Neste relatório, compartilhamos nossas impressões e os principais insights obtidos durante nossos encontros com investidores institucionais e o time de Relações com Investidores do Bradesco (roadshow em São Paulo e Rio de Janeiro). Com a recente nomeação do novo CEO, Marcelo Noronha, antecipamos amplas transformações no Bradesco, abrangendo desde mudanças de tecnologia, processos decisórios, aumento no segmento alta renda, diminuição do custo de servir da baixa renda, reestruturação de agências, até mesmo mudanças culturais, cujos detalhes serão anunciados no início de 2024, provavelmente coincidindo com os resultados do 4T23 no dia 07/fev/2024.
Esperamos um anúncio de um plano abrangente, englobando mudanças tanto conjunturais quanto estruturais. No âmbito conjuntural, o banco já implementou alterações nas linhas de corte nos modelos de risco de crédito e aprimorou a agilidade dos processos dos modelos para conter a inadimplência. Quanto às mudanças estruturais, espera-se que o banco aborde aspectos culturais e diversos pontos no relacionamento com os clientes, com maior transformação especialmente no segmento de baixa renda.
Negociando próximo a 1,0x o valor patrimonial, o valuation do Bradesco não está caro em nossa avaliação, especialmente quando comparado ao seu histórico. Possuindo um balanço sólido, uma extensa distribuição e uma clientela de relacionamento de longa data, acreditamos que o banco tem potencial para melhorar sua rentabilidade nos próximos anos, especialmente se o novo plano estratégico for bem-sucedido. Resta entender o momento ideal para surfar o potencial reflexo dessa narrativa no desempenho de suas ações, algo que aparentemente já está começando a acontecer.
Com essa perspectiva de melhora de rentabilidade, valuation atraente e redução acentuada no custo de capital por conta das quedas nos juros americanos e risco Brasil, estamos aumentando nosso preço alvo de BBDC4 de R$ 17,30 para R$ 20,30 (BBDC3 R$ 19,30) e elevando nossa recomendação das ações do Bradesco de Manter para Comprar. Nosso preço-alvo é baseado no modelo de Gordon Growth com um ROE de 16,5%, custo de capital (Ke) de 14,25% e crescimento (g) de 8,3%.
O novo plano estratégico deve ser implementado ao longo de 2 a 3 anos. Enxergamos uma perspectiva gradual de melhoria em 2024, possivelmente com um 4T23 ainda fraco. Estimamos que o lucro líquido cresça 26% a/a em 2024, aumentando de R$ 18,9 bilhões (ROE de 11,9%) em 2023e para R$ 23,8 bilhões (ROE de 14,0%) em 2024e. Antecipamos, assim, que a retomada da rentabilidade pelo Bradesco se estenderá por um período mais prolongado em comparação ao Santander. Esta expectativa é fundamentada, em parte, na capacidade do banco espanhol de antecipar o ciclo de crédito em pelo menos 6 meses, conferindo-lhe vantagem para retomar o crescimento de forma mais acelerada com um maior apetite a risco.
Para 2024, a previsão é de que a PDD (provisão para crédito duvidoso) apresente uma leve melhora em relação a 2023, podendo cair entre 5-10%. Com a normalização das provisões para crédito, o banco irá retomar o crescimento em linhas de crédito mais arriscadas, embora com cautela e seguindo as novas políticas de concessões de crédito. A expectativa é que a Carteira de Crédito cresça em 2024 em linha ou um pouco acima da indústria, que a Febraban estima em 8% a/a, um aumento significativo em relação ao guidance de 2023 de apenas 1% à 5%. As receitas com juros (NII) devem crescer, impulsionando um aumento do lucro operacional. No entanto, espera-se que o NII Clientes cresça menos do que o aumento do crédito, devido a uma abordagem ainda mais conservadora no mix (com spreads menores e menor risco) do que no passado e um saldo médio de carteira crescendo pouco. Quanto ao NII Mercado (tesouraria), espera-se que volte para o positivo, podendo chegar nas nossas estimativas a R$ 2b a R$ 4b para 2024. A receita com Serviços (Fee) deve acompanhar o ritmo da inflação. As Despesas Administrativas também devem crescer com a inflação.
Nova gestão: O mais apto vence
Fundado em 1943, o banco, que agora celebra 80 anos, trilhou diversas fases de crescimento, tanto orgânico quanto inorgânico, emergindo como uma das maiores instituições financeiras do país, frequentemente disputando a liderança com seu principal rival, o Itaú. Enraizado em uma cultura singular, fundamentada não apenas na meritocracia, mas também em um profundo sistema de senioridade (“prata da casa”), o banco conseguiu construir uma estrutura de partnership única, onde o management controla o banco, raridade em um negócio de capital muito intensivo. Mas nesse modelo do Bradesco, o sistema decisório é complexo, em forma de colegiado, em que o conselho de administração é presente no dia-a-dia do operacional do banco. Essa fórmula provou ser altamente bem-sucedida por várias décadas, especialmente em uma era em que as relações interpessoais e a presença física (por meio de agências) eram de importância extrema para a expansão dos negócios.
