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    Publicado em 19 de Setembro às 08:20:07

    Metais & Mineração: Um raio X na fratura exposta do mercado imobiliário chinês

    Após um trimestre desafiador para o mercado imobiliário chinês, ainda vemos o preço do minério de ferro em trajetória bastante impressionante para o patamar de ~US$120/t. Nesse relatório iremos expor os motivos pelos quais acreditamos que o preço do minério de ferro acabou não desabando (pelo contrário, subiu…) apesar do mercado imobiliário estar com uma fratura exposta. Dessa forma, iremos dissecar o ambiente macroeconômico na China, analisando com muita profundidade as razões que justificam o balanço entre demanda e oferta de minério de ferro, e daremos a nossa opinião sobre para onde vai o preço da commodity daqui em diante.

    Além de darmos um parecer sobre a situação macroeconômica na China, analisaremos as nossas duas mineradoras em cobertura: Vale e CMIN. Comentaremos o que os investidores podem esperar de ambas as companhias, procurando selar quaisquer gaps de informações que tenham ficado em aberto entre nossos relatórios de análises dos resultados do 2T23 e hoje, realizando uma breve retrospectiva de quais foram as principais dinâmicas do último resultado para Vale e CMIN e endereçando esses pontos para o 2S23 em capítulos separados para cada uma das empresas.

    Principais destaques sobre a China:

    (i) Adentrando nos últimos dados reportados sobre a economia chinesa, indicamos qual o rumo do crescimento do país, e o motivo de acreditarmos que a crise imobiliária enfrentada não deve ser passageira; (ii) Fortalecendo a tese, utilizamos um pouco da história do setor para entender como as grandes incorporadas passaram a enfrentar dificuldades financeiras mesmo representando o melhor negócio possível na economia local; (iii) Listamos os sinais que nós enxergamos sobre o colapso antes dele ficar em evidência para o consenso, e quais os possíveis remédios para a náusea que retarda a maior fonte de crescimento da China nos últimos anos; (iv) Se os problemas estão aumentando em escala exponencial, o que levou o minério de ferro a apreciar últimos meses? Fomos a fundo para esclarecer para onde está indo todo o aço produzindo pelas siderurgicas chinesas; (v) Consolidando os recentes fundamentos, fizemos alguns ajustes na nossa estimativa  de curva futura para o minério de ferro, para refletir de maneira mais precisa os mercados metálicos.

    Principais destaques sobre a Vale:

    (i) Após empecilhos que limitaram a receita e aumentaram os custos no 1S23, o que podemos esperar para a Companhia daqui em diante? Enumeramos alguns pontos que achamos interessantes (ii) Samarco: potencial pagamento de indenizações duplas e qual o efeito que a aprovação do plano de recuperação judicial da empresa traz para Vale; (iii) Aprofundando o guidance de finos em 360Mt para 2028, explicamos de onde deve vir o aumento de produção da Companhia, quais os principais riscos e as grandes oportunidades por trás de seu desenvolvimento de médio e longo prazo; (iv) Explicamos como a Companhia pretende se beneficiar das adversidades conjunturais do minério de ferro, se beneficiando de grandes metas para a redução da emissão de carbono sob a ótica de um aumento de prêmios; (v) Rodamos mais uma vez nossa análise de sensibilidade, para mostrar em que nível está o desconto das ações, bem como qual o preço de minério de ferro implícito no valor atual de mercado da Vale.  (vi)  Passamos a incorporar a nova curva de projeção para o minério de ferro, revemos premissas de desestocagem, além do custo frete, fatores que alteraram para US$17,00 o nosso Target Price 12M das ADRs NYSE (vs. US$16,75 anteriormente), reforçando nossa recomendação de COMPRA.  Entretanto, continuamos com R$83,00 para VALE3-B3

    Principais destaques CMIN:

    (i) Seguido de um ano cujo guidance teve que ser revisado para baixo por 2x, esperamos que em 2023 a história seja diferente. Ajustamos então nossas expectativas para uma produção de ~42Mt vs. um topo de guidance em 41Mt e discorremos o que nos faz ficar animados com a produção da CMIN; (ii) Em um mercado que atualmente está pagando baixos prêmios por minérios de maiores qualidades, a estratégia da CMIN tem sido aumentar o fornecimento de minério de ferro low-grade, junto com a elevação das compras de terceiros, o que acaba trazendo reflexos indesejáveis em seus números. Exploramos um pouco mais essa dinâmica; (iii) Em conversas recentes com a Companhia,  tivemos a impressão de que há um sentimento por parte da CMIN de que o minério de ferro não deve sobreviver nesse patamar durante muito tempo, e consideramos ser provável a estruturação posições de hedge por parte da Companhia; (iv) Acreditamos que oscustos devem arrefecer no 2S23, com a CMIN caminhando para um momento sazonalmente mais favorável do ano, considerando um driver de aumento das vendas, com mais diluição e uma compra de terceiros em níveis menores que no 2T23, o que faz com que a nossa projeção de custo C1 reduza para o 3T23; (v) Com um cenário ainda maior vendas de minério low-grade, sofrendo descontos em relação a curva de 62% Fe, optamos por reiterar nossa recomendação MANTER, com um Target Price 12M de R$5,00.

    A balança comercial entre a China e países estrangeiros contraiu-se em agosto, conforme relatado por dados recentes. O superavit comercial total do mês foi de US$68,3b. Nossa análise sugere que a demanda global lenta por produtos chineses e uma recuperação econômica incerta estão impactando negativamente os gastos dos consumidores no país, o que se alinha com nossas previsões anteriores feitas quando a política pós-covid-zero chegou a seu final. O valor das exportações sofreu uma queda significativa de -14,5% m/m, marcando o declínio mais substancial desde fevereiro de 2020, enquanto as importações também regrediram -12,4%. Em ambos os casos, os números foram piores do que o previsto pelo consenso.

    Além disso, os números de inflação, divulgados na semana passada, confirmam a lentidão contínua nos gastos dos consumidores, mas revertendo a deflação do último mês, trouxeram um CPI em uma alta marginal de 0,1% a/a. Nossa avaliação sugere que a piora no declínio das importações significa uma demanda doméstica enfraquecida, que sofreu sua queda mais severa desde janeiro. Inicialmente, era amplamente esperado que a recuperação econômica da China neste ano fosse impulsionada pela demanda interna.

    Entretanto, desde os estágios iniciais, nos opusemos a esse ponto de vista do consenso, principalmente porque enfatizamos que os problemas no mercado imobiliário são de natureza estrutural e não cíclica. Acreditamos que a situação atual se instaurou através do acúmulo gradual ao longo dos anos, devido a políticas que expandiram excessivamente o setor, ultrapassando o que poderia ser considerado saudável. Acreditamos que a situação atual é apenas a consequência dessas políticas se tornando mais evidentes. Muito embora a política de Covid-zero exerceu um papel de catalisar esse processo, expondo as vulnerabilidades preexistentes quando ocorreu a reabertura da economia, na nossa perspectiva o resultado dessa situação parecia estar predeterminado a acontecer já fazia algum tempo. Em nosso entendimento, o declínio contínuo das importações nos últimos cinco meses está intimamente ligado ao enfraquecimento do desempenho do mercado imobiliário. A China depende muito da importação de quantidades significativas de materiais de construção, incluindo minério de ferro para a produção de aço.

    Após um longo período de construção excessiva, investimentos improdutivos em infraestrutura e projetos malsucedidos, as consequências estão sendo enfrentadas agora. Os principais conglomerados imobiliários, como Evergrande e Country Garden, estão sofrendo um colapso financeiro. No caso da Evergrande, é a segunda vez que a companhia passa a ocupar o news flow rotineiro, inaugurando em setembro de 2021 as primeiras seções dos cadernos de economia mundo a fora.

    Como resultado, todas as expectativas de uma retomada da economia chinesa estão diminuindo. Diversos bancos e corretoras que estavam mais otimistas, acabaram revendo suas projeções. Para nós, como fomos assertivos em relação ao macro da China até aqui, não necessitamos baixar as estimativas (por ora). Continuamos com uma projeção de 4,8% de PIB para 2023.

    A Crise imobiliária é estrutural e não momentânea

    Por que estamos falando desde novembro do ano passado que a crise é estrutural e não momentânea? A China transformou drasticamente seu mercado imobiliário após as reformas de 1978 sob a administração de Deng Xiaoping. Antes disso, o setor imobiliário era monopolizado pelo governo chinês. As principais mudanças, incluindo a abertura econômica e a mudança para a privatização e a comercialização, levaram à passagem gradual de uma economia plana para uma economia de mercado. O investimento em imóveis aumentou de ~6% do empenho de recursos em capital fixo antes das reformas para 18,72% entre 1978 e 1997. Em 1998, a China acelerou o ritmo e migrou ainda mais para um sistema pró-mercado, levando a uma onda de privatizações de propriedades. Após um início que poderíamos considerar até lento na década de 80 perto do que o país iria vivenciar nos anos seguintes, o boom do mercado imobiliário começou mesmo ao final da década de 90. Depois disso, apesar das tentativas governamentais de conter o aumento dos preços das hipotecas, o mercado continuou crescendo rapidamente. As medidas do Banco Popular da China (PBoC) para estabilizar os preços e restringir as práticas de empréstimo não impediram o boom do mercado imobiliário de acontecer. A maior parte da poupança chinesa foi, ao longo dos anos, se tornando cada vez mais dedicada ao setor imobiliário, com ~75% dos ativos investidos em propriedades, em comparação com ~30% nos EUA, por exemplo.

    Na primeira década do século XXI, a elevação no preço das casas em ~270% excederam o aumento do salário médio por quase +130%, que por sua vez, cresceu em torno de 146%. No mesmo intervalo de tempo, as hipotecas em Shanghai subiram mais de 10x em valor total. O desenvolvimento do mercado imobiliário chinês foi acompanhado pelo rápido progresso econômico, com o PIB expandindo em uma média de 10% ao ano, enquanto a população fazia o êxodo rural e migrava para as áreas urbanas.

    O mercado chinês passou a ser altamente concentrado no setor imobiliário, com ~65% da população investindo exclusivamente em imóveis. O movimento de excesso de poupança acumulada da China, que ultrapassou 40% da renda familiar devido ao impacto da política de Covid-zero em 2022, passou a oferecer um limitador de liquidez na economia. A taxa de urbanização da China elevou-se de 20% em 1980 para 64% em 2021, superando significativamente a média dos países em desenvolvimento, mas o custo dos imóveis ao longo dos anos foi se tornando um duro obstáculo para a continuidade desse fluxo, de forma que hoje, o movimento migratório é significativamente menor, considerando o pesado custo de vida em cidades Tier I (Beijing, Shanghai, Guangzhou e Shenzhen).

    Retórica de “As casas são para morar, não para especular”. À medida que investir no mercado imobiliário foi se tornando bastante lucrativo, a penetração do volume de compras secundárias de imóveis (pessoas que já possuem uma propriedade e estão comprando outras) começou a subir rapidamente, gerando um efeito no acúmulo de riqueza da população, que passou a ser atrelado quase que exclusivamente a apenas uma classe de ativo. Ou seja, uma parcela cada vez maior do patrimônio das familiais passou a ser vinculado aos preços dos imóveis. Dessa forma, percebendo o comportamento exacerbado, o discurso do governo sobre o controle da especulação financeira e a estabilização dos preços das casas tornou-se um dilema cada vez mais difícil de resolver.

    Acreditamos que a dinâmica de preços observada após a reformulação do modelo imobiliário chinês também foi um reflexo de dois fatores que provavelmente não se repetirão na mesma intensidade daqui para frente: (i) o PIB crescendo a um ritmo próximo de dois dígitos ano após ano e (ii) a rápida urbanização da população, passando de uma taxa de cerca de 20% em 1980 para 64% em 2021.

    Mesmo mantendo a nossa premissa de crescimento de PIB em 4,8% para 2023, sem precisar submeter os números a revisões, diferentemente do que o consenso fez, mediante ao excesso de otimismo com a reabertura e a posterior decepção com os dados macro do país, acreditamos que alguns desafios macroeconômicos devem continuar a prejudicar o crescimento no médio prazo. Entre os fatores que provavelmente causarão uma desaceleração no ritmo de crescimento está a redução da população que ocorreu em 2022, marcando a primeira queda desde 1961. Embora esse evento confirme o fim do boom demográfico com uma reviravolta populacional, em nossa opinião, ele chama a atenção para uma crise demográfica que pode ser um ponto-chave para o desenvolvimento do mercado imobiliário local.

    Quanto à urbanização, com mais de 650 milhões de chineses tendo migrado para áreas urbanas nos últimos 40 anos, o país chegou a 64% de sua população vivendo em moradias justapostas, de acordo com dados do Escritório Nacional de Estatísticas da China (NBS) contra ~78% nos países desenvolvidos.

    Dessa forma, a China está começando a se aproximar da taxa média de urbanização observada nos países desenvolvidos, já tendo ultrapassado a média dos países em desenvolvimento, que hoje é de aproximadamente 55%. A população urbana, que ultrapassou a população rural pela primeira vez na China em 2011, apesar de ter uma qualidade de vida muito superior à da população rural, tem atualmente algumas barreiras que dificultam a continuidade do processo de migração, sendo a principal delas o preço dos imóveis.

