Principais Destaques
Nossa visão é de que a consolidação de alguns fatores na China deverão frear e começar a inverter o sentido da curva de minério de ferro a partir do 2S23, reduzindo o spread da curva para patamares mais racionais: (i) Cortes de aço bruto; (ii) inspeções regulamentares, levando a liquidação parcial do posicionamento especulativo; (iii) aumento dos embarques, criando um excedente de mercado a partir do 2S23 e basicamente anulando a restrição de oferta; (iv) mercado imobiliário ainda com uma performance preocupante e (v) menos espaço fiscal para incentivos do governo na economia chinesa
O 1T23 foi o primeiro trimestre completo após a reabertura da economia chinesa, que se consolidou com a flexibilização da política de Covid-zero, anunciada oficialmente em 7 de dezembro de 2022. Nesse 1T23, enxergamos alguns sinais de recuperação importantes que contribuem com uma conjuntura de curto prazo positiva para a commodity ferrosa, como o aumento das taxas de utilização dos alto-fornos nas siderúrgicas chinesas para ~90% (+1,28p.p vs. semana passada).
Porém, ainda que tenhamos notado esses sinais, temos uma visão menos construtiva sobre a dinâmica de preços do minério de ferro se compararmos com uma parcela (ainda) relevante do mercado. Acreditamos que os movimentos de aceleração no preço são apenas de curto prazo para a commodity, de forma que não enxergamos sustentabilidade na curva de minério 62% Fe a preços acima de US$110/t, dado o cenário que observamos hoje na China.
Para relembrar
Nesse capítulo do relatório, passaremos por uma retrospectiva do que aconteceu até aqui, para então darmos prosseguimento no capítulo seguinte com a nossa análise do que ainda está por vir. Então, se o investidor institucional que está lendo possui o hábito de acompanhar a nossa cobertura e o mercado, recomendamos seguir adiante para o próximo capítulo (Análise setorial: 1T23). Caso seja um investidor pessoa física, não esteja por dentro do setor ou não acompanhe nossa cobertura, esse capítulo foi feito para você.
Retrospectiva. A flexibilização das sevaras medidas de lockdown impostas pelo governo, conhecidas como Covid-zero, ocorreram oficialmente no início de dezembro de 2022. Nós fomos umas das primeiras casas a rebaixar a Vale de COMPRA para MANTER (Neutro), ~15 dias após as notícias começarem a circular sobre a flexibilização do Covid-zero, no final do ano passado. Isso porque, nesse curto período, o papel andou +18% e expurgou boa parte do upside que víamos para a mineradora em termos fundamentalistas.
No final de janeiro desse ano, através de um extenso relatório, cujo link segue em anexo (Metais & Mineração: Outlook para 2023), realizamos uma atualização de todas as teses sob a nossa cobertura do setor de Metais & Mineração para o rating Neutro, com exceção da Gerdau, que ainda recomendamos COMPRA. A partir da aceleração muito intensa e rápida dos preços das ações do setor, começamos a ter o sentimento de que a maioria das teses estavam ficando caras demais e que a alta vista entre o final do ano passado e início desse ano iria ser passageira, mediante a nossa percepção de que o consenso iria se decepcionar com a economia real chinesa e os agentes de mercado iriam voltar a racionalidade (o que nos parece, que está começando a acontecer).
A ideia do consenso de que a reabertura econômica na China poderia trazer um impulsionamento muito acentuado e duradouro em 2023 não é assertiva, em nossa visão. Avaliamos que o fim das medidas restritivas ocorreu de maneira muito abrupta, o que imprimiu uma desorganização e um mau planejamento do término da política de Covid-zero. Acreditamos que a economia chinesa enfrentará uma série de desafios conjunturais e estruturais nos próximos meses e anos que devem impedir que essa vigorosa e duradoura recuperação, da maneira como o consenso de mercado imaginava no início, se torne realidade.
Por que parte do mercado ainda está otimista? Não temos a visibilidade ainda do mês de março completo, mas a produção chinesa de aço subiu +5,6% a/a considerando os dois primeiros meses do ano, atingindo 169Mt. Ainda, a produção de metal laminado quente na China aumentou em +35t/dia no final do mês passado, chegando a 2,43Mt/dia no total. Para parte do mercado, esses indicadores demonstram um cenário positivo para a mineração, considerado que o minério de ferro é o principal insumo para a produção de aço, e a demanda por aço na China de fato está crescendo a/a, pelo menos, até o momento.
