só será possível diante de um discurso mais duro (Hawkish) do Banco Central, com elevação da Selic para um terreno significativamente contracionista, visando desacelerar a economia e, sobretudo, ancorar as expectativas de inflação para o horizonte de 2023 em diante.
Vale destacar que a política monetária é, atualmente, mais potente do que no passado (diante das reformas promovidas no mercado de crédito) e possui uma defasagem de dois a três trimestres para ser percebida. Portanto, este forte ciclo de elevação da taxa de juros implicará em significativos impactos na atividade econômica para 2022.
Em relação à atividade, os últimos dados indicam desaceleração de todos os setores econômicos. Com os dados de outubro, temos carrego negativo para todos os principais indicadores setoriais e para o IBC-Br (-0,86%), que serve como proxy para o PIB em frequência mensal. Diante desta herança negativa, teríamos que apresentar um crescimento médio de cerca de 0,9% nos dois últimos meses de 2021 para que o resultado trimestral do indicador do Banco Central seja nulo no 4º trimestre. Entretanto, esse cenário, em nossa avaliação, é bem improvável, visto que a economia segue enfrentando inúmeros desafios, e impõe um viés negativo para o PIB do último trimestre.
A importante exceção a este cenário é o setor de serviços. Por meio da melhora no cenário pandêmico, com redução do número de casos e de óbitos desde maio de 2021, ocorreu uma redução das medidas de restrição à mobilidade urbana e à convivência social, o que levou a um aumento importante da demanda por serviços, principalmente serviços dedicados a famílias (restaurantes, bares, alojamentos, comércio de rua, etc.), um setor muito intensivo em mão de obra e que exige trabalho presencial. Após dois meses de queda, o setor de serviços mostrou forte crescimento no mês de novembro (2,4%), revertendo as quedas dos meses anteriores. De qualquer forma, o cenário para atividade é, na melhor das hipóteses, de crescimento fraco no quarto trimestre de 2021.
Quanto menor o crescimento do PIB no segundo semestre de 2021, menor o carry-over que sobra para o ano seguinte. Então, não só a herança estatística será mais baixa, como também vemos algumas limitações para os fatores de crescimento em 2022, como no consumo das famílias, que avançará modestamente limitado pelo seu elevado endividamento, em um contexto de inflação e taxas de juros altas. As famílias não só estão com endividamento recorde, com significativo comprometimento da renda, mas também o perfil da dívida é negativo, sendo extremamente concentrado em crédito rotativo (altas taxas de juros).
Positivamente, vemos sinais da manutenção de um bom desempenho do PIB global, o que tende a ajudar as exportações brasileiras. Soma-se a isso as projeções de supersafra de milho e soja em 2022 sob a perspectiva de recuperação da produção de ambos os grãos por conta de um cenário climático mais favorável. Além disso, a existência de um elevado caixa nos Estados poderá servir como combustível para investimentos no curto prazo, sobretudo em um contexto de eleições. A volta dos investimentos privados, o que já vem ocorrendo em 2021 e que deverá persistir em 2022, com os leilões de concessões e privatizações, é outro fator importante de crescimento da economia. Por fim, vemos o arrefecimento da pandemia como o principal driver de crescimento para este ano, visto que alguns segmentos principalmente no setor de serviços ainda se encontram abaixo do nível pré-pandemia. A normalização desses setores implicaria em um avanço de, aproximadamente, 3% do principal grupo que compõe o PIB, sendo assim um importante vetor de crescimento para o ano. Neste sentido, o comportamento futuro da variante Ômicron será um importante fator para o desempenho da economia brasileira em 2022.
Ademais, a política monetária será contracionista, colocando o Brasil como um dos países com o maior juro real entre os emergentes. Nossa projeção é que a taxa básica chegue a 11,75% ao final do 1º trimestre de 2022. Esse elevado diferencial de juros deve ser um vetor para apreciação do real. Entretanto, por se tratar de um ano eleitoral com candidaturas polarizadas, avaliamos que haverá muita volatilidade do câmbio e aumento dos prêmios de risco conforme nos aproximemos de outubro. Portanto, projetamos uma taxa de câmbio que, partindo de R$5,70 no final de 2021, permanecerá flutuando em torno deste nível, até fechar o ano no patamar inicial.
Com condições financeiras menos favoráveis, nossa avaliação é que a inflação irá desacelerar. Projetamos inflação em 5,3% em 2022, porém com viés de alta. Não é tarefa fácil para o BCB sair de uma inflação de dois dígitos para algo próximo a 5% em um curto espaço de tempo, principalmente em um país com alto grau de indexação como o Brasil. Para cumprir esta tarefa, o Banco Central deverá manter uma postura bastante firme de política monetária em patamar significativamente contracionista. O custo disso será a desaceleração econômica e, por isso, nossa projeção aponta para crescimento do PIB de 0,6% sustentado pelos avanços do setor de serviços e agropecuária.