    Cidades fantasmas: Entendendo a bolha imobiliária chinesa. Como a acessibilidade dos imóveis é baixa devido à atual barreira de preços, a china tem várias cidades com muitas propriedades construídas, porém… vazias. É difícil ter certeza exatamente do número, mas através de checagens de diferentes fontes, acreditamos ser próximo de 50 milhões de propriedades construídas, vendidas e que nunca foram ocupadas. 

    Avaliamos que o principal motivo da alta taxa de vacância é a percepção dos compradores sobre o valor da propriedade como um ativo, e não a necessidade de moradia. O declínio no número de compradores de primeira viagem (first buyers) nos últimos anos reforça essa tese. Atualmente, apenas 31% das vendas de imóveis são feitas para compradores que ainda não possuem casa própria, em comparação com 46% nos EUA. Em 2010, na China esse percentual era superior a 70%, indicando que ao longo da última década, o setor cresceu de forma extremamente elevada, acima do que seria o saudável apenas considerando a real necessidade de moradia.

    Esses números ajudam a demonstrar que uma parcela significativa da população (mais de 65% das vendas) passou a comprar um imóvel pela segunda vez ou mais, a fim de usar o boom de preços como investimento financeiro para renda passiva ou mesmo para revenda posterior a um preço mais alto, e não para moradia. Em razão da magnitude desse processo, mediante as contas que fizemos no início desse ano, formamos uma opinião de que o mercado imobiliário chinês possuía várias características correlatas com uma bolha, uma vez que os preços das hipotecas passaram anos subindo de forma consistente, mesmo diante da necessidade de contração do setor em ~25% para equilibrar a oferta e a demanda por imóveis nos próximos 10 anos.

    Se o movimento fosse racional, o excesso de oferta de moradias desocupadas iria fazer com que os preços caíssem. O que não foi o caso… O preço das hipotecas só começou a baixar nos últimos 3 anos, catalisado pelas incertezas em relação ao Covid-19. Dessa forma, podemos considerar a queda como um movimento recente vis-à-vis mais de uma década de descompasso entre preço dos imóveis e a oferta de casas. É importante também destacar que como os preços começaram a cair durante a pandemia, o processo nos parece ter levado o consenso a uma conclusão enganosa há alguns meses atrás, de que os preços retraíram devido ao covid-zero, e após o final da política o apetite por imóveis iria subir de novo, impulsionando o setor uma vez que os chineses acumularam poupança e as incertezas iriam diminuir diante da reabertura… e não foi o que nós vimos acontecer.

    As intervenções do governo para evitar uma perda na oferta de imóveis acabaram permitindo que o mercado imobiliário se tornasse mais alavancado do que é financeiramente saudável. O múltiplo Dívida Líq./Equity das 5 maiores incorporadoras chinesas constitui uma média de 140%, enquanto esse mesmo indicador para empresas consideradas saudáveis do setor, segundo nossa visão, poderia variar entre -10% e +30%, dependendo se a incorporadora é de alta renda ou de baixa renda e do momento macro do país, o que comprova que o índice de alavancagem das empresas do setor imobiliário na China é quase 7x maior do que o que seria considerado um teto no nível de endividamento controlado.

    Quais foram os primeiros sinais de que o colapso iria acontecer? Um exemplo que podemos citar foi o caso da incorporadora Evergrande, que apesar de ter dado entrada na leia de proteção cotra a falência nos EUA recentemente, não é primeira vez que o nome da construtora imobiliária repercute no mercado de forma ampla. Em setembro de 2021 o caso tomou conhecimento público global após a Companhia anunciar um evento de liquidez, cuja dívida offshore totalizava US$23b, incluindo empréstimos e títulos privados inadimplentes, além de outros US$275b em passivos.

    Apesar de sermos contrários a essa opinião, o People’s Bank of China (PBoC) em 2021 buscou um discurso mais apaziguador, atribuindo a crise da Evergrande à sua “má gestão e crescimento precipitado”, considerando-a um incidente isolado. Enquanto isso, já naquela época, a Country Garden estava com um índice de Dívida Líq./ Equity de ~70% e cobertura de caixa de ~3x, parâmetros acima dos saudáveis. Em 8 de agosto, dois anos depois, a Country Garden admitiu estar enfrentando “dificuldades intermitentes de liquidez”, mas com uma Dívida Líq./ Equity levemente melhor de ~55% e cobertura de caixa de ~2x em 2022, após uma notícia que citava sua incapacidade de pagar dois cupons de títulos offshore, ambos vencidos em 6 de agosto, totalizando US$22,5m.

    Ou seja, o evento de liquidez da Evergrande desde então foi observado em outras incorporadoras, em escala semelhante ou menor, o que elevou em ~15% a inadimplência total (NPL) nos empréstimos imobiliários para propriedades privadas na carteira dos principais bancos chineses durante 2022. O balanço patrimonial do Industrial Bank of China (ICBC) mostrou que o NPL>90 dias no setor imobiliário ficou em 5,47% ano passado (vs. 1,41% de média histórica), devido à percepção dos pagadores de hipoteca de que os imóveis não seriam entregues, as parcelas do empréstimo começaram a ser despriorizadas pelo orçamento familiar e a inadimplência começou a subir… e não parou mais….

    Inadimplência das carteiras imobiliárias nos principais bancos da china continua subindo. O cenário em 2023 não só mostra nenhuma evolução em relação a inadimplência vista em 2022, como também uma ampliação do movimento de deterioração da qualidade do crédito invadindo 2023. O aprofundamento da crise imobiliária na China continua afetando as instituições financeiras locais, obrigando os bancos a aumentarem suas provisões para dívidas (PDD) nas carteiras de empréstimos imobiliários, apesar de estarem financeiramente estáveis ou até em expansão em outras categorias de carteiras. Segundo dados do Bank of East Asia, o maior credor familiar de Hong Kong, o índice de empréstimos inadimplentes aumentou em +0,4p.p. para 3,15% do total da carteira de crédito imobiliário no 1S23.

    O China Construction Bank (CCB), o primeiro dos cinco maiores credores imobiliários da China, fechou a carteira no 1S23 com ¥833b (~US$115b) em empréstimos para o setor, um aumento de +8,1% a/a. No entanto, o montante que entrou em inadimplência cresceu +18% a/a no 1S23, atingindo ¥39,6b (~US$5,5b), com o NPL>90 dias representando 4,8% da carteira vs. 4,3% ao final de 2022, elevação parecida com a encontrada no Bank of East Asia.

    Acreditamos que as perdas estão subindo em um ritmo que é preocupante. A essa altura, se o problema instaurado em 2021 com a Evergande fosse apenas momentâneo e um caso isolado, como justificou o governo na época, o NPL já deveria estar mostrando hoje sinais de arrefecimento como potencial reflexo da melhora no sentimento de credibilidade do setor, considerando que o país já deixou a política de Covid-zero para trás há quase 1 ano, diminuindo o grau de incertezas, por exemplo. Porém, os números que estamos observando nos principais bancos comerciais do país constituem mais um indicativo de que a situação no mercado imobiliário chinês não é passageira, e sim estrutural.

    Além do imobiliário, mais notícias desanimadoras surgiram de dados publicados em 11 de agosto, indicando uma queda significativa nos novos empréstimos bancários da China em julho. Com uma soma de ¥345,9b (~US$48b) emprestados, o número caiu -89% a/a e representou o menor valor desde o final de 2009. Para nós, o sentimento do consumidor ainda está baixo, e isso influencia nos pedidos de empréstimos das carteiras de bancos comerciais, que seguem sendo restritivos na tentativa de baixar a inadimplência imobiliária, mas também sofrerem com falta de apetite em outros segmentos das carteiras de crédito, mesmo diante dos recentes cortes nas taxas de juros.

    Estimamos que as perdas no crédito podem chegar a ¥1,8 trilhão (~US$255b) caso a inadimplência média dos cinco principais bancos em exposição no segmento imobiliário continue no ritmo de NPL>90 dias na ordem de ~4%. Mais de 2/3 dos títulos de crédito (Bonds offshore), que somam US$166b, lançados por incorporadoras chinesas possuem riscos altos de ficarem inadimplentes no pagamento de juros. Os bancos arcariam com ~60% das perdas, as empresas fiduciárias com ~25% e as seguradoras com o restante.  

    Com o encerramento do refinanciamento de títulos em dólar desde 2022, combinado com a escassa emissão de títulos onshore pelas incorporadoras privadas, observamos uma latência à medida que boa parte dos bancos retraem suas carteiras imobiliárias devido a preocupações com a qualidade do crédito. Em uma lista com as 200 maiores incorporadoras, entre públicas e privadas, as privadas foram responsáveis por 65% das vendas de propriedades em 2021, sendo que a lista representa cerca de 50% do mercado imobiliário da China.

    O encolhimento do setor privado pode afetar a oferta de novas residências, pois as dificuldades financeiras restringem o investimento em terrenos e os lançamentos de vendas. O número de projetos iniciados nos últimos 12 meses sempre constituiu um termômetro do VSO de novos projetos ao longo do tempo, historicamente contribuindo em uma faixa de 50% a 60% das vendas totais. Ou seja, mais da metade das vendas de casas em um determinando trimestre ocorrem através de projetos lançados nos últimos 12 meses.

    Country Garden: a situação é grave, mas era previsível. Também se tornou de conhecimento público nos últimos dias que dentro desses 2/3 de bonds que estão em risco de inadimplência pelo não pagamento dos cupons estão os emitidos pela Country Garden, uma das maiores incorporadoras da China. Fora os bonds offshore, a notícia desencadeou uma liquidação de um volume considerável de investidores em basicamente todos os títulos da empresa, forçando-a a suspender brevemente a negociação de 11 dos seus títulos onshore.

    Conforme estamos mencionando desde novembro do ano passado, quando assumimos a cobertura do setor de Metais & Mineração, as modificações na (i) acessibilidade de refinanciamento das incorporadoras, após as Three Red Lines, bem como (ii) diminuição da demanda de investimentos, com a baixa confiança do consumidor e menos espaço fiscal para incentivos, e principalmente a (iii) inversão da pirâmide etária pela consolidação de desafios demográficos, formam um conjunto que leva a um declínio prolongado nas vendas de novas moradias.

    O que está acontecendo agora não é surpresa para nós, e a tragédia anunciada já demonstrava sinais, porém, adotávamos à época uma abordagem contra consenso. O mercado no início do ano estava, de maneira geral, acreditando que a reabertura da China pós-covid-zero iria destravar uma demanda reprimida considerável em 2023. A decepção nos parecia ser o único caminho possível, conforme escrevermos em um extenso relatório sobre a reabertura chinesa em janeiro deste ano (Link em anexo).

    A Country Garden deve enfrentar um declínio nas vendas contratadas, devido a uma combinação de elementos negativos que podem aumentar sua atual crise de liquidez nos próximos meses. O sentimento de temor em relação à sua capacidade financeira de cumprir com a execução dos empreendimentos ainda em construção certamente irá desencorajar futuros compradores a investir em seus projetos daqui em diante, da mesma forma que aconteceu com a Evergrande. Além disso, à medida que os rumores sobre a potencial quebra da incorporadora começam a se alastrar, acreditamos que haverá um efeito na cadeia de suprimentos da Companhia, que será comprometida, com restrições de compras a prazo com fornecedores bem como interrupção nas aquisições de terrenos, que ficaram sem ocorrer desde julho de 2022 até o final de abril deste ano, mostrando um hiato considerável de tempo no landbank em relação ao comportamento histórico da incorporadora.

    Desde o início do ano, quando poucos demonstravam a real preocupação com o mercado imobiliário, com o consenso acreditando na voraz retomada da China pós-covid-zero, refletindo em uma expectativa de consumo para o minério de ferro que colocou a commodity no patamar de US$120-130/t, nós estávamos adotando uma postura mais conservadora, não só com relação ao crescimento da economia, mas também com o mercado imobiliário, em razão de acreditarmos que o governo chinês dificilmente iria intervir diretamente com abrangentes e caros pacotes de estímulos, como costumava fazer. E parece que nós acertamos…

    A Tragédia de édipo: qualquer intervenção forte do governo, nesse estágio, é tapar sol com a peneira. Apesar do baixo estímulo governamental atual ampliar a deterioração do ímpeto de compradores de novas casas nas cidades pequenas e médias na china (low tier), acreditamos que o verdadeiro problema do setor foi ter se alavancado muito além do saudável, para crescer através de projetos que não possuíam uma demanda real atrelada a necessidade de moradia. E assim, fazendo uma analogia com a mitologia contada na tragédia de édipo (que assassinou o próprio pai sem saber e depois investiga a morte), quando governo procura descobrir quem é o principal responsável pela crise no setor imobiliário na China, ele o encontrou como culpado.

    Apesar de na teoria o governo pregar o discurso de “casas são para morar, não para especular”, conforme já comentamos ao longo do relatório, os estímulos pesados dados anteriormente (~US$130b por ano, nos últimos 5 anos antes da pandemia) premiaram as incorporadoras que corressem mais riscos, um clássico problema de risco moral. A premissa adotada era de que o governo iria sempre intervir para continuar mantendo a alta atratividade do setor, de forma que as incorporadoras então passaram a ignorar os riscos contando sempre que o governo iria suportar qualquer consequência, oferecendo um resgate ao setor caso as ele precisasse.

