Conclusão
Negativo, mas com impacto muito pequeno na maior parte das empresas brasileiras. Em geral, as empresas brasileiras possuem baixa exposição ao mercado dos EUA – exceto, claro, raríssimas exceções. Dentre os nomes sob nossa cobertura, citamos Suzano e Embraer como cases com exposição relevante em termos fundamentais as tarifações impostas e com potencial de alteração de fundamentos no longo prazo caso essa mesma política venha a se manter.
Vale mencionar que somos céticos quanto a manutenção dessas tarifas globais ao longo prazo tendo em vista o uso de métodos agressivos de negociação por parte do Presidente dos EUA para se alcançar acordos favoráveis aos EUA.
O que aconteceu? Vamos aos fatos
O presidente dos Estados Unidos anunciou a imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, válidas a partir de 1º de agosto de 2025. Entre os motivos alegados, Trump citou desacordos com o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, medidas brasileiras contra redes sociais americanas e o apoio do Brasil ao bloco dos BRICS. Essa decisão faz parte de um conjunto mais amplo de políticas protecionistas, que têm elevado tarifas de importação em diversos parceiros comerciais.
Qual o impacto nas empresas sob nossa cobertura?
Petróleo & Gás
Impacto quase zero. Apesar de uma eventual taxação no petróleo e derivados do Brasil ser um evento negativo, observamos o impacto como muito limitado para o caso Brasileiro. De acordo com seus dados mais atualizados (dados de produção 1T25), Petrobras vende apenas 4% e 37% do total da sua produção de petróleo e derivados exportados, respectivamente, para os Estados Unidos.
Exposição Limitada ao mercado dos Estados Unidos. De acordo com os dados de produção divulgados pela Petrobras no 1T25, c. 788k bpde ou 27,5% de toda a sua produção (considerando volume de vendas total – petróleo e derivados) é destinada ao mercado externo. Das exportações de petróleo (551k bpde no 1T25), apenas 4% é vendida aos EUA. Ou seja: é como se o Brasil vendesse 22k bpde em termos vs uma produção total esperada de 2,8 milhões barris/dia pela empresa como um todo.
Utilizando o mesmo racional para os derivados exportados 1T25 (207k bpde entre derivados + óleo combustível), 37% desse volume é exportado aos EUA em um total – ou seja, 77,3k bpde vs produção diária de 1,7 milhões/dia. Em suma: em relação a sua produção total de petróleo e derivados, Petrobras exporta 0,8% e 4,5% da sua produção total de petróleo e derivados, respectivamente.
Sendo assim, considerando as respectivas exposições e nossas estimativas para ambos os negócios, estimamos uma exposição de até US$4 bilhões (c. R$22 bilhões considerando US$1=R$5,5). Aplicando a nova taxa anunciada de 50%, o impacto na empresa seria R$11 bilhões caso a Petrobras absorvesse completamente a tarifa – c. 5% do nosso EBITDA estimado para 2025E (R$220 bilhões). Entretanto, por se tratar de uma commodity amplamente negociada ao redor do mundo, acreditamos que a empresa não terá grandes dificuldades em desviar a produção para outros mercados consumidores, ainda que em condições ligeiramente menos interessantes.
Metais e Mineração
O ramo já se encontrava onerado por tarifas de +50% sobre as exportações de aço aos EUA, e entende-se que a medida recentemente anunciada não enseja acréscimo adicional, preservando-se, assim, o panorama vigente inalterado.
Em 2024, o mercado siderúrgico brasileiro atingiu valor de ~US$73b, com produção doméstica de ~32Mt e consumo aparente de 21Mt; no mesmo ano, as exportações de aço para os EUA totalizaram ~US$6b (~5Mt ou ~15% da produção nacional). A maior parcela dessas vendas corresponde a placas (slabs), insumo produzido predominantemente pela ArcelorMittal no Brasil. No âmbito de nossa cobertura:
(i) Usiminas — exposição ínfima, com menos de 5% de sua receita advinda de exportações;
(ii) CSN Holding — obtém 5% de suas receitas aos EUA;
(iii) CSN Mineração — responde por 4% de suas receitas em exportações direta aos EUA;
(iv) Gerdau — permanece vitoriosa no segmento, vendo mais de 50% de seu EBITDA originar-se de operações em solo norte-americano, sem dependência de exportações tarifadas;
(v) Vale — vendas a compradores dos EUA representaram ~3% de suas vendas de minério de ferro em 2024; mercado global de minério de ferro permanece dominado pela China (~70 % de concentração); adicionalmente, a depreciação BRL vs. USD deve reforçar a diluição do C1/t — principal métrica de custo de produção da companhia — traduzindo-se em redução de custo unitário de ~US$0,25/t para cada incremento de R$0,10 na taxa USD/BRL;
Essa combinação de exposição reduzida (Usiminas, CSN, CSN Mineração, Vale) e profundidade operacional nos EUA (Gerdau) delineia um setor com impactos tarifários assimétricos, no qual apenas os players com operações consolidadas em solo americano — e não meramente exportadoras — veem seu modelo de negócio substancialmente afetado pelo arcabouço derivado da imposição tarifária de 50%.