Mas como o ambiente de negócios nunca fica estável por longos períodos, os tempos mudaram drasticamente. No mais recente ciclo de crédito, o Bradesco enfrentou desafios, perdendo participação de mercado e registrando rentabilidade bem abaixo de seus concorrentes. O ambiente regulatório vem se tornando mais nocivo aos bancos incumbentes há muitos anos; a tecnologia passou a predominar em detrimento da presença física e as relações interpessoais; novos concorrentes conquistaram espaço junto aos clientes; e os impostos continuam a ser majorados aos participantes mais lucrativos, como os bancos.
Com o auxílio de uma consultoria estratégica, a nova direção do banco surge para abordar as diversas mudanças no cenário competitivo e ambiente de negócios. Para liderar esse processo de transformação, a administração do banco escolheu Marcelo Noronha (diretor de varejo e alta renda, e anteriormente diretor de atacado) como o novo CEO, sucedendo Octavio Lazari. Essa decisão rompe com a tradição em que o líder permanece no cargo até a idade máxima. (vide também nosso relatório).
Coincidentemente, em nossas reuniões, os principais questionamentos dos investidores estavam relacionados a nova administração do banco.
Já estão em andamento alguns esforços de aprimoramento que têm o potencial de agilizar a tomada de decisões por parte dos executivos. Os processos decisórios estão passando por uma remodelação, visando proporcionar maior fluidez nos processos decisórios e reduzir a complexidade na estrutura de tomada de decisão.
Outras mudanças incluem:
- Alta Renda. O banco já está empenhado na melhora e crescimento de sua base de clientes de alta renda, segmento menos atingida pelo recente ciclo de crédito.
- Redução do custo de servir. O plano passa por toda a área de atendimento, otimização de presença física e redução do custo de servir, principalmente para atender a baixa renda. Isso inclui a otimização do uso de itinerários (carro-forte), redução do espaço físico, diminuição do número de colaboradores e simplificação da estrutura decisória.
- Minimizar o impacto de perda de clientes e receita. O Bradesco busca a redução de custo sem perder presença. Isso implica no aumento do número de correspondentes bancários (Bradesco Expresso), em detrimento da expansão de agências e postos de atendimento.
- Tecnologia. Implementação gradual de migração de sistemas para a nuvem, para evitar duplicação de custos. Ênfase prioritária na nuvem para sistemas voltados para o cliente, visando aprimorar o time-to-market.
- Next e Digio. Em uma entrevista, o presidente do conselho, Luiz Trabuco, revelou que o banco está em processo de integração do banco digital Next ao Bradesco. O objetivo principal é acelerar a digitalização do atendimento ao cliente, eliminando a necessidade de agências físicas. O Next vai ser incorporado ao banco, operando como um banco digital com quase todas as funcionalidades de crédito e serviços financeiros, mas com uma roupagem mais jovem e digital. A conta digital de pagamento com cartão de crédito Digio segue apartada. Já a conta digital Bitz foi encerrada e os clientes foram convidados a aderir ao Digio. Um aspecto crucial em termos regulatórios e de custos é que os dois bancos (Next e Digio) estão atualmente categorizados sob a classificação de risco financeiro S1, juntamente com o conglomerado Bradesco. Isso acarreta requisitos de capital mais robustos e outras restrições financeiras que impactam a operação, colocando-a em uma posição mais desafiadora em comparação com a concorrência digital, que costuma ser enquadrada em uma categoria mais flexível, geralmente designada como S4.
Por que Noronha?
Parte das mudanças estão relacionadas ao desempenho dos executivos. Além disso, a instituição confia na habilidade de Noronha para liderar as novas mudanças estratégicas, destacando alguns casos de sucesso ao longo de sua trajetória na organização, como sua liderança na área de cartões e na remodelagem do BBI em 2015. Acreditam, ainda, que Noronha possui pensamentos estratégicos claros e uma visão de negócios robusta, fatores que devem contribuir para um mandato vigoroso de execução mais eficaz das mudanças que o conselho de administração está endossando.
Crédito: Normalização gradual da originação
O Bradesco vem aos poucos normalizando a sua originação de crédito, com foco em produtos específicos. Na pessoa física, o banco normalizou a concessão de crédito para o topo e meio da pirâmide. Na pessoa jurídica, o segmento de PMEs (Pequenas e Médias Empresas) ainda está em processo de normalização.
No entanto, a parte baixa da pirâmide (baixa renda), que foi o principal ponto de inadimplência desse ciclo, ainda segue com uma normalização mais lenta e cautelosa. Além disso, alguns produtos, como o cartão de crédito, que possui uma inadimplência mais alta, mostram uma normalização por fases, primeiro para os clientes do Bradesco e somente depois para o mercado aberto (mar aberto), possivelmente apenas em 2024.
