A bola ainda está rolando. Como amplamente divulgado na mídia, a recepção da reforma tributária proposta pelo governo federal teve repercussão bastante negativa. Em linhas gerais, as principais reclamações estavam relacionadas ao aumento geral da carga tributária das empresas e tributação dos dividendos dos fundos de investimentos imobiliários sem nenhuma contrapartida.
Nada como o diálogo. Fortuitamente, a reação da sociedade e do congresso foi imediata. E, por enquanto, observamos as atuais alterações nas propostas indo em uma direção bem mais razoável que a proposta original. De acordo com o substitutivo ao projeto de lei Nº 2.337/21 que foi divulgada no dia 13/julho, algumas alterações importantes foram feitas, como:
- Imposto de renda (IR). Redução do imposto de renda das pessoas jurídicas dos atuais 25% para 15% em 2022 e 12,5% em 2023. Ou seja, o corte total no IR passa a ser de 10% e 12,5% em 2022 e 2023, respectivamente (vs. 2,5% e 5%, anteriormente).
- Dividendos: Mantida tributação de dividendos em 20%.
- FIIs: Rendimentos permanecem sem tributação.
- JCP: Segue sem ser dedutível.
- Exclusão de tributação na cadeia de holding sob controle comum.
Quem ganha e quem perde?
Antes de mais nada, os leitores podem conferir o relatório anterior em que estimamos o impacto da proposta nos múltiplos segmentos sob nossa cobertura (“Impacto da Reforma Tributária: Separando o joio do trigo”).
O que é o Juros Sob Capital Próprio? É um benefício fiscal criado aqui no Brasil cujo intuito era remunerar os sócios pela integralização dos recursos na empresa. Essencialmente, os valores eram dedutíveis do lucro tributável e remuneravam o acionista da empresa como um provento (assim como o dividendo, mas tributado em 15% no momento da distribuição). A quantidade a ser distribuída era calculada da seguinte forma:
Patrimônio Líquido da Empresa (R$) x Taxa de Juros de LP, limitados à 50% do Lucro antes do IR – que for menor.
Com a queda muito mais expressiva do imposto de renda em relação à proposta anterior, setores que já considerávamos beneficiados devem ser expressivamente mais beneficiados com a atual proposta. Vemos os setores de consumo, empresas de crescimento ou capital não-intensivo como os principais beneficiados. Em nossa cobertura, chama a nossa atenção as empresas de Varejo e Tecnologia como setores mais beneficiados que, além de uma menor alíquota, devem ter suas receitas impulsionadas por uma maior disponibilidade de renda, dado que o tributo a pessoas físicas deve cair também. Abaixo, temos uma tabela com uma simulação do impacto médio do fim do JCP e da redução do IR nas empresas sobre nossa cobertura (última linha das tabelas). Essas simulações não consideram o aumento em receita.
Uma vez mais gostaríamos de lembrar que o projeto ainda está sob discussão e que a versão definitiva ainda deve ser apresentada. Entretanto, considerando a receptividade da proposta atual, somos céticos quanto a eventuais retrocessos que existiam na proposta anterior.
Energia e Saneamento: +Valor -Dividendos (Positivo)
Dividendos. De uma maneira geral, o fluxo de dividendo ao acionista deve cair – muito menos que a proposta original, mas ainda assim o rendimento deve ser afetado à medida que a redução nas alíquotas não deve compensar a perda do JCP e a tributação dos dividendo em 20%. Essencialmente, vemos os rendimentos esperados caindo em aproximadamente 1-1,5% no longo prazo ao longo das empresas sob nossa cobertura. Vale lembrar que o acionista de empresas de energia elétrica são remunerados quase que estritamente por dividendos. Receitas alternativas, como o uso dos terrenos das operações (como a Transmissão Paulista tem feito recentemente) ou o uso do direito de passagem de postes/torres para passagem de fibra ótica são serviços com impacto muito marginais no negócio de energia elétrica.
Confira a tabela abaixo com as nossas estimativas de fluxo de rendimento em dividendos considerando os novos termos da proposta:
Do ponto de vista da empresa: Geração de valor é positiva. Se pensarmos no ponto de vista dos fluxos da empresa (e consequentemente do acionista), a tendência é que os papéis se valorizem com a expressiva queda das alíquotas do IR mais do que compensando a perda do benefício fiscal do JCP (ver tabela abaixo). Em nossa leitura, o upside (potencial de valorização) adicional caso a reforma passe nesses termos o ficaria entre 2%-8% nos atuais preços alvos. Do ponto de vista dos lucros, o impacto variou positivamente entre 4-12%. Exceção fica com a Transmissão Paulista, que, por ter um patrimônio líquido razoavelmente grande, acaba por ter um benefício acima da média em relação aos pares.
