O governo dos EUA anunciou no dia 10 de julho que, a partir de 1º de agosto, passará a cobrar uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados. A medida exclui itens já enquadrados em regimes tarifários específicos, que continuam submetidos às suas próprias alíquotas, como o aço, por exemplo.
Vale pontuar que, em 2024, o Brasil apresentou balança comercial deficitária para com os EUA em -US$280m. Nesse contexto, entendemos que a imposição tarifária teve motivações predominantemente políticas, e não econômicas ou comerciais. Entre os principais argumentos apresentados pela administração norte-americana em uma carta enviada ao Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) direcionada ao atual presidente Lula da Silva, estão a percepção de que (i) as restrições impostas pelo Judiciário brasileiro às plataformas de redes sociais dos EUA representam uma ameaça à liberdade de expressão e que (ii) o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro não deveria estar acontecendo.
Do lado mais racional, avaliamos que o que pode estar por trás da intenção da administração Trump são efeitos ligados a taxa de câmbio, com o fortalecimento do USD. Isso advém de um contexto que, recentemente, foi realizada a convecção dos BRICS (sediada no Brasil), finalizada na segunda-feira, 07 de julho, apenas 2 dias antes do anúncio das tarifas pelos EUA. Nessa convenção, membros do governo brasileiro fizeram declarações mais duras sobre o ambiente tarifário imposto pela administração Trump, além de terem defendido, junto a China, a criação de uma moeda específica para comércio dentro do bloco econômico dos BRICS.
Caso essa ideia realmente vá adiante, entendemos que o efeito seria prejudicial para os EUA, uma vez que a China movimenta uma parcela muito relevante do comércio global, retirando fluxo de demanda do USD. Portanto, a administração Trump pode estar usando as tarifas aplicadas sobre o Brasil como forma coercitiva para o Brasil retirar o apoio a criação de uma moeda única dos BRICS.
Frigoríficos (Impacto moderado)
(i) Minerva: Embora a reação dos investidores tenha sido muito negativa na abertura (ação chegou a mergulhar em uma queda de -7%), já que a Minerva é a companhia menos diversificada no portfólio de proteínas, se comparado com JBS e Marfrig + BRF, — uma vez que é focada apenas em carne bovina — além de ser uma plataforma majoritariamente exportadora (~58% das vendas totais). A fragilidade da companhia poderia ser interpretada como maior do que seus concorrentes uma vez que carnes oriundas de frangos e suínos não são exportadas em larga escala para os EUA. Por outro lado, a companhia buscou acalmar o sentimento bearish do mercado ao divulgar um fato relevante comentando que a exposição do Brasil as vendas direcionadas para os EUA é menor do que o consenso calculava.
Ou seja, a fatia de representação dos EUA na receita líquida total é de ~16% — dos quais ~30% originam-se do Brasil — de modo que a nova política tarifária, em seu cenário mais adverso, pode afetar por sua vez até 5% da receita líquida total. Ademais, a companhia ainda ressalta a possibilidade de usufruir de suas outras unidades (Argentina, Paraguai, Uruguai e Australia) para compensar esse efeito negativo sobre a operação do Brasil. Como lado negativo a essa estratégia, ponderamos que o Uruguai está vivenciando um ciclo de gado negativo, com baixa rentabilidade. Então, investidores devem ficar atentos em redirecionamento de volumes via arbitragem de preços.
Além disso, ainda que a exposição da companhia seja relativamente baixa no despacho de carne vermelha do Brasil para os EUA, se houver um conjunto de frigoríficos que tenham exposições maiores, o redirecionamento de mais oferta para o mercado doméstico ao invés de exportação poderia levar a uma queda dos preços cut out. Mesmo que as companhias sejam obrigadas a suavizar o cut out, o processo de inversão de ciclo do gado no Brasil já está em andamento — com um nível maior de retenção de fêmeas esperado para o 2S25 — o que por sua vez vai comprimir ainda mais a margem das operações domésticas (42% do volume total de vendas).