- Aumento de demanda: Acreditando em uma demanda reprimida nesse ano, oriunda da liberação das restrições do Covid-zero, o consenso ainda encontrava razões para justificar a curva de preços do minério de ferro em constante aceleração.
- Restrição de oferta: Somado ao aumento de demanda, não negamos que vemos uma restrição de oferta por parte das mineradoras. Após uma forte recuperação em 2021, principalmente quando as indústrias começaram a restaurar as atividades pós-pandêmicas e a se beneficiar do forte aumento dos preços ao longo de 2020, a produção global de minério subiu apenas ~2%, para 2,5b de toneladas em 2022.
Acreditamos que um crescimento bastante modesto em 2022 se deve a três fatores: (i) Reduções das atividades mineradoras na China, devido ao Covid-zero; (ii) guerra entre Rússia e Ucrânia, inviabilizando também as atividades de mineração, principalmente o processo de pelotização e (iii) dificuldades características das operações no Brasil e na Austrália.
No caso das reduções de atividades na China, Rússia e Ucrânia, observamos a produção coletiva desses três países chegando a 383Mt em 2022 vs. 459Mt em 2021, uma queda de 16,7%.
No Brasil, observamos um ano de 2022 com chuvas torrenciais extremamente fortes e sequenciais até o início do 2T22, principalmente no quadrilátero ferrífero (MG), que forçaram a paralização das atividades de mineração. Além do 2T22, o 4T22 também foi afetado com um volume de chuvas acima da média histórica. Dessa forma, para a Vale, as dificuldades para o aumento de produção passam por morosidade nos licenciamentos ambientais (sobretudo, no Sistema Norte) e aumento do volume pluviométrico.
Em 2023 estamos observando um índice pluviométrico menor no quadrilátero ferrífero se comparados ao igual período de 2022, porém, a Vale deve sofrer novamente para entregar aumento de produção nesse 1T23, diante de chuvas mais fortes, dessa vez no Pará (PA), onde fica Carajás, o complexo que representa ~10% do volume de produção atual da Vale e é estratégico para Companhia pela qualidade do minério (+prêmio sobre a curva de 62% Fe que o quadrilátero ferrífero).
Já na Austrália, mesmo com a produção de minério de ferro da Rio Tinto e BHP, que somaram 594Mt em 2022 (+15% vs. 2021), apoiada por projetos que começaram a operar durante 2021 (West Angelas, South Flank e Western Turner Syncline Fase 2), ainda assim vimos a produção total do país aumentar apenas ~2% a/a, chegando a 932Mt em 2022. Entre os fatores para um crescimento tão modesto é a escassez de mão de obra, bem como os custos mais altos de extração, vividos pelo setor de mineração na Austrália.
Com os grandes produtores de minério de ferro sofrendo dificuldades para entregar aumento de volume, haveria um ambiente de restrição de oferta, segundo a ótica de parte do mercado, caso a China suspendesse a política de Covid-zero e começasse a demandar mais minério para suprir as atividades siderúrgicas, o que veio a acontecer a partir de janeiro desse ano.
Na época, o consenso acreditava que a haveria um desbalanceamento entre os mecanismos de oferta (para baixo) e demanda (para cima), que fariam com que o preço do minério de ferro subisse em 2023 e se mantivesse em patamares muito mais altos do que os observados na média de 2022, o que levaria as mineradoras a obterem ganhos significativos.
Análise setorial 1T23
Nosso pensamento, desde o início, divergiu do consenso. Acreditamos que os agentes de mercado, mediante ao boato e posterior confirmação da reabertura da China, agiram nos preços da curva de minério pela expectativa futura de demanda desproporcional sobre a reabertura chinesa. Nossa opinião é de que os agentes econômicos não levaram em consideração a nova realidade da economia do país asiático (crescer 4-5% PIB vs. 7-8% pré-pandemia e lançamentos imobiliários em desaceleração), o que cria um descolamento da curva de preços com a economia real.
Ou seja, o preço do minério subiu a patamares muito mais altos do que normalmente ficariam dado aquele nível de demanda das siderúrgicas. Acreditamos que o mercado primeiro agiu nos preços, depois começou a fazer conta. E essa conta começou a ficar mais salgada após o anúncio da meta de PIB em 2023 em 5% (vs. 6% consenso), divulgada no início de março pelo governo chinês.
