Em 17 de julho, nesta quarta-feira à noite, o Ministério da Agricultura do Brasil (MAPA) confirmou um surto de doença de Newcastle (DNC) em uma granja de aves em Anta Gorda, Rio Grande do Sul (RS). Os procedimentos para erradicação, descritos no Plano de Contingência para Influenza Aviária e Doença de Newcastle, incluirão o abate de todas as aves e a desinfecção do local. Uma investigação complementar se estenderá a um raio de 10km ao redor da área do surto.
Principais Destaques
(i) Explicamos nesse relatório o que é a doença de Newcastle, como ela é transmitida para as aves e os riscos de contaminação para seres humanos. Já adiantamos que os sintomas nos seres humanos são brandos (conjuntivite) e estão mais atrelados ao contato direto com aves contaminadas do que relacionados ao consumo da carne de frango e ovos; (ii) Comentamos como a China costuma usar esses tipos de casos para controlar preços; (iii) Destacamos a BRF como a potencialmente mais afetada por possíveis restrições nas exportações, seguida da JBS (devido a exposição pela Seara) e Marfrig (devido ao fato de ser controladora da BRF); (iv) Também avaliamos que a Minerva poderia ser afetada, junto com JBS, como reflexo de possível pressão negativa no preço de venda da carne de boi (beef), que estaria atrelada a maior viabilidade do trade down de proteínas no mercado doméstico, diante do redirecionamento das exportações de carne de frago para o consumo interno.
O que é a doença de Newcastle?
A doença de Newcastle (DNC) é uma infecção viral altamente contagiosa em aves, que causa sintomas respiratórios e, posteriormente, problemas no sistema nervoso central das aves, diarreia e inchaço. Os riscos de contágio humano, mas os sintomas são leves, podendo causar conjuntivite e geralmente sem maiores complicações no quadro de saúde. A Defesa Agropecuária de São Paulo e o Ministério da Agricultura (MAPA) estão implementando medidas de erradicação, incluindo o abate de aves e a desinfecção da área, com investigações em um raio de 10km. O Brasil registrou a DNC pela última vez em 2006.
A doença, causada pela família do Paramyxoviridae, gênero Avulavirus aviário sorotipo 1 (APMV-1), se espalha por meio de aerossóis de aves infectadas e materiais contaminados. Após um surto atual no Rio Grande do Sul (RS), as exportações brasileiras de frango podem enfrentar embargos parciais, principalmente de países como o Japão e possivelmente a China, afetando um estado que exportou ~355Kt de frango (~US$630m) no 1S24.
Sem risco de contaminação pela ingestão da carne de frango.
Entendemos que orisco de contaminação pela carne de frango é basicamente inexistente, pois (i) as aves acometidas pelo vírus são abatidas para evitar a disseminação da enfermidade e (ii) o que causaria a transmissão da doença para o ser humano é o contato direto do manuseio de aves que foram acometidas pelo vírus APMV-1, não ocorrendo, portanto, pela via oral ao consumir a carne após o cozimento. Dessa forma, o Ministério da Agricultura (MAPA) emitiu um comunicado enfatizando que todas as medidas de isolamento passaram a entrar em vigor e se estenderão até a um raio de 10km ao redor da área do surto, no Rio Grande do Sul (RS). Além disso, o comunicado do ministério afirma que a doença não é uma zoonose transmissível. Os consumidores podem continuar ingerindo carnes de aves e bem como ovos com segurança.
Ainda assim, o contato direto com secreções, fezes ou aves contaminadas pode transmitir a doença para aves que até então estariam saudáveis. Adentrar em um ambiente contaminado elava a probabilidade de que as fezes se espalhem, o que potencialmente levaria a transmissão do vírus APMV-1 em animais ainda não contaminados em locais distintos, o que poderia disseminar rapidamente a quantidade de aves acometidas pela doença de Newcastle (DNC). Além disso, mãos de seres humanos com resíduos após o manuseio de aves com a enfermidade podem causar conjuntivite transitória, às vezes evoluindo para conjuntivite bacteriana que requer tratamento com antibióticos. Isso sugere que a conjuntivite pode resultar mais da transmissão entre as mãos e os olhos do que da exposição direta ao vírus pela ingestão da carne. Portanto, mais uma vez reforçamos que a transmissão não ocorre via consumo da carne.