    A consequência disso foi incorporadoras se alavancando muito e inchando seus balanços com projetos ano após ano, promovendo, na prática, a cultura da especulação imobiliária e dando ao setor diversas características de bolha. Novas interversões diretas no mercado imobiliário, caso sejam feitas, nos parecem uma atitude de tapar sol com a peneira, empurrando para frente as consequências de um setor que já foi impulsionado além da demanda real. Ou seja, oferecer mais um extenso pacote de resgate bilionário não nos parece ser a melhor resposta ao que está acontecendo… até porque, foram os próprios estímulos que fizeram a situação chegar até esse ponto.

    Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come… Ao nosso ver, o governo intervir diretamente com o objetivo de arrefecer o problema de liquidez envia um péssimo sinal para as incorporadoras, reforçando a ideia de que elas podem continuar tomando riscos que serão sempre salvas pelo Estado. Por outro lado, observamos também que o foco das políticas governamentais atuais, que são mais brandas, como o relaxamento das restrições à compra de casas para second buyers e melhores condições para first buyers, bem como regulamentações de hipotecas, acabam não abordando diretamente os desafios de liquidez enfrentados pelas incorporadoras, e portando, não devem impedir a continuidade do baixo interesse dos compradores em casas novas na China.

    Os sinais crescentes de uma crise de dívida generalizada, exemplificados pelos problemas de pagamento de títulos da Sino-Ocean, bem como as apreensões sobre a liquidez da Wanda e da Country Garden, continuarão minando a confiança dos compradores de imóveis. Olhando pelos dois lados da mesma moeda, a situação parece ser de difícil resolução e acreditamos que as consequências deverão ser sentidas, não haverá escapatória dessa vez.

    Quaisquer outros problemas de liquidez para a Country Garden, que tem mais de 3 mil projetos na China, poderão prejudicar ainda mais o sentimento do mercado imobiliário se os compradores temerem outra série de empreendimentos habitacionais interrompidos, semelhante ao cenário da Evergrande. As vendas das 100 maiores incorporadoras privadas chinesas diminuíram em mais de -30% em julho, tanto de maneira sequencial quanto na base anual.

    Inversão da pirâmide etária: uma peça-chave do quebra-cabeça. Conforme já apontamos em relatórios anteriores, consideramos ano passado (2022) como um momento crítico para nossa tese de commodities metálicas, devido ao início da inversão da pirâmide etária na China [mudança de um padrão piramidal para um padrão em forma de sino, ocasionada pelo aumento da população idosa], significando um processo de decréscimo da população total, após 60 anos seguidos de crescimento.  

    Postulamos que indicadores semelhantes aos das economias mais desenvolvidas, como o declínio das taxas populacionais, estão começando a surgir na China em razão do aumento do custo de vida, que estimula as famílias a limitar o número de filhos. Interpretamos isso como um desafio adicional para o setor imobiliário em cidades de pequeno e médio porte. Acreditamos que os casais de renda média nas metrópoles menores da China estão gradualmente se conscientizando de que seus poucos filhos (média de 1,3 filhos por casal, com taxa de natalidade de 7,5 crianças por mil habitantes) provavelmente herdarão de 2 a 5 propriedades deles e de seus avós. Ou seja, há muito mais patrimônio em propriedades do que filhos para herdá-las e ocupá-las.  

    Ao tentar encontrar ocupantes terceiros ou compradores para essas propriedades, em um esforço para compensar os custos de manutenção do patrimônio, as famílias se deparam com dificuldades, uma vez que os preços das propriedades aumentaram drasticamente nas últimas décadas, ampliando a taxa de vacância. Ainda que o foco dos investidores especulativos em propriedades nas grandes cidades (Tier I) continue, eles acabam negligenciando as pequenas e médias cidades (low tier), que hoje estão com uma procura significativamente menor na demanda por compra ou até mesmo para aluguel. Em nossa opinião, mesmo a infusão contínua de liquidez no mercado imobiliário pelo governo dificilmente convencerá essas pessoas a investirem em mais propriedades nessas regiões. O que levará, involuntariamente, a um crescimento menor daqui para frente do que o que foi reportado no passado pelo setor de construção de moradias.  

    Portanto, é provável que as taxas historicamente baixas de casamentos e nascimentos em níveis atuais na China dificultem qualquer recuperação no médio prazo, dada a diminuição da demanda por compras iniciais de imóveis e melhorias residenciais. As previsões de vendas para cidades low tier são desanimadoras, enquanto cidades como Shenzhen, Hangzhou e Chengdu (cidades maiores) podem suportar a tensão demográfica devido a um fluxo constante de residentes. 

    Ao olharmos para as disposições de landbank e de projetos em fase de construção, apuramos que ~80% do volume de vendas potencial da Country Garden está localizado em cidades de pequeno e médio porte, as que sofrem mais com a situação. De acordo com o China Real Estate Information Corp (CRIC), as vendas de novas propriedades nessas cidades estão desmoronando, com uma queda de -67% a/a em julho, precedida por uma queda de -54% a/a em junho e uma queda de -25% a/a durante os primeiros cinco meses de 2023. 

    Além disso, a taxa de ocupação dos imóveis entregues desde 2021 segue em patamar baixo, reforçando a dificuldade em que o mercado imobiliário se encontra na China. 

    A taxa de desemprego juvenil recorde de 21% em junho, juntamente com a revelação de dados interrompida pelo National Bureau of Statistics em julho, destaca as preocupações sobre a capacidade desse grupo demográfico de comprar casas no médio prazo. Elementos negativos, como a deterioração dos cenários econômico e de emprego, também estão impedindo a recuperação.

    Qual o tamanho da crise de confiança? Segundo nossa visão, a confiança entre os compradores do mercado imobiliário chinês provavelmente continuará caindo, chegando ao nível mais baixo jamais registrado, devido à turbulência vivida pela Country Garden, Sino-Ocean, Evergrande e demais incorporadoras. Isso também levanta dúvidas sobre a eficácia da política para orientar o setor durante uma desaceleração e reduzir a incidência de inadimplência por parte das incorporadoras. Esses fatores, juntamente com uma previsão de piora nos preços das residências, devem suprimir a demanda de investimento em propriedades.

    As vendas de imóveis residenciais são responsáveis por ~40% da demanda total de investimento em propriedades na China. A ênfase da Country Garden no landbank indica que uma crise de dívida poderia minar seriamente o sentimento nas cidades pequenas e médias (Excluindo Tier I). Esse sentimento já é baixo devido ao (i) declínio dos preços nos últimos 3 anos; (ii) pressão sobre os estoques de moradias e ao (iii) fraco influxo da população do ponto de vista demográfico, conforme comentamos acima.  

    Após a crise de dívidas que se agravou na Country Garden depois que a Sino-Ocean também não conseguiu honrar com o compromisso de ¥2b em 2 de agosto. Acreditamos que uma segunda onda de inadimplência para incorporadoras privadas é altamente provável, apesar de um pacote de resgate para o setor imobiliário na China. A Country Garden, mesmo com o apoio regulatório, só conseguiu levantar +¥5,2b (~US$720mn) de títulos onshore a partir de 2022, em oposição a uma queda nas vendas no valor de -¥200b (~US$27,5b) no ano anterior e mais – ¥56b no 1S23. Esses números são significativamente mais altos em comparação com as vendas de títulos de ¥1,9b da Agile e de ¥5,9b da Seazen no mesmo período.

    Mesmo com melhoras, o PMI industrial ficou em zona de contração, mais uma vez… Ainda que o PMI industrial medido pela Caixin tenha atingido um nível de expansão, aumentando para 51 em agosto vs. 49,2 em julho, indicando a leitura mais alta desde fevereiro, o PMI oficial do setor industrial, divulgado pelo Departamento de Estatísticas da China (NBS), acabou permanecendo abaixo de 50 pelo quinto mês consecutivo.  

    Por essa razão, não acreditamos que leitura do indicador possa ser categorizada como uma boa notícia. Ou seja, mesmo com uma alta de +0,4pt. m/m, chegando a 49,7 em agosto, o PMI industrial oficial veio dentro da zona de contração. Ainda assim, o indicador superou tanto a nossa expectativa (+0,3pt. vs. Genial Est.) como também a do consenso (49,2). Seguindo nessa linha, o subíndice de construção mostrou uma atividade mais promissora na China, aumentando em +2,6pt. m/m, atingindo 53,8 em agosto. Conforme adiantamos em nosso relatório setorial do trimestre passado, novos projetos de construção ligados a interiores de propriedades comerciais, bem como de infraestrutura, deram um alívio para contornar a sazonalidade de chuvas, típicas dessa fase do ano. Entretanto, os projetos residenciais continuam mostrando pouco fôlego, em linha com a crise no setor.

    Já o PMI siderúrgico (setores downstream) caiu em -4,7pt. m/m para 45,2 em agosto, mostrando contração pelo sexto mês consecutivo. Após um único mês em 2023 próximo da zona de expansão, o indicador de produção em agosto voltou para a zona de contração. Como são esperados os cortes na produção de aço bruto na China em 2023, o output foi reduzido nas usinas siderúrgicas de Jiangsu e Shandong.  Do lado da demanda, tendências diversas foram mostradas nos indicadores de agosto, com os novos pedidos para consumo interno amargando uma perda de -6,9pt. m/m, chegando a 42,9, seguindo em direção oposta aos novos pedidos de exportação, que imprimiram um ritmo de +8,3pt. m/m de aumento, marcando uma leitura de 60,1 em agosto, o que nos leva a crer que uma parcela representativa do aço produzido na China está sendo exportada para outros mercado globais (mais sobre isso adiante).

    20a Reunião do Politburo: algumas medidas planejadas na tentativa de fazer a economia andar. Desde a divulgação dos indicadores macroeconômicos de maio, a recepção do mercado tem sido bastante amarga, principalmente em relação aos dados de PMI industrial, conforme já comentamos acima. Obviamente, os números acabaram causando o enfraquecimento do sentimento de confiança ao longo dos últimos meses, o que implicou no questionamento levantado por muitos investidores se o governo deveria oferecer impulsos mais fortes através de estímulos.

    Os reforços precisariam restaurar a confiança nas incorporadoras privadas, viabilizar de forma mais eficaz a implementação das “16 medidas”, que foram anunciadas em novembro de 2022, e estabilizar as finanças do governo local.  Relembrando, entre as 16 medidas, destacamos:

    (i) ~US$162b de crédito para as empresas por bancos estatais e parceiros; (ii) Extensão de financiamentos; (iii) Captação de recursos por taxas menores; (iv) Facilitar a compra de primeiros imóveis; (v) Emissão de títulos dedicados para a aquisição de construtoras, ou para projetos imobiliários; (vi) Projetos em atraso na construção ganharão suporte financeiro adicional; (vii) Incorporadores mais fortes financeiramente são encorajadas a comprar projetos de incorporadoras mais fracas.

    Há um ano, o problema no setor imobiliário da China foi identificado como um desequilíbrio do lado da oferta, vinculado aos balanços das incorporadoras e aos bancos avessos ao risco. Porém o pacote “16 Medidas” implementado anteriormente, com o objetivo de melhorar o financiamento de incorporadoras privadas, não foi tão bem-sucedido quanto parte do mercado esperava. O que levou os dados do setor a continuarem em contração em 2023, conforme detalhamos ao longo do relatório.

    Acreditamos ser substancial a sinergia, para a maioria dos investidores institucionais com quem conversamos, entre a estabilização do quadro habitacional e a redução da percepção de risco de o governo não entregar o PIB em ~5%. O Comitê Político Central, comumente conhecido como Politburo, é composto por aproximadamente 25 membros que atuam como a autoridade máxima do Partido Comunista Chinês. Essa organização possui influência considerável sobre a administração da China e tem a tarefa de tomar decisões cruciais em vários setores, incluindo política, economia e relações internacionais.

    Com o avanço do 3T23, a reunião do Politburo no final de julho se concentrou nas expectativas de maior apoio ao crescimento. Para nós, o tom adotado durante a reunião parece ter transparecido que o governo reconhece as dificuldades econômicas diante da demanda interna insuficiente e de outros desafios em áreas importantes, afirmando a necessidade de novas políticas anticíclicas e de uma melhor implementação das medidas já existentes.

    E a partir desse momento, a retórica do governo sobre a política habitacional aparenta gravitar mais ao redor da alteração na dinâmica entre oferta e demanda de moradias e menos em torno do desestímulo à especulação para a otimização de políticas, uma vez que percebemos uma redução do peso da frase de “casas são para morar, e não para especular” dentro do discurso no Politburo. Isso inclui então as medidas para a flexibilização das condições para compradores que estão adquirindo um imóvel pela segunda vez ou mais, o que não necessariamente é a melhor forma de endereçar a situação. Devemos lembrar: o remédio é amargo, mas precisa ser tomado…

    Já para first buyers, algumas medidas adotadas recentemente passaram a permitir as compras de moradias com taxas de juros mais baixas e entradas menores, essas sim são medidas que nos parecem mais saudáveis para o sistema imobiliário de longo prazo. Seguindo também na direção do que já havíamos comentado em relatórios passados, com o governo agindo sobretudo através do aumento de oferta de crédito pela redução de compulsórios e baixando o custo através de cortes nas taxas de juros, seja na LPR (taxa básica) de 1 ano, que caiu para 3,34% (corte de -10bps) no final de agosto, como também em linhas de crédito específicas para o setor imobiliário. Ainda que tenha sofrido mais um corte, voltamos a repetir que o governo poderia, segundo a nossa opinião, estar sendo ainda mais agressivo na política monetária, considerando inclusive que o Banco Popular da China (PBoC) manteve em LPR de 5 anos em 4,2%.