Risco de Judicialização: muito menor. Em nossa leitura, a proposta anterior levava a um risco considerável de judicialização tendo em vista a possibilidade de desequilíbrio econômico-financeiro das concessões já leiloadas. Além disso, a atual proposta reduz esse risco, tendo em vista a queda expressiva nas alíquotas do imposto de renda e o potencial de geração de valor do patrimônio dos investidores. A exclusão da possibilidade de tributação apenas na holding elimina o risco de tributação em cascata em uma empresa que seja o “guarda-chuva” de sociedade de propósitos específicos (“SPEs”).
Exemplo. A Taesa não é uma linha de transmissão. Ela é um holding (o “guarda-chuva” citado anteriormente), que abriga uma série de SPEs (as linhas de transmissão). As SPEs remuneram a Taesa via dividendos e, dai sim, a Taesa remunera o acionista com os dividendos que saíram das suas linhas de transmissão. Ou seja, na proposta anterior, existia o risco de tributação “em cascata” sempre que uma SPE pagasse dividendo para a empresa guarda-chuva. Com a proposta atual, o dividendo seria tributado apenas no momento que a holding pagasse o dividendo – ou seja, considerando o exemplo acima, apenas quando a Taesa decidisse distribuir o dividendo.
Varejo: Do bom ao ótimo! (Positivo)
Conforme dito no nosso primeiro relatório da proposta da Reforma Tributária, as empresas de varejo não são boas fontes de renda passiva pois possuem uma dinâmica de crescimento: isso quer dizer que quanto maior o reinvestimento em suas próprias operações maior será o crescimento futuro. Elas também não pagam JCP, beneficio que deve desaparecer. Dito isso, a nova proposta da reforma tributária ainda continua beneficiando o setor de varejo, e muito, porque com a redução de 12,5 p.p. do IRPJ, as margens se expandem e as empresas possuem mais recursos para reinvestir. O impacto é significativo, basta compararmos as tabelas passadas, que consideravam uma redução de 5% no IRPJ, com as novas tabelas, que estão com uma redução de 10%. As varejistas de e-commerce são as mais beneficiadas, com um aumento sobre o lucro de até 12%.
Além disso, a tabela do IRPF será mantida. Portanto, os contribuintes ainda terão mais renda disponível para alocar para o consumo, aumentando sua propensão marginal a consumir e beneficiando o setor de varejo como um todo.
Entretanto, importante considerarmos o fim de subsídios em 2 setores do varejo:
- Supermercados: fim da possibilidade de empresas deduzirem o vale-alimentação e vale-refeição da base de cálculo do IR. As empresas não têm uma obrigação de dar VA e VR aos seus trabalhadores e, portanto, elas podem cortar o benefício.
- Como o setor de supermercados é essencial ao consumo, acreditamos que possa ocorrer uma mudança no mix da cesta do consumidor: ao invés de comprar alimentos de melhor qualidade, o consumidor estará mais preocupado com o preço, afetando o preço médio de sua cesta. Entretanto, estimamos que essa mudança representa um impacto marginal em relação a todo o benefício do IRPJ, ainda mais para os mercados que operam com uma margem apertada.
- Farmácias (medicamentos e artigos de higiene e beleza): fim da desoneração de PIS – COFINS. De acordo com essa nova proposta, cerca de 8 mil medicamentos teriam um aumento e passariam a pagar 12% de imposto.
- Assim como o setor de supermercado, os artigos farmacêuticos são essenciais ao consumo, e as farmácias deverão optar pelo repasse dos preços ao consumidor final para que as margens não fiquem tão comprimidas.
Bancos: Do lixo ao luxo… (Marginalmente Positivo)
O impacto da mudança na proposta de reforma tributária para bancos é grande. Anteriormente, estimávamos uma perda entre 3 e 5% para os maiores bancos privados e na faixa dos 15% para o Banco do Brasil. A nossa avaliação era de que a redução na alíquota do IR em 5% não compensaria o fim do benefício fiscal gerado pelo JCP.
Contudo, com a nova proposta de redução de 10% para a alíquota de IR, o término do JCP seria mais que compensado. Neste cenário, caso fosse implementada em 2021, haveria um impacto no lucro dos bancos privados entre 4 e 6% positivamente. A variações seriam de 4,1% para o Bradesco, 4,3% para o Santander e 5,6% para o Itaú. Outro ponto é que a tributação de 20% sobre os dividendos é quase a mesma alíquota que os 15% de imposto atual sobre o JCP, gerando um impacto quase nulo aos acionistas no final das contas, já que grande parte dos dividendos eram em forma de JCP.