Para nós, a meta de PIB não foi surpresa, mas para os investidores que estavam mais otimistas com a reabertura foi um banho de água fria. Ainda que o valor tenha vindo em linha com as nossas projeções para o crescimento da China em 2023 (4,8% Est. Genial), o valor foi 1p.p abaixo do que a média do mercado esperava, o que mostra que a nossa visão menos otimista que o consenso sobre a reabertura, comentada logo no início do relatório, vem se provando verdade.
O que estamos vendo, que o consenso não via? Mesmo com as majors do setor de mineração (Vale e pares australianos) tendo dificuldades para aumentar produção, o que levaria a um ambiente de restrição de oferta, acreditamos que o ganho de +1,28p.p na semana passada na taxa de utilização dos alto-fornos chineses pode ter sido um dos últimos suspiros do aumento de demanda.
Dias após o anúncio oficial do relaxamento do Covid-zero mantivemos um tom mais neutro que o restante do mercado sobre os impactos da reabertura na economia real da China. É importante mencionar que sempre acreditamos que haveria um aumento de demanda, porém, nossas estimativas indicavam que esse aumento não seria exuberante e duradouro da forma como o consenso enxergava no início desse ano.
Nossa visão é de que a consolidação de alguns fatores na China deverão frear e começar a inverter o sentido da curva de minério de ferro a partir do 2S23, reduzindo o spread da curva para patamares mais racionais: (i) Cortes de aço bruto; (ii) inspeções regulamentares, levando a liquidação parcial do posicionamento especulativo; (iii) aumento dos embarques, criando um excedente de mercado a partir do 2S23 e basicamente anulando a restrição de oferta; (iv) mercado imobiliário ainda com uma performance preocupante e (v) menos espaço fiscal para incentivos do governo na economia chinesa.
(i) Cortes de aço bruto: Vemos os cortes na produção de aço bruto na China em 2023 como inevitáveis, uma vez que o governo deve, pelo terceiro ano consecutivo, estabelecer um teto para produção em virtude de pressões para reduzir as emissões de CO2 e já oficializou, no mês passado, o início a cortes de sinterização relacionados à poluição em Tangshan e Handan.
Desde que a produção de aço atingiu um recorde de 1,05b de toneladas em 2020, ela tem gradualmente reduzido a cada ano. Ainda que não tenhamos dúvidas sobre a existência de uma demanda de aço reprimida em 2023 se comparado a atividade industrial em 2022 (parcialmente paralisada pelo Covid-zero), esperamos que em 2023 a produção fique levemente abaixo de 1b de toneladas (990Mt Est. Genial), o que não nos parece um indicador, do lado da demanda de minério de ferro, suficientemente forte para colocar uma pressão em termos de elevação nos preços, mesmo em um ambiente mais restrito na oferta de minério.
A título de exemplo, o índice de gerentes de compras (PMI) industrial da China desacelerou para 50 em março vs. 51,6 em fevereiro. O resultado sinaliza um nível neutro de atividade no setor, uma vez que a marca de 50 separa a expansão da contração. Não é de hoje que não acreditamos que seja razoável a curva em preços de minério de ferro acima de +US$110/t por entendermos que não há uma demanda da economia real chinesa em relação as siderúrgicas que atualmente sustentem esse nível de preços por muitos meses, uma vez que estamos com essa visão desde o início do ano.
(ii) Inspeções regulamentares: As inspeções dos portos de minério de ferro pelo National Development and Reform Commission (NDRC), órgão regulador chinês, também nos indicam que a curva deve arrefecer. O NDRC emitiu um comunicado há cerca de 15 dias atrás, de que viabilizará medidas para conter o avanço dos preços do minério de ferro, do qual caracterizou como irracionais (assim como nós).
O comunicado veio logo após os processos de visitas aos portos de Qingdao (leste da China) e Tangshan (norte da China), aonde o agente regulador inspecionou os estoques portuários, e diante das situações do mercado e dos preços, anunciou que as taxas de armazenagem podem sofrer um aumento, de maneira a desincentivar o movimento especulativo de compra de contratos futuros da commodity bem como também exortou as empresas de comércio de minério de ferro a evitar absorção de mercado e inflacionamento artificial de preços.
