Esse relatório traz a iniciação de cobertura do Mercado Libre, Inc (Mercado Livre, no Brasil). Aberta na bolsa de Nova York focada em ativos de tecnologia (MELI-NASDAQ) e tendo um dos BDRs (Brazilian Depositary Receipts) mais negociados na B3 (MELI34-B3) até a presente data (ADTV 3M- R$1,55m), a Companhia, que atua no varejo e-commerce e no segmento de fintech, é a líder de mercado nos principais países onde opera.
Conforme iremos detalhar ao longo desse relatório de início de cobertura, a nossa análise é de que o Mercado Livre demonstrou, durante seus quase 25 anos de operação, a criação de um ecossistema através de negócios que se complementam e se potencializam, de forma a auxiliar a Companhia a entregar um nível de serviço superior que os pares na américa latina, especialmente na logística. Hoje a Companhia foca em três países que correspondem a mais de 90% das receitas totais no consolidado: Argentina, Brasil e México.
Elegemos o Mercado Livre (MELI34-B3) como nossa top pick do setor de tecnologia. Nossa recomendação é de COMPRA, com um Preço Alvo 23E de R$51,40, o que daria upside de +33,58% ao papel.
Introdução
O Mercado Libre,Inc (Mercado Livre, como é chamado no Brasil) foi fundado em 1999 como uma plataforma de marketplace na Argentina. Na época, a Companhia de comercio eletrônico operava muito similar ao grupo e-bay nos Estados Unidos (EUA), porém o Mercado Livre foi mudando ao longo do tempo. No começo dos anos 2000 foi lançado o Mercado Pago através de uma subsidiária da holding, com o foco na compra segura, tentando suprir um gap de oportunidade pelo fato dos consumidores ainda terem muito receio de realizar compras on-line nessa época, marcando a sua entrada no setor de tecnologia através de um escopo de negócio de fintech.
Como forma de proteger os consumidores e reduzir a desconfiança na comercialização de produtos por meio de canais digitais, o Mercado Pago implementou soluções inovadoras na época, com valor pago aos sellers sendo retido pelo Mercado Livre até o cliente confirmar que havia recebido o produto e que veio de acordo com as especificações da compra.
A Companhia começou a operar no Brasil em 2002 após a aquisição do Ibazar, uma empresa de e-commerce que pertencia ao grupo e-bay. O próprio e-bay havia adquirido uma fatia de 19,5% do capital do Mercado Livre em 2001, porém, liquidou a sua participação em 2016.
Sob o ticker MELI, em agosto de 2007 o Mercado Livre se tornou a primeira empresa do setor de tecnologia e varejo e-commerce latino-americana a abrir capital (IPO) na NASDAQ, bolsa de valores de Nova York focada em empresas de eletrônica, informática, tecnologia, mídia e telecomunicações. Em junho de 2019 a empresa listou suas ações no Brasil pela B3 através das BDRs (Brazilian Depositary Receipts), com o ticker MELI34, com a paridade de 1 para 120, na época, disponível apenas para investidores qualificados e institucionais, sendo permito as negociações para pessoas físicas apenas em junho de 2021.
Linhas de negócio do grupo
Dentro da Companhia, há uma divisão entre “mundo amarelo” e “mundo azul”. O “mundo amarelo” é formado pela unidade de negócio de e-commerce e complementares, constituindo o Mercado Livre como plataforma de e-commerce. As unidades de negócio que são complementares a operação do marketplace são a de Mercado Adds, que consiste na exibição de anúncios custeados pelos sellers, Mercado Envios (Shipping Fees), relacionado a toda a logística própria de entregas e o Mercado Shops, que é próximo de um “E-commerce As a Service”, estruturando todo o sistema de marketplace para um terceiro e cobrando uma taxa. A divisão de e-commerce é líder nos três principais países de atuação (Argentina, Brasil e México).
Já o “mundo azul” comtempla a unidade de negócio de serviço financeiros, que é o Mercado Pago. A fintech possui uma proposta de valor de banco digital, oferecendo todos os produtos que um banco digital oferece, inclusive concessão de crédito. Em novembro de 2020, o Mercado Livre recebeu a autorização do Banco Central do Brasil (Bacen) para operar como instituição financeira no país, através da criação de mais uma subsidiária, o Mercado Crédito.
Operações por países
A operação de e-commerce na Argentina, país onde a Companhia foi fundada, conta com 57% de market share. Já no Brasil e no México, que são países com uma disputa mais acirrada em e-commerce, com mais players tornando o mercado mais pulverizado, o Mercado Livre possui menos participação. Porém, no caso do Brasil, como o país é mais populoso que a Argentina, mesmo com um market share próximo a ~38% a operação nacional contribuí para quase 53% da receita consolidada de e-commerce da Companhia, se tornando o país mais relevante em termos de margem de contribuição.
Como a Companhia nasceu de um marketplace essencialmente 3P, mesmo hoje já tendo migrado também para o 1P (produtos próprios), a maior parte do GMV (Gross Merchandise Value) vem dos sellers de 3P (produtos de terceiros), fazendo frente a mais de 96% do consolidado total. Os outros 4% do GMV correspondem ao 1P, que foi criado para dar vazão em mix de produtos, como por exemplo eletrônicos, onde outros players de mercado são mais competitivos. Como sellers no 3P em sua maioria são pequenos, eles não conseguem ser competitivos na venda de eletrônicos com o 1P de e-commerce da Magazine Luiza (MGLU3) no Brasil, por exemplo.
Argentina
Na Argentina, que é menos pulverizada, a Companhia está bem à frente da competição, sendo líder tanto no GMV 3P quanto em 1P, operando também como a maior varejista com um braço de fintech, tendo um maior TPV que os outros players que também concedem crédito por emissão de cartões e sendo o maior player em processamento de pagamentos no país. O mercado na Argentina é bastante focado em QR Code, então o formato de pagamento pela tecnologia ligado ao ponto de venda digital (MPoS) como solução oferecida pelo Mercado Pago é amplamente utilizado nas grandes cidades da Argentina.
Quando algum merchant (lojista) porventura não aceita o Mercado Pago como forma de pagamento, eles costumam colocar em frente da loja um aviso dedicado ao cliente com os dizeres: “não aceitamos Mercado Pago”, o que nos parece um indicativo de que o corriqueiro é de fato aceitar os meios de pagamentos oferecidos pela Companhia.
Do lado negativo, observamos que a Argentina é um mercado com bastante turbulência macroeconômica, então acreditamos que o cenário macro deverá frear a operação na Argentina. O país não deverá ser um driver de crescimento muito representativo para o Mercado Livre no curto prazo. Apesar de ser um mercado que já apresenta hoje uma boa rentabilidade, com uma contribuição de margem que nos parece interessante, acreditamos que devemos ver algo mais próximo da estabilidade em termos de crescimento real (expurgando o efeito da inflação no GMV e TPV) no curto e médio prazo.
Há ainda espaço para crescer com outros produtos da fintech, como carteira de crédito e criptoativos. Como a Argentina tem limite para compra de dólar e está com uma inflação muito acelerada, o mercado de criptoativos é um dos mais aquecidos da américa do sul, devido à alta demanda da população por uma moeda mais forte que o peso argentino.
Brasil
Já no Brasil, em termos de GMV, o crescimento foi acentuado no período da pandemia. Conforme comentamos em outras teses de investimento anteriores, o e-commerce foi impulsionado pela alta demanda por bens quando o consumo de serviços ficou restrito (bares, restaurantes, turismo e entretenimento), uma vez que havia lockdowns nos principais centros urbanos. Vimos os lojistas se posicionando mais rapidamente na procura de um marketplace no intuito de dar continuidade as vendas mesmo com suas lojas físicas fechadas, o que provocou um aumento do número de sellers bem como uma expansão do GMV.
Nesse período o Mercado Livre também aumentou seu market share e sua penetração, porém, no segundo semestre de 2021 vimos a reabertura gradual da economia, e uma mudança no hábito de consumo. Como a população ficou quase um ano e meio sem consumir serviços, quando a pandemia foi arrefecendo pela velocidade da cobertura de vacinação, o e-commerce começou a ser menos demandado para dar espaço no orçamento das famílias para o consumo de serviços, que voltaram de maneira bastante forte recompondo margens e pressionando bastante a inflação.
