Na última quinta, o STF iniciou a votação quanto à remuneração das contas do FGTS. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) em questão foi inicialmente protocolada em 2014 e dizia respeito ao uso do indexador que corrige o saldo das contas. Hoje, o indexador utilizado é a Taxa Referencial (TR) e a proposta realizada pelo requerente (Partido Solidariedade) é que o indexador justo seria o IPCA. Por enquanto, foram registrados 2 dos 11 votos, de forma que a maioria simples (6 votos) são suficientes para uma definição pelo tribunal. A votação deve continuar no dia 27/abr (quinta).
Mesmo que ainda seja muito cedo para cravar o resultado mais provável, vemos necessário clarificar a situação para os possíveis cenários que temos em mente e seus efeitos nas construtoras. Em um cenário de mudança do indexador para IPCA, temos duas possibilidades: efeito retroativo e prospectivo. No primeiro, o FGTS seria obrigado a corrigir os saldos das contas desde uma data de corte, gerando um passivo gigantesco a depender da data de corte. De acordo com o Ministro Roberto Barroso (Relator), a questão de perdas passadas só pode ser avaliada por via legislativa (leia-se, “decisão política”). Dado o prejuízo fiscal e politicamente desastroso de qualquer decisão retroativa, descartamos tal cenário como plausível. Além disso, foi relembrado pelo Relator que a desindexação do fundo foi realizada em 1991 de forma a ajudar a desindexar a economia e combater a inflação.
Outro cenário, proposto pelo Relator, é de equivalência da remuneração das contas do FGTS às contas poupança, argumentando que seus riscos são equivalentes, no entanto com menor liquidez do FGTS (devido às restrições de saques impostas). Este cenário tende a ser mais benigno, como veremos mais adiante.
Cenários mais plausíveis
- Sem mudanças na indexação/remuneração do FGTS
- Mudança do indexador para IPCA, com efeito prospectivo
- Mudança da remuneração de TR + 3% para o equivalente a poupança (TR + 6,17%, quando Selic >8,5% ou TR + 70% da Selic quando TR <= 8,5%), com efeito prospectivo
Cenário 1: Nada muda
Começamos com o cenário 1. Neste caso (que não deve ser descartado!), devemos ver as ações de construtoras retomando ao preço pré-votação (em média as ações caíram 10%-15%), a palavra final do STF contrário a mudanças traria um certo conforto jurídico, garantindo a existência de uma linha de crédito para o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) com funding barato.
Cenário 2: IPCA
No cenário 2, admitimos que há muita incerteza. O desenho atual do mercado imobiliário se baseia em crédito indexado à TR, de forma que ~95% do estoque de crédito no mercado é indexado à taxa. Caso fosse adotado um modelo de remuneração do fundo indexado ao IPCA, podemos ter duas situações: modificação do desenho atual MCMV, indexando-o à inflação (o que tornaria o programa praticamente inviável) ou manutenção do MCMV no desenho atual e necessidade de aportes anuais da União no FGTS para garantir a rentabilidade aos cotistas.
No caso de aportes da União, a incerteza sobre a inflação brasileira e discussões recentes de responsabilidade fiscal poderiam tornar o risco de atuação no MCMV muito alto, afastando construtoras de atuarem no programa. Construtoras que hoje atuam no faixa 2, provavelmente passariam a atuar mais ativamente no faixa 1, visto que o risco se tornaria semelhante. E construtoras que atuam no faixa 3, provavelmente se desenquadrariam do programa, buscando atingir majoritariamente o público SBPE. Ou seja, veríamos uma concentração em faixas mais baixas do programa, aumentando ainda mais a exigência de injeção de capital pela União.
Cenário 3: Poupança
Este é o cenário mais provável, que já conta com 2 votos favoráveis (Barroso, indicado por Dilma Rousseff e André Mendonça, indicado por Bolsonaro). Este cenário não é tão desastroso. Por um lado, de 2016 a 2021 o FGTS já devolveu aos cotistas um retorno de 39,91%, acima da poupança no mesmo período (32,44%) e do IPCA (36,23%). Por outro, tivemos um momento muito especial neste período, com inflação na mínima histórica e Selic/Poupança também na mínima histórica.
Neste cenário, poderemos ver uma elitização do MCMV, focando nas faixas mais altas, que já remuneram o FGTS próximo à poupança (5,5% no faixa 3 vs 6,17% na poupança). Além disso, quando consideramos que >25% dos ativos do FGTS rendem próximo à Selic, um MCMV focado no faixa 3 poderia garantir esta rentabilidade. O pior dos casos seria quando a Selic ficasse abaixo em 8,75%, com rentabilidade estimada do FGTS em quase 1p.p. abaixo da poupança. Para Selic abaixo de 6,75% já vemos a capacidade do fundo de honrar a rentabilidade mínima da poupança (considerando rendimento do caixa em 80% da Selic e rendimento da carteira de crédito de TR + 4,5%). O mesmo ocorre para Selic acima de 12,75%. Supondo uma elitização do programa, aumentando o rendimento da carteira de crédito para TR + 5,0%, o intervalo em que o FGTS supera a poupança é para Selic >11,25% ou Selic <7,5%. Ou seja, existe um intervalo razoável em que não há necessidade de injeção de capital no FGTS para honrar esta rentabilidade. No pior dos casos, com Selic a 8,75%, a necessidade de aporte seria da ordem de “apenas” R$ 5b/ano.
* Obs: os cenários apresentados consideram TR em 0%. Para TR = 1% a.a., considere que o intervalo de Selic varia em ~0,5p.p. nas duas pontas, positivamente para o intervalo superior e negativamente para o inferior. Ressaltamos, no entanto, que em momentos de inflação controlada e Selic abaixo de 8,5%, a TR tenda e se aproximar de 0%. A carteira de crédito de TR + 4,5% considera os valores de 2022 (até Novembro).
Nossa visão
Acreditamos que qualquer mudança em relação ao desenho atual do MCMV deve trazer perdas políticas significativas para o governo atual. No nosso entendimento o MCMV é o segundo maior carro-chefe dos governos Lula, perdendo apenas para o Bolsa Família. Mesmo que o cenário 2 ou 3 se concretizem, esperamos alguma contrapartida do governo federal para manter o funcionamento a pleno vapor e assegurar a promessa de “2 milhões de unidades” durante o mandato. Na prática isso significa injeção de dinheiro no FGTS ou no MCMV (via FAR, por exemplo).
Além disso, nos últimos meses temos visto iniciativas municipais e estaduais para fomento do MCMV, fornecendo um subsídio adicional dentro do orçamento estadual, o que seria similar a uma injeção de capital via FAR. Um exemplo desta iniciativa é o Casa Paulistana, que existe desde 2015 e passou a ganhar potência este ano.
Aqui seremos ousados: acreditamos que mesmo que os cenários 2 ou 3 se concretizem, a contrapartida deverá ser tão grande quanto necessária para assegurar que nenhum participante do MCMV sinta os efeitos até 2026. Isso significa que poderemos ver os modelos de valuation das companhias listadas sendo revistos, levando em consideração apenas expectativas até 2026 e, após 2026, considerando apenas expectativas fora do MCMV. Neste caso, enxergamos qualitativamente como as menos afetadas: Direcional (graças a um landbank gigantesco que pode ser redesignado, além da Riva que já atua fora do MCMV) e Cury (cujo preço já considera expectativas de apenas 3-4 anos, além de landbank em regiões premium que podem ser redesignados e atuação relevante fora do MCMV). Tenda seria a mais prejudicada, uma vez que está restrita em lançamentos e possui terrenos em regiões menos prestigiosas.