    Prefeituras regionais estão se adequando ao discurso de flexibilização proferido agora pelo governo central chinês. Estamos observando ao longo do mês de agosto e setembro ao redor do país, os departamentos de planejamento urbano de prefeituras ou províncias divulgando medidas para promover o desenvolvimento imobiliário, e muitas delas acabam sendo interpretadas como flexibilizações às políticas anteriores, em linha com o discurso atual do governo central, após a reunião do Politburo. Por exemplo, o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano-Rural da cidade de Ningde, na costa nordeste da província de Fujian, divulgou medidas que incluem permitir que os residentes sem propriedade local solicitem empréstimos preferenciais para a compra da primeira casa própria e uma taxa de entrada reduzida de 20% para a solicitação de um fundo de provisão de moradia por meio de um banco comercial.

    Já a cidade de Anqing, localizada em Anhui, no leste da China, introduziu 23 medidas para apoiar o setor imobiliário local. A prefeitura incentivou a compra coletiva de novas construções, apoiando o empreendedorismo em reformas de moradias e estimulando o consumo por meio de promoções combinadas de casas, carros, móveis e eletrodomésticos. A cidade também implementou uma política de crédito habitacional diferenciada das demais, apoiando a extensão de empréstimos para desenvolvimento e dívidas fiduciárias.

    Já a cidade de Qingyuan, pertencente a província de Guangdong, situada no sudeste da China, anunciou que simplificaria as regras de hipoteca para first buyers, permitindo que membros de família que são residentes na localidade, por exemplo conjugues ou filhos de alguém que já tenha aplicado em um financiamento para compra da primeira casa, e, portanto, não possuem propriedade vinculada ao seu nome, solicitassem empréstimos preferenciais, independentemente de seu histórico pessoal de crédito. Na nossa visão essa medida em específico, se aplicada em maior escala, pode ser um tiro saindo pela culatra e acabar gerando como efeito colateral o contínuo aumento do NPL dos bancos, que já estão acima do histórico, conforme comentamos.

    Na mesma linha de flexibilizações, o Escritório de Planejamento e Recursos Naturais da cidade de Nanjing, capital da província de Jiangsu, ao leste da China, emitiu uma otimização adicional da gestão de serviços de mercado. O aviso anunciou o cancelamento de políticas que anteriormente, segundo o viés do comunicado, atrasavam o desenvolvimento de projetos imobiliários, o que tornaria o processo de desenvolvimento mais célere, com o objetivo de aumentar a disponibilidade e o financiamento de moradias comerciais.

    As novas medidas irão recuperar o setor imobiliário residencial? Nossa opinião é que, por mais que múltiplas cidades estejam adotando medidas com o objetivo de facilitar o acesso de imóveis para first buyers, o que enxergamosem sua maioria como benéficas e em linha com o que acreditamos que o setor precise nesse momento, no entanto a dolorosa verdade é que muito provavelmente essas novas medidas não serão suficientes para estabilizar o mercado imobiliário no curto prazo, principalmente porque a demanda nas cidades menores está caindo, e isto está ligado mais a componentes estruturais, como por exemplo as escolhas previdenciárias dos chineses, considerando que ~70% de todos os recursos acumulados das famílias estão aplicados em imóveis, não havendo mais interesse em comprar ainda mais casas com o custo de vida historicamente subindo, conforme também já exploramos mais acima.

    O valor das vendas de novas propriedades pelas 100 maiores incorporadoras da China registrou a maior queda em mais de um ano em agosto, de acordo com dados preliminares da China Real Estate Information Corp. A mensagem que estamos o tempo todo tentando passar no relatório é de que a situação está enraizada por um comportamento de décadas, e que a reversão do quadro de baixa credibilidade será lenta e irá custar alguns “corações partidos e ossos quebrados” no decorrer do caminho…

    No 1S23, após a implementação das “16 medidas” em novembro do ano passado (já falamos delas mais acima), o volume de novos projetos habitacionais de incorporadoras privadas acumulou uma perda de -24,3% a/a, de forma que tudo leva a crer que observaremos o terceiro ano seguido de contração no setor. Assim, os dados vão mostrando que o pacote implementado há alguns meses não foi muito eficiente e não mudou o curso da situação, levantando suspeitas de que as próximas mudanças implementadas após o Politiburo também não serão muito efetivas.

    Seguindo nessa toada, os volumes de venda (VSO) também estão em queda, recuando em -5,3% a/a no acumulado do 1S23, com as pré-vendas caindo -8,6% a/a, enquanto as vendas de casas novas em projetos concluídos aumentaram +10,3% a/a. Conforme também já mencionamos em relatórios anteriores, nos parece ser natural que as vendas de projetos já concluídos irão recuperar de forma mais rápida do que os projetos em fase de construção.

    Ou seja, a dicotomia entre as pré-vendas e as vendas de casas novas implica na perda de confiança em incorporadoras privadas. Na ótica do comprador, é muito mais seguro comprar algo que ele está vendo de pé do que comprar um apartamento na planta. A crise no setor imobiliário perpassa então pela quebra de confiança entre os compradores, que deixam de acreditar que os projetos serão concluídos a tempo e nas condições contratuais, e as incorporadoras, que seguem muito alavancadas e com baixa oxigenação no fluxo de pagamentos, sendo espremidas no capital de giro, atrasando fornecedores e salários e paralisando canteiros de obras, como tem sido o caso da Country Garden por exemplo.

    Há uma reversão acentuada na penetração de vendas entre incorporadoras privadas e estatais. Como a área útil em construção encolheu em -6,6% a/a e o montante de crédito tomado pelas incorporadoras privadas desacelerou em -9,8% a/a, a participação das vendas entre incorporadoras privadas e estatais mudou nos últimos 12M, de uma proporção histórica na faixa de ~70/30 para uma acentuada mudança de ~25/75.

    Esses números mostram que a penetração das vendas de incorporadoras privadas caiu tanto, que a proporção basicamente se inverteu, com atualmente as incorporadoras estatais ocupando 75% de todo o volume de vendas de imóveis. Isso ocorre porque a confiança dos compradores em incorporadoras privadas nunca foi tão baixa, ao passo que o governo chinês é muito maior para quebrar ou entrar em default, o que ajuda a diminuir o gap de confiança em empreendimentos que são coordenados por estatais, principalmente os de social housing (moradias de padrão baixo, dentro de projetos capinados por recursos estatais, semelhantes ao Minha Casa, Minha Vida no Brasil).

    O setor imobiliário, como classe de ativos, foi afetado pela falta de confiança e pelas perturbações nos títulos de crédito privado, produtos fiduciários e mercado de ações em agosto de 2023. Apesar de acharmos difícil no curto prazo, isso pode se reverter se os compradores recuperarem a confiança nas incorporadoras privadas.

    Para onde vai então o preço do minério de ferro?

    Iremos avaliar nesse capítulo alguns aspectos da demanda e oferta, principalmente tentando encontrar evidências factuais para legitimar, mesmo diante de um quadro bastante conturbado para o mercado imobiliário e para a atividade industrial da China, os fundamentos que justifiquem o preço do minério ainda continuar na faixa de US$110-120/t para a referência de 62% Fe, o que não é um patamar baixo, se encontrando hoje ~30% acima da média dos últimos 10 anos.  Após enumerarmos alguns fatores de (i) demandae (ii) oferta, daremos a nossa atualização da nossa curva de preços para o minério de ferro para os próximos 12M (findos no 3T24).

    Demanda

    Se o problema no mercado imobiliário é estrutural, qual o destino do aço produzido pela China? O número de projetos em fase de construção que não são relacionados a moradias comerciais de incorporadoras privadas expandiu-se em +7,3% a/a no 1S23, após um crescimento de +8,4% a/a em 2022. No entanto, houve uma contração de -3,2% a/a no volume de projetos recém iniciados (novos lançamentos). Isso quer dizer que embora os projetos que foram lançados no passado estão ganhando corpo durante a fase de construção, sem maiores dificuldades, o número de projetos lançados recentemente diminuiu. Também é verdade que essa redução foi consideravelmente menor que a observada em projetos comerciais relacionados a moradias. Então, a crise como um todo no setor de construção civil parece ser um pouco mais amena do que parte do mercado pode estar considerando.

    Além disso, o Ministério da Habitação e Desenvolvimento Urbano da China (MOHURD) anunciou planos para 3,6 milhões de unidades de moradias sociais em 2023, um aumento significativo em relação aos 2,4 milhões de 2022, equivalente a 1/5 de todas as moradias iniciadas por área útil. Se considerarmos que o social housing são moradias de baixo padrão, e, portanto, possuem uma metragem quadrada por área útil menor do que as habitações comerciais, de médio e alto padrão, o número de moradias no plano diretor do MOHURD em 2023 acaba se mostrando bastante expressivo para chegar a ocupar 1/5 da área útil total do espaço que está em construção no âmbito residencial no país.

    Dessa forma, acreditamos que uma parcela do aço produzido pelas siderúrgicas chinesas estão sendo direcionadas para fomentar o social housing, através de incorporadoras com incentivos e capital estatal, que corre por fora do risco de balaços de incorporadoras privadas. Ainda assim, esse número é dificilmente divulgado pelo mercado e não recebe tanta atenção do consenso. Inclusive, o crescimento desse segmento consta dentro do setor de construção civil, e não dentro dos dados de mercado imobiliário, levando o crescimento de habitações fora do plano comercial de incorporadoras privadas a voar por baixo do radar.  

    O social housing como uma alternativa para a demanda por aço mediante ao aumento do custo de vida. Ao longo dos anos, a população urbana aumentou de 767 milhões em 2014 (~55% da população total) para 921 milhões em 2022 (~65% da população total). Isso quer dizer que a população urbana cresceu aproximadamente 10% em 8 anos, embora o tamanho médio das famílias tenha ido na direção contrária, regredindo de 3,1 pessoas em 2010 para 2,56 pessoas atualmente.

    Isso prova que o custo de vida da população ao longo dos anos está subindo, à medida que o ciclo de urbanização carrega consigo um componente inflacionário por natureza. A vida nas cidades é mais cara que a vida no campo. E historicamente, todas as estatísticas apontam para uma redução de filhos por casal na vida urbana em relação a vida rural. Esse processo está em conformidade com a nossa tese sobre a inversão da pirâmide etária, e é essencial para entender o que está acontecendo na China hoje.

    Nossa opinião é de que na próxima década dificilmente a China vai sobrepor muito mais de 5% de penetração na população urbana, de forma que nossa análise aponta para um ciclo de urbanização com sinais de desaceleração. A título de exemplo, a população urbana dos EUA é de ~80% e nós acreditamos que China irá estagnar entre 70% e 75% nas próximas 2 décadas. Uma das razões principais para isso é o custo de moradia em cidades maiores, que se tornou basicamente inviável mediante a forte especulação que o setor sofreu. Segundo a nossa visão, para o país continuar aumentando a penetração urbana os preços dos imóveis teriam que regredir a taxas ainda maiores do que estamos observando nos últimos 2 anos.

    Essa inflexão se opõe ao argumento que foi muito usado pelo mercado, de que a China é um país que já havia superado 1 bilhão de pessoas e que essas pessoas tinham que morar em algum lugar… Ou seja, haveria uma necessidade de moradia forte para migração da população da zona rural para a zona urbana. Essa argumentação foi verdade durante alguns anos, mas parece estar perdendo força. A população está agora encolhendo justamente porque o custo de vida está subindo.

    Então, a menos que os preços de moradias desçam fortemente, não nos parece racional que a penetração urbana continuaria elevando-se de maneira exponencial como já aconteceu no passado recente. Inclusive, a queda no número de novas construções de moradias comerciais por incorporadoras privadas nos últimos dois anos e meio nos parece estar intrinsicamente ligado ao excesso de oferta. Em outras palavras, há um estoque de imóveis prontos ou em fase de construção que não foram vendidos, uma vez que a população não possui recursos para pagar, e isso será o freio do processo de urbanização da China nos anos que ainda estão por vir.

    Mesmo depois que a redução do estoque de moradias foi priorizada nas reformas do lado da oferta, o indicador ainda estava acima de 2,4 bilhões de m2. Porém, é verdade que notamos o estoque estimado de moradias não vendidas caindo recentemente para 2,3 bilhões de m2, um grande decréscimo em comparação com seu recorde histórico de mais de 2,9 bilhões de m2 durante a recessão industrial de 2014-16.  

    Apesar da queda no número de construções de moradias nos últimos dois anos e meio, a oferta de moradias pode continuar a diminuir devido ao aumento parcial da demanda atrelada ao estoque de imóveis prontos e não vendidos, que acabam sendo a preferência atual em relação aos imóveis ainda na planta. Ainda que assim seja, não acreditamos que chegaria em um ponto de levar a um quadro de escassez, nem mesmo para cidades Tier I, porém é um parâmetro interessante para oferecer um gatilho de aumento de preço mais adiante.