Por conta dessa mudança no comportamento do consumidor, observamos uma retração no e-commerce no segundo semestre de 2021 se comparado ao mesmo período de 2020. Esse ano de 2022 começou também apresentando um cenário desafiador para o varejo. Observamos as 3 majors de varejo de bens de consumo duráveis nacional (Magazine Luiza, Via e Americanas) com bastante dificuldades de dar vazão a produtos. Como sempre tiveram enfoque grande no 1P, as varejistas tradicionais estão muito sobre estocadas com eletrônicos e linha branca, e como a procura por esses produtos no momento atual da economia não está em alta, elas vêm apresentando mais dificuldades para entregar resultados, tendo muitas vezes que queimar margens para atingir metas de bonificações contratuais com a indústria (rebates).
Nesse sentido em termos de modelo de negócios, o Mercado Livre se aproxima muito mais da Amazon (AMZO34) do que do Magazine Luiza (MGLU3) e Via (VIIA3). Vemos a Amazon também focada mais no e-commerce 3P e com uma boa estrutura logística, principalmente se replicar o modelo dos EUA no Brasil. Mas as operações ainda são incipientes no Brasil se comparar com o Mercado Livre. Nossa visão é de que no curto prazo a Amazon não deve brigar por market share em iguais proporções com o Mercado Livre no mercado brasileiro, ainda estando bem atrás em termos de penetração, porém, no médio prazo essa disputa entre esses dois players deverá se intensificar.
Olhando para unidade de negócio de fintech, o Mercado Pago possui sua maior parte da carteira de crédito originada no Brasil, sendo também um driver do GMV nacional. Muitas compras no marketplace do Mercado Livre são realizadas com o crédito oferecido pelo Mercado Pago. Como o mercado de crédito ainda é bastante pulverizado no Brasil se comparado com a Argentina, a capacidade de execução na gestão da carteira e a penetração elevada do marketplace cria espaço para existir uma avenida de crescimento relevante de TPV das operações no Brasil.
A concorrência mais direta com a parte de adquirência é com a PagSeguro (PAGS34), não havendo tanto overlap da base de merchants com Stone (STOC31) e Cielo (CIEL3), que possuem máquinas de cartões e MPoS mais complexos. Mesmo com uma base de usuários consolidada entre os países de 88,3 milhões de clientes com contas ativas no Mercado Livre e 41,6 milhões de clientes com contas ativas na fintech (47% do total), acreditamos que o Brasil ainda deve representar um avanço relevante para Companhia no crescimento de TPV, ao passo que o Mercado Livre for engajando mais essa base no país, que já é forte, a utilizar os serviços da fintech tanto no transacional dentro da plataforma, impulsionando o GMV e realizando o cross-sell entre as duas linhas de negócio, tanto fora da plataforma como cartão de crédito prioritário de uso pessoal.
Em outras palavras, vemos o mercado brasileiro com bastante potencial de crescimento no médio prazo devido à alta capilaridade e abrangência territorial, sendo um mercado mais pulverizado tanto para o varejo quanto para as operações de crédito. Uma boa execução de estratégia deve impulsionar o mercado para uma maior concentração de players rumo a consolidação no futuro. Aqueles que entregarem um maior nível de serviço através de uma base de sellers robusta, com recorrência e ticket médio atrativo, com uma logística mais eficiente e fomentando o consumo sendo o próprio motor de crédito, tornarão o mercado quase inviável para os players menores, que possuem dificuldades em ganhar escala. Na nossa visão, o Mercado Livre hoje atua como o player mais próximo dessa realidade no Brasil, estando a frente da competição e sendo o favorito para figurar como líder entre os participantes de um mercado mais maduro e consolidado no futuro.
Porém, temos algumas ressalvas. Do ponto de vista da fintech, sabemos que conceder crédito no Brasil não é uma tarefa fácil, tendo comprometido o balanço da Stone recentemente e desincentivado grandes instituições financeiras internacionais como HSBC e Citibank a operarem no Brasil no segmento de varejo. Considerando essa ressalva, entendemos que a progressão da carteira de crédito passou a ser feita numa tentativa de controlar a inadimplência a partir do 3T22, tendo um crescimento menos expressivo t/t. Porém, o crescimento acelerado da carteira em períodos anteriores é um ponto de atenção para a inadimplência dos próximos trimestres, dado o cenário de alta de juros no Brasil. Acreditamos que a Companhia está no caminho certo ao ser mais conservadora na concessão de crédito e que, com uma melhora do cenário macroeconômico no médio prazo, há ainda espaço para crescimento das operações do Mercado Pago no Brasil.
México
Já sobre o México, do ponto de vista de e-commerce o Mercado Livre também é líder de mercado, porém, no México a Amazon já possui mais penetração na operação do que no Brasil, principalmente devido a proximidade com os Estados Unidos. Dessa forma, no México, esses dois players estão mais próximos em termos de market share já há alguns anos.
Isso levou as operações do Mercado Livre no México a exigirem muito investimento em tecnologia para conseguir sobressair na concorrência direta com a Amazon. Apesar do nível de serviço das operações da Companhia se tornarem elevadas devido ao ambiente competitivo com um player grande a altura, a consequência negativa foi que todo esse investimento pesou nos resultados operacionais, com um quadro de funcionários robusto e uma logística desenvolvida, o custo pressionava demais as margens da divisão mexicana até o 1T22, que não vinha conseguindo reportar lucro líquido, tendo a reversão de prejuízo pela primeira vez apenas no 2T22.
O mercado Mexicano também vivenciou um crescimento bastante acentuado do e-commerce durante a pandemia pelos mesmos motivos já citados quando comentamos das operações no Brasil. Porém, ao contrário das operações brasileiras, acreditamos que a competição acirrada com a Amazon dificulta bastante o crescimento do Mercado Livre no curto e médio prazo. Com e-commerce também desacelerando no país devido ao aquecimento do setor de serviços, o curto prazo no e-commerce não é muito promissor. Devemos observar um crescimento mais tímido t/t e uma manutenção do market share levemente acima da Amazon. Nossa análise é de que o mercado mexicano está mais consolidado que o Brasileiro e oferece menos oportunidades de crescimento no e-commerce para a Companhia.
Por outro lado, entendemos que há uma grande oportunidade no país do lado das operações do Mercado Pago. Comparado com Brasil e Argentina, o México é bastante subpenetrado em relação a bancarização da população nas classes C e D. Métodos bastante arcaicos como impressão de boletos com ida a agência física para pagamentos de compras on-line ainda são frequentes no país em classes de menor poder aquisitivo. Com ausência de aplicativos com contas bancárias digitais, acreditamos que o mercado para fintechs ainda possui várias avenidas de crescimento no México.
Porém, ainda que carregue um bom potencial de crescimento, os investimentos da Companhia na unidade de negócios do Mercado Pago no país ainda estão em estágios iniciais. A Companhia conseguiu as licenças de instituição financeira no país apenas recentemente e, apesar de ter intensificado os investimentos nesse ano de 2022, o estágio ainda é pouco maduro, de forma que no curto prazo ainda deveremos ver o TPV vindo da adquirência crescendo em ritmo mais gradual a medida que a Companhia for conseguindo implantar uma malha mais robusta de rede de MPoS para os Merchants e o TPV também começar a ganhar volume pela expansão da carteira de crédito, tanto para impulsionar as transações da plataforma de marketplace quanto fora da plataforma. Esperamos começar a ver um volume um pouco mais representativo desse TPV e formação de carteira de crédito a partir de 2023, atingindo 29,7% do portfólio total de acordo com nossas estimativas VS. 20,6% reportado em 2021, de forma que acreditamos que há um potencial relevante para crescimento nos próximos anos.
Vemos como outra inciativa positiva da Companhia o fechamento de um contrato com a prefeitura da Cidade do México para a prestação do serviço de bilhetagem eletrônica dos transportes públicos. Através da Tarjeta de Movilidad Integrada (MI), o Mercado Pago passa a ser o prestador de serviços de compras de passagens para usuários de transporte públicos na cidade após processo de licitação realizado em 2021 pela prefeitura. O projeto de bilhetagem foi aperfeiçoado pelo Mercado Pago e passou a entrar em vigor no 1T22, conectando um fluxo de mais de 950 milhões de passageiros por ano no sistema de integração entre metrô, ônibus e trem rápido urbano em uma cidade com uma população superior a 9 milhões de pessoas.
