Conclusão
Seguimos com a recomendação de COMPRAR para as ações da Eletrobras, introduzindo nosso novo preço-alvo de R$47,5/ação. Nossa redução no preço-alvo é reflexo da manutenção dos preços de energia de longo prazo abaixo do estabelecido no momento de sua privatização (consideramos em nossas estimativas R$100/MWh para 2023-2025E e R$130/MWh a partir de 2026E), menor GSF para os próximos anos, em função do maior despacho de fontes intermitentes em detrimento da energia hidráulica (consideramos um GSF de 90% para o longo prazo) e, aumento da taxa de desconto utilizada em nossos modelos (devido principalmente as altas taxas de juros dos títulos americanos – nossa taxa de desconto real é de 9,4%).
Mesmo com todos esses fatores negativos pairando sobre a empresa, aos atuais níveis de preços, vemos a empresa negociando com retorno potencial de 33% (+1,5% dividend yield 23E), com uma taxa interna de retorno implícita de 13,6%, 5,8x EV/EBITDA 23E e apenas 0,7x P/VPA 23E. Acreditamos que todos esses fatores negativos já estejam refletidos no preço e, com o passar dos trimestres, à medida que o turnaround da empresa avance e melhore em termos operacionais, vemos grande espaço para o crescimento da Eletrobras.
Geração: Como estão os reservatórios e os preços de energia?
É de conhecimento geral que 2022 foi um bom ano para a hidrologia do país, marcado por chuvas fortes e nos lugares corretos, elevando o nível dos reservatórios para a casa dos 80%, afastando o risco de racionamento e diminuindo o preço de energia ao mínimo regulatório (baixo consumo aliado a oferta abundante). O ano de 2023 não está sendo diferente, segundo o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), o volume útil dos reservatórios atingiu o maior nível em 20 anos, acima de 90% entre maio e junho.
Até o final do ano, estaremos no período de estiagem e observaremos o movimento natural de redução do nível dos reservatórios. Entre os anos de 2014 e 2020, essa redução que ocorreu entre os meses de setembro a dezembro foi, em média, de 19,7%. Se consideramos os atuais 82,9%, podemos esperar um volume útil ao final do ano de 63,2%. Ou seja, no pico da estiagem de 2023, podemos esperar níveis 5 pp. acima da média apresentada no pico do período chuvoso entre os anos de 2014 e 2020.
Os reservatórios cheios, aliado a entrada de novas usinas eólicas e solares e ao crescimento da geração distribuída criaram um cenário de grande oferta de energia no país. Ao mesmo tempo, a demanda por energia não tem acompanhado o crescimento da geração, criando um cenário de sobreoferta estrutural de energia até 2027, mesmo no cenário mais otimista. Mas é uma realidade que o Brasil já enfrenta há anos, sem que necessariamente os preços de energia sejam afetados negativamente. Entretanto, no passado, a hidrologia ruim elevava os preços spot (curto prazo), trazendo certo equilíbrio aos preços de longo prazo, fundamental à viabilidade das empresas de geração.
O fato é que, por dois anos consecutivos as chuvas colaboraram e o nível dos reservatórios se elevou à patamares históricos – e deve permanecer relativamente alto por mais um ano. Com isso, desde dezembro de 2021, os preços de curto prazo de energia desabaram para o mínimo regulatório, o que acaba também por afetar os preços de energia de longo prazo – se entre 2015 e 2021 contratos de cinco anos negociavam próximo à R$160/MWh, hoje vemos preços na casa dos R$95/MWh (para maiores informações, clique aqui).
Como fica a Eletrobras nesse cenário?
Com a privatização da empresa, parte dos recursos levantados no processo foram utilizados para comprar novas outorgas de usinas hidroelétricas que antes operavam no chamado “regime de cotas”, que obrigava a empresa a vender sua energia a preços muito abaixo do mercado – R$60/MWh vs R$150-160/MWh a valores de mercado. Agora essa energia está migrando para o mercado livre (ACL) e deve ser gradualmente ofertada ao mercado.
Essa energia que passará a ser comercializada no ACL era um dos brilhos que o case apresentava na época da privatização. A nova realidade dos preços de energia acabou por impactar as expectativas que o mercado tinha para esse processo de reprecificação.
Como podemos observar pelo gráfico abaixo, a empresa foi capaz de afastar parte desse risco ao contratar boa parte do seu portfólio para os anos de 2023 e 2024 à preços interessantes (+R$200/MWh). Mas para os anos seguintes, ainda observamos um alto nível de descontratação do portfólio, que a empresa terá que trabalhar para conseguir vender à níveis de preços interessantes. Ainda assim, vale notar que a empresa tem um grau de contratação bem elevado para 2023 e 2024.