(iii) Aumento dos embarques: Sobre a potencial restrição de oferta, nossas estimativas apontam que os embarques de minério de ferro para a China, ao longo do 1T23, totalizem em ~79Mt vindos do Brasil; ~110Mt oriundos da Austrália e Índia deve contribuir com ~20Mt, mediante a realização parcial dos estoques em trânsito. Acreditamos que esse volume de oferta deverá ser suficiente para neutralizar a restrição de oferta e formar um excedente de mercado a partir do 2T23, com as siderúrgicas adicionalmente sendo travadas na demanda pelo endurecimento do discurso do governo chinês a políticas para combater a emissão de poluentes (siderurgia é a atividade industrial que mais emite CO2).
Com a Índia, ficamos mais otimistas e projetamos um aumento de +5% Est. Genial dos embarques vindos do país em relação a nossa premissa anterior, após a remoção das tarifas de exportação no final do ano passado. Vemos a demanda por minério de ferro low grade estando mais aquecida que a de qualidade superior, o que acreditamos que dará suporte as exportações de minério de ferro indiano, de forma que devemos ver um 2023 mais positivo para a contribuição do país na estocagem dos portos chineses.
Segundo nossos cálculos, os embarques a China apresentaram um aumento de +2,2% a/a Est. Genial (+7,2Mt anualizado) nesse 1T23, com os dias de giro nos estoques portuários (Qingdao e Tangshan) estáveis em 38 dias. Considerando que os embarques levam ~45 dias para saírem dos portos no Brasil e chegarem nos portos da China, vemos uma diferença muito pequena no lag de dias para forçar os preços para cima, considerando que não é apenas do Brasil que a China recebe carregamentos de minério de ferro, e reforçando que a Austrália possui a vantagem competitiva de estar muito mais próximo da China e corresponder por ~60% dos embarques ao país asiático.
Dessa forma, acreditamos que haverá um excedente na oferta de minério de ferro até o final de 2023 e ao longo de 2024, com a nossa estimativa de produção de aço bruto (990Mt anualizada) sendo perfeitamente atendida pelo volume de embarques que chegam na China. Para isso, consideramos o contínuo crescimento das exportações de minério de ferro vindos da Índia, melhor fluxo vindo do Brasil considerando um ano com menos chuvas se comparado a 2022 (no quadrilátero ferrífero), e a recuperação gradual do mercado de trabalho para o setor de mineração na Austrália, bem como ramp-up dos novos projetos iniciados em 2021 no país.
Sem restrição de oferta, o preço nos patamares vistos de +US$120/t não se sustenta, mesmo sem considerar os cortes da produção de aço, de forma que a curva de referência para o minério de ferro iniciou a sua trajetória de queda faz 2 semanas, reflexo de que os nossos cálculos estão alinhados com a realidade. Antevimos que a restrição de oferta iria ser por tempo limitado, quando publicamos o relatório de Outlook 2023 (link no início), ainda no final de janeiro desse ano.
(iv) Mercado Imobiliário: De acordo com o Banco Popular da China (PBoC), o volume de novos depósitos bancários no país asiático atingiu em 2022 um máximo histórico de ¥18 trilhões (US$2,6 trilhões), representando um forte aumento de 81% vs. 2021. Em janeiro deste ano, o comportamento dos chineses foi de continuar poupando recursos, com um aumento de ¥6,2 trilhões em relação a um ano atrás, também um crescimento recorde para o mês.
Em uma recente pesquisa do PBoC, mais de 60% da população urbana diz preferir “mais poupança”, enquanto apenas 16% preferem “mais investimento”. Este cenário conflitante é mais um indicador que evidencia que o caminho para a recuperação econômica da China em 2023 pode ser mais lento do que o consenso imaginava.
Em nossa avaliação, o forte aumento da poupança no ano passado ocorreu em virtude de dois fatores principais: (i) incertezas ligadas a política de Covid-zero e (ii) redução considerável no custeio de hipotecas, financiamentos e aquisições de imóveis de média e alta renda, sobrando mais espaço no orçamento das famílias para outros gastos ou para o incremento da poupança via deposito bancário.
Sobre o ponto (i), acreditamos ser improvável que a reabertura da China desencadeie um fluxo migratório muito relevante da poupança para o setor de consumo. Dessa forma, o acúmulo dos recursos poupados será gasto apenas parcialmente com o chamado “consumo de vingança”, que é, sobretudo, direcionado a serviços, não a bens, exatamente como ocorreu no Brasil e no restante do mundo. Vale lembrar que o consumo de serviços, ao contrário do de bens, raramente demanda aço, e não é driver para o minério de ferro.