O meio de pagamento pelas passagens no sistema integrado de transporte público é totalmente viabilizado pelo Mercado Pago. A fintech habilitou seus terminais móveis de ponto de vendas com tecnologia NFC (pagamento por aproximação), para que os lojistas habilitados em mais de 1.000 pontos de venda espalhados pela cidade possam recarregar os cartões dos usuários.
Apesar da proposta do Mercado Pago no processo de licitação ter comtemplado a menor taxa de comissão por recarga entre os participantes do certame, o que reduziu a sua margem na operação, por outro lado, a Companhia garantiu exclusividade na operação até dezembro de 2024. Ainda há um projeto de expansão dos pontos de recarga e esperamos que com a agilidade do meio de pagamento, mais usuários do transporte público passem a adotar a bilhetagem eletrônica ao invés do pagamento em dinheiro, o que deve trazer mais volume de fluxo de pagamento para a Companhia e também ajudar na penetração da marca Mercado Pago como uma fintech com mais força dentro do México.
Sobre a opcionalidade de pagamento com QR Code, mesmo fora do Brasil, essa forma de pagamento já existia antes do PIX, funcionando de maneira similar ao debitar direto da conta digital do usuário no Mercado Pago em outros países como Argentina e México.
Mundo Amarelo: linha de negócio de e-commerce
Um marketplace é uma plataforma de comercialização de produtos on-line (e-commerce), onde os lojistas (Sellers) anunciam seus produtos e o operador da plataforma recebe uma comissão, que chamamos de Take Rate, por cada compra efetuada dentro da plataforma. Olhando para o mercado brasileiro, temos quatro grandes players como operadores de marketplace: Mercado Livre, Magazine Luiza, Via e Americanas.
Dividimos as categorias de produtos de marketplace em dois grandes grupos: (i) 1P, que são produtos onde o próprio operador do marketplace é o ofertante na plataforma; e (ii) 3P, onde o operador do marketplace apenas cede o espaço do e-commerce para terceiros, de forma que outros sellers ofertam o produto e o operador é apenas comissionado pela venda.
As principais diferenças entre esses grupos é que o 1P exige a criação e manutenção de um estoque para o operador, enquanto no 3P o estoque é do Seller. Essa diferença faz com que no 1P seja mandatório o operador criar um relacionamento comercial com a indústria fabricante para conseguir maiores descontos relacionados ao volume de vendas na plataforma. Já no 3P, a relação com a indústria fica a cargo do seller.
Comparando a evolução do Take Rate (3P) do Mercado Livre com os outros três players, a Companhia historicamente sempre conseguiu cobrar um premium em relação aos concorrentes dado o nível de serviço logístico superior.
O nível de serviço logístico se refere à qualidade das ações desempenhadas ao longo da cadeia logística, ou seja, do recebimento do pedido até a entrega do produto ao cliente. Acreditamos que o maior diferencial competitivo da Companhia frente aos outros operadores de marketplace se encontra na logística.
Mesmo a Via tendo uma malha logística eficiente e bastante capilaridade de lojas físicas, que dão suporte nas entregas, o Mercado Livre possui um tempo de entrega bastante reduzido em relações as comparáveis, sendo amplamente reconhecido como o marketplace com o maior número de sellers no Brasil, chegando a 1,3 milhões Vs. 236 mil do Magalu no 3T22, que vem em segundo colocado, consolidando uma base 6x maior que o concorrente. Hoje a holding Mercado Livre conta com cerca de 3,25 milhões de sellers, dos quais 40% estão concentrados no Brasil e o restante está proporcionalmente distribuído entre os outros países.
Na nossa análise, a plataforma de marketplace que possuir mais Sellers, e por consequência mais produtos únicos comercializados (SKUs), atrairá mais usuários compradores e terá uma taxa de conversão maior. Por isso, vemos o Mercado Livre em um patamar diferenciado em relação aos outros três players no Brasil, o que justifica um prêmio dentro do Take Rate em relação ao que os outros players cobram dos Sellers.
Considerando o Take Rate mais elevado e um GMV de 3P acumulado nos 9M22 na marca de R$55,0b Vs. R$17,6b da Americanas no mesmo período (o maior GMV dentre os outros três players), consequentemente o Mercado Livre também aufere uma Receita Líquida vinda do e-commerce 3P em uma magnitude bem mais elevada que os concorrentes no Brasil, chegando, segundo nossos cálculos, à marca de R$9,8b nos 9M22 Vs. R$1,1b da Americanas Vs. R$1,4b do Magalu Vs. R$0,4b da Via.
Porém, observamos que apesar do Take Rate ser maior que a concorrência, esse prêmio está diminuindo desde 2021. Segundo nossos cálculos, o Take Rate do 3P nas operações Brasil foi de 17,9% (+0,28p.p t/t; -1,2p.p a/a) no 3T22 Vs. 16,1% (+1,6p.p t/t; +4,6p.p a/a) do Magalu. Outros players, como o Magalu vêm subindo o Take Rate trimestre após trimestre, desde 2021, ao passo que o Mercado Livre consegue fazer pequenos avanços no t/t, porém, ainda avança pouco no a/a, de modo que a diferença que a Companhia sustentou durante anos vem reduzindo.
O Banco Central do Brasil começou o ciclo de alta em março de 2021, tirando juros do patamar de 2% e levando até 13,75% em 1 ano e meio. Como as varejistas tradicionais trabalham bastante alavancadas devido a necessidade de compra de produtos para estoque no 1P e em lojas físicas (COGS), o management do Mercado Livre argumenta que o movimento da concorrência em aumentar o Take Rate está vinculado a escalada da SELIC. Players como o Magalu tentaram embutir no Take Rate do 3P uma compensação pela margem de contribuição do 1P e lojas físicas ser prejudicada na linha de despesas financeiras bem como pelo aumento do custo em antecipar os recebíveis para os sellers. Como diversas emissões de dívidas dos outros players estavam atreladas ao CDI, as despesas financeiras das varejistas brasileiras engrossaram muito nos últimos trimestres e o custo para adiantar os recebíveis para os sellers também subiu.
Ou seja, pela argumentação do management, conforme a SELIC foi acelerando, os outros players foram repassando os aumentos para os sellers na tentativa de embutir mais margem no Take Rate além de compensar o custo adicional da antecipação de recebíveis. Do ponto de vista da Companhia, isso teria prejudicado a relação desses players com os sellers, além de que no geral, os próprios sellers ficam propensos a fazer o repasse para o preço dos produtos, de forma a impactar o custo para o consumidor final.
O management relata que para evitar que esse desgaste com o seller no Mercado Livre, a Companhia fez um ajuste parcial no meio do processo de subida da SELIC, de forma que aumentos sequenciais de maior magnitude foram evitados para não criar um repasse que afetasse o consumidor final.
Apesar do último COPOM realizado em 26 de outubro ter mantido a SELIC a 13,75%, observamos um cenário fiscal potencialmente mais deteriorado do que inicialmente previsto para um eventual governo Lula, em virtude dos últimos acontecimentos com relação a PEC de transição do governo. Dessa forma, revisamos nossas premissas para uma SELIC ainda em ascensão em 2023.
De acordo com management da Companhia, o Mercado Livre deve realizar os repasses no Take Rate dentro dos próximos trimestres, o que poderia levar o prêmio sobre o Take Rate em relação aos concorrentes para um patamar mais próximo do que observamos antes de 2021. Porém, nossa visão é divergente do management. Acreditamos que o prêmio no Take Rate em relação aos outros players dificilmente voltará para um patamar mais próximo de 2021, apesar de que acreditamos que o Take Rate deve de fato subir.
A nossa análise é que a justificativa da Companhia pode ajudar a explicar, em partes, o porquê esse prêmio foi diminuindo desde 2021. De fato, um aumento no Take Rate atenua o efeito de uma margem mais comprimida pelo incremento das despesas financeiras vinculadas a alta da SELIC bem como o repasse do custo de antecipação dos recebíveis, todavia, acreditamos que o maior driver de alteração no Take Rate é a quantidade de sellers. Como as demais varejistas começaram a crescer de maneira bastante acentuada a quantidade de sellers, especialmente durante a pandemia, o Take Rate naturalmente começou a aumentar.