Dado esse contexto, estamos considerando em nossas estimativas preços de energia de R$100/MWh para 2024 e 2025, respectivamente. Para o longo prazo, acreditamos que, mesmo a hidrologia permanecendo favorável por um período maior de tempo, os preços de energia tenderão à subir, pois a energia comercializada aos patamares atuais se encontra muito abaixo do Custo Marginal de Expansão (CME) (O CME refere-se ao preço teórico de energia necessário para viabilizar a expansão do parque de geração em uma unidade adicional e, hoje se encontra próximo à R$90/MWh, segundo a EPE), o que significa que projetos que se encontram em desenvolvimento, ou até nos estágios iniciais de construção, poderão ser cancelados por inviabilidade financeira, acarretando em um choque de novas ofertas esperadas e com isso eventual reequilíbrio nos preços de energia. Por isso, consideramos o preço de R$130/MWh a partir de 2026.
Com relação as garantias físicas e hedge hidrológico de longo prazo, no contexto de chuvas favoráveis, faria sentido guardar uma menor porção do portfólio energético da empresa para proteção contra o GSF (para maiores informações sobre o funcionamento do GSF, leia nosso início de cobertura aqui!), entretanto com o aumento de fontes renováveis intermitentes na matriz elétrica brasileira, o ONS tem optado por priorizar o despacho dessas fontes que não podem ser armazenadas sobre a energia das hidroelétricas. Com isso, em 2022, o GSF atingiu 85% e tende a se manter nesses níveis ao longo de 2023 também. Por esses motivos, estamos adotando um GSF de 90% para o longo prazo, nível igual ao divulgado pela Eletrobras como estratégia de hedge para os próximos anos.
Otimização de custos e despesas operacionais
Em conjunto com a situação energética do país, outro ponto sensível ao turnaround da empresa refere-se ao corte de custos operacionais da empresa. Nesse quesito, a situação é bem mais favorável para a Eletrobras. Se compararmos as despesas com pessoal, excluindo os custos dos PDVs, vemos uma redução de R$1.21 bilhão no 2T22 para R$1.06 bilhão no 2T23, reflexo da otimização da folha de pagamento com uma adesão superior à 3.000 funcionários aos Programas de Demissão Voluntária.
Com base nos dados fornecidos pela empresa, estimamos uma economia de R$2 bilhões/ano, representando uma redução de aproximadamente 40% dos custos de PMSO, fator que ajudou a compensar o efeito negativo que os preços de energia tiveram no valuation da empresa.
Outro fator favorável ao case da Eletrobras diz respeito a reversão de provisões relacionadas a celebração de acordos judiciais referentes aos empréstimos compulsórios. Do total provisionado de R$22.1 bilhões, a empresa conseguiu reduzir essa conta em R$2.1 bilhões somente no 2T23, dos quais R$1.4 bilhão se trata de reversão de provisões, relacionado aos deságios obtidos em acordos judiciais.
Valuation
Como detalhamos em nosso início de cobertura (para maiores informações, acesse – Eletrobras (ELET3): O que muda com a empresa privatizada?), nosso valuation é realizado através da combinação do método SOTP (Sum of the parts) e DCF (Discount Cash Flow), “quebrando” a estrutura da empresa e analisando separadamente cada aspecto que julgamos necessário.
i. Ativos Operacionais: +R$35,2/ação. Furnas, CHESF, Eletronorte, CGT Eletrosul, Eletronuclear (35,9%) e custos de holding. Cada um desses ativos é avaliado pelo fluxo de caixa descontado (DCF), utilizando uma Taxa de Desconto de 13,8% e, considerando seus atuais contratos de energia e com preço de longo prazo de R$130/MWh para a capacidade descontratada. Como já comentado ao longo desse relatório, o que afetou os ativos operacionais são os baixos preços de energia, alta descontratação do portfólio de modo geral a partir de 2025 e a pouca perspectiva de mudança no cenário hidrológico do país no futuro próximo. Outro fator que já incorporamos no modelo foi a recente extinção do Juros sobre Capital Próprio (JCP) e, como até o momento não sabemos se haverá algum mecanismo que substituirá o JCP, não adicionamos nenhum redutor da base tributária da empresa. Todos esses fatores acabaram por reduzir a precificação dos ativos operacionais com relação à valuations passados, mas foram parcialmente compensados pela expectativa de redução de custos de PSMO.
ii. Ativos/Passivos Financeiros: -R$1,9/ação. Como fomentadora direta do setor, a Eletrobras já atuou como um “banco” do setor, utilizando seu caixa com empréstimos para empresas diversas do setor. Para avaliar a sua carteira de crédito e de dívidas alocadas na holding, calculamos o preço/valor patrimonial implícito dos ativos/passivos considerando a sua rentabilidade vs custo de capital (ROE da Carteira/Custo de Capital).