Papel & Celulose
Há notável dicotomia entre Klabin e Suzano quanto à exposição ao mercado norte-americano.
(i) Klabin — em 2024, ~80% das vendas de kraftliner foram direcionadas para o mercado externo com os EUA tendo participação relevante dentre os destinos externos; em papel-cartão, ~25% das vendas foram destinadas ao mercado estrangeiro, mas entendemos que os EUA não são parte tão relevante assim como em kraftliner; em embalagens, nosso entendimento é de que, como diversas mercadorias de diferentes setores são exportados para os EUA, principalmente oriunda do agronegócio, como frutas e carne vermelha, sua retração deve impactar negativamente as vendas de caixas de papel ondulado; com participação inferior a 5% de suas receitas oriundas dos EUA, o impacto tarifário tende a revelar-se pulverizado e de magnitude reduzida;
(ii) Suzano — estimativas sugerem que ~15% de sua receita derive dos EUA e, portanto, o impacto tarifário deve ser sentido pela companhia;
Em suma, Suzano figura como o player de maior exposição a essa tarifa adicional. O principal desafio consistirá em realocar esses volumes para outras praças, sobretudo ante a demanda global por celulose — e, em especial, a demanda chinesa — ainda retraída; a depreciação cambial BRL/USD (+3% no momento do anúncio tarifário) pode propiciar atenuamento do efeito para com a eventual perda de market share no mercado norte-americano;
Alimentos & Bebidas
(i) Minerva S.A. – possui exposição consolidada de ~16% da sua receita líquida ao mercado norte-americano — dos quais ~30% originam-se do Brasil — de modo que a nova política tarifária, em seu cenário mais adverso, pode afetar até 5% do faturamento líquido; ademais, a companhia ainda ressalta a possibilidade de usufruir de suas outras unidades (Argentina, Paraguai, Uruguai e Australia) para compensar esse efeito negativo sobre a operação do Brasil;
(ii) Marfrig – estimamos exposição do faturamento da divisão América do Sul aos EUA de ~8% e ~1% da receita consolidada, de modo que os efeitos oriundos da tarifa de 50% devem ser quase nulos;
(iii) BRF – exportações para os EUA são ínfimas; mas vale ressaltar que o impacto indireto derivado do excesso de oferta de carne bovina aqui no Brasil pode propiciar retração de preço da carne de frango devido a maior concorrência com carne vermelha também com preço reduzido no mercado doméstico, desincentivando o movimento de tradedown;
(iv) JBS – em virtude de sua alta diversidade geográfica, inclusive com a JBS North America, estimamos que o impacto derivado da imposição tarifária sobre o business consolidado seja marginal justamente por essa razão de redirecionamento arbitrário para com outras plantas de abate; vale ressaltar, no entanto, que a companhia havia dito que a JBS Brasil vem aumentando sua exposição de vendas para regiões estratégicas tal como os EUA;
Vale ressaltar também que, como reflexo da inversão de ciclo do gado aqui no Brasil, o frigorífico vai continuar a comprar gado caro do produtor e passar a vender carne mais barata no mercado doméstico em virtude do possível redirecionamento das exportações para o cenário nacional ocasionando um excesso de oferta e possível pressão deflacionária sobre o preço cut-out.
Agricultura
No que tange aos grãos, embora Brasil e EUA estejam entre os maiores produtores mundiais, o comércio bilateral em 2024 mostrou-se praticamente insignificante: os norte-americanos sequer figuram entre os dez principais destinos do milho brasileiro no ano, e dados de comércio internacional (UN COMTRADE e USDA) indicam que o volume exportado ao mercado dos EUA não ultrapassou 1MT, correspondendo a menos de 1% do total embarcado pelo Brasil; portanto, não vislumbramos impactos relevantes neste segmento.
Bens de Capital
(i) WEG: A curto prazo, o anúncio da tarifa de 50% sobre bens importados do Brasil pode incentivar um movimento de pre-buy, com clientes norte-americanos antecipando pedidos para evitar os efeitos da taxação. Isso poderia gerar um aumento pontual nas receitas da WEG nos próximos trimestres. No entanto, no médio e longo prazo, os impactos negativos tendem a se sobrepor.
Os EUA representam aproximadamente 20-25% da receita total da WEG, concentradas nas linhas de transformadores e motores industriais. Embora parte dos produtos comercializados no país ainda seja exportada do Brasil, a maior parcela já é produzida localmente ou no México, principalmente após as aquisições recentes das marcas Marathon, Rotor, Cemp. Isso reduz substancialmente a exposição direta da WEG à tarifa de 50%.