Entendemos que uma plataforma de marketplace mais aquecida gera mais fluxo de usuários e mais conversão de vendas. À medida que as demais varejistas mantinham um Take Rate mais competitivo que o Mercado Livre, foram então atraindo sellers para suas bases ao longo do tempo.
Após crescerem mais significativamente a quantidade de sellers e SKUs, especialmente durante a pandemia pelo aumento da procura tanto do lado da oferta quanto do lado da demanda de e-commerce, as varejistas foram realizando incrementos no Take Rate de maneira gradual trimestre após trimestre, o que porventura começou a reduzir o prêmio que o Mercado Livre possui em relação a esses players. Com uma base já fortificada em termos de sellers, o Mercado Livre tinha menos espaço de crescimento nesse quesito que as demais, por isso, o prêmio foi reduzido à medida que os outros players foram cobrindo esse gap.
Ainda que o prêmio do Mercado Livre no Take Rate não seja mantido no patamar que vimos antes de 2021, ainda acreditamos que há uma margem incremental segura na evolução do Take Rate para o médio prazo, e considerando um GMV muito superior as demais, a Companhia não nos parece ter dificuldades no mercado brasileiro em se sobressair no top line em comparação com as concorrentes, possuindo ainda mais vantagens competitivas que os outros players na nossa visão.
Vemos no 3P vantagens competitivas
Concentrando nossa análise comparativa com esses três outros players do varejo tradicional (Magalu, Via e Americanas), entendemos que o Mercado Livre possui uma diferença básica na forma como todas essas empresas foram criadas.
Os demais players nasceram focados no 1P, com lojas físicas próprias, e por consequência, Capex mais alto e maior necessidade mão de obra em escala, o que por sua vez origina folhas de pagamento mais robustas e maiores riscos de processos trabalhistas, algo que comprometeu bastante os resultados da Via recentemente, por exemplo. Esses três players passaram a focar mais no 3P apenas nos últimos anos.
Já o Mercado Livre fez o movimento contrário, tendo sido fundado com a ideia de ser um marketplace 3P focado em Cauda Longa(Long Tail), categoria de produtos que fazem parte de um mix mais nichado para atender demandas específicas, como lentes para câmeras fotográficas ou cordas com travas semi-estáticas para prática de alpinismo.
Com estratégia de Long Tail o Mercado Livre apostou desde o início na diversificação de produtos para atender às necessidades de muitos indivíduos diferentes, e que possuem um comportamento de demanda divergente ao ser comparado com a linha branca de eletrodomésticos, por exemplo, carro chefe de 1P das varejistas tradicionais.
As categorias de mid tail e long tail correspondem a aproximadamente 60% do GMV total do Mercado Livre. O restante está divido em cerca de 35% do GMV em Official Stores, que são compostos por itens ofertados por sellers de grande porte, e mais 5% em 1P. Apesar desses valores representarem uma média da Companhia, individualmente as operações de cada país não destoam muito desses valores.
Enquanto Magalu, Via e Americanas foram originadas no modelo de negócio de 1P e estavam começando a ir em direção a criação de seus marketplaces de 3P, o Mercado Livre estava na contramão. Com um 3P já consolidado, a Companhia começou a fazer seus primeiros investimentos em 1P para suprir o restante das demandas e constituir um marketplace completo. Essa diferença entre as estratégias que cada player adotou gera algumas diferenças de sortimento de produtos e número total na base de sellers.
A complementariedade do Mercado Pago nas vendas do marketplace é outro diferencial importante que a Companhia oferece. Mesmo que outras varejistas possuam fintechs como motor de crédito para o varejo, como Magalu Pay (joint venture com o banco Itaú) e Via com o Banqi, o Mercado Pago está bem a frente, também ofertando meios de pagamento para os sellers através de adquirência e MPoS, com um TPV muito mais robusto no 3T22 de R$82b Vs. R$22b do Magalu.
Já do lado dos consumidores, as compras dentro da plataforma usando o Mercado Pago trazem benefícios como por exemplo no estorno de uma entrega equivocada do seller. As outras fintechs anexas aos varejistas tradicionais não possuem solução própria que agilizam o estorno, o que faz com que o consumidor tenha que esperar até o prazo de três meses estipulado pelo banco emissor do cartão em que compra foi realizada para processar e estornar na fatura. Já pelo Mercado Pago, o estorno do valor cai na conta digital do consumidor imediatamente após o processo de devolução do item ser validado pela Companhia, reduzindo o prazo de três meses para até 5 dias úteis. Esse valor pode ser utilizado como crédito para uma nova compra no marketplace, inclusive com outro seller, ou transferido para outra conta corrente bancária de preferência do usuário, resolvendo o impasse de maneira muito mais rápida e moldada de acordo com as preferências do consumidor.
Com relação a rede logística, entendemos que nela se encontra o principal diferencial competitivo do Mercado Livre. A Companhia originou ao longo do tempo um fulfillment robusto, como uma rede logística própria especialmente desenhada para o modelo 3P de marketplace, focado em produtos Long Tail. Em São Paulo por exemplo, a Companhia entrega 90% dos itens em menos de 24 horas e em qualquer outra cidade nos três países que são foco operacional (Argentina, Brasil e México) 80% das entregas são realizadas em até 48 horas. Esse nível de serviço está consideravelmente acima das principais concorrentes no mercado Brasileiro por exemplo, e só é atendido pela Amazon no mercado mexicano.
No 2T21 a Companhia fez mais um avanço para o aperfeiçoamento da sua malha logística com a aquisição da Kangu, uma plataforma fundada em 2019 que conecta operadores de marketplaces, transportadoras e pontos de coleta em formato de estabelecimentos comerciais do bairro, como lojas de roupas, papelaria e pet shops. A ideia da plataforma é oferecer uma solução logística complementar, ligando pequenos estabelecimentos de bairro que possuem alguma área disponível para transformar esse espaço em um mini hub de envio e retirada de mercadorias de terceiros.
Esses pequenos estabelecimentos ganham um maior fluxo de pessoas, que podem muitas vezes acabar adquirindo algum item da própria loja como uma compra complementar. Já o Mercado Livre, ao ter adquirido a Kangu, ganha uma capilaridade bastante atrativa no last mile (trecho final da malha logística até o recebimento do produto pelo cliente). A plataforma não envolve nenhum tipo de custo extra para o Mercado Livre, uma vez que as parcerias entre os estabelecimentos comerciais e a Companhia são livres de fees.
Esses mini hubs parceiros oriundos da plataforma Kangu foram batizados pela Companhia de MELI Places. No momento da aquisição, a plataforma continha 1,5 mil estabelecimentos parceiros. Após 1 ano, o Mercado Livre conseguiu expandir esse número para 7 mil MELI Places, que além de servir como base logística para entrega atuam como ponto de devolução de mercadorias em caso de pedido de estorno e também entregam a opcionalidade de realizar operações de saque e depósitos de valores na conta do usuário no Mercado Pago.
Apesar do Magalu, Via e Americanas poderem usar suas próprias lojas físicas para fazerem mini hubs, dando suporte a logística do marketplace, a grande diferença que enxergamos para o modelo implementado pelo Mercado Livre é que a Companhia, ao contrário dos concorrentes, não possui dispêndio de folha de pagamento relacionado as lojas e nem de arrendamento da área comercial, de forma que o ganho de capilaridade logística vem sem nenhuma contrapartida de SG&A e despesa financeira, o que ressaltamos como uma grande vantagem competitiva na eficiência logística da Companhia sobre os outros players.
Dessa forma, entendemos que o Mercado Livre acabou virando top of mind para os consumidores porque eles sabem que tanto o item mais específico que eles desejam quanto o mais genérico, eles vão achar no Mercado Livre e a entrega será rápida, criando então um engajamento muito relevante com a base de usuários e um alto número de recorrência nos Cohorts (safras).
Apesar da base de sellers do Mercado Livre ser consideravelmente maior, existe sobreposição (overlap) com a base dos outros três players. Os sellers que são grandes procuram vender em todos os marketplaces, porém, o maior número de conversão por Seller ocorre dentro do Mercado Livre devido a maior amplitude de tráfego, usuários recorrentes e marketshare. Então como a taxa de conversão é maior, esses sellers que estão em diversos marketplaces possuem a preferência por deixar seus estoques no fullfiment do Mercado Livre mesmo que acabem incorrendo em uma operação logística mais longa quando convertem alguma venda nos marketplaces dos outros players.
