Com o provisionamento de 100% da dívida tóxica de Americanas de R$ 4,8b (R$ 2,7b líquido de imposto) no 4T22, o lucro do Bradesco despencou para R$ 1,6b (ROE de apenas 4,1%), queda substancial de -69,5% t/t e -75,9% a/a. Como apresentamos na prévia do 4T22, já esperávamos um desempenho fraco com um aumento substancial de provisões para crédito e resultado de tesouraria ainda negativo machucando o desempenho das receitas do banco. Excluindo o impacto da Americanas, o lucro seria de R$ 4,26b com um ROE ainda fraco de 10,9%, em linha com nossas estimativas.
Não bastasse, o guidance anunciado para 2023 enfraquece qualquer esperança de uma recuperação rápida de rentabilidade no curto prazo. Acreditamos que eventualmente o ROE volte ao patamar de 18% somente em algum trimestre de 2024. No meio do faixa indicativa do guidance, estimamos a um lucro de apenas R$ 20,4b e ROE ainda anêmico de 12,7% para 2023, praticamente igual a 2022.
Desse modo, apesar do valuation historicamente descontado de 0,91x P/VP 22 e 6,86x P/L 23E (meio do guidance), sem muitos motivos para nos animarmos no curto prazo, reiteramos nossa recomendação de MANTER. Acreditamos que o mercado reaja mal ao fraco resultado e ao guidance.
Os principais pontos de atenção no 4T22 são;
- Provisão de 100% da dívida tóxica da Americanas;
- Continuação do aumento da inadimplência, que deve atingir o pico no 2T23;
- Margem com o mercado melhorando t/t, mas ainda longe do lado negativo;
- Seguros com resultado robusto, fruto de melhora operacional e do financeiro;
- Benefício fiscal do JCP ajudando o resultado.
Guidance 2023: Recuperação só em 2024
Na nossa visão, o guidance para 2023 enfraquece nossas esperanças de uma recuperação de crescimento de lucro e rentabilidade em formato de V. A recuperação deve ser bem mais gradual e o banco deve voltar a rodar próximo aos 18% somente em 2024/2025. Para complicar, o guidance de PDD e despesas operacionais podem assustar os investidores mais desavisados e necessitam de ser aprofundadas. Nossa simulação sugere um range de lucro entre R$ 16,1b e R$ 25b e um ROE entre 10,1% e 15,4% em 2023. No meio do guidance, o lucro de R$ 20,4b fica próximo a 2022.
O guidance de provisão para crédito (PDD) veio bem maior que nossas expectativas, implicando em um crescimento de 13%-22% a/a bem acima do crescimento do crédito de 6,5%-9,5% a/a, principalmente se considerarmos que 2022 já está inflado com provisões para Americanas. Mas por outro lado, a PDD de 2022 inclui R$ 5,7b em reversões da carteira atacado por melhora de risco de crédito que diminuem o saldo de 2022 e que não devem acontecer em 2023.
Outro ponto a ser destacado no guidance é o avanço nas despesas operacionais de 9%-13%, bem acima da inflação projetada de 4%. Essa piora se dá por conta de reversões de contingências cíveis e fiscais, impactando a linha de outras despesas operacionais em 2022, que não devem acontecer em 2023, levando a uma expansão acima da inflação.
Por fim, o soft guidance para alíquota de imposto efetiva é de 16%-20%.
Carteira de Crédito: Desacelerando com menor apetite para risco
A carteira mostrou uma evolução de 1,5% t/t e 9,8% a/a, ficando próximo ao piso do guidance. O segmento que teve mais evolução t/t foi o crédito rural (10,3% t/t). Ainda vemos um crescimento na carteira mais arriscada, em cartão de crédito (6,4% t/t e 27,5% a/a), sendo a linha que mais contribuiu para o crescimento da carteira no ano. Ao longo dos anos vimos uma estratégia de busca por maiores margens, culminando em uma carteira com mix mais arriscado, fator de pressão em períodos de ciclos de juros e incerteza macroeconômica.
Receita com Juros: Margem com mercado ainda machuca
A margem financeira (NII mercado + NII clientes) evoluiu marginalmente t/t mas com pequena queda de 1,7% a/a. A margem com clientes mostrou um crescimento de 18,3% a/a, por conta do aumento das operações de crédito e um mix mais arriscado, a queda t/t foi consequência da redução dos spreads (9,8% 4T22 x 10,1% 3T22), refletindo a estratégia recente da companhia em fechar a torneira para créditos mais arriscados. A margem com o mercado melhorou t/t acima de nossas expectativas, por conta de maior resultado de trading e capital de giro, mas continua no negativo em -R$ 803m pressionando o resultado da margem.