Já sobre o ponto (ii), a razão pela qual as famílias diminuíram os gastos com hipotecas, financiamentos e aquisições de imóveis está relacionado diretamente a uma crise de confiança e estabilidade do setor imobiliário na China. Conforme detalhamos, já há algum tempo, com bastante intensidade em nosso relatório de Outlook 2023 do setor de Metais & Mineração (link em anexo no início), vemos razões claras para a desconfiança dos chineses sobre a saúde financeira das incorporadoras do país.
Com uma média de alavancagem de 140% Dívida Líq./equity, as 5 principais incorporadoras seguem ainda muito mais endividadas do que seria considerado saudável, mesmo diante da realidade do nível de taxas de juros praticado na China, e isso passa pouca confiança para o comprador de imóveis de que a incorporadora irá conseguir terminar as obras e entregar as propriedades dentro dos prazos.
Com uma crise de confiança instaurada no final de 2021 e durante 2022, houve um efeito bastante difundido entre os pagadores de hipotecas de entrarem em inadimplência, e os bancos chineses passaram a ter um incremento rápido no NPL da carteira de empréstimos imobiliários.
Constatamos que em fevereiro a taxa de juros média para empréstimos imobiliários de first buyers (adquirindo imóveis pela primeira vez) nas 100 maiores cidades da China regrediu para o menor patamar visto nos últimos 4 anos, justamente na tentativa de estimular o setor. Sob o apoio das políticas locais, a tarefa de “garantir a entrega de casas” no mercado imobiliário continua sendo crucial, porém acreditamos que a trajetória de esfriamento do mercado imobiliário ainda requer tempo para ser invertida.
Dados do PBoC indicam que os empréstimos de longo prazo aumentaram em ¥87b em fevereiro, apresentando uma desaceleração de 61% no ritmo de aumento de janeiro, que marcou ¥223b. Ao mesmo tempo, os dados das vendas de empreendimentos imobiliários novos em março também mostraram uma desaceleração, estando em sinergia com um volume menor de tomada de empréstimos.
Para nós, não é surpresa que a venda de novos empreendimentos imobiliários não obtenha crescimento satisfatório, pelo menos até o 2S23, uma vez que, conforme estamos comentando desde o início do ano em nossos relatórios, vimos uma queima de estoque de propriedades prontas no 2S21, limitando os compradores a menos opções já acabadas, e sobrando no mercado mais opções ainda em construção.
Conforme esclarecemos, os imóveis em fase de construção estão ainda passando por um processo de recuperação de credibilidade, à medida que as incorporadoras não completaram o ciclo de arrefecimento da alavancagem de maneira representativa. Acreditamos que isso atrapalha a transmissão de mais confiança para compradores que teriam que adquirir imóveis ainda na planta ou em fase de construção, e justamente são esses empreendimentos que requerem aço e puxam a demanda por minério de ferro.
Devemos lembrar também que os meses de abril e maio é sazonalmente mais forte, ocorrendo o pico de lançamento de novos empreendimentos imobiliários na China, e mesmo assim, os números que temos observado tem vindo em linha com as nossas estimativas e desapontado os investidores que estavam mais otimistas. Os números estão abaixo da média histórica de 5 anos, e até fevereiro, totalizaram 60m de m2, e estão mostrando um crescimento considerado baixo para a pico sazonal de abril/maio, devendo chegar, segundo nossos cálculos, a ~160m m2 vs. 180m m2 da média histórica.
Dessa forma, para nós, a base de recuperação do mercado imobiliário continua instável. Recentemente, a incorporadora Sino-Ocean Group, uma das principais listadas em Hong Kong, anunciou que adiará o pagamento dos juros de suas debêntures com vencimento em 21 de março. Acreditamos que esse é mais um indicador de que ainda há uma pressão considerável sobre o refinanciamento das empresas imobiliárias em 2023. Com incorporadoras rolando dívidas, a alavancagem não desce e os bancos chineses ainda possuem dificuldade de se livrar do NPL de carteiras imobiliárias, restringindo a oferta de crédito para novos empreendimentos (que demandariam aço, e por consequência, minério).