Estimamos que algo em torno de 10-15% das vendas de produtos acabados ou componentes para os EUA tenham origem no Brasil, o que mantém um nível de impacto relevante, especialmente em linhas de motores padronizados e transformadores específicos ainda fabricados por aqui.
A tarifa tende a pressionar as margens de produtos seriados, que possuem maior elasticidade-preço e menor poder de repasse. Por outro lado, os produtos de ciclo longo — como grandes transformadores sob encomenda — tendem a estar protegidos por contratos com cláusulas de reajuste, o que ajuda a mitigar o efeito no resultado. Outro ponto importante é que o anúncio de tarifa adicional sobre o cobre, insumo essencial na fabricação de motores e transformadores, pode intensificar a pressão de custo da cadeia como um todo.
(ii) Embraer: Estimamos que aproximadamente 60% da receita da companhia tem origem nos Estados Unidos, entre jatos comerciais (como os E1s vendidos para companhias aéreas regionais) e executivos (com montagem parcial no Brasil e finalização na Flórida). Por isso, o impacto potencial das tarifas seria significativo.
Para se ter uma ordem de grandeza, a própria Embraer já havia divulgado ao mercado durante o 1T25 que o impacto das tarifas de 10% implementadas anteriormente era da ordem de US$ 74 milhões por ano. Ou seja, a cada 10pp de tarifa, a empresa teria cerca de 1pp de queda na margem EBIT.
Porém, essa simulação parte de um cenário no qual a empresa absorveria integralmente o custo adicional. Mas esse modelo ignora alguns fatores importantes. Primeiro, há uma chance relevante de que parte desse impacto seja compensada por um real mais depreciado — movimento já observado desde o anúncio.
Além disso, no segmento de aviação executiva, os contratos costumam incluir cláusulas de repasse de custos e ciclos mais longos, o que permite ajustes graduais nos preços dos novos pedidos. Isso tende a diluir o impacto das tarifas ao longo do tempo. Já na aviação comercial, o risco recai sobre a demanda: há chance de postergação de entregas por parte das companhias aéreas, especialmente em um ambiente de inflação nos custos. Algumas empresas já indicaram essa intenção, o que adiciona risco de receita para os próximos trimestres.
Rodovias
Efeito indireto! O setor rodoviário é impactado indiretamente através das atividades que sustentam o PIB: agronegócio, comércio, indústrias e turismo. Considerando uma elasticidade-preço da demanda de -0,5, o efeito do aumento de preço em 50% seria uma redução de volume de 25%. Esse resultado geraria um impacto negativo de -0,5% no PIB. Nesse cenário as receitas cairiam em média de ~5% nos próximos 5 anos para Ecorodovias e Motiva. No entanto, vale ressaltar 2 pontos. O primeiro é que a exposição das rodovias ao agronegócio e indústria, principal driver operacional dessas empresas, podem sofrer maiores impactos dessa redução, agravando a rentabilidade. O segundo ponto é o impacto na TIR, se considerarmos um PIB com esse desconto até o fim das concessões de ambas companhias, a TIR Real de Ecorodovias sairia de 15% para 10% e a Motiva sairia de 10% para 7%.
Varejo, Imobiliário, Financeiro, Elétricas e Saneamento…
Setores como varejo, imobiliário, financeiro (bancos e seguradoras), elétricas e saneamento praticamente não possuem exposição direta ao mercado americano — seja em termos de vendas, operação ou geração de receita. Por isso, os efeitos de uma tarifa de 50% aplicada pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros tendem a ser indiretos, manifestando-se principalmente por meio de variáveis macroeconômicas.
A valorização do dólar, por exemplo, pode pressionar os custos de insumos importados, afetar a inflação local e, por consequência, provocar movimentos de alta na taxa Selic — o que encarece o crédito, esfria o consumo e impacta desde lançamentos imobiliários até margens no varejo e inadimplência nos bancos.
Mas esse é um movimento difuso e difícil de quantificar nesse primeiro momento, especialmente porque ainda não se sabe qual será a contramedida adotada pelo governo brasileiro.
No entanto, há uma exceção relevante no varejo: a Azzas 2154 (antiga Arezzo&Co), que incorporou o Grupo Soma e abriga marcas como Farm e Hering. A companhia vem acelerando sua estratégia de internacionalização e já conta com exposição relevante aos EUA, tanto por meio da Farm Global — cuja operação nos Estados Unidos representa a maior parte da receita internacional da marca — quanto da marca Alexandre Birman, que possui canal ativo no mercado americano.
Estimamos que aproximadamente 6% da receita consolidada da Azzas 2154 já seja originada diretamente nos Estados Unidos, o que coloca a empresa como uma das poucas do setor com algum nível de vulnerabilidade a um recrudescimento das barreiras comerciais impostas por lá.