PDD: Maior detrator
As despesas com PDD continuaram sendo o principal detrator do resultado, alcançando R$ 10b sem o efeito da Americanas, marcando um crescimento expressivo de 38% t/t e 134% a/a, consequência da estratégia começada em 2018 de migração para carteiras mais arriscadas e exposição a PF baixa renda onde o impacto de inadimplência foi maior. Além disso, a empresa resolveu passar 100% da carteira de Americanas, gerando um impacto adicional de R$ 4,85b e levando a provisão para R$ 14,9b, um expressivo avanço de 104,8% t/t. Ao contrário do Itaú, o Bradesco não usou provisão complementar previamente feita para provisionar especificamente parte da exposição a Americanas.
Outro destaque foi o indicador de inadimplência (NPL 90d), que mostrou piora em todos os segmentos, chegando em 4,3%. Ainda puxado principalmente por pessoa física e PME, segmentos mais afetados pelo cenário mais adverso, respectivamente evoluindo 0,4 pp e 0,8 pp t/t. Além disso, a empresa realizou a cessão de uma carteira no montante de R$ 2,8b, sendo responsável por derrubar 0,6 pp no NPL 90d, sem a cessão o indicador estaria em 4,9%, com evolução de 0,5 pp t/t.
Seguros: Assegurando o lucro do Grupo
Não fosse a unidade de Seguros, o Bradesco apresentaria um prejuízo nesse trimestre. Com um lucro de R$ 1,9b no 4T22 e ROE de 21,2%, a seguradora salvou o tri. O lucro da unidade cresceu 26,6% t/t e 24,8% a/a, fruto da soma de um bom resultado operacional, somado a evolução do resultado financeiro, não mais impactado pela deflação que impactou o 3T22.
No ano, o resultado das operações de seguros cresceu 28,9%, bem acima da faixa do guidance de 18%-23%. Para 2023, o guidance de crescimento desacelera para 6%-10%, fruto de uma base comparativa de 2022 mais forte (tough comps), além do segmento de saúde ainda pressionado.
Receitas de Serviços: Sazonalidade ajudando
As receitas de serviços apresentaram um crescimento de 4,5% t/t e 4,7% a/a. O principal contribuidor foi as rendas de cartão (6,1% t/t e 16,7% a/a), fruto de um maior volume transacionado (1,5% t/t e 19,6% a/a), em virtude do período de festas e Black Friday.
Em 2022, as receitas de serviços avançaram em 4,7%, com as rendas de cartão como o maior contribuidor. Para 2023, o guidance é de 2%-6%, sem grandes mudanças de 2022.
Despesas: Em linha com a inflação
As despesas gerais apresentaram uma evolução de 8,6% t/t e 4,8% a/a. A variação trimestral foi puxada principalmente pelas despesas administrativas (8,6% t/t e 6,9%), com as linhas de serviços de terceiros e publicidade e propaganda. A linha de despesas de pessoal caiu 4,1% t/t, em vista da queda de 52% na participação dos resultados (PLR), o que compensou o avanço das despesas estruturais de pessoal (salários e benefícios). Além disso, houve um avanço de 135% t/t nas outras despesas operacionais, fruto da normalização das despesas com contingências cíveis e fiscais para R$ 567m comparado com uma reversão de contingências no 3T22.
No ano, a empresa conseguiu controlar seus gastos, crescendo abaixo da inflação, mas que não foram suficientes para amenizar as pressões em outras linhas.
Imposto: Salvando o resultado
O Bradesco reportou um prejuízo de -R$ 71m antes do imposto. Não fosse credito tributários, principalmente com benefício fiscal auferido pelo pagamento de JCP no período, o resultado poderia ser muito pior. No ano, a alíquota efetiva foi de 24,3%, bem abaixo dos 33,7% de 2021, consequência de um ano com resultados mais fracos.
Para 2023, o soft guidance para alíquota de imposto é de 16%-20% por conta dos resultados mais fracos, bem menor do que a faixa anterior de 28-30%.
Capital: Impactos regulatórios
O capital principal do banco teve redução de -1,1 pp de 12,1% 3T22 para 11,0% 4T22, fruto principalmente de: -40 bps ajustes regulatórios referentes a mudança do tratamento de crédito tributário de prejuízos fiscais de over-hedge de investimentos no exterior, -40 bps de ajustes prudenciais (aumento de RWA) e -30 bps de pagamento de JCP.