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Publicado em 27 de Dezembro às 16:26:22

Retrospectiva 2022

O ano de 2022 teve como principais marcas a trajetória da inflação, a forte recuperação do mercado de trabalho, o desempenho do setor de serviços e o aumento do risco fiscal. No início do ano, a média da previsão dos analistas apontava para baixo crescimento do PIB (0,3%), refletindo os efeitos de uma política monetária contracionista (Selic em 11,75%) como forma de combater o elevado nível inflacionário, que foi agravado com os conflitos no leste europeu.

No entanto, o crescimento de 1,3% t/t do PIB beneficiou o cenário fiscal, o qual acumulou um superávit primário consolidado, entre jan/22 e out/22, de R$ 157,9 bilhões, devido a cortes de gastos e aumento da receita. Com isto, a relação dívida/PIB recuou de 80,3% (dez/21) para 76,8% (out/22) do PIB, sinalizando que as projeções iniciais de uma deterioração se mostravam, pelo segundo ano consecutivo, equivocadas.

Este desempenho do PIB persistiu ao longo do ano de 2022, com crescimento de 1,2% t/t no segundo trimestre e 0,4% t/t no terceiro, o que levou nossas estimativas de crescimento para 3,0% em 2022. Essa tendência está, a nosso ver, ligado a três pilares importantes: uma política fiscal relativamente conservadora, a retomada do setor de serviços e ao conjunto de reformas implementadas ao longo dos últimos sete anos, que geraram forte incentivo aos investimentos privados.

Os resultados positivos da reforma trabalhista e da liberalização da terceirização (como a redução do número de demandas na Justiça do Trabalho, valorização da negociação coletiva, com o negociado se sobrepondo ao legislado, e a manutenção do valor real do salário-mínimo) possibilitaram o progresso do mercado de trabalho. Com o avanço da ocupação, que atingiu 100 milhões de trabalhadores, o ponto mais alto da série histórica, a taxa de desemprego continuou sua trajetória de queda, indo de 11,2% para 8,3% no ano, com aumento da massa salarial, apesar da queda do rendimento real médio, que só volta a subir no final de 2022. Vale ressaltar o protagonismo do setor de serviços também na geração de postos de trabalho (cerca de 53% do total) ao longo do ano.

No que diz respeito às reformas, muitas consequências positivas foram percebidas nos últimos meses. Além da reforma trabalhista, que mudou o comportamento do mercado de trabalho, o fim da TJLP permitiu o aparecimento de um mercado de crédito de longo prazo e o desenvolvimento do mercado de capitais privado. Ademais, os novos marcos regulatórios aumentaram os incentivos ao investimento privado (saneamento, ferrovias, cabotagem, entre outros), a Lei da Liberdade Econômica simplificou os tramites burocráticos, e a autonomia do Banco Central reduziu as incertezas quanto à política monetária e à taxa de inflação e a Lei das Estatais garantiu a melhora da governança corporativa das empresas públicas e beneficiou o governo com um bônus de arrecadação que contribuiu significativamente para a redução da dívida/PIB ao longo de 2022.

Esse novo ambiente microeconômico, construído pelas reformas aprovadas, permitiu a realização de concessões e a privatização da Eletrobras, que ainda garantiram um volume correspondente a R$ 90 bilhões por ano de investimentos nos próximos 10 anos. Portanto, essas mudanças propiciaram um aumento dos investimentos de 14,3% para 19,6% do PIB em cinco anos.

Além da já mencionada recuperação do setor de serviços, os demais setores apresentaram desempenho heterogêneo. A indústria sofreu com a escassez de componentes e insumos básicos, o que foi sendo neutralizado ao longo do ano. A crise chinesa teve grande influência negativa para esses problemas nas cadeias produtivas, com incertezas que se mantém até hoje, ainda que em um cenário um pouco mais otimista devido ao afrouxamento de medidas da política de “covid-zero”. Por outro lado, o comércio foi impactado pelo gradativo encarecimento do crédito, devido ao ciclo de aperto monetário, da aceleração do nível de inadimplência das famílias e da mudança do perfil de consumo em linha com o fim da pandemia.

Como 2022 foi ano de eleição, a corrida pela presidência teve importante influência. Um dos principais destaques foi a reversão da política de austeridade fiscal do presidente Bolsonaro por meio da chamada “PEC Kamikaze”. A medida ampliou o programa Auxílio Brasil e levou o benefício para R$ 600/mês, além de benefícios para classes afetadas com o aumento dos preços dos combustíveis. Com isso, a campanha eleitoral foi marcada por propostas populistas e arriscadas do ponto de vista da sustentabilidade da dívida nos próximos anos.

Outro ponto que merece atenção foi adoção do teto do ICMS. Com a disparada dos preços das commodities, o imposto impulsionou o resultado primário sendo notório que, no primeiro semestre, os entes subnacionais são os grandes responsáveis pelos resultados positivos. No entanto, a partir da adoção do teto (Lei Complementar 194/22) no final de junho, essa participação no resultado consolidado se reduziu consideravelmente. Pelo lado positivo, as expectativas dos agentes econômicos para a inflação de 2022 entraram em trajetória de queda, tendo como principal motor os preços administrados. O ponto de inflexão do IPCA cheio, dos preços livres e dos serviços veio um pouco depois e se deu de maneira bem mais branda. Visto isso, a inflação cheia deve fechar o ano em 5,7%.

Em suma, o ano de 2022, apesar de superar as expectativas pessimistas, ainda poderia ter sido melhor do ponto de vista macroeconômico. A consistente recuperação da atividade com o fim das restrições da pandemia, os sucessivos superávits primários e a trajetória de queda inflacionária fizeram com que o Brasil estivesse em sentido oposto do restante do mundo. O ponto de inflexão se deu no rompimento da disciplina fiscal imposta pelo Teto de Gastos que, somado ao discurso expansionista do novo governo, tem potencial para interromper o processo de diminuição da dívida brasileira, aumentando substancialmente o risco fiscal. O próximo ano será desafiador.

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