O Banco do Brasil continuaria perdendo com a reforma, tendo em vista o seu valor patrimonial elevado que possibilita um grande pagamento de JCP, e por consequência, um benefício fiscal maior. Por outro lado, a queda no lucro seria de 8,2%, consideravelmente menor do que estimávamos para a primeira posposta.
Seguros: Bons ventos à frente (Positivo)
Nossa estimativa para as seguradoras era de que a reforma tributária fosse ser marginalmente positiva. Dessa forma, qualquer redução adicional na alíquota, como foi o caso da reapresentação da proposta, beneficiaria ainda mais o setor.
Dentre as companhias para as quais estimamos o impacto, a BB Seg foi a mais beneficiada, tendo em vista que paga pouco JCP, e por isso, perderia pouco benefício fiscal. Considerando a implementação ainda em 2021, estimamos um potencial de melhora do lucro na faixa dos 15,7%, consideravelmente acima dos 8% calculados de acordo com a proposta anterior. Já a Porto Seguro deve ter um impacto positivo de 5,9% nos lucros.
Telecomunicações: A redução do IR ajuda, mas ainda não compensa… (Negativo)
No nosso primeiro relatório, informamos que a proposta tinha um viés negativo para o setor de telecomunicações. A expectativa era que com essa nova redução na alíquota do IR, o cenário mudasse e passasse a beneficiar o setor.
Não foi isso que aconteceu. Claro que o impacto no lucro líquido foi reduzido (a redução do imposto passou de 5 para 10%), mas mesmo assim ainda continua negativo.
Como podemos interpretar isso? O fim do benefício fiscal gerado pelo JCP, aproveitado pelas empresas do setor de telecomunicações, não foi compensado com essa queda no imposto cobrado das empresas. Para ilustrar os impactos, usamos nossas estimativas para o ano de 2021 e encontramos um impacto ainda negativo de –8,4% no lucro líquido de Tim e Vivo. Anteriormente, com uma redução de apenas 5% no IR, o impacto era cerca de –14,5% no lucro líquido das empresas.
É o fim das oportunidades de investimento nesse setor? Não! Apesar do existente impacto negativo, ainda mantemos nossa tese de investimento e recomendação de compra nas empresas. Acreditamos que ainda exista espaço para um interessante crescimento das receitas da companhia e de seu lucro líquido, dado a maior demanda por conectividade rápida (fibra ótica), serviços móveis (aqui inclui-se também o 5G) e pelas novas iniciativas de serviços digitais das companhias. Você pode entender mais sobre isso aqui.
Bens Industriais: Melhora, mas ainda falta… (Positivo)
De todas as mudanças, a redução na carga tributária em 10% é vista como positiva, com a alíquota nominal ficando em 24% em 2023 o que aumentaria nosso lucro projetado para cada uma das empresas. Outro ponto relevante para a indústria foi a proposta de redução em 10% da alíquota sobre importação, levando a tarifa a 10,8%. O aumento de competição entre as siderúrgicas pode causar um efeito de redução nos preços do principal insumo da indústria, o aço.
Lembramos mais uma vez que, além da redução das alíquotas, é importante que se discuta a simplificação e unificação dos tributos. Esperamos que nos próximos passos sejam discutidas as propostas que têm como objetivo a unificação e simplificação dos tributos. É importante para alinhar o Brasil às melhores práticas internacionais. Hoje, cerca de 168 países no mundo já adotam um modelo de simplificação tributária.
Uma comparação interessante que podemos fazer é sobre o caso da reforma tributária que ocorreu na Índia, em 2015. Isso porque o país é muito parecido com o Brasil, tanto em termos de diferenças sociais quanto em relação aos altos índices de sonegação e complexidade de impostos.
Após à implementação do novo modelo no país, as empresas de bens de consumo valorizaram mais de 26% e em 2 anos, a Índia subiu 50 posições no ranking sobre a facilidade no pagamento de tributos, de acordo com pesquisa do Banco Mundial. O FMI chegou a classificar o país como a “nova China” ou o motor de crescimento global nos próximos anos, o que demonstra a importância de uma reforma tributária ampla.
Alimentos (Frigoríficos): O otimismo prevalece (Positivo)
Nossa tese para os frigoríficos continua muito semelhante com a nova atualização da reforma tributária em relação ao primeiro texto proposto. A diferença é um impacto ainda mais positivo nos lucros das empresas, com destaque principal para a JBS, que seria a maior beneficiária da redução do IRPJ, aumento de 9,9% em seu lucro em 2023, em relação ao que seria sem a reforma. O aumento para os demais frigoríficos é menor, porém ainda relevante.
A JBS e Marfrig pretendem pagar dividendos nesse ano por conta dos resultados recordes que as companhias vêm conquistando, porém, o setor não é caracterizado como um bom (ou constante) pagador de dividendos, dado que é caracterizado como cíclico e evidentemente passa por períodos de altos e baixos. O pagamento de JCP nunca foi algo relevante para os frigoríficos. Apenas a BRF pagava JCP até 2016, e mesmo assim nunca mais pagou desde então.