Esse fato faz com que, na média histórica dos últimos trimestres, quase 90% de todos os produtos vendidos (Successful Items) do marketplace tenham sido entregues pela logística própria do Mercado Livre, com os sellers utilizando os fullfiment centers da Companhia. Na nossa análise, mesmo que paguem um Take Rate maior, os sellers em sua maioria entendem que utilizar os recursos de armazenamento e logística oferecidos pelo Mercado Livre representa um custo menor para eles do que a opcionalidade de estocagem própria e Correios para o last mile.
Já no 1P, o Mercado Livre ainda está atrás
Com os sellers grandespriorizando o fulfillment do Mercado Livre e por consequência penalizando o tempo de entrega de itens vendidos em outros marketplaces, entendemos que a Companhia consegue se posicionar bem a frente da concorrência no Brasil em relação ao 3P. Porém, no 1P a situação é a inversa. Na nossa análise, as varejistas tradicionais possuem um relacionamento melhor com as indústrias fabricantes e o reflexo desse fato é observado nos preços de venda dos itens em 1P, especialmente da categoria de eletrônicos, como celulares e aparelhos de televisão, e linha branca como liquidificadores, geladeiras e micro-ondas.
Em outras palavras, é mais provável que o consumidor encontre uma geladeira da Brastemp com um preço inferior no marketplace do Magalu ou na Via, porque esses players possuem uma relação comercial com a Whirlpool (fabricante da marca Brastemp) de mais longa data e por consequência, mais vantajosa, se comparada ao Mercado Livre. A Companhia se sai melhor na conversão de vendas de produtos de Long Tail e as varejistas tradicionais estão a frente nas categorias de linha branca e eletrônicos.
As condições contratuais que as varejistas tradicionais possuem com as indústrias fabricantes, especialmente a Whirlpool e a Samsung, contemplam metas de bonificações (rebates) por produtos vendidos, conforme já comentamos anteriormente. Desta forma, parte do desconto oferecido pela indústria no preço de aquisição do estoque por unidade é revertido em forma de bonificação, que entra na linha de resultado financeiro das varejistas. A outra parte vem no formato de desconto no custo de aquisição por quantidade de produto comercializado. Esses contratos incentivam as varejistas a cumprirem metas de vendas previamente acordadas com a indústria, recebendo uma receita adicional e também uma redução no custo dos produtos vendidos (COGS).
Com esses contratos, as varejistas tradicionais levam mais vantagem que o Mercado Livre na maleabilidade da margem no 1P. Mesmo com um nível de serviço muito mais elevado, principalmente na parte logística, conforme comentamos anteriormente, o 1P da Companhia ainda apresenta um desenvolvimento tímido, representando apenas cerca de 5% do GMV da Companhia, e está consideravelmente atrás da concorrência.
Porém, no nosso ponto de vista, isso representa uma oportunidade de crescimento para o médio e longo prazo. Acreditamos na capacidade de execução do Mercado Livre, juntamente com a complementariedade do Mercado Pago, auxiliando a aumentar ainda mais o tráfego de usuários com conversão alta, sendo muito superior que a dos demais players, a nossa análise é de que o Mercado Livre deve fechar esse gap de 1Pno futuro.
Ainda, vale ressaltar que, na nossa análise, o Mercado Livre deve investir no 1P no médio prazo apenas em categorias em que o 3P não consegue ser competitivo, como por exemplo eletrônicos e itens de supermercado. O management da Companhia acredita que essas duas categorias são essenciais para principalidade, então esperamos que haja um desenvolvimento de produto focado nesses itens.
Por outro lado, não esperamos ver investimentos para aumento de GMV relacionado a itens que os próprios sellers do marketplace da Companhia conseguem ter preços competitivos, até porque, entendemos que isso é um dos fatores que mais atrapalharia o Mercado Livre nesse relacionamento.
Observamos que isso também ajuda a explicar o porquê dos outros players estarem tentando aumentar suas bases no 3P, porém, não conseguem crescer em uma velocidade próxima do Mercado Livre. Ou seja, como eles nasceram focados em 1P e estão mais recentemente tentando migrar para o 3P, o relacionamento com sellers maiores de long tail acaba gerando uma competição dentro do próprio marketplace entre 1P e 3P da mesma categoria de item. A consequência disso, na nossa visão, é que esses sellers preferem continuar ofertando melhores condições de preço no Mercado Livre do que em plataformas como a do Magalu, Via e Americanas.
Logística própria: o que era um custo está virando fonte de receita
Conforme comentamos, consideramos a eficiência logística do Mercado Livre a sua maior vantagem competitiva frente aos demais players na América Latina. Em 2013, a Companhia criou o Mercado Envios, passando a oferecer uma solução própria de envio aos sellers do seu marketplace, ampliando sua vantagem logística frente a outros players.Para alcançar o nível de serviço ofertado hoje, a Companhia investiu de maneira muito enfática ao longo de vários anos na sua malha logística nos três países onde a operação é mais representativa. O Brasil, pelas dimensões continentais, ofereceu ainda mais desafios para a Companhia alcançar essa eficiência.
Dessa forma, durante um tempo considerável, a logística foi o centro de custos que mais pressionava as margens do Mercado Livre. Inclusive, a Companhia sofreu o efeito de construir essa estrutura no seu resultado, tendo um COGS superior a receita de e-commerce em alguns trimestres, o que fez com que a as margens operacionais viessem negativas, chegando a reportar uma margem EBITDA de -10,3% no 3T19. Além disso, a Companhia investiu US$1,3b de Capex desde 2019 e contraiu US$590m em arrendamento operacional para montar os 20 fulfillment centers, sendo que 11 estão no Brasil, 6 no México e 1 na Argentina.
Apesar do alto custo, tanto de dispêndio de capital quanto de detrator de margem, a Companhia está caminhando para começar a colher os frutos de ter investido em uma malha logística robusta. Como o marketplace do Mercado Livre hoje possui 6x mais sellers que o segundo concorrente no Brasil com uma taxa de conversão maior em todas as categorias de produtos de long tail, a Companhia vem mostrando o entendimento que os Sellers, ao priorizarem o Mercado Livre em relação às outras plataformas, estariam dispostos a pagarem mais por essa logística porque sabem que o consumidor muitas vezes possui um viés imediatista e procura aquele marketplace que oferece a entrega mais rápida e confiável. Por isso, parte do prêmio que comentamos sobre o Take Rate do Mercado Livre é originado de uma taxa cobrada dos sellers que utilizam o fulfillment da Companhia, chamada de Shipping Fee.
Mesmo com a inciativa, o Shipping Fee embutido no Take Rate cobrado dos sellers apenas atenua o impacto que o custo de logística causa no aumento do COGS e na subsequente retração da margem operacional. Ou seja, a operação de logística ainda não contribui positivamente para a margem da Companhia, mas a nossa visão é de que o Mercado Livre tem sido muito assertivo em utilizar o investimento em logística para conseguir estar à frente da competição.
Nesse sentido, apesar de trabalhar hoje para diminuir esse efeito de um COGS alto pressionando as margens, a Companhia ainda não atingiu um estado de maturidade do Shipping Fee como um forte driver de receita na proporção que a Amazon faz hoje nos EUA por exemplo, cobrando dos sellers uma taxa de fullfiment bastante relevante, de forma a não só criar um offset entre COGS e receita, como também um incremento de margem de contribuição no resultado vindo da operação logística.
Apesar do Mercado Livre ainda não ter atingido o formato de cobrança que a Amazon realiza nos EUA, a nossa análise é que a Companhia segue na direção certa. Um grande avanço já foi realizado se comparado há alguns anos atrás, de forma que entendemos ser uma questão apenas de maturidade da operação para que a Companhia consiga subir o percentual de Shipping Fee no Take Rate de forma a não só aliviar as pressões no COGS vindo da operação logística como também entregar margens ainda mais rentáveis em um futuro próximo.
Vale esclarecer que dependendo do nível que o seller é dentro do marketplace, o Mercado Livre pode repassar na integralidade ou não o custo do Shipping Fee. Ou seja, para sellers que geram um alto volume de GMV, a cobrança no Take Rate por cada item vendido é inferior se comparado aos que contribuem menos ou que passaram a comercializar dentro da plataforma recentemente. Para esses o custo de entrega é 100% repassado no Shipping Fee, de forma que fica a critério desses sellers arcarem com o custo, reduzindo suas margens, ou repassarem esse custo para o comprador final do item.