Para o ano de 2024, a gestão do banco busca um crescimento que esteja em linha ou ligeiramente superior à média do mercado. A FEBRABAN estima um crescimento de crédito de 8,2% a/a em 2024. Essa projeção indica uma aceleração em comparação com o guidance de 2023 (1-5% a/a), refletindo uma dinâmica de maior originação e inadimplência sob controle.
Receita líquida de juros (NII): 2024 deve ser melhor
- NII Clientes: Prevemos que a NIM (margem de juros) sofra pressão no 4T23 e começa a se estabilizar no 1T24. A partir do 2T24, o banco espera que a NIM volte a subir, impulsionado por uma composição de mix mais favorável decorrente da retomada do apetite ao risco, além de uma expansão mais atrativa da carteira de crédito.
- NII Mercado: O Bradesco estima que a cada 100bps de redução da taxa Selic o NII Mercado sofra um impacto positivo para o ano de R$ 1,4b de receita NII Mercado. O banco espera que a Selic encerre 2024 em 9,25%, o que levaria a um NII Mercado positivo. Nossas estimativas apontam um NII Mercado entre R$ 2b e R$ 4b para 2024.
Para o consolidado de 2023, o banco espera que o NII total fique abaixo do guidance, contudo, há perspectivas mais promissoras para 2024, impulsionadas pela retomada do crescimento da carteira, um mix mais favorável e projeções mais atrativas (pelo menos positivas) para o NII Mercado.
Tarifas: Crescendo com a inflação
A linha de receita com tarifas mostrou um desempenho mais fraco no ano de 2023 e em nossa visão, deve fechar o ano abaixo do guidance (2-6%). A recuperação do resultado de serviços deve ser gradual. No 3T23, a linha que mais contribuiu com o resultado foi Investment Banking (IB), fruto de duas grandes emissões no mercado de dívida, Aegea e Enauta.
Para 2024, esperamos um crescimento em linha com a inflação, puxado pela recuperação de linhas como Investment Banking (IB), cartões e Asset Management. Na nossa análise, embora apresente melhorias, a linha de receitas com tarifas está sob pressão devido às iniciativas dos neobancos, como a isenção de tarifas em contas correntes (CC). Além disso, diversos fatores adversos afetaram a receita, incluindo mudanças regulatórias e tecnológicas, como o PIX, que teve impacto nas receitas provenientes de boletos e transferências (TED e DOC).
Provisão (PDD): Melhora para 2024
O Bradesco acredita que o pior já ficou para trás e espera que a linha apresente uma melhora para 2024, caindo marginalmente em relação a 2023, que deve terminar o ano no topo do guidance de R$ 36,5b à R$ 39,5b. Nossas estimativas apontam para uma redução esperada entre 5% a 10% a/a. Com isso, o banco entende que o índice de cobertura não deve cair mais, e que a provisão mais normalizada deve ajudar na recomposição do indicador. Ademais, o Bradesco vê um cost of risk mais normalizado entre 3%-3,5%, enquanto atualmente está acima de 4%.
A empresa reconhece que a falha neste ciclo foi a omissão de algumas variáveis macroeconômicas que poderiam aprimorar a previsão de inadimplência, além de não ajustar adequadamente os critérios de concessão (linha de corte) para determinados segmentos. Isso ocorreu devido à atipicidade deste ciclo, que se revelou mais desafiador do que as projeções iniciais indicavam.
No entanto, o banco já aderiu novas políticas de concessão de crédito, o que deve deixar o modelo mais resiliente para os próximos ciclos e reduzir as necessidades de provisões para devedores duvidosos.
Despesas: Em linha com a inflação
Um dos principais focos do banco está na otimização do custo de atendimento, redução do custo de servir, principalmente para o segmento baixa renda. Para alcançar esse objetivo, planejam uma redução gradual nos pontos de atendimento e agências, buscando evitar a perda de mercado. Essa transição será gradual, com a substituição progressiva pelo Bradesco Expresso (correspondentes bancários).
Além disso, estão em curso melhorias tecnológicas, como a migração de processos para a nuvem de 75% das transações de negócios, prevista para ser concluída até 2025.
O banco tem a expectativa de que as linhas de despesas de pessoal e despesas gerais e administrativas (G&A) cresçam em conformidade com a inflação ou, possivelmente, abaixo dela em 2024.
Rentabilidade: Retomada gradual
O Bradesco antecipa que a rentabilidade (ROE) permanecerá em níveis inferiores ao histórico por alguns trimestres, porém, espera melhorias graduais impulsionadas pelo aprimoramento da NIM, crescimento do NII Mercado, redução das necessidades de provisão ao longo dos trimestres e crescimento moderado nas despesas administrativas em linha com a inflação.
Até o final de 2024, espera-se que a instituição atinja uma rentabilidade (ROE) próxima ao seu custo de capital. No entanto, o banco espera que a rentabilidade deverá apresentar uma recuperação mais robusta em 2025. Por enquanto, em nossas projeções, incorporamos um ROE de 14,0% para 2024 e 15,8% para 2025.