(ii) Marfrig: Estimamos que a parcela de representatividade de embarques para os EUA vindos do Brasil dentro do faturamento da divisão América do Sul é de ~8%. Se olharmos dentro da receita líquida consolidada total (incluindo a parcela da BRF) representa menos de 1%, de modo que os efeitos diretos advindos da tarifa de 50% devem ser basicamente nulos para a Marfrig. Entretanto, o que comentamos sobre o cut out para o mercado doméstico no parágrafo sobre Minerva, obviamente vale para todas as empresas do setor. Com um cut out possivelmente menor, via redirecionamento de mais carne bovina para o Brasil ao invés de ser exportada — acumulando oferta e levando a queda de preços — a margem das operações domésticas deve estreitar. Salientamos que ~60% do volume de vendas da unidade da América do Sul é doméstico, mas a companhia não fornece abertura do quanto desse volume por sua vez é feito no Brasil.
(iii) BRF: As exportações de carne de frango e suínos do Brasil para os EUA são ínfimas. Entretanto, vale ressaltar que o impacto indireto derivado do excesso de oferta de carne bovina aqui no Brasil pode propiciar retração de preço da carne de frango devido a maior concorrência com carne vermelha também com preço reduzido no mercado doméstico, conforme comentamos acima. Isso poderá desincentivar o movimento de tradedown que vinha impulsionando os volumes da companhia.
(iv) JBS: A companhia possui um portifólio com uma vasta diversidade, tanto de geografias (Brasil, EUA e Austrália), como de proteínas — para além de beef, há frangos e suínos, tanto no Brasil via Seara quanto nos EUA via PPC. Por isso, acreditamos que o impacto derivado da imposição tarifária sobre o business consolidado seja marginal, justamente por essa razão de redirecionamento arbitrário para com outras plantas de abate. Embora a Friboi (dentro da JBS Brasil) tenha um percentual próximo de 50% de vendas no mercado doméstico e 50% exportação, como a companhia possui a divisão Beef North America, há uma proteção adicional para vendas no mercado local sem o intermédio de tarifas. Ainda que o haja movimentação de embarques de carne vermelha da Friboi para os EUA, uma vez que o ciclo de gado norte-americano está bastante negativo, a companhia possui a estratégia de exportar carne via Austrália, que inclusive possui uma quota mais elástica que a do Brasil.
Vale ressaltar novamente o efeito de maior ocupação da oferta local com carne bovina que potencialmente seria exportada. Por isso, conforme comentamos nos trechos das demais companhias do setor, há uma possível compressão de margens via redução do cut out no mercado doméstico, sem contrapartida no arrefecimento do preço da arroba do boi, que poderá subir mais no 2S25 pelo nível de retenção de fêmeas.
Papel & Celulose (Impacto difuso)
(i) Klabin: Em 2024, ~80% das vendas de kraftliner foram direcionadas para exportações, com os EUA tendo participação relevante dentre os destinos. Por isso, é provável que a companhia amplie a estratégia já adotada no 1T25 de escoar o kraftliner para diferentes localidades, como sudeste asiático e américa do sul, mesmo que a preços menores, reduzindo a vulnerabilidade ao mercado norte-americano. Já em papel-cartão, ~25% das vendas foram destinadas à exportação, e se comparado ao kraftliner, acreditamos que o direcionamento para os EUA já é reduzido atualmente. Agora, em embalagens, os impactos majoritariamente serão indiretos. Nosso entendimento é de que, como diversas mercadorias de diferentes setores são despachados para os EUA, principalmente oriundas do agronegócio — como frutas e carne vermelha — sua retração deve impactar negativamente as vendas de caixas de papel ondulado.
Ainda assim, olhando a companhia como um todo, a exposição aos EUA é inferior a 5% da receita líquida total. Por isso, avaliamos que o impacto tarifário tende a revelar-se pulverizado e de magnitude reduzida para a Klabin. No caso de celulose, os principais fluxos de venda para a companhia são Europa e o mercado doméstico, além da China. Ademais, que as tarifas podem trazer efeito líquido positivo, uma vez que a retirada de fluxo de capital do Brasil irá pressionar a taxa de câmbio USD/BRL, ajudando a precificação nas vendas para outras localidades.