Em relação aos outros players, em alguns municípios as varejistas tradicionais possuíam entregas em 24h, como o Magalu por exemplo. Porém, após a queda mais acentuada de GMV vista em todo o segmento de varejo e-commerce na segunda metade de 2021, observamos uma diminuição dessa opcionalidade de entrega rápida nos marketplaces das concorrentes em detrimento de prazos mais longos na tentativa de reduzir o custo logístico e preservar margem.
Conforme comentamos anteriormente, as varejistas tradicionais de 1P, como o Magalu e Via, vem passando dificuldades para conseguir dar vazão ao estoque na mesma velocidade que vinham fazendo até a primeira metade de 2021, atrapalhando o atingimento das metas de bonificações com os fabricantes e pressionando as margens nos últimos trimestres. Adiciona-se a isso o custo de logística last mile, onde muitas vezes esses players terceirizam a entrega por operadores logísticos como a Loggi, o que encarece muito o processo, principalmente nas entregas mais rápidas.
O Mercado Livre investiu na sua própria rede logística desde cedo, chamada de Managed Network, que contemplam os warehouses, CDs e centros de fullfiments. Já o last mile para as entregas são realizadas através de prestadores de serviços exclusivos 100% dedicados, que trabalham com os veículos inclusive com o logo do Mercado Livre, diferentemente dos concorrentes que não possuem contratos de exclusividade.
Dessa forma a Companhia continuou fazendo avanços na velocidade de entrega, cobrindo cada vez mais áreas entre 24h e 48h, ao passo que os outros players sentiram muito mais o custo do frete subindo nos últimos trimestres e tiveram que diminuir suas exposições em entregas rápidas, perdendo ainda mais market share para o Mercado Livre.
Em termos de capilaridade, no Brasil, a Companhia já possui opcionalidade de entrega em até 24h em quase todas as capitais, devido a MeliAir. No 4T20 a Companhia criou o MeliAir, um braço de sua logística com uma frota de 4 aeronaves dedicadas em parceria com a Azul, Latam Cargo, Total e Sideral, cobrindo oito rotas no México e no Brasil para complementar o uso da capacidade das companhias aéreas comerciais e continuar reduzindo os prazos de entrega
Já no 2T22, o Mercado Livre expandiu essa parceria. Foram mais 3 aeronaves entregues em junho e mais 3 serão entregues em 2023, em um contrato exclusivo de parceria com a Gol Linhas Aéreas. Há a opção no acordo de adicionar mais 6 aeronaves além dessas até 2025.
O Mercado Livre também entrega algumas ferramentas para o seller realizar o controle de estoque quando o mesmo opta por deixar seus produtos nos warehouses e centros de fullfiments da Companhia, na tentativa de minimizar a falta de previsão do inventário antes da venda, ajudando o seller a decidir o volume de itens necessários para serem estocados no fullfiment, bem como selecionar quais itens não fazem sentido ficarem no fullfiment, indo então para as seções de cross docking.
Nas seções de cross docking os itens vão para CDs e demorariam um dia a mais de baldeação que no modelo de fullfiment para a entrega chegar ao consumidor final. Dessa forma, quando o seller direciona itens para seções de cross docking o produto fica armazenado em CDs ou em Meli Places e quando a venda é efetivada a equipe de last mile faz a baldeação desses itens, passando então pela rede logística e fazendo a entrega no dia seguinte.
Portanto, o Mercado Livre oferece para seus sellers duas modalidades de estocagem e logística e ferramentas para tomada de decisões acerca de quais itens selecionar para cada tipo de modalidade. Essas ferramentas de controle foram desenvolvidas pela equipe de engenheiros de softwares do Mercado Livre e fazem com que o emprego da tecnologia seja um diferencial que gera valor para o seller em relação aos outros operadores de marketplace, o que justifica a cobrança de um Take Rate mais alto na visão de boa parte dos sellers. A companhia vem constantemente aprimorando essas ferramentas junto a demandas específicas do sellers, principalmente para otimizar fulfillment.
Investimentos continuam altos, porém se concentram em áreas diferentes da Companhia
Apesar do Mercado Livre ter um orçamento de R$17b em investimentos para 2022 nos três países, apenas uma pequena parte disso é CAPEX de estrutura em imobilizado. Acreditamos que a Companhia esteja em um estágio onde boa parte da rede logística em warehouses já foi construída nas três principais geografias (Argentina, México e Brasil).
Já em relação aos centros de fullfiments o Mercado Livre deve expandir ainda parte de suas estruturas no Brasil, além de lançar algumas seções de cross docking, porém, ainda assim, não serão investimentos muito representativos perto de tudo que já foi feito na malha logística.
Portanto, o que é relevante hoje para a Companhia são investimentos em uma outra área da empresa que não a de armazenagem, mas que tem total relação com a logística do Mercado Livre: a de tecnologia.
Tecnologia sendo o centro das contratações
Com boa parte do trabalho em termos de infraestrutura já tendo sido realizado para diferenciar a Companhia dos concorrentes, o Mercado Livre hoje passa a concentrar seus investimentos no capital humano, ou seja, na contratação de engenheiros de softwares, desenvolvedores e cientistas de dados para imputar tecnologia dentro da rede logística, de modo a tornar cada vez mais eficiente os processos internos e também prestar suporte aos sellers, movendo os estoques dentro do próprio fullfiment de maneira mais rápida e com menos custo.
O plano de contratação para os próximos 2 anos envolve a abertura de 14 mil postos de trabalho, sendo que 20% serão funções destinadas a engenheiros ligados diretamente a logística. O que nos leva a acreditar que o CAPEX no médio prazo não deve ser intensivo, porém, devemos ver uma folha de pagamentos com um crescimento bastante robusto nos próximos trimestres.
Acreditamos que o ritmo de contratação dos engenheiros deve, sobretudo, realizar pressões nas margens da Companhia das operações na Argentina, uma vez que a contratação desse tipo de mão de obra é menos custosa para Companhia na Argentina do que no Brasil. Vale a ressalva de que como a Companhia é consolidada, os engenheiros contratados pela Argentina poderão ser alocados internamente em projetos para a malha logística brasileira, por exemplo.
Cross Borders não incomodam, ainda…
A expressão cross border refere-se a uma operação de varejo que envolve o transporte de mercadorias entre países diferentes, ultrapassando fronteiras. Ou seja, nessa operação compradores e sellers estão localizados em diferentes países.
Operações de cross border tem se tornado cada vez mais comuns ao redor do mundo, sobretudo com sellers da Ásia, como China e Singapura. Porém, apesar de existirem na Argentina, essas operações atingem uma fatia pequena do market share do e-commerce no país, uma vez que o governo local possui diversas leis protecionistas, dificultando a penetração de plataformas de marketplace como a Shopee e a AliExpress. Produtos que são de origem estrangeira acabam sendo importados, em sua maioria, por sellers locais e vendidos dentro da plataforma do Mercado Livre.
Já no Brasil, a situação é diferente. O governo brasileiro possui medidas menos restritivas, como por exemplo, a isenção de taxas de importação de remessas vindas do exterior em algumas ocasiões. A Receita Federal considera que são isentos do tributo produtos de até US$50 conforme Portaria 156 de 1999.
Dessa forma, no Brasil os players de e-commerce nacionais tendem a sofrer um pouco mais com operações de cross border. Ainda assim, a principal categoria em que os cross borders estão crescendo é a de fashion & beauty, nas outras categorias o GMV dessas plataformas nos leva a crer que possuem ainda penetração baixa se comparado aos outros players nacionais.
Apesar de que as plataformas dos cross borders como a Shopee ainda estarem bastante defasadas em termos de User Experience (UX), para a categoria de itens de fashion & beauty a penetração tem sido maior devido ao fator ligado a uma experiencia de descoberta. Apesar de relativamente caótico, durante o processo de compra no marketplace até o usuário encontrar o que ele procura, ele acaba colocando mais produtos de baixo valor no “carrinho” virtual, porque para essa categoria de produtos, muitas vezes itens com ticket-médio menor acabam persuadindo o consumo de algo que incialmente não era o foco da compra.
