Antes de mais nada, é importante esclarecer que este relatório não tem como objetivo tomar partido sobre o que é certo ou errado em termos de política tributária. Nosso papel, como analistas de um banco de investimentos, é trazer luz aos movimentos estruturais e reconhecer os padrões que se repetem globalmente — especialmente em um mundo onde a expansão da base tributária é uma resposta recorrente a restrições orçamentárias. A análise a seguir se propõe a fazer exatamente isso: apresentar os fatos, os precedentes e os riscos, com a sobriedade que o tema e o contexto exigem.
O Cadastro Nacional Pet foi lançado sob o discurso de bem-estar animal, combate ao abandono e política pública de vacinação e castração. Parece inocente, certo? Mas quem acompanha a história de países que hoje já cobram impostos sobre cães e gatos sabe: esse cadastro é o primeiro passo de um processo maior — e tributável.
É preciso encarar os fatos com realismo: nenhum país que implementou esse tipo de base de dados ficou só na fase do levantamento. O Brasil pode estar repetindo o roteiro clássico — e quem paga essa conta, como sempre, é o contribuinte.
Todos os caminhos levam ao cofre?
Países como Alemanha, Áustria, Suíça, China e até Austrália seguiram o mesmo roteiro:
1️⃣ Criação de cadastro e registro dos animais;
2️⃣ Obrigatoriedade de microchip, vacinas e licenciamento;
3️⃣ Instituição de taxas anuais para financiar serviços públicos ligados a pets.
No caso da Alemanha, a famigerada Hundesteuer existe desde o século XIX. Cidades como Berlim, Munique e Hamburgo cobram entre €50 e €150 por cão ao ano, com alíquotas maiores para animais de raças consideradas perigosas ou para quem tem mais de um. O processo levou de 1 a 3 anos entre cadastro e tributação efetiva.
Na China, o registro surgiu nos anos 2000, e grandes cidades como Pequim e Xangai cobram até R$ 1.000 por ano por cão. Buenos Aires já tem base legal para cobrar taxa de posse, embora ainda não aplique.
Em comum? Todos começaram com a mesma promessa: controle e saúde. Depois veio a fatura.
Embora países emergentes encontrem mais resistência social e política para avançar na tributação de pets, os casos da Argentina e do México mostram que a movimentação nesse sentido não é impossível.
Em Buenos Aires, desde 2023 há um sistema estruturado de registro obrigatório de cães e gatos, com previsão legal para cobrança de taxa — embora ainda sem execução prática, muito por pressão da opinião pública.
Já no México, tentativas como a proposta de “contribuição ecológica por pet” chegaram ao Congresso em 2020, mas foram barradas após forte reação da sociedade civil. Ainda assim, o país mantém estrutura de cadastro, microchip e vacinação obrigatória, o que deixa a porta aberta para uma futura monetização.
A lição? Quando a base está montada, basta uma justificativa conveniente para a cobrança avançar.
Linha do tempo comparativa: cadastro x imposto

O que monitorar agora?
- Criação de “fundos de bem-estar animal” atrelados ao cadastro;
- Propostas de contribuições simbólicas para financiar serviços públicos de zoonoses;
- Campanhas públicas associando a posse de pet com responsabilidade fiscal;
- Discussões sobre limite de animais por domicilio ou diferenciação entre pets castrados e não castrados.
A porta está entreaberta. Basta uma crise de arrecadação municipal ou um empurrãozinho federal e o imposto pode passar a ser visto como “justo” ou “ecológico”.