A taxa do M2 (medida para depósito em conta poupança + conta corrente) da China também atingiu, em janeiro, uma alta de +12,6%, a maior dos últimos seis anos. Com uma oferta grande de liquidez, os preços das casas novas nas cidades Tier I têm mostrado sinais de recuperação a partir de fevereiro, e compradores especulativos voltaram a aquecer levemente o mercado de preços através de metas de investimento em bons locais. Ou seja, mesmo com uma procura menor de empreendimentos em fase de construção, o preço das casas não arrefece, consolidando novamente uma característica primária de comportamento de bolha nas cidades maiores.
Para além disso, observamos 2022 como um marco muito importante em nossa tese (contra consenso) de China, pelo início do processo de inversão da pirâmide etária, consolidando o primeiro ano de crescimento populacional negativo. Acreditamos que a China está começando a demonstrar sinais que são próximos aos de economias mais maduras, como a taxa de declínio populacional, em virtude do aumento do custo de vida (o que leva as famílias a terem menos filhos), e para nós, cria uma dificuldade adicional para o mercado de propriedades em cidades pequenas e médias.
Acreditamos que os casais de classe média em cidades menores na China estão começando a perceber que seus poucos filhos herdarão duas, ou às vezes até quatro ou cinco casas deles e de seus avós, e ao tentar encontrar inquilinos ou compradores para reduzir o custo de manutenção desse patrimônio, não conseguem, uma vez que os preços já subiram muito nos últimos anos, e investidores especulativos focam seus interesses em propriedades localizadas quase que exclusivamente em cidades maiores.
Em nossa avaliação, mesmo que o governo continue injetando liquidez no mercado imobiliário ele não persuadirá essas pessoas a comprarem mais propriedades nessas localidades. Acreditamos que a recomposição sustentável dos gastos dos consumidores na China passará obrigatoriamente pelo aumento do orçamento familiar de baixa e média renda. Entretanto, estes são os grupos que serão mais pressionados pela desaceleração dos investimentos imobiliários, uma vez que, sem conseguir vender ou alugar suas propriedades, o custo de vida fica cada vez mais alto, restringindo o espaço na renda familiar para o consumo de bens e serviços.
Para piorar o cenário, acreditamos que com as dinâmicas da pandemia de Covid-19 e guerra entre Rússia e Ucrânia, diversos países ao redor do mundo perceberam o quanto a matriz de suprimentos, em determinados itens essenciais na produção industrial, estavam concentrados em poucos países (como por exemplo, fertilizantes e semicondutores). Acreditamos que 2023 será um ano marcado pelo início do processo de nacionalização de algumas etapas do processo produtivo para alguns países, e por consequência, uma demanda internacional menor de produtos de origem chinesa, o que não é satisfatório para a geração de PIB, e tão pouco para a arrecadação fiscal do país, o que nos leva ao próximo desafio do governo chinês.
(v) Menos espaço fiscal: Conforme comentamos acima, vemos a arrecadação fiscal do governo Chines em declínio em 2023, devido principalmente a três fatores: (i) PIB crescendo menos que período pré-pandemia (4,8% Est. Genial anualizado, 2p.p abaixo da meta do governo), com menos demanda internacional para produtos de origem chinesa devido a investimentos no processo de nacionalização de componentes, bem como (ii) um gasto previdenciário que começará a pressionar as contas públicas com a inversão da pirâmide etária em curso e (iii) queda na receita tributária relacionada ao setor imobiliário: imposto sobre o valor agregado do solo, imposto sobre o uso do solo urbano e imposto sobre escrituras relacionadas a imóveis, todos as três formas de arrecadação estão apresentando queda em 2023.
Dessa forma, acreditamos que a progressão de espaço fiscal na utilização de recursos com o intuito de estimular a economia comerá a ser algo mais desafiador para o governo chinês a partir de 2023. Nos dois primeiros meses do ano, segundo dados da Eurasia Group, a receita do orçamento público nacional foi de ¥4,56 trilhões, uma diminuição de 1,2% a/a, e a despesa do orçamento público geral nacional foi de ¥4,09 trilhões, um aumento de +7% em relação ao ano anterior, com a receita fiscal nacional diminuindo em 3,4% a/a. A nossa interpretação é de que a pressão fiscal ainda não cedeu, e há um hiato entre a recuperação econômica e a recuperação fiscal.
A queda na receita tributária relacionada ao setor imobiliário indica que a recuperação do mercado imobiliário está longe do otimismo que o consenso depositava na reabertura da China. Nos dois primeiros meses do ano, o imposto sobre o valor agregado do solo, o imposto sobre o uso do solo urbano e o imposto sobre escrituras relacionadas a imóveis diminuíram 22,4%, 7,4% e 4%, respectivamente.