Para fashion & beauty, entendemos que as pessoas são mais propensas a experiência de descoberta, então o próprio Mercado Livre, ao perceber isso, vem buscando ajustar sua UX com o uso de alguns filtros de seleções de itens especificamente para essa categoria dentro do marketplace para conseguir aproveitar esse movimento visto nas plataformas dos cross borders.
Nas outras categorias de produtos, o Shopee constitui boa parte do seu GMV vindo de itens com o ticket médio de até US$5 mais um frete adicional de igual valor. Considerando os níveis do custo logístico nos patamares atuais, acreditamos que o Shopee subsidia para a maior parte dos consumidores o frete, que somados ao Take Rate bem abaixo dos players no Brasil, fazem com que a operação como um todo ainda esteja longe de ser rentável.
Acreditamos que como o ticket-médio da cesta de produtos no Shopee é bastante inferior ao do Mercado Livre, o consumidor teria que comprar quase 50 itens em uma única cesta para fazer um breakeven.
A cesta média do Shopee está em torno de US$20 no Brasil, com um ticket médio de US$5,10, o que daria uma equivalência de 4 itens por cesta. Já a cesta média do Mercado Livre é de quase US$80, com um ticket-médio por item no Brasil de US$25,62 no 3T22, com equivalência de 3 itens por cesta. Dessa forma, acreditamos que o Shopee ainda não está roubando share de nenhum dos maiores players do Brasil, mas sim, criando um mercado que antes estava no offline.
Ainda assim, vale a ressalva sobre a boa capacidade de execução do Shopee. O crescimento da plataforma é bastante elevado, tanto no Brasil quanto na Ásia, mesmo que com uma estratégia diferente em relação ao Mercado Livre. Temos observado, ao longo dos três trimestres desse ano, a plataforma do Shopee aumentando o número de itens acima do ticket-médio de US$20, porém, a conversão de vendas nesses itens ainda está baixa.
Acreditamos que mesmo colocando itens com maior ticket-médio no marketplace, o Shopee não consegue converter com uma taxa representativa porque os consumidores ainda não sentem confiança em realizar compras mais caras.
Além disso, na nossa análise, o Shopee tem um segundo desafio pela frente, que seria crescer no official stores. Até mesmo na categoria fashion & beauty, a plataforma vem encontrando dificuldades para conseguir vincular seu nome a marcas mais conceituadas, ou sellers maiores que vendem produtos com maior valor agregado, principalmente devido a disseminação de falsificações no marketplace.
No nosso entendimento esse é uns dois maiores percalços para o Shopee consegui crescer. Já o Mercado Livre possui como sellers dentro da categoria official stores empresas como a Chanel, Adidas e Nike, sendo o único parceiro de venda direta por marketplace dessas marcas na América Latina, feito que nem a Amazon conseguiu realizar.
Outro ponto que pode afetar o Shopee é mudança de legislação que está sendo discutida com relação ao limite para remessas vindas do exterior não serem taxadas pela receita federal. Caso essa legislação seja alterada, podemos ver medidas mais protecionistas por parte do governo. O nosso entendimento essa possibilidade de mudança de legislação é considerável no médio prazo, o que atingiria bastante as operações de cross borders no Brasil.
Já o Mercado Livre, não deve sentir muito o efeito dessas medidas, mesmo que sejam aprovadas. Isso porque hoje menos de 5% do GMV da Companhia é oriundo das operações de cross border entre sellers de fora e compradores no Brasil.
Porém, no México volume de cross border é maior, chegando próximo de 15% do GMV da operação local. Isso porque a proximidade com EUA acaba demandando muita importação da China, hábito mais comum para o consumidor americano.
Ainda que lá a operação de cross border é mais representativa para o Mercado Livre, o Shopee acabou despriorizando o mercado do México para focar mais no Brasil, de forma que a competição nesse mercado continua sendo principalmente com a Amazon, e em menor grau com a Falabella.
Mundo Azul: A fintech do Mercado Livre
O segmento de fintech é dividindo em duas grandes verticais de negócios: (i) Mercado Pago, que consistem em fontes de receitas que provém das monetizações de transações e meios de pagamento e (ii) Mercado Crédito, que contemplam receitas advindas das operações de intermediação financeira e constituição de carteira de crédito.
Mercado Pago: O negócio de Adquirência da holding
Podemos correlacionar o TPV Aquiring com o business de adquirência, ou seja, todas as transações processadas em um determinado período em que a holding Mercado Livre intermedia, seja dentro da sua plataforma de marketplace (ON- Platform) ou em transações intermediadas fora da plataforma (OFF- Platform) por meio dos pontos de vendas digitais (MPoS), pagamento em QR Codes para merchants ou ainda por soluções de meios de pagamento prestadas a terceiros, semelhante ao PayPal.
Há ainda o TPV Digital Account, que mensura o volume financeiro de transações ocorridas na movimentação de contas digitais, dentro do sistema de banco digital criado pela holding Mercado Livre, que chamamos de Wallet. Estão contidas na Wallet as transferências entre contas de pessoas físicas (P2P Payments), volumes transacionados em cartões de débito e pré-pagos emitidos pelo Mercado Pago, pagamento de contas e boletos e transferência de créditos para recarga de aparelhos celulares (CellPhone Top Ups). Inserido também dentro do TPV Digital Account está o volume transacionado no cartão de crédito emitido pelo Mercado Pago, que por enquanto, só está disponível no Brasil. Todas as outras soluções de meios de pagamento estão presentes nos três principais países onde a Companhia atua (Argentina, Brasil e México) e em alguns outros países, como Chile e Uruguai.
As receitas provenientes das operações do Mercado Pago, em sua maioria, consistem em taxas cobradas pelo processamento de um volume de transações (Transactional Fees). Para as transações que fazem parte do TPV Aquiring chamamos a taxa cobrada de MDR (Merchant Discount Rate). Caso elas pertençam ao TPV Digital Account, intitulamos a taxa cobrada de Interchange. É necessário esclarecer que a fintech não cobra interchange de P2P Payments, uma vez que preferem zerar as taxas para pessoas físicas no intuito de aumentar o número de abertura de contas digitais e incentivar os usuários a utilizarem os serviços de bancarização oferecidos pelo Mercado Pago com frequência.
A Companhia não divulga os MDRs cobrados em cada país bem como as taxas de interchange, porém, para efeito de comparação, normalmente as taxas MDR são menores do que as de interchange, vis a vis o TPV de adquirência ser maior que o TPV de contas digitais.
Em nosso modelo de valuation projetamos o MDR alinhado com a concorrente PagSeguro no Brasil (~0,4%), um mercado muito mais competitivo na nossa leitura, ao passo que na Argentina, um mercado onde a fintech tem mais share, projetamos MDRs mais elásticos (~3%) pelo fato da Companhia não precisar ser agressiva na estratégia comercial para adesão de merchants, bem como pelas taxas de juros mais elevadas no país. Já para o México, fizemos um mix das taxas entre os outros dois países (~1%), uma vez que acreditamos que o México é subpenetrado na bancarização digital, porém, possui também um potencial de concorrência maior devido a proximidade com os EUA e intuições financeiras mais sólidas.
Já para o cálculo das taxas de interchange, seguimos lógicas parecidas com as adotadas para o MDR em cada país, com a Argentina ficando em ~3,5%, o Brasil ~1,5% e o México em ~1,3%. Para o cartão de crédito, segmentamos o TPV proveniente desse tipo operação expurgados do TPV Digital Account do Brasil, e incidimos um interchange por faixa de valores de faturas pagas mensalmente por cada portador do cartão.
Enquanto o TPV Aquiring chegou à cifra de US$58b em 2021, nossa expectativa é que atinja a marca de US$81b em 2022E, o que daria um crescimento de +38% a/a. O México, segundo nossos cálculos, seria o país que mais aceleraria o TPV neste ano, com um crescimento de 70% a/a, devido a subpenetração do sistema bancário no país oferecer caminhos para crescimentos mais robustos, seguido do Brasil, com uma aceleração na adquirência de 41% a/a. O ainda forte crescimento no Brasil, mesmo em um mercado mais competitivo que Argentina e México, indica a solidez do mercado brasileiro, que apresentou um cenário macro durante boa parte de 2022 menos deteriorado que outros países na américa latina.