No caso dos ativos, vemos a carteira de recebíveis (R$8.1 bilhões) com um rendimento implícito de 14,4% e ROE da carteira de 9,5%. Alcançamos um P/VPA implícito de 0,70x para os ativos o que implica em uma avaliação de R$5.6 bilhões (+R$2,5/ação). No caso dos passivos, vemos a carteira de dívidas (R$24.4 bilhões) com um custo implícito de 11,5% e ROE da carteira de 5,8%. Alcançamos um P/VPA implícito de 0,43x para os ativos o que implica em uma avaliação de -R$10.1 bilhões (-R$4,4/ação).
iii. Participações Minoritárias da Holding: +R$4,9/ação. A empresa possui uma série de investimentos em empresas do setor elétrico. Para avaliá-las, replicamos o valor de mercado para aquelas que possuem capital aberto e replicamos o seu valor patrimonial para aquelas que possuem capital fechado.
iv. Participações Minoritárias/SPEs das subsidiárias: +R$9,7/ação. Para avaliar as SPEs alocadas dentro das subsidiárias da Eletrobras, estamos considerando apenas 1,2x valor patrimonial – o que consideramos bem conservador, à medida que ativos do setor elétrico tendem a ser bem rentáveis desde que bem gerenciados. Vale lembrar que ativos de energia elétrica (geração ou transmissão) tendem a ser negociados acima do seu valor patrimonial em caso de ativos bem administrados, indicando potencial de destravamento de valor interessante ao longo do tempo.
v. Outros: -R$0,5/ação. Dentro desse item consideramos algumas dívidas e indenizações que ainda não foram reconhecidas no balanço da empresa. O primeiro item diz respeito aos valores não provisionados dos empréstimos compulsórios, atualmente em R$5 bilhões, que preferimos reconhecer integralmente na construção de nosso preço alvo, por conservadorismo. E o segundo item é relacionado a indenização que a Eletrobras tem direito pelas suas participação na Eletronuclear.
O que fazer sem Wilson Ferreira?
Inevitavelmente, parte do brilho do case da Eletrobras residia no fato do Sr. Wilson Ferreira estar sentado na cadeira de CEO da empresa. A sua primeira passagem como presidente da empresa foi marcada por uma série de melhorias do ponto de vista operacional e de governança e, em sua segunda passagem, agora com a empresa privatizada, as expectativas eram ainda maiores. Infelizmente, no dia 14 de agosto, o executivo renunciou ao cargo de CEO da Eletrobras, pouco menos de um ano após assumir ao cargo. Não entrando nos motivos e méritos que levaram ao Sr. Wilson renunciar ao cargo, fato é que durante o tempo em que presidiu a empresa, ele a colocou na direção correta para realização do processo de turnaround da empresa.
Agora, com sua saída, quem assume o cargo é o Sr. Ivan Monteiro, que ocupava o cargo de presidente do Conselho de Administração da companhia. Ivan já foi CEO da Petrobras e CFO do Banco do Brasil e, é conhecido por ser um executivo com maior know how financeiro do que Wilson, que fez sua carreira no setor elétrico. Ainda assim, acreditamos que com o “empurrãozinho” que foi dado por Wilson e, a boa relação que novo CEO tem com o governo, podemos ver bons frutos sendo colhidos no futuro próximo.
Pressão política: Risco ou oportunidade?
Já escrevemos outros relatórios sobre o assunto (Saiba mais: aqui, aqui e aqui), mas em suma acreditamos que as chances do STF mudar a interpretação da lei que limita o direito ao voto da União como uma opção muito remota tendo em vista não apenas todo o processo muito recente da privatização da empresa, como também os riscos que tal mudança de interpretação poderia causar ao ambiente institucional brasileiro. Para além disso, acreditamos que tal disputa ainda possa ser resolvida com diálogo entre as partes e, referente a isso, o novo CEO pode servir como uma nova peça no tabuleiro, dado que o Ivan Monteiro possui uma relação com a União mais próxima, se comparado ao Wilson Ferreira.
Ainda assim, esse deve ser um processo que levará um certo tempo para ser encerrado e, enquanto isso, vemos a Eletrobras negociando em níveis bem descontados, próximos aos de uma empresa estatal (0,7x P/VPA e 5x EV/EBITDA contra 3,9x P/VPA e 8x EV/EBITDA para a Engie – um case premium do setor e geração), onde julgamos que já esteja incorporado no preço boa parte do cenário mais negativo que possa vir a se concretizar no futuro. Ou seja, à medida que as eficiências operacionais comecem a se mostrar relevantes e os riscos políticos ficarem no passado, o que sobra é um cenário de grande valorização para as ações da empresa.