    Nunca negamos que as vendas de imóveis prontos iriam se recuperar primeiro (já mencionamos isso em outros relatórios ao longo do ano), mas no momento assumimos que essas vendas podem acabar colocando uma leve pressão para elevação de preços em razão dos lançamentos de novos projetos estarem caindo de maneira acentuada. Por outro lado, se os preços subirem, a penetração do processo de urbanização deve possuir dificuldades para ganhar tração, e mais a frente, voltarem a derrubar a demanda. Esse continua sendo nosso cenário base: demanda fraca para moradias comerciais de incorporadoras privadas (médio e alto padrão), sobretudo em cidades médias e pequenas.

    Do outro lado, o social housing pode oferecer um afago a indústria de aço chinesa, à medida que a expansão da área útil em construção de moradias de baixo padrão podem promover uma alternativa viável ao processo de urbanização, de uma forma que o chinês médio consiga custear morar em centros urbanos. Na realidade de hoje, achamos desafiadora a continuidade da expansão urbana sem envolver na conta o barateamento do custo de vida, e por essa razão vemos com bons olhos o incremento expressivo de +50% a/a no plano diretor do MOHURD.

    Essa medida, talvez acima de todas, seja a que melhor possa provocar uma demanda mais resiliente para indústria siderúrgica do país nos próximos anos e não oferecer riscos relacionados a especulação imobiliária, uma vez que os imóveis de programas sociais envolvem um contexto menos commoditizado do que a categoria de moradias comerciais de incorporadoras privadas. Ou seja, a penetração de first buyers corresponde a 100% da oferta no caso de social housing, já no caso de moradias comerciais a penetração é de apenas 30%. Pelo crescimento expressivo do número de moradias do plano diretor do MOHURD entre 2023 vs. 2022, o governo demonstra sinais que também já entendeu que esse pode ser um caminho mais saudável do que injetar dinheiro em pacotes de estímulos a incorporadoras privadas para moradias comerciais.

    O que mais está puxando a demanda das siderúrgicas chinesas? Além do social housing, os setores relacionados a infraestrutura também tem sido um destino comum para o aço na china em 2023. O segmento de energia teve um crescimento robusto de +27% a/a no 1S23, impulsionado por novos projetos de adição de capacidade, majoritariamente atrelados a fontes renováveis. Apesar de uma base comparativa mais fraca do ano passado pela política de Covid-zero, o setor de transporte também avançou bem esse ano, crescendo +11% a/a no 1S23, com obras dos segmentos rodoviário, e principalmente ferroviário, sendo responsáveis por um aumento da demanda de aço dos segmentos em +3,1% a/a e +20,5% a/a, respectivamente. Juntos, segmentos de portos e aeroportos cresceram os números de obras em +25,2% a/a, também elevando a demanda por aço.

    O investimento em ativos fixos (FAI) total da China aumentou em +3,8% a/a no 1S23, impulsionado por uma elevação de +5,1% a/a no 1T23. No entanto, os investimentos enfraqueceram no 2T23 devido a um setor imobiliário vacilante e a um crescimento um pouco mais lento do FAI no setor industrial. O aumento do investimento em infraestrutura foi apoiado pelo avanço significativo do FAI de energia e serviços públicos, como o transporte, que mencionamos. Entretanto, o FAI total ligado as empresas privadas caiu pela primeira vez desde 2020 devido à lentidão dos investimentos em propriedades. Embora o crescimento do FAI ligado a indústria de manufatura privada tenha desacelerado, ainda assim atingiu a marca de +8,4% a/a (vs. +15,6% a/a em 2022).

    Importante ressaltar que enquanto o setor de construção civil não está com um desempenho ruim, performando acima da nédia histórica inclusive, uma vez que engloba obras de infraestrutura e o social housing, por outro lado o setor imobiliário, que inclui os projetos de moradias comerciais de incorporadoras privadas, continua sem esboçar nenhuma reação de recuperação.

    Apesar de um certo grau de incerteza na demanda externa e da estagnação da retomada do consumo interno, as empresas privadas perseveraram em seus investimentos em setores críticos de alta tecnologia. Isso inclui setores como maquinário elétrico, equipamentos e indústrias automotivas. Houve consolidação nos investimentos feitos na capacidade de fabricação das indústrias pesadas, em campos como fundição de não ferrosos, produção de máquinas e equipamentos elétricos (que corresponde a ~12% do total de investimento na indústria pesada) e fabricação de automóveis (correspondente a ~5% do total de investimento da indústria pesada), todos crescendo a taxas de dois dígitos em suas respectivas categorias em relação aos investimentos feitos ano passado.

    Dando um pouco mais de ênfase para a produção de automóveis, no 1S23 a China teve uma expansão de +9,3% a/a no segmento, com o retorno da demanda por veículos comerciais e pesados após o final da política de Covid-zero, bem como uma elevação de +8,1% a/a na produção de veículos leves e o crescimento de +42,4% a/a na produção dos veículos elétricos não motorizados, ambos com uma parcela considerável destinados à exportação.

    Já para o consumo doméstico, vemos a categoria de máquinas e equipamentos com um leve aumento de +1,5% a/a no 1S23, com os setores de transporte e maquinário agrícola se recuperando. A produção de bens de consumo e eletrônicos cresceu +2,5% a/a devido a uma forte demanda por produtos da linha branca (+16,8% a/a), mas as pressões de exportação resultaram em uma queda nos semicondutores (-14,4% a/a).

    No entanto, a fundição de metais ferrosos se destacou negativamente por estar sujeita a um rigoroso escrutínio regulatório. Temos mencionado sobre o teto de produção do aço bruto já há algum tempo. Após o pico da produção de aço de 1,05b de toneladas em 2020, houve uma redução anual na produção ano após ano, ligada principalmente a necessidade de descarbonização (falaremos mais desse ponto no capítulo sobre a Vale). Embora dados sugiram que parte desse investimento em infraestrutura (ferrovias, energia, portos) e na capacidade produtiva desses segmentos da indústria (automóveis, linha branca, maquinários) estejam ligados a uma demanda reprimida por aço, em comparação com a atividade industrial comprometida observada em 2022 com a política de Covid-zero, ainda assim, desde o início do ano nossa previsão era de que a produção de aço bruto em 2023 ficaria um pouco abaixo de 1b de toneladas (990Mt Genial Est.). Ou seja, com uma leve redução em relação a 2022. Pelo ritmo de consolidação do 1S23, ainda mantemos nossa projeção.

    Conforme já citamos em diversos relatórios ao longo do ano, acreditamos que a volta da economia pós lockdowns está intrinsicamente ligada mais ao consumo de serviços, e menos ao consumo de bens. Em resumo, os dados chineses sugerem uma mudança do consumo centrado em produtos para o consumo baseado em experiências, incluindo um aumento nas viagens para o segmento de turismo rotuladas como “viagens de vingança”. Em meados de 2023, os gastos dos turistas internacionais chineses eram de aproximadamente 70% dos níveis de 2018 (Pré-pandemia), indicando sinais de um retorno nesse setor.

    Com um percentual maior da renda das famílias sendo destinada ao consumo de serviços, a demanda interna por bens tende a suportar taxas de crescimento mais baixas. Dessa forma, acreditamos que a indústria tende a se voltar mais para a exportação, como estamos vendo acontecer com automóveis e com a própria siderurgia. Ou seja, uma parcela maior do que as siderúrgicas chinesas estão produzindo de aço também está sendo exportada, à medida que a atividade industrial tem estado morna, visto os 5 PMIs consecutivos de manufatura dentro da zona de contração.

    China está exportando mais aço para demais economias globais. Devido à contínua desaceleração econômica no país, as siderurgicas chinesas se veem cada vez mais obrigadas a distribuir seus produtos em grandes quantidades em diferentes regiões. Como resultado, o aço chinês ganha alta competitividade nos mercados mundiais, considerando as margens de lucro extremamente baixas que as siderurgicas chinesas operavam até o 1S23. Comprovamos isso pela nossa cobertura do mercado de siderurgia brasileiro. Essa dinâmica levou ao desenvolvimento de um prêmio para os produtos nacionais no mercado interno de aço no Brasil, de cerca de ~10% para aços longos e ~20-22% para aços planos. Isso implica em dificuldades para implementar reajustes de preços sem uma perda considerável de participação de mercado nas siderúrgicas, um efeito que aconteceu não só no Brasil, como em ouros país que são fortes consumidores de aço no mundo.

    Taxa de utilização de alto-fornos está alta e rentabilidade das siderurgicas começa a melhorar.  Acreditamos que várias usinas siderúrgicas na China estão optando por dedicar uma parcela maior de sua produção de aço a seções, tubos e outros itens, além de seus cinco principais produtos de aço acabado. Esses esforços visam a preservar a lucratividade, se forma que a manter o spread metálico em um patamar um pouco mais saudável do que o que foi visto na primeira metade do ano. Os cinco principais produtos de aço mencionados incluem vergalhões, fio-máquina, bobina laminada a quente, bobina laminada a frio e chapa média.

    A taxa de utilização da capacidade dos altos-fornos em uma lista de 247 siderurgicas chinesas que acompanhamos registrou uma queda após um aumento de duas semanas entre 8 e 15 de setembro, caindo -0,11p.p s/s, atingindo 92,65%. Acreditamos que o patamar ainda está bem elevado, e o pequeno declínio de uma semana para outra é creditado à paralisação temporária de alguns alto-fornos em usinas no norte da China. Pelo que conseguimos monitorar, mais quatro fornos na cidade de Tangshan foram suspensos para reparos durante o período de inspeção, o que afasta a possiblidade da queda ter sido atrelada a falta de demanda.

    A produção de aço em níveis resilientes indica que os preços do minério de ferro provavelmente continuarão firmes no curto prazo. Além disso, os contratempos com equipamentos de carvão doméstico, juntamente com a diminuição das entregas internacionais, devem manter os preços do coque estáveis por enquanto.

    Os (i) cortes nas taxas de juros, bem como (ii) relaxamento das restrições para compra de imóveis, (iii) aumento significativo de +50% a/a no plano diretor do MOHURD para moradias sociais de baixo padrão, (iv) investimentos em infraestrutura, principalmente em ferrovias e (v) melhor desempenho da indústria automobilística chinesa e de maquinário elétrico, acabaram elevando parcialmente o otimismo do mercado, que estava nos últimos meses muito cético. Entretanto, o impacto combinatório dessas medidas não deves ser percebido imediatamente. Medidas macro levam sempre um tempo até entrarem na economia real. Levando em conta as condições subjacentes, pode haver flutuações de curto prazo nos preços do HRC, que hoje estão em ~US$540/t. Acreditamos que no curto prazo os preços do aço devem andar de lado, elevando-se suavemente no 1S24, com as medidas fazendo mais efeito dentro da economia real, em linha com a nossa previsão que comentamos no relatório setorial de siderurgia do trimestre passado, que segue em anexo (Metais & Mineração: Um sinal de alívio para siderurgia).

    Oferta

    O que dizem os dados de oferta? Após três semanas de quedas consecutivas, os estoques de minério de ferro importado nos 45 principais portos da China, conforme pesquisa da Mysteel, sofreram uma reversão e atingiram 120,5Mt no final de agosto. O aumento na chegada de transportadores de minério superou o aumento nos volumes de descarga nesses portos, levando a essa mudança positiva.

    As chegadas de minério de ferro nos 45 portos chineses testemunharam um salto significativo de +70,3% ou 13,1Mt de 7 a 13 de agosto, atingindo um recorde desde maio de 2020. Esse aumento nas chegadas de minério é resultado da restauração total das operações portuárias ao longo da região do rio Yangtze após a passagem dos tufões Doksuri e Khanun, durante os meses chuvosos.

    O volume diário de minério de ferro descarregado nesses mesmos portos apresentou um segundo aumento semanal consecutivo, com uma média de 3,3Mt/dia durante os 3/4 do mês de agosto. Isso representa uma elevação de +3,1% m/m ou um aumento de mais de +98,7Kt/dia. Durante agosto, a Austrália e o Brasil, que foram responsáveis por 46% e 38% do volume total, respectivamente, registraram ganhos em seus estoques portuários. Os estoques australianos tiveram um aumento de +1,5% m/m, atingindo 53,9Mt no meio do mês após três semanas de queda. Os estoques brasileiros subiram +0,5% m/m, para 44,2Mt.

    Entretanto, já em setembro, os embarques de minério de ferro da Austrália e do Brasil para vários destinos globais, despachados por 19 portos e 16 empresas de mineração, passaram a registrar uma queda significativa, pondo um fim ao aumento de quatro semanas seguidas. Houve uma queda de -8,8% s/s, equivalente a 2,4Mt, elevando o total para 25,2Mt na semana de 4 a 10 de setembro. Essa redução foi observada nos volumes de embarque de ambos os países. No período da pesquisa, a quantidade de minério de ferro brasileiro transportado globalmente a partir de 9 portos caiu por duas semanas consecutivas, com uma redução de -2Mt (-22,3% s/s), totalizando 6,8Mt. Incluído nesses números, houve também uma redução substancial de -674Kt na quantidade despachada pela Vale.