Com maiores lucros e taxação em dividendos, acreditamos que o foco será em reinvestir lucros em operações e procurar mais oportunidades de expansão tanto orgânicas quanto inorgânicas.
Fundos de investimento imobiliário: Voltando ao começo (Neutro)
Tudo permanece como era antes – que bom! Após muita movimentação do mercado e conversas entre ministros, foi decidido que a tributação dos fundos imobiliários, além de prejudicar diretamente os pequenos investidores, também encareceria o funding para o mercado imobiliário, dado que seria exigido um retorno maior (ou seja, financiamento mais caro) para compensar a tributação. Somente no ano de 2020, os FIIs investiram R$ 30 bilhões na economia real, sendo o principal financiador do segmento de construção. A tributação reduziria fortemente esse fluxo para obter uma receita com impostos inferior a R$ 1 bilhão. Sendo assim, optaram por retirar os FIIs da reforma – o que é muito positivo tendo em vista a proposta anterior.
A proposta enviada ao congresso no último dia 25 de junho abordava a tributação dos dividendos distribuídos pelos fundos imobiliários em 15% e a redução da alíquota sobre o ganho de capital de 20% para 15%, além de retirar de vez a tributação sobre o ganho de capital dos fundos de fundos. A possível tributação dos FIIs foi suficiente para balançar fortemente o mercado, que reagiu com queda do Ifix superior a 2% após o anúncio. O principal motivo dessa queda fora o fato de que 70% dos FIIs estão nas mãos de pessoas físicas que utilizam esse ativo como fonte complementar de renda, e a tributação atingiria diretamente esses proventos.
Saúde: Copo meio cheio ou meio vazio (Positivo)
Com a nova proposta da reforma tributária, refizemos nossa análise com a queda de 10% na alíquota de IRPJ para as 6 empresas do setor de saúde que cobrimos. Utilizamos nossas projeções do ano de 2021 para comparamos o impacto que faria no lucro das empresas nos 2 cenários, pré e pós-reforma.
Nas 3 maiores empresas do nosso portfólio, Hapvida, GNDI e Rede D’Or, o impacto do benefício fiscal vindo do JCP no ano de 2021, chegou em 14,3%, 21,2% e 13,8%, respectivamente.
Porém, se compararmos o lucro, a coisa muda. As empresas que mais se beneficiariam em um cenário pós-reforma, seriam Odontoprev, Qualicorp e Fleury, com um crescimento de 13,7%, 15,6% e 11,4%, respectivamente. Adicionalmente, no caso dos dividendos, que serão tributados em 20%, vemos os acionistas dessas empresas com o menor impacto.
Tecnologia: Motivo de alegria (Positivo)
No nosso primeiro relatório, ressaltamos a importância de entender que as empresas de Tecnologia são companhias asset-light, que dependem de pouco capital para expandir suas operações e que são consideradas empresas de Growth (crescimento). Dessa forma, já é esperado pelo investidor que as empresas não paguem proventos, pois o objetivo é reter o lucro, reinvestir em suas operações e expandi-las.
Sendo assim, como essas empresas já não pagavam muitos proventos (e, portanto, não usufruíam dos benefícios do JCP), uma redução ainda maior na alíquota de IR é muito bem vista. A redução na alíquota permite um aumento no lucro líquido, aumentando a quantia disponível para reinvestir em seus próprios negócios, gerando mais valor ao acionista pela maior consolidação da empresa.
Para ilustrar em números, calculamos que o impacto no lucro líquido de Méliuz, nossa Escolha Genial para o setor, ficará na casa dos 15%. Com o antigo texto da proposta, que reduzia em 5% a alíquota, esse impacto era de cerca de 8%.
Locadoras: Botando o pé no acelerador! (Positivo)
Fizemos nossa análise com a queda de 10% na alíquota de IRPJ para as 3 locadoras de veículos que temos cobertura. Analisamos os impactos em nossas projeções para o ano de 2021 para identificar o impacto da redução do IRPJ no lucro das empresas.
Nas 3 empresas do setor, o impacto da redução da alíquota e do fim do JCP é positivo e estimamos um aumento de 8% em média no lucro das companhias.
Como o setor é de capital intensivo e tem boas perspectivas pela frente, a reforma pode acelerar o crescimento das empresas, pois libera capital para as empresas investirem na renovação e na expansão das suas frotas. Ou seja, mesmo se tratando de uma tese de indústria capital-intensiva, a redução na alíquota do imposto de renda acaba sendo positiva se tratarmos dos lucros.
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