Além do orçamento geral, o orçamento para fundos administrados pelo governo nacional teve um declínio de 24,0% a/a até março, com uma diminuição de 3,4p.p em comparação com o declínio a/a já visto de 2022 para 2020. A principal razão para o declínio expandido da receita dos fundos administrados pelo governo foi devido a uma forte retração de 30% na arrecadação tributária mediante a transferência de terras, com uma compressão de 5,7p.p vs. a já desaceleração de 2022. Ou seja, há um volume consideravelmente menor de transações imobiliárias ocorrendo ao redor do país, o que está em linha com as nossas observações no capítulo sobre Mercado Imobiliário, e levam a um espaço fiscal mais restrito, justamente tirando do governo parte do seu poder de incentivar o setor com pacotes de estímulos.
Nossa avaliação é de que o aumento da dívida local deve exercer pressão para controle da dívida implícita incremental. Mediante a um espaço fiscal mais restrito que os anos de glória vividos pelo país asiático, acreditamos que haverá um leve aumento ao longo do ano do risco da dívida do governo na China, o que contaminará, por consequência, o risco do mercado imobiliário, trazendo maior pressão para o sistema financeiro do país.
Então, para onde vão os preços da curva?
Dito tudo isso, a resposta que encontramos para essa pergunta é: para baixo. Com uma demanda mais forte de aço sendo puramente de curto prazo, e estando também atrelada ao efeito sazonal dos meses abril/maio para o setor de construção civil na China, acreditamos que a curva, apesar de já estar recuando (2 semanas seguidas em queda, fechando a US$119/t), ainda deve encontrar suportes para uma média de US$105/t no 2T23. Já a partir do 2S23, vemos a curva abaixo da barreira dos US$100/t, em nossas projeções.
Vale mencionar que estamos mais pessimistas que a maioria das casas, mas para os investidores que leram até aqui, temos razões mais do que fundamentadas para isso, e nossas estimativas vem, em linhas gerias, batendo com a realidade desde o início reabertura até agora.
Nas últimas 2 semanas a curva de minério vem sofrendo essa reprecificação, amargando uma retração de ~8% no acumulado de 12 dias consecutivos, e atingindo pela primeira vez desde o início de janeiro um valor abaixo de US$120/t na última quinta-feira, 06 de abril.
Dessa forma, nossa visão é de que a taxa de utilização de alto-fornos na China, que está atualmente em ~90%, possui pouco espaço para continuar subindo, e deve permanecer estável por tempo limitado para então a decair, o que levará o preço do minério de ferro a começar a arrefecer ao longo do 2S23, chegando a US$95/t no 4T23, segundo nossa projeção. Ainda assim, revisamos a nossa curva de longo prazo (2028) para US$75/t vs. US$70/t, usada em nossos modelos até o ano passado, para embutir o maior custo inflacionário das commodities, complacentes com a nova realidade mundial.
Nossa visão e recomendação
Acreditamos que a recuperação econômica da China está ainda longe de se mostrar fortificada como a média do mercado inicialmente imaginava. Nós, por outro lado, sempre mantivemos, mantivemos um tom mais neutro do que o consenso sobre o quanto de demanda reprimida haveria acumulada para entrar efetivamente nos números da economia real em 2023.
A demanda, segundo os nossos cálculos, será ligeiramente mais intensa que em 2022, e ocorrerá apenas no 1S23, enquanto deve desacelerar mais no 2S23, mediante ao corte de produção de aço bruto, imposto pelo governo para controlar a emissão de poluentes, ponto explorado mais afundo ao longo do relatório.
Observamos que o estoque de minério de ferro nas usinas siderúrgicas permanece em níveis baixos e as usinas provavelmente reabastecerão o minério antes do pico sazonal da construção civil (abril/maio), o que deve suportar a curva de referência 62% Fe para o patamar ainda acima dos US$100/t, mas ainda assim, não o suficiente para mantê-la acima dos US$120/t, conforme estamos comentando desde final de janeiro.
Final do rally? Essa pergunta já é mais difícil de responder, uma vez que a aceleração de preços como o comportamento clássico de um rally ocorre, quase sempre, por expectativas futuras e não lastreadas na racionalidade dos agentes de mercado, conforme procuramos elucidar para o investidor ao longo desse relatório.