    Nessa linha, os estoques de minério de ferro nos mesmos 45 portos chineses rastreados diminuíram então para 118,7Mt até a metade de setembro (vs. ~120Mt final de agosto), representando o nível mais baixo registrado desde 25 de setembro de 2020. Essa queda semanal significativa desde o início do mês em -2,6Mt, ou -2,1% em 15 dias, decorre principalmente do declínio pronunciado nas chegadas de cargas de minério fino e de um aumento nas taxas diárias de descarga nesses portos. De 28 de agosto a 15 de setembro, esses portos relataram ter recebido 22,8Mt de embarques de minério de ferro, marcando uma redução acentuada de -5,1Mt, ou -20,4% em comparação com o período anterior da pesquisa (14 a 25 de agosto). Além disso, as entradas de transportadores de minério nos portos do sul da China foram interrompidas, e isso deve continuar estabilizando os preços do minério de ferro próximo do patamar de ~US$118/t durante alguns dias.

    A diminuição dos estoques nos portos da china indica um aumento nos volumes de descarga e um maior congestionamento nos portos durante o período, o que provavelmente inibiu o volume de chegada de minério de ferro de diferentes localidades nessas últimas duas semanas. Para nós, as mineradoras sabiam que se enviassem mais cargas, poderiam ficar com as embarcações presas no congestionamento portuário. Possivelmente, isso irá impactar em maior custo de demurrage para as mineradoras sob nossa cobertura no 3T23.

    Olhando para o volume nominal total dos estoques, 74,8Mt pertenciam aos traders, registrando um leve aumento após quatro semanas consecutivas de queda entre final de julho e meio de agosto. Os estoques em posse das empresas de trading representaram então 61,8% do total, registrando por sua vez, uma redução de -0,2p.p. s/s observando agora a proporção relativa. Esse nível se mostra próximo da média histórica (~58,5%), indicando que não há atualmente uma posição especuladora em excesso, o que costuma acontecer quando esse nível sobe muito além da média histórica, como foi observado entre novembro do ano passado e abril desse ano, período do qual identificamos em nossos relatórios da época como o rally do minério de ferro após a reabertura econômica da China.  

    Ou seja, nos parece que o suporte do preço do minério de ferro entre US$110-120/t está ligado, nas últimas semanas, a um apetite da economia real, suportados por um consumo resiliente de aço e das taxas de utilização dos alto-fornos acima de 92% . Nessa linha, o consumo diário de minério de ferro fino importado aumentou para uma média de 555Kt/dia entre as 65 maiores siderurgicas da China durante o período de 7 a 13 de setembro. Isso representa um aumento de 11,3Kt/dia (+2,1% s/s), impulsionado pela maior produção de aço laminado quente (HRC) dessas empresas. Após o término das paradas programadas para manutenção em Shanxi, que estavam afetando a produção até o final do 1S23, um número crescente de siderúrgicas retomou a operação de seus altos-fornos em agosto. Como resultado, a pesquisa mais recente da Mysteel sobre 247 usinas siderúrgicas chinesas que utilizam altos-fornos revelou um aumento adicional na produção diária de HRC, com uma média de 2,5Mt/t por dia, de 1 a 7 de setembro.

    Preço

    Reflexos nos preços do minério de ferro. De forma geral, os gastos do governo com infraestrutura e para social housing podem ajudar a manter um nível básico de demanda para o aço; no entanto, acreditamos que as vendas de imóveis comerciais de incorporadoras privadas continuarão diminuindo no longo prazo devido às mudanças demográficas e a uma migração mais lenta das áreas rurais para as cidades. Além disso, a desaceleração global, através da Europa, potencial recessão dos EUA (acreditamos em um pouso suave), Brasil (que por mais que os juros estejam baixando agora, a demanda por aço continua enfrentando desafios), Coreia do Sul (juros altos e com exportações diminuído), além de outros, podem levar a um crescimento mais lento das exportações na China, tanto do aço cru para mercados globais como também de produtos da cadeia downstream do aço.

    Nossa estimativa é de que que o setor imobiliário, que representa ~35% do consumo de aço da China, e com o peso em ~60% do total da construção civil, verá sua demanda por aço diminuir em -22% este ano, o que equivale a ~250Mt. Apesar do crescimento esperado em infraestrutura potencialmente compensar parte disso (conforme já abordamos), acreditamos que a demanda global de aço irá diminuir em -5% a/a em 2023, para ~1.740Mt.

    Seguindo nessa linha, acreditamos que a curva de minério de ferro mostrará sinais de desaceleração olhando entre o final de 2023 e 2024, porém, ainda encontramos alguns suportes que ajudam a desaceleração não ser tão intensa quanto nós estávamos projetando anteriormente.

    • O que joga contra a apreciação do minério: (i) demanda fraca para novas moradias comerciais de incorporadoras privadas (médio e alto padrão), sobretudo em cidades excluindo Tier I; (ii) inversão da pirâmide demográfica da China; (iii) aumento natural da oferta de minério de ferro entre o 3T23 e o 4T23 pelo momento sazonalmente mais favorável das mineradoras brasileiras em relação ao início do ano; (iv) delay na resposta entre estímulos recentes, sobretudo na redução das taxas de juros na China, para fazer efeito dentro da economia real;  (v) maior apetite atualmente por minério de ferro low grade, justamente a especialidade da Índia, que registrou um crescimento anual da produção de +12% a/a nos primeiros 7M de 2023, aumentando a oferta desse tipo de minério no sistema seabourne.
    • O que joga a favor da apreciação do minério: (i) reduções nas taxas de juros, (ii) flexibilização das limitações impostas à compra de imóveis na China, (iii) um aumento notável de mais de +50% a/a no plano estratégico do MOHURD para moradias sociais, (iv) gastos em infraestrutura na China, direcionados principalmente para ferrovias; (v) produtividade elevada nos setores chineses de automóveis e máquinas elétricas; (vi) crescimento populacional da Índia ainda em taxas aceleradas (16 nascimentos por mil habitantes vs. 7,5 na China), em um país que é muito carente de investimento em infraestrutura e habitação, o que pode demandar um volume maior de minério de ferro de melhor qualidade para as siderurgicas locais, pressionado então a oferta de seaborne no longo prazo; (vii) construções de grande porte no oriente médio, tanto do mercado imobiliário quanto de infraestrutura, puxando inclusive o prêmio por pelotas e a demanda por minério de alta qualidade, com pegada reduzida de carbono, produtos que a Vale vem investindo mais (abordaremos esse tópico no capítulo da Vale).  

    Nossa projeção: De acordo com os fundamentos listados acima, ainda acreditamos que as forças contrárias farão mais peso do que os pontos a favor da apreciação, porém, estamos revendo a nossa curva para suavizar um pouco a desaceleração. Para a referência 62% Fe, nossas premissas indicam agora US$100/t (vs. US$95/t anteriormente) para a média do 4T23 e para 2024, ajustamos a nossa projeção de curva para US$95/t (vs. US$92/t anteriormente). Ainda continuamos com o mesmo nível de curva para o longo prazo (2028), em US$75/t. Simplificando, por pior que seja a situação do mercado imobiliário chinês, os preços do minério de ferro tendem a se espelharem em outros pontos para refletirem um pouco mais de resiliência do que inicialmente imaginávamos, e isso acaba sendo uma boa notícia para o setor de mineração.

    Retrospectiva dos resultados 2T23

    Depois de apresentar nossa perspectiva do setor, analisaremos brevemente os principais fatores que influenciaram o desempenho no 2T23 das duas empresas que fazem parte de nossa cobertura do mercado de mineração latam. Em seguida, apresentaremos nossa avaliação sobre as tendências futuras que esperamos para cada uma das companhias.

    Vale: O lucro líquido da Vale foi afetado negativamente por efeitos não recorrentes, nos dando a impressão de resultados com viés neutro. O (i) efeito de delay na realização dos estoques prejudicou qualquer chance de redução de custos no 2T23. (ii) A Vale revisou seu guidance de C1 para US$21,5-22,5/t (vs. US$21/t anteriormente), subindo a meta de custos, em linha com o que já esperávamos. (iii) O preço realizado para o minério fino foi de US$98,5/t (vs. -3,4% Genial Est.), e o C1 ficou +26% acima do guidance anterior, em US$26,5/t. (iv) Os custos de frete caíram para US$17,6/t (vs. -15% Genial Est.), mesmo com a alta do SSY (Tubarão-Qingdao), considerando que a Vale opera com frota própria e não sente tanto as oscilações, o que veio a compensar parcialmente o C1 mais alto, em relação as nossas estimativas.

    CMIN: A tese de crescimento da CMIN nos parece estar ganhando momentum, com a Companhia (i) podendo exceder o guidance de volume entre 39-41Mt para 2023. No entanto, é importante lembrar que o guidance atual corresponde à estimativa inicial fornecida para 2022 sem os ajustes que vieram ao longo do ano passado. (ii) Com a queda da curva de referência para o minério entre a média do 1T23 e a média do 2T23, os preços realizados da CMIN retroagiram fortemente, e a receita contraiu -11,1% t/t. (iv) Observamos o  COGS/t de R$211/t (+1,0% vs. Genial Est.) com uma melhora suave t/t, mas ainda em níveis elevados, carregado também por maiores compras de terceiros. (v) O EBITDA veio caindo pela metade, -45,6% t/t, mas acima da nossa projeção (+3,6% vs. Genial Est.). (vi) Já o Lucro líquido ficou estável t/t, com efeito não recorrente afetando positivamente.

    Olhando para frente…

    Conforme comentamos, nesse capítulo iremos explorar alguns pontos mais específicos de cada uma das teses, com o foco no que acreditamos que vem a seguir para Vale e CMIN.

    Vale

    Quais são as novidades?

    Entre o resultado do 2T23 da Vale e a data de publicação desse relatório, saíram dois fatos relevantes que acreditamos serem importantes comentarmos um pouco mais.

    Vale se torna solidária no processo contra a BHP na Justiça britânica. No início do mês passado, dia 7 de agosto, a Justiça Britânica tomou uma decisão de incluir a Vale como solidária a pedido da BHP em um processo na corte britânica sobre o acidente de Mariana (MG) de 2015. Devemos lembrar que o acidente ocorreu na barragem do Fundão, operada pela Samarco, que por sua vez, é uma Joint Venture controlada pela Vale e BHP.

    A BHP por ser uma mineradora anglo-australiana, possui sedes registradas tanto na Inglaterra quanto na Austrália. Aparentemente, haveria o pretexto de abrir o processo contra BHP em Londres, considerando que a mesma não possui sede registrada no Brasil. O processo em si não é novo, e já está em curso desde  2018.  A Vale já havia sido anexada pela BHP no processo com o pedido de solidariedade jurídica em dezembro de 2022, e na época a Companhia havia recorrido. Então, essa decisão recente em agosto foi anunciada após a Vale perder em primeira instância.

    Com a decisão, a Vale se expõe em 50% de participação em um potencial contencioso de US$46b, segundo nossas estimativas. Salientamos que o processo ainda não tem um valor definido, mas está sendo apoiado por mais de 720 mil brasileiros que assinaram a favor da reparação via justiça britânica. Em conversas recentes que tivemos com a Vale, a Companhia comentou que por ora,  não irá provisionar nenhum valor adicional relacionado a essa decisão, justificando que ainda cabe novos recursos e que ela irá recorrer até esgotar todas as possibilidades.

    Concordamos com a Vale que o caso parece não ter muito sentido, uma vez que o processo de reparação já ocorre na justiça brasileira, onde a Samarco é a ré, e a Vale e Renova respondem solidariamente aos custos por meio da fundação Renova, criada exatamente com esse propósito. Em termos de premissas para o nosso modelo de Vale, seguimos nesta linha e não adicionamos nenhuma provisionamento ou saída de caixa relacionados a esse processo da justiça britânica. À medida que os recursos forem se esgotando, podemos reaver nossas premissas. Em outras palavras, achamos precipitado elaborar um cenário alternativo nesse momento.

    Entretanto, gostaríamos de deixar claro a nossa preocupação com a possibilidade de uma decisão a favor da inclusão da Vale em outra jurisprudência, uma vez que isso pode abrir um precedente perigoso, não só para a Companhia, mas também para demais mineradoras, que acabam envolvidas nos riscos naturais de uma atividade extrativista. Isso porque ao enfrentar dois processos sobre o mesmo tema, as indenizações podem acabar sendo dobradas, tendo em vista as reparações já ocorrendo e um acordo sendo costurado no Brasil, que envolve diferentes frentes, como governos dos estados de Minas Gerais (MG) e Espírito Santo (ES), Governo Federal, Ministério Público (MP), Tribunal de Contas do Estado (TCE), escritórios de advocacia e órgãos de fiscalização ambiental, como o IBAMA.

    Recuperação Judicial da Samarco aprovada, removendo algumas incertezas. Além das questões envolvendo o processo na corte britânica, a Samarco teve seu plano de Recuperação Judicial no Brasil aprovado pelos credores e autorizado pelo juiz competente no dia 1 de agosto, possibilitando assim: (i) a reestruturação da alavancagem para parâmetros muito mais flexíveis, através da troca do montante de endividamento que antes era maior e mais curto, e agora cai para US$3,7b (vs. US$4,8b), com vencimento longo e sem garantia financeira (deságio de 23% vs. a dívida anterior). Além disso acreditamos que o plano de Recuperação Judicial irá (ii) permitir a continuidade no desembolso das indenizações pelo acidente de Mariana, mantendo os remédios e compensações no ritmo que já estavam sendo feitos, e por sua vez acaba (iii) assegurando a continuidade das operações da Samarco.