(ii) Suzano: Embora ~40% dos embarques de BHKP da companhia sejam direcionados para a Asia (principalmente China), ainda assim, EUA possui uma fatia importante na carteira de vendas. Avaliamos que ~15% da receita líquida derive dos EUA, principalmente pelo efeito de um preço de mercado mais alto (~2x maior vs. curva BHKP China), ainda que tenha a aplicação de desconto (~48%). Portanto, o impacto tarifário deve ser sentido pela companhia. Em suma, avaliamos que a Suzano figura como o player de maior exposição a essa tarifa adicional. O principal desafio consistirá em realocar esses volumes para outras praças, sobretudo ante a demanda global por celulose — e, em especial, a demanda chinesa — ainda retraída. Por outro lado, a aceleração da taxa de câmbio USD/BRL (+3% desde o momento do anúncio tarifário) pode propiciar atenuamento do efeito para com a eventual perda de market share no mercado norte-americano.
Adicionalmente, o Departamento de Comércio dos EUA divulgou resultado preliminar de investigação antidumping envolvendo papéis não revestidos da Suzano. Segundo o órgão, a companhia exportou o produto para os EUA com preço 14,4% abaixo do valor normal entre mar/23 e fev/24. Apesar de não envolver o core business de BHKP, acreditamos que o caso gera ruído regulatório e pode abrir espaço para aplicação de tarifas compensatórias se confirmado. Seguiremos monitorando desdobramentos.
Metais & Mineração (Pouco impactado)
O setor já se encontrava onerado por tarifas de +50% sobre as exportações de aço bruto aos EUA (25% da retirada das isenções da seção 232 + 25% de tarifas anunciadas em junho). Entendemos que a medida recentemente anunciada não enseja acréscimo adicional, preservando-se, assim, o panorama vigente inalterado. Em 2024, o mercado de aço brasileiro atingiu valor de ~US$73b, com produção doméstica de ~32Mt e consumo aparente de 21Mt. No mesmo ano, as exportações de aço para os EUA totalizaram ~US$6b (~5Mt ou ~15% da produção nacional). A maior parcela dessas vendas corresponde a placas (slabs), insumo produzido predominantemente pela ArcelorMittal no Brasil. No âmbito de nossa cobertura:
(i) Usiminas: Vulnerabilidade muito reduzida, com menos de 5% de sua receita líquida total advinda de exportações, principalmente para países da américa do sul. Volumes direcionados para os EUA são meramente oportunísticos, e quando ocorrem, representam 1-2% da receita líquida;
(ii) CSN Holding: Volumetria exposta aos EUA é muito baixa, representando 250-300Ktpa (ou ~8% dos embarques totais da CSN), chegando a menos de 5% da receita líquida e do EBITDA do segmento de aço da holding;
(iii) CMIN: Sensibilidade reduzida, também com menos de 5% da receita líquida em exportações diretas aos EUA de minério de ferro. O principal destino dos embarques é a China.
(iv) Gerdau: Permanece vitoriosa no segmento, com mais de 50% de seu EBITDA oriundo de operações dentro dos EUA. As vendas de aço da ON América do Norte representam ~6Mtpa (42% dos embarques totais da Gerdau) + 300Ktpa exportados do Canadá para os EUA. Por isso, a companhia não possui necessidade de deslocar aço do Brasil em direção os EUA para laminação posterior, como outras usinas — entre elas ArcelorMittal — fazem. A presença de usinas localizadas em solo norte-americano em seu portifólio de ativos permite que a Gerdau seja uma das beneficiárias do aumento tarifário, tanto quanto usinas que operam e foram fundadas nos EUA. Com isso, a companhia poderá se proteger no curto prazo de forma eficaz contra o aumento da penetração do aço importado, cuja participação no consumo aparente, segundo a American Iron and Steel Institute, chegou a 23% em 2024 (vs. 21% em 2023).