Quais sãos os impactos para os frigoríficos?
A receita dos embarques representa 13,82% do total das receitas com exportação de carnes do Brasil (US$4,5b) e 14,1% dos 2,5Mt exportadas. Proibições preventivas de exportação podem levar a um excesso de oferta no Brasil, afetando principalmente a BRF e a JBS (através da Seara). Atualmente, 25% da receita da BRF e 6% da receita da JBS vêm das exportações de frango. A JBS pode mitigar as perdas por meio de suas subsidiárias nos EUA e na Europa, já a BRF possui menos opções de redirecionamento.
Olhando para a Marfrig, a companhia enfrentaria impactos negativos devido à sua participação na BRF. Também avaliamos que o excesso de oferta doméstica pode pressionar negativamente os preços da carne bovina se as exportações de frango forem interrompidas, uma vez que aumentaria a possibilidade de escolha dos consumidores que procuram uma fonte de proteína mais barata (maior viabilidade do trade down), com diante do mercado doméstico com excesso de oferta de carne de frango, após redirecionamento das exportações para o consumo interno. Nesse caso, isso também afeta JBS e a Minerva, dentro de seus segmentos de beef.
Nossa visão e recomendação
Mercado doméstico vs. exportações
Olhando para a situação do mercado doméstico, acreditamos que as restrições comerciais regionais provavelmente teriam impactos limitados, mas poderiam surgir dificuldades adicionais com as exportações para a China e o México (15% do total de exportações de aves brasileiras), além de Japão e marcando Halal (forte comprador da BRF). Nosso entendimento é de que os protocolos de saúde devem facilitar uma recuperação mais rápida das exportações, apesar da possível disseminação da doença para outros estados.
Por outro lado, se a doença não for contida, a BRF e a JBS (através da Seara) podem enfrentar um excesso de oferta doméstica devido à interrupção das exportações redirecionadas para os mercados locais. Essa avaliação se baseia no cenário de 2018, em que as exportações europeias da BRF foram suspensas, afetando negativamente as margens internacionais e domésticas. Um exemplo recente é o caso da gripe aviária em 2023, que levou o Japão a suspender temporariamente as importações brasileiras de frango, embora o impacto tenha sido menos grave devido a novas autorizações.
Em 2023, ~25% da receita da BRF era proveniente de exportações de frango, enquanto a JBS detinha ~6%. A diversificação da JBS por meio da Pilgrim’s Pride (PPC), sua subsidiária de frango nos EUA, poderia ajudar a mitigar os impactos no mercado brasileiro.
O que aconteceu em casos passados?
Se olharmos para casos de contaminação, o maior risco para as empresas de proteínas é a restrição de embarques, especialmente para a Ásia. Em dezembro de 2023, a China bloqueou a exportação de frango e ovo de diversas partes dos EUA para assegurar a saúde pública. E vale lembrar da suspensão da compra de carne brasileira em fevereiro do ano passado, devido à doença da Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), popularmente conhecida como Vaca Louca. Os embarques foram suspensos até 23 de março de 2023 (~30 dias). Em 2021, também devido a um caso atípico de Vaca Louca, a China restringiu os embarques por quase 4 meses, afetando drasticamente a Minerva (mais exposta a exportação para a Ásia), e em médio grau a JBS e Marfrig (um pouco menos expostas que a Minerva).
Como a China usa esses casos como forma de controlar preços?
Acreditamos que, para além da preocupação sanitária, a China já teria restringido comercialização de carne brasileira no passado para controlar preços, justificando o comportamento com a doença da Vaca Louca. Isso porque os despachos já feitos permanecem em câmaras frias do país, mas não chegam a entrar no mercado consumidor. Com a pressão para liberar o embarque, o preço poderia reduzir, o que acabou acontecendo na época