    Entretanto, assim como já destacamos anteriormente, o plano de Recuperação Judicial consta com trava de gasto de caixa de US$1b entre 2024 e 2030, o que pode levar a Vale e a BHP a realizarem um volume maior de aportes diretos, uma vez que sabemos que a Vale já recorreu em algumas ocasiões ao caixa existente da Samarco para aportar na fundação Renova. Ou seja, daqui em diante, essa carta na manga para reduzir o peso no balanço da Vale deverá ser usada com menos frequência.

    Ainda assim, acreditamos que a trava de gasto de caixa de US$1b foi uma moeda de troca usada pela Vale e BHP para conseguir viabilizar a aprovação do plano. Em outras palavras, não adiantaria brigar para essa trava não constar no plano e os credores não se sentirem confortáveis em aprovar outras medidas importantes, como por exemplo o deságio da dívida.  Isso nos faz pensar que apesar da trava representar um potencial de gasto maior com os provisionamentos direto do balanço da Vale em relação ao acidente de Mariana daqui em diante, a situação continua sendo menos pior do que poderia ser. Melhor a Samarco ajudar com algum nível de dispêndio do caixa dela, do que não ajudar com nada, e isso seria o  que aconteceria caso a empresa fosse dissolvida na falência mediante a não aprovação do plano.

    Além disso, como já estávamos mais pessimistas com a necessidade de provisionamento do que o guidance indicado pela Companhia no Investor Day do ano passado, mais uma vez a decisão acaba não surtindo impacto para nosso modelo. Apenas para relembrar, desde abril estamos considerando em nosso modelo a execução de um acordo em R$112b (~US$23b), o que seria um incremento de ~20% em relação ao guidance da Vale no fluxo de pagamento de 2023 a 2028.

    O que esperar para frente?

    Inventário criado no 1S23 não deve ser totalmente revertido no 2S23. Mesmo após a normalização dos embarques no terminal de Ponta da Madeira (MA), que escoa o minério de ferro do Sistema Norte, o gap formado em um nível além do natural entre a produção e vendas para os finos (25% vs. 18% média histórica) não deve ser totalmente revertido em 2023. Em nossa última conversa com a Companhia, foi esclarecido que a Vale deve optar por reforçar seus estoques, que foram desfeitos nos últimos anos.

    A nossa estimativa é que, a depender de preço e de outras condições do mercado, a Vale pode começar a queimar parte desse estoque no 3T23 (36Mt), mas passamos a ficar sem expectativas de uma reversão total durante o 2S23. Dessa forma, alteramos nossas premissas para um processo de desestocagem mais suave, o que por sua vez, casou um impacto de redução no Target Price em -US$0,25, conforme demonstramos na tabela abaixo.

    Custos com tendência de baixa em relação ao início do ano. Pelo efeito sazonal típico da segunda metade do ano, que ocorre pelos menores níveis pluviométricos, esperamos um crescimento da produção de minério de ferro no 2T23 e 4T23, principalmente no Sistema Norte, o que deve trazer: (i) uma maior capacidade de diluição de custo fixo, baixando o C1 para US$21,7/t Genial Est. no 3T23 (vs. US$26,5/t no 2T23) e (ii) a normalização dos custos no Sistema Norte diante de uma expectativa de aumento de produção para 50Mt Genial Est. no 3T23 (+27% vs. 2T23), sem nenhum tipo de empecilho para os embarques entre o próximo trimestre e o 4T23.

    Ainda assim, por conta de alguns custos adicionais como (a) inflação geológica, (b) novas formas de operar, mesmo com a retirada de algumas linhas de gastos pontuais, temos uma expectativa de que os custos não voltem para o patamar visto no passado no curto prazo. A realidade da mineração parece estar se movendo em torno de maiores custos de C1.

    Do lado de frete, nossa projeção é de que a leve redução do SSY durante o curso do 3T23 deve também fazer pouco efeito na Vale, que possui frota com armação própria de embarcações. Acreditamos que o frete fique em US$17,9/t no 3T23 (vs. US$17,5/t no 2T23), alterando levemente as nossas premissas para um custo de frente inferior, uma vez que a Companhia nos surpreendeu positivamente no trimestre passado.

    Olhando até o final do ano, conforme comentamos em nosso último relatório (Vale 2T23: Dedo na ferida…), estávamos utilizando premissas mais pessimistas para 2023 com relação ao C1, então a revisão do guidance subindo para US$21,5-22,5/t passou a ficar em linha com a nossa expectativa de que a Vale não iria conseguir chegar no dimensionamento de custos dando pelo guidance anterior. Isso quer dizer que, apesar o mercado ter regido de maneira negativa após a divulgação do resultado mediante a essa notícia, para nós havia um baixo impacto de modelagem.

    Sobre esse tópico, continuamos então com as premissas que estávamos usando antes, que fazem com que o C1 fique em US$23,4/t Genial Est. em 2023.É importante lembrar que esse número inclui compra de terceiros, e que o guidance que a Vale divulga é excluindo compra de terceiros. Caso a exclusão seja realizada, a nossa estimativa fica muito próxima do topo da banda superior do guidance (US$22,5/t), de forma que após o ajuste, acreditamos que os números entregues daqui em diante devem ajudar a reduzir o C1 até atingir o novo número.

    De onde vem o crescimento para atingir o guidancede produção? Em mais um tour com analistas, em evento realizado no dia 05 de setembro, a Vale divulgou de maneira mais ampla quais as bases para seu guidance de minério de ferro, para sair de 310-320Mt em 2023E e chegar em 2026E com 340-360Mt. A nossa avaliação é de que o Sistema Norte puxará boa parte desse crescimento, conforme comentaremos mais abaixo.

    Os briquetes nos animam para o futuro. Além disso, o evento nos deixou otimista com relação aos novos produtos aglomerados, principalmente os briquetes, que podem ser usados em forno a arco (elétrico), diluídos com a sucata, ou alto-forno a carvão, porém, com menos emissão de CO2.  Acreditamos a demanda por briquetes deve ser maior daqui para frente, considerando que a China possui restrição de CO2 pela assinatura do acordo de Paris e por isso coloca um teto na produção de aço bruto, conforme comentamos no início do relatório.

    Com o aumento da penetração dos briquetes, além do prêmio agregado (que pode sair dos atuais US$4/t para +US$12/t no longo prazo), a Vale deve manter a demanda com um nível maior de resiliência, visto que as siderúrgicas podem procurar mais briquetes para produzir mais aço sem emitir tanto CO2. Mesmo que a demanda na China não esteja muito aquecida por conta do mercado imobiliário, vemos a produção de automóveis para aços planos e bem como as exportações de aço para demais mercados globais como frentes a potencial manutenção de taxas de utilização dos alto-fornos em bons patamares.

    Apesar de representar um grande upside para o futuro, no curto prazo a Vale já inicia os testes em sua primeira planta de briquetes verdes, na unidade de Tubarão, sendo enviado diretamente para as verificações industriais e validação dos clientes. Após anos de desenvolvimento, o start-up oficial da primeira planta é previsto para o final de 2023, e da segunda para início de 2024, somando assim uma capacidade adicionada de +6Mtpa, que já é considerado no guidance divulgado pela Companhia anteriormente.

    Sistema Norte com grande destaque. Responsável por maior parte da expectativa de aumento na produção dos minérios finos, o S11D é desenhado com uma capacidade de 120Mtpa (vs. 70Mtpa em 2022), com o start-up da expansão previsto para 2026, e que já está com um progresso físico de 51%. Além disso, outra parte relevante da adição de capacidade pode vir de Vargem Grande, com a expansão das minas de Horizontes e Tamanduá. Acreditamos que a capacidade de ROM para a operação da planta VGR1 será ampliada em virtude dessa expansão de minas, com ambas esperadas para começarem em 2024, agregando em +17Mtpa em relação a capacidade atual, que deve chegar então a ~50Mtpa. Destacamos que a expansão ainda depende de licenças ambientais.

    Por último, mas não menos relevante, o projeto de Capanema aumenta a flexibilidade do Sistema Sudeste, com a produção de 18Mtpa de minérios finos, através de um processo de umidade natural. Atualmente com 52% de progresso físico, a expectativa é a entrega do projeto no 1S25.

    Apesar de não termos novidades sobre os números, visto que todos os projetos já constam no guidance atualizado no final do ano passado, enxergamos uma margem de segurança no número, considerando os efeitos de depletion, atrasos de licenciamento e outros fatores podendo agir na direção contrário à força de aumento para 340Mt a 360Mt em 2026.

    Dessa forma, com o start-up e ramp-up de projetos que devem fazer o trazer mix para qualidade média em 64% até 2030+ vs. 62,4% atualmente, acreditamos que maiores prêmios estão por vir, reforçados pela necessidade de descarbonização global, já que um minério de melhor qualidade em conjunto com as soluções engenhosas para briquetes acabam reduzindo as etapas de beneficiamento minério e emitindo menos gás carbônico para a produção de aço.

    Venda da unidade de Metais Básicos podem engrossar os dividendos. Após o anúncio da aprovação de uma parte minoritária de 13% na unidade de metais para a transição energética, adquirida pela JV entre PIF e Ma’aden, o management comentou que do total de US$3,4b, apenas US$1b deve seguir para o balanço dos metais básicos, com os demais US$2,4b ficando na holding Vale. Sendo assim, enxergamos uma grande possiblidade para esse respectivo valor ser distribuído para seus acionistas, seja como forma de proventos, ou recompra de ações.

    Com o closing da transação esperado para início de 2024, acreditamos que a operação irá ajudar ainda mais na capacidade de execução dos projetos, mesmo sendo conservador em relação aos respectivos guidances de +300ktpa em níquel, e ~900ktpa em cobre. Conforme já mencionamos em relatórios passados, gostaríamos de ter visto uma participação maior da fatia que foi vendida indo para a mão de um operador do negócio da cadeia de transição energética, e não para um fundo de investimento, que é um player financeiro.

    Porém, ainda assim, acreditamos que a unidade foi vendida a um bom preço (EV/EBITDA 24E de 7,3x), e esses US$2,4b retidos podem trazer de retorno ao acionista, representando um provento extraordinário que gira hoje em torno de ~4%, levando nossa estimativa de dividend yield 24E para 14,8% vs. 10,7% anteriormente.

    Leis de cavernas do Brasil: Como impacta a Vale? A legislação brasileira distingue quatro níveis de importância para as cavernas naturais: máximo, alto, médio e baixo. As cavernas de importância máxima são protegidas de impactos negativos irreversíveis e, portanto, são restritas de uma série de operações, como mineração, infraestrutura, rodovias, túneis etc.

    No início de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionou um decreto que permitia atividades de construção dentro dessas cavernas classificadas com importância máxima. No entanto, Ricardo Lewandowski, ministro recém-aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu esse decreto em um mês após a assinatura e o status da permissão de exploração de atividades nas cavernas voltou ao patamar anterior. Como resultado, a suspensão temporária de Lewandowski está sendo analisada pelo STF, uma vez que foi uma decisão não colegiada, com uma taxa inicial de aprovação de 3 a 0.

    Independente da decisão colegiada do STF (ainda sem data para ser julgado), acreditamos que há uma possibilidade de o atual governo reavaliar e modificar a lei das cavernas (talvez com especificidades diferentes daquelas aprovadas no primeiro decreto). Isso se deve principalmente ao fato de que ela não apenas impede a Vale de ampliar suas operações de mineração, mas também gera vários obstáculos para diversos projetos de infraestrutura programados para serem lançados no Brasil. Obviamente se a lei for flexibilizada em relação aos parâmetros que temos hoje, isso gera uma opcionalidade positiva que acreditamos não estar contida pelo consenso.

    Do nosso lado, achamos prudente também não incluir os efeitos dessa flexibilização em nosso modelo, até porque, pelo que se sabe atualmente, seria muito difícil de precificá-los corretamente. Mas certamente gerariam um valor interessante principalmente para o Sistema Norte da Vale.

    Nossa visão para Vale

    Sabemos que as ações da Vale foram duramente golpeadas YTD (-23,13%), em virtude da discussão sobre o cenário macro na China, aliadas ao efeito de não recorrente de Ponta da Madeira. Entretanto, enumeramos alguns gatilhos, tanto de curto prazo como de longo prazo para a altas das ações. 

    Curto prazo: Apesar do mal humor do mercado desde o início do ano com a Vale, acreditamos que o preço da companhia se encontra atrativo, considerando as questões microeconômicas de curto prazo para os próximos meses, envolvendo a execução interna para a reversão da operação à média, contando com (i) uma melhora nos custos C1 durante o 2S23, a partir da normalização dos embarques do Sistema Norte, anexas a uma (ii) leve processo de desestocagem, que mesmo tendo recalibrado para premissas mais suaves que as anteriores, ainda destravam valor pelo nível de preço atual das ações e (iii) uma expectativa de dividendos extraordinários de US$2,4b (ou ~R$11,7b), deixando as ações em um ponto de entrada que nos parecem interessante.

    Longo prazo: Olhando para o longo prazo, também gostamos dos novos projetos de adição de capacidade, sobretudo elevando a qualidade do mix. Após a apresentação realizada pela Vale no evento do início do mês destinando aos analistas, ficamos mais otimistas com o futuro da Companhia. Em conversas que tivemos com alguns investidores institucionais após a apresentação, recebemos também feedbacks positivos deles sobre os planos da Vale para o futuro, principalmente com o início da operação da barragem de Torto nos números da Companhia para 2024 e com a planta de tubarão de briquetes, que deve entrar em operação até o final de 2023, seguida por uma segunda planta no início de 2024. Isso adicionará uma capacidade adicional de +6Mtpa.