Ainda que, para nós, todos os números apontam para uma queda na curva de minério daqui para frente, o mercado nem sempre é racional, e considerando que a China historicamente costumava surpreender positivamente os investidores, alguns acabam confiando mais na narrativa de superação do que necessariamente olhando mais atentamente para as dinâmicas de oferta e demanda atuais, e dos desafios que a China vai enfrentar daqui para frente.
Para estes que ainda pensam dessa forma, procuramos nesse relatório juntar pontos para mostrar que a China pós pandemia não deverá ser igual a China pré pandemia. Crescer high single digit PIB não será mais a regra, e se acontecer (achamos que não), será excepcionalidade de alguns anos (definitivamente, 2023 não será um deles). Dessa forma, os ajustes na curva de preços do minério deverão enquadrar essa nova realidade, e a média de US$125/t vista no 1T23 não nos parece que leva essa realidade em consideração.
E olhando para o comportamento da curva nas últimas duas semanas, saindo do pico de US$130/t e chegando a US$119/t, acreditamos que finalmente os agentes de mercado estão começando a se comportar de maneira mais racional, então podemos estar sim, diante do final do rally.
Permanecemos Neutros. Com todos os argumentos que demonstramos sobre as dinâmicas de oferta e demanda, gostamos então de olhar para as particularidades de cada uma das teses para entender o que cada Companhia do setor está fazendo para se tornar mais eficiente em seus custos, ou aumentar a oferta de minério high grade para melhorar o preço por tonelada, e ganhar certa autonomia em relação a curva de 62% Fe.
Apesar de termos pintado um cenário bem menos construtivo para a tese da China, é importante dizer que nos parece óbvio que a China continuará demandando um volume extremamente alto de minério de ferro, principalmente se comparado a economias que devem ter seu crescimento próximo da estagnação. Ou seja, crescer ~5% o PIB é um grande feito, considerando o cenário global. O problema que encontramos foi que o mercado precificou acima do valor justo as ações do setor de Metais & Mineração, sobretudo as mineradoras, esperando que a China fosse entregar um crescimento mais representativo que esses 5%, o que tudo a aponta, não deve ser realidade.
Olhando para as individualidades de cada Companhia, esperamos um 1T23 pior para Vale, onde as mesmas dificuldades de licenciamento ambiental serão somadas ao aumento de provisão para JV com a BHP (Samarco/ Fundação Renova), sobre o acidente de Mariana (MG). Comentamos mais a fundo sobre nossa visão para a Vale em um relatório dedicado a Companhia, que segue em anexo (VALE3: Aumento das provisões e Prévia Operacional 1T23)
Já para a CSN Mineração (CMIN), acreditamos que operacionalmente o resultado deve demonstrar melhoras no 1T23, mediante a uma gradual elevação de margem, com um preço realizado superior ao visto no 4T22 (acima dos US$90/t), porém, com um volume de embarques levemente menor, o que já nos parece um feito grande, considerando que sazonalmente o volume dos 1Ts são bem mais fracos que os dos 4Ts pela maior incidência de chuvas.
Em termos de eficiências de custos, gostamos mais da CMIN para o curto prazo, uma vez que os contratos de arrendamento das embarcações próprias da Vale não a permitem capturar todo o arrefecimento no custo do frete na rota Tubarão-Qingdao (SSY), que esperamos uma contração nesse 1T23 para a marca de US$18,15/t vs. US$20,80/t no 4T22. Considerando um cenário mais adiante, em nossa avaliação, a recente decisão da OPEP de cortar a produção em 1,1MMbbl por dia pode ocasionar uma alta do preço do óleo diesel e uma subsequente aceleração, novamente, do frete SSY. Mediante a isso, o cenário se inverte, e vemos a Vale mais protegida que a CMIN, que possui mais exposição ao preço spot do frete.
Adicionalmente, devemos ponderar também que observamos um evento não previsto de um descarrilhamento na ferrovia da MRS, da qual o efeito preponderou sobre uma maior ineficiência logística, forçando a CMIN a utilizar mais portos de terceiros nesse 1T23, e implicando também em maior custo com demurrage.
Tanto para a Vale, quanto para CMIN, reiteramos o nosso rating MANTER, e preferimos observar a curva de preços do minério se aproximar ainda mais do valor que acreditamos ser mais racional, para então enxergarmos com mais visibilidade oportunidades de entradas em ambos os papéis a valuations mais atrativos do que os atuais.