(v) Vale: Exportações de minério de ferro + pelotas aos EUA representaram ~3% de seus embarques. É importante mencionar que o impacto negativo das tarifas de 50% impostas pelos EUA ao Brasil é quase inexistente na Vale, uma vez que o mercado global de minério de ferro permanece dominado pela China (~70% da demanda seaborne). Acreditamos que as tarifas podem, inclusive, ajudar a companhia, uma vez que a retirada de fluxo de capital do Brasil irá pressionar a taxa de câmbio USD/BRL. Por isso, a depreciação BRL vs. USD deve reforçar a diluição do C1/t — principal métrica de custo de produção — traduzindo-se em redução de custo unitário de -US$0,25/t para cada incremento de +R$0,10 na taxa USD/BRL;
Essa combinação de exposição reduzida (Usiminas, CSN, CSN Mineração, Vale) e profundidade operacional nos EUA (Gerdau) delineia um setor com impactos tarifários assimétricos, no qual apenas os players com operações consolidadas em solo americano — e não meramente exportadoras — veem seu modelo de negócio substancialmente afetado pelo arcabouço derivado da imposição tarifária de 50%.
Óleo & Gás (Pouco impactado)
O setor de Óleo e Gás no Brasil tem impactos diretos limitados com a taxação de +50% dos EUA. Em 2024, os EUA representaram ~13% das exportações brasileiras em petróleo bruto. A maior parte da exportação destinada à China, representando 44% do total da exportação de petróleo brasileiro. Os demais destinos possuem uma concentração mais pulverizada. Desse modo, mesmo com a perca de competitividade, o petróleo brasileiro pode ser redirecionado para outros mercados com maior flexibilidade.
Vale ressaltar também que o petróleo brasileiro possui um perfil predominantemente pesado e com baixo teor de enxofre, um tipo de óleo muito procurado em refinarias asiáticas. Quando olhamos para os EUA, outro ponto chama atenção: o aumento da produção doméstica (shale oil) e mudanças logísticas, fatores que diminuem a participação do Brasil entre os principais destinos do petróleo brasileiro.
No âmbito da cobertura de óleo e gás (upstream):
(i) Petrobras — a companhia vende apenas 2,5% da sua produção de petróleo e derivados para os EUA. O impacto é limitado para a companhia.
(ii) Junior Oils (Prio, Brava e PetroReconcavo) — As Junior Oils no Brasil não possuem a mesma escala que a Petrobras possui. Essas companhias possuem quase toda sua operação no Brasil. Suas atividades possuem alta exposição à Petrobras por meio da venda da sua produção para a estatal.
Agrícolas (Pouco impactado)
Avaliamos que, no que tange aos grãos, embora Brasil e EUA estejam entre os maiores produtores mundiais, o comércio bilateral em 2024 mostrou-se praticamente insignificante: os norte-americanos sequer figuram entre os dez principais destinos do milho brasileiro no ano, e dados de comércio internacional (UN COMTRADE e USDA) indicam que o volume exportado ao mercado dos EUA não ultrapassou 1Mt, correspondendo a menos de 1% do total embarcado pelo Brasil; portanto, não vislumbramos impactos relevantes neste segmento.
Vislumbramos também para a soja, os EUA é um destino ainda mais irrelevante, com o foco sendo muito mais direcionando para os EUA. Já para algodão, embora os EUA seja um mercado importante para o vestuário, os embarques são muito mais direcionados para a China, e de lá, as roupas são exportadas para os EUA. Para contextualizar com números, em 2024, o Brasil exportou apenas US$400m em algodão cru (raw cotton) para os EUA, valor que representa apenas ~8% de US$5b em exportações totais de algodão pelo país no mesmo período, confirmando o caráter marginal dessa relação comercial. Portanto, empresas sob a nossa cobertura (SLC e Brasil Agro) não devem sofrer impactos negativos relevantes. Por outro lado, podem se beneficiar com a aceleração da taxa de câmbio USD/BRL.