    Acreditamos que os briquetes devem ter uma ótima aceitação para o mercado siderúrgico, e auxiliar em um aumento de longo prazo na realização de prêmio, chegando aos US$12/t (vs. ~US$4/t atuais) em 2026, ao adicionar algo em torno de +US$5/t Genial Est. nos aglomerados de minério de ferro. Em nossa visão, isso favorece a demanda da Vale mesmo considerando um mercado na China em decadência, tornando a base de clientes mais resiliente devido às menores emissões de CO2 dos briquetes. As emissões de C02 compõe uma das razões que embasam a redução do output de aço bruto pelas siderúrgicas chinesas. Agora, se os briquetes ajudarem as siderúrgicas a conseguirem produzir a mesma quantidade de aço com menos C02, é possível que os cortes na produção previstos para os próximos anos se tornem menor, e a Vale se encontra bem-posicionada pela pegar essa tendência de descarbonização.  

    Os outros +US$3/t Genial Est. para fechar a conta e chegar nos US$12/t devem vir do ganho de eficiência no processo de pelotização pela barragem de Torto e das melhores condições de mercado em um futuro próximo, principalmente por um apetite cada vez maior dos Emirados Árabes, conforme já comentamos neste relatório no capítulo de análise de preços da curva do minério de ferro.

    Então se a China continuar desacelerando a Vale ainda cresce? Tentando ser mais objetivo possível na resposta: acreditamos que sim. Para nós, a inversão da pirâmide etária na China é um divisor de águas para a tese de crescimento da demanda por commodities metálicas e o mercado imobiliário do país mostra sinais de que a crise está ligada a componentes estruturais e não momentâneos. Porém, a China continuará sendo uma grande consumidora de minério de ferro, mesmo crescendo menos daqui em diante.

    Planos de moradias sociais pelo Ministério da Habitação e Desenvolvimento Urbano da China (MOHURD) devem crescer em +50% a/a em 2023 e ocupar 1/5 de toda a área em construção habitacional da China, e essa expansão parece estar passando desapercebido boa parte do mercado. Entre outras razões (como os investimentos em infraestrutura), acreditamos que o social housing deve continuar suportando preços do minério de ferro em patamares bastante atrativos, oferecendo uma solução interessante de viabilidade para cidadãos chineses de classe média morarem em centros urbanos.

    E mesmo que o mercado de propriedades comerciais de incorporadoras privadas esteja em decadência, conforme a produção de automóveis na China continua ganhando corpo e as exportações de aço se tornaram também uma alternativa as siderúrgicas, acreditamos na manutenção boas taxas de utilização dos altos-fornos, que hoje estão em ~92%. Além disso, tem todos os caminhos para crescimento de longo prazo, com os briquetes e os demais aglomerados adicionando prêmio e ajudando a compensar um potencial baixa no preço realizado de finos.

    Agregando o exógeno à Companhia na conta, observamos o minério de ferro atualmente no patamar de ~US$120/t mesmo diante de um cenário onde o mercado vem martelando muito um tom pessimista para o crescimento Chinês. Concordamos que a situação da China é de um crescimento industrial mais fraco do que o que foi no passado, porém, ao longo do relatório procuramos encontrar fundamentos para justificar a curva no patamar atual, e vemos algum sentido em a curva não ter desacelerado tanto mesmo com os dados macro transparecendo todo esse mal humor.

    Apesar de acreditarmos que a curva do minério de ferro ainda é descendente, revisitamos nossas premissas para uma queda um pouco mais suave, o que provocou também uma alteração em nosso Target Price, de +US$0,30. Após atualizar nossa curva de 2023E para US$110/t no 3T23 e US$100/t no 4T23, vimos o EBITDA subir um pouco, o que deixas a Vale negociando em um múltiplo EV/EBITDA 23E de 3,8x e 24E de 4,2x, pelo nosso cálculo (vs. uma média de histórica de 4,3x), o que sugere que o preço das ações está descontado.

    Análise de sensibilidade: O quão irracional é o preço atual da Vale? Ao analisarmos o preço atual de negociação das ações da Companhia, e sensibilizarmos sob a ótica da curva do minério de ferro 62% Fe no final de 2023 em US$100/t, assumindo uma redução de -US$5/t por ano até 2028, vemos que a nossa curva resulta em um Target Price 12M de R$82,80 (~R$83,00), mas que ganha muito upside a medida de que se aproxima do patamar atual no qual a commodity negocia (US$110-120/t).

    Adicionalmente, outra métrica que consideramos importante é uma análise linear, demonstrando qual o preço de minério de ferro implícito no valor de mercado da Vale atualmente. Com o valor atual em ~R$70 por ação, enxergamos um minério de ferro implícito de US$75/t, um número bem abaixo do spot da curva de 62% Fe, em -37,5% vs. o preço do minério de ferro atual. Isso significa dizer que o preço de mercado da Vale está com uma margem de segurança muito elástica, e nos parece irracional. Não é de hoje que estamos apontando isso. Nosso relatório setorial do trimestre passado, publicado em junho, rodamos as mesmas sensibilidades. De lá para cá, o preço do minério de ferro subiu, mas o preço da Vale não saiu do lugar, mais uma vez, indicando a irracionalidade e evidenciando a oportunidade de entrar em uma posição.

    Dessa forma, reiteramos nossa recomendação de COMPRAR para a Vale, com um Target Price 12M para VALE3-B3 em R$83,00 ou para as ADRs VALE-NYSE em US$17,00, o que implica em um upside de +20,49% no último fechamento do mercado. É importante mencionar que as modificações de premissas que citamos ao longo do relatório, tais como (i) Nova curva de minério de ferro projetada, com queda menos intensa em 2023 e 2024 e (ii) arrefecimento no custo do frete, criaram em conjunto um aumento de Target Price que mais do que compensou o efeito de redução no Target Price relacionado ao (iii) ritmo de desestocagem mais lento do que incialmente estávamos prevendo.  

    O Target Price passa a ser US$17,00 (vs. US$16,75 anteriormente) para VALE-NYSE , porém, pelo efeito de apreciação do USD/BRL, esse efeito de aumento de +US$0,25 mais uma vez não foi sentido para VALE3-B3, que segue com os mesmos R$83,00 de antes.  

    CMIN

    O que esperar para frente?

    Perspectiva para a produção segue forte, ajustamos premissas para superar levemente o guidance. Após um mês batendo o recorde histórico para a produção, nossa expectativa é de que a CMIN mantenha uma boa performance operacional, possivelmente trazendo números ainda melhores no 2S23, principalmente por um restabelecimento na sazonalidade climática, na qual a ausência de chuvas deve ajudar a Companhia a ultrapassar seu guidance de 39-41Mt para 2023, com a nossa projeção atualizada para ~42Mt Genial Est.

    Apesar disso, a estratégia de aumentar o share de minérios de terceiros em suas vendas, chegando a comprar cerca de ~3Mt por trimestre (vs. ~2Mt habitualmente), acaba consolidando uma margem menor, visto que a rentabilidade chega próxima de apenas ~US$5/t, impactando negativamente o mix de produtos de produção própria, que possui uma margem mais elástica.

    Fornecimento de low-grade afeta o preço realizado. Com a conjuntura global para o mercado de commodities ferrosas, a CMIN está dando preferência para o minério de ferro low grade, tanto na produção própria quanto na compra de terceiros, visto que a demanda se mantém interessada nesse tipo de composto de qualidade inferior, com menos espaço para produtos de mais qualidade no curto prazo. Curiosamente, isso realmente parece ser verdade para a Vale também e ajuda a explicar por que os prêmios atuais de finos estão tão murchos se comparados a um passado não muito distante (com um desconto considerável de quase 6x em relação à média histórica).   

    Logo, com a CMIN entregando um minério de menor concentração de ferro, o preço realizado acaba tendo um impacto significativo, em especial em relação a curva do minério 62% Fe. Estamos atualmente com uma projeção de US$69/t Genial Est. para o 3T23 (vs. uma curva de US$110/t 62% Fe, oferecendo um desconto de -37,3%).

    Possibilidade de novos hedges após um potencial esgotamento da resiliência no preço do minério de ferro. Na outra ponta, em um movimento na qual vemos como positivo para CMIN, sobretudo por um bom timing diante do desempenho recente do preço da commodity, que se encontra em US$120/t (vs. US$105/t há 4 meses atrás), a possibilidade de posições de hedge para travar o preço realizado com a curva atual. Nossa visão é de que, além de trazer maior previsibilidade sobre o curto prazo, o hedge pode eliminar alguns riscos sobre a durabilidade desse patamar de preço de minério de ferro (que para nós, é muito alto).

    Conforme já comentamos ao longo do relatório, não acreditamos que o preço do minério de ferro deva se manter, e estamos com uma curva atualizada para o final do ano de US$100/t (o que implica em uma queda de -16,7% sobre a ótica de preços, que já encarou uma resiliência considerável mesmo em um cenário desafiador até aqui. Acreditamos ser difícil essa resiliência continuar durando à medida que as mineradoras brasileiras estão entrando no período de sazonalidade positiva e mais oferta de minério será adicionada ao sistema seaborne.

    É importante também comentar que, diferente da Vale que não opta por travar os preços por mecanismos de hedge, a CMIN parece ter mais flexibilidade para se ajustar nesse quesito que sua irmã maior. Um ponto que achamos favorável para a Companhia, principalmente quando conversamos recentemente com eles e recebemos como resposta a também impressão de que o minério de ferro nesse patamar estava com dias contados. Isso quer dizer que a Companhia parece fazer uma leitura mais racional do mercado e se adaptar a dinâmica de preços de maneira mais oportunística, algo que a Vale é muito travada em suas políticas para conseguir fazer.  

    Custos devem continuar a melhorar. Abrindo o ano com dificuldades em termos de custos, com contratempos nas linhas férreas da MRS devido a um deslizamento de terras, que resultou no pagamento de maiores taxas pela atualização de linhas de terceiros e por ajustes no prolongamento de rotas, a perspectiva é de que no 2S23 os números devem continuar a melhorar. Com essa situação da MRS tendo sido completamente resolvida no trimestre passado, mas com os números sofrendo efeito do estoque em trânsito pelo delay natural da passagem de custos no P&L, nossa tese se baseia essencialmente na (i) maior capacidade de diluição de custo que uma maior produção sazonal leva, que deve crescer para 12,2Mt Genial Est. no 3T23 (+9% vs. 2T23) e um (ii) volume de compra de terceiros levemente inferior que no trimestre passado (apesar de ainda continuar em níveis altos), o que devem de maneira combinatória ajudar a arrefecer dispêndios; melhorando o seu custo C1, do qual estamos com uma projeção de US$20/t Genial Est. para o 3T23 (vs. US$22/t no 2T23)

    Já sobre o frete, diferente da Vale que opera com frota marítima de armação própria,  a CMIN fica mais é mais dependente da curva spot. A referência SSY (Tubarão-Qingdao) vem caminhando para uma média de US$20/t no 3T23 (vs. US$21/t no 2T23). Isso deve refletir em um custo ligeiramente menor para CMIN no próximo trimestre, à medida que sofreu com o aumento dessa linha de custo no resultado passado.

    Nossa visão para CMIN

    Começando a desenvolver a pegada de “growth” que sua tese possui, a CMIN está trazendo números para sua produção que começam a mostrar o motivo da grande expectativa em relação ao seu futuro, principalmente após um ano turbulento na qual os projetos e seus devidos guidances foram adiados e rebaixados.

    Ainda assim, estreitando a relação com os possíveis compradores para o que deve ser produzido em seus principais projetos de expansão, a Companhia anunciou recentemente um acordo com Itochu Corporation, para o fornecimento de 6Mtpa de minério oriundos da mina Casa de Pedra, mediante a um pré-financiamento para o desenvolvimento do projeto P15, fortalecendo a confiabilidade para os novos prazos de start-up e ramp-up que foram dados ao final do ano passado.

    Embora em um ambiente desafiador para o futuro, o curto prazo está se mostrando promissor, contrariando a tese do mercado, na qual acreditamos que a CMIN deve usufruir com posições de hedge para travar os preços em patamares altos. No mesmo passo, não consideramos que o longo prazo terá tantas grandes oportunidades para preços como estamos observamos hoje, o que dificulta a vida da Companhia e coloca grandes incertezas macroeconômicas nas datas em que a CMIN é esperada para colher os frutos de vários projetos capazes de gerar valor, e alavancar seu crescimento. Esperamos que, apesar do momento ser favorável para low grade, a CMIN acabe destravando uma maior produção de minério de ferro de qualidade superior para compensar uma potencial queda no preço através de prêmios mais robustos, estratégia que a Vale está adotando e acreditamos que ser o futuro da mineração. Enquanto não vermos sinais de penetração de qualidade no volume vendido pela CMIN, acreditamos que o preço realizado será um defletor de melhores resultados.

    Negociando em um EV/EBITDA 23E de 4,7x e 24E de 5,9x (vs. uma média histórica de 3,8x), reiteramos nossa recomendação de MANTER, com Target Price 12M de R$5,00, o que implica em um upside de +11,85% no último fechamento.

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