Já para o TPV Digital Account, projetamos uma marca de US$38b em 2022E Vs. US$18b em 2021, o que representaria um crescimento de +106% a/a. Esse crescimento faria o TPV Digital Account aumentar +8,13p.p na representatividade do TPV total da fintech, chegando em 2022E com 32% e levando o TPV total para a cifra de US$120b em 2022E. Nossas estimativas atuais apontam para um crescimento de representatividade do TPV Digital Account ao longo dos anos, até estabilizar próximo a 36% em 2026E.
O México mais uma vez lideraria a força de crescimento do TPV Digital Account, segundo nossas projeções, acelerando +52% a/a em 2022, pelas mesmas razões citadas antes. Já o Brasil viria em segundo lugar, com um crescimento ainda acentuado de +39% a/a, enquanto a Argentina marcaria um tímido crescimento de +9% a/a, devido a situação macro bastante deteriorada.
Nossa análise indica que a penetração da bancarização digital no México juntamente com um crescimento de market-Share no Brasil pelo potencial de cross-sell entre a fintech e o e-commerce, devem continuar dando tração para a Companhia na abertura de contas digitais. Observamos uma taxa de penetração de 47% entre as contas digitais da fintech e as contas do e-commerce, o que consideramos em um patamar alto, dando sinais claros da capacidade de execução do Mercado Livre. Ainda que nos pareça elevado, entendemos que há caminho para crescimento.
Assim, chegamos à composição da receita de Transactional Fees em três vertentes: (i) MDRs incididas sobre as transações de MPoS OFF- Platform e pagamentos por QR Codes bem como todas as transações ON- Platform e terceirização de meios de pagamentos em comércio digital OFF- Platform; (ii) Interchange incendidos sobre transações de Wallet, excluindo P2P Payments e (iii) Interchange incendidos sobre o TPV vindo do cartão de crédito de emissão própria do Mercado Pago.
Ainda dentro das receitas do Mercado Pago, a fintech reporta a linha de rentabilização das operações de antecipação de recebíveis, tanto com os sellers ON- Platform quanto com os merchants OFF- Platform. Essa linha é chamada de Net Financing Fees. O adiantamento de recebíveis é uma prática em que merchants e sellers fazem um requerimento a adquirência para receberem o fluxo de pagamentos que seus clientes optaram por parcelamento de valores.
O adiantamento de recebíveis é uma prática muito utilizada por lojistas em virtude da necessidade de capital de giro, uma vez que as compras parceladas são utilizadas com muita frequência no Brasil. Dessa forma, os merchants necessitam pagar alguns de seus fornecedores em menos dias que o prazo médio de recebimento das vendas, gerando um descasamento de capital de giro, o que pressionaria a geração de caixa dos lojistas.
Para solucionar esse impasse e manter o parcelamento como uma boa política de alavancagem de vendas para os merchants, as Companhias de adquirência adiantam os valores processados em compras que foram parceladas e cobram uma taxa de juros incidida sobre o fluxo que foi antecipado para o lojista. Isso gera uma fonte de receita bastante rentável para as adquirentes e também é interessante para os merchants, que continuam podendo oferecer vendas parceladas para seus clientes.
O Mercado Livre também não divulga em seus releases o quanto do TPV Aquiring é suscetível ao adiantamento de recebíveis. Portanto, para o cálculo de Net Financing Fees, estimamos um percentual do TPV Aquiring de cada país que sofreria requisições pelos merchants e sellers ao Mercado Pago em formato de antecipação de recebíveis. Aplicamos então taxas de juros sobre esse fluxo, que foram passadas pelo management da Companhia em conversas que tivemos ao longo das últimas semanas.
A Argentina marcou um TPV Aquiring de US$6,9b no 3T22 e atingiu US$29,5b LTM (últimos 12 meses), sendo responsável por um volume próximo a 2/3 da cifra vista no TPV Aquiring Brasil. Ainda assim, acreditamos que o mercado argentino possui um percentual bem abaixo de suscetibilidade em relação ao adiantamento de recebíveis, isso porque, diferentemente do mercado Brasileiro, na Argentina a maioria das compras são realizadas sem parcelamento, principalmente devido a dinâmica de juros em patamares bastante elevados e a cultura do país em pagar com QR code, método com mais penetração do que o cartão de plástico físico.
Já no Brasil, acreditamos que a dinâmica é oposta. Pagamentos parcelados em cartões de créditos ainda possuem grande relevância se comparados as modalidades de débitos ou QR Codes, de forma que projetamos para o Brasil o requerimento de ~35% do TPV Aquiring como fluxo de recebível adiantado para merchants Vs. 8% na Argentina e 30% no México. Porém, como as taxas de juros são demasiadamente elevadas na Argentina, parte do volume drasticamente menor de TPV que sofre adiantamento é compensado por taxas de rentabilidade mais altas na operação.
Ainda assim, o Brasil, em nossas estimativas, corresponde por cerca de 50% da receita das operações de adiantamento de recebíveis (Net Financing Fees) da fintech, e a Argentina, por ~30%. Esperamos que a Companhia deva chegar próximo de US$810m de receita em Net Financing Fees em 2022E, o que representaria um crescimento de +117% a/a, segundo nossos cálculos.
Constam ainda na receita do Mercado Pago as linhas de (i) Insurtech Fees (receita vindas da venda de seguros de mercadorias provenientes do e-commerce); (ii) MPoS Sales (receita oriunda da venda de máquinas de processamento de compras e pontos de venda para os merchants) e (iii) Other Card´s fees, que compõe taxas específicas cobradas em cartões, como compras e saques no exterior.
Essas três fontes de receitas enumeradas acima possuem somadas um percentual de aproximadamente 12% da receita total do Mercado Pago, de forma que consideramos as três dentro de uma subcategoria de “Outras receitas”.
Mercado Crédito: O negócio de concessão de crédito da holding
O Mercado Crédito é a vertical da fintech criada para operar as intermediações financeiras, ou seja, está ligada a concessão de crédito, tanto para merchants e sellers, através da linha Cash Advances, como também para pessoas físicas (PFs) e jurídicas (PJs), através da linha Consumer Credit/Lending. Vale a ressalva que a linha Cash Advances (On-line Merchant) não possui relação com o adiantamento de recebíveis (Net Financing Fees). São duas linhas de crédito separadas, sendo a Net Financing Fees reportada dentro do Mercado Pago, essencialmente ligada ao business de adquirência, e a Cash Advances (On-line Merchant) reportada dentro do Mercado Crédito, como uma linha adicional de crédito para capital de giro destinadas a merchants e sellers.
Dessa forma, enumeramos três receitas específicas do Mercado Crédito: (i) Cash Advances (On-line Merchant); (ii) Consumer Credit/Lending e (iii) Revolving Credit (Credit Cards). Esta última consiste na receita advinda dos juros rotativos cobrados nas faturas em atrasos dos cartões de crédito emitidos pelo Mercado Pago.
O Mercado Livre não divulga a quebra de receita com a intermediação financeira separada para cada linha de crédito. Dessa forma, utilizamos premissas baseadas em conversas com o management, para estipular esses números. Separamos a carteira por país (Argentina, Brasil e México) e por segmentos (On-line Merchant, Consumer Credit e Credit Cards) e aplicamos uma taxa de rentabilidade (yield)sobre o tamanho da carteira.
Para linha de Cash Advances (On-line Merchant) usamos uma taxa low triple-digits, entre 110% e 115% a.a., a depender do país. Para a linha de Consumer Credit, a taxa ficou entre 95% a.a. e 108% a.a.
Já para estimar as receitas de Revolving Credit, usamos a taxa de 495% a.a, que retiramos de informações públicas divulgadas pelo Bacen a respeito da operação dos cartões emitidos pelo Mercado Pago. Aplicamos essa taxa sobre um modelo de projeções de inadimplência por maturidade de tempo, baseados em dados estatísticos do IBGE, Serasa Experian e da própria divulgação de qualidade de crédito nos releases da Companhia.
Apesar da fintech ter licenças para concessão de crédito, conforme muitas outras fintechs após o processo de open banking, o Mercado Pago / Mercado Crédito não possui a licença de banco junto ao Bacen. Esse fato impede que a fintech realize captações com os clientes, prática permitida apenas entre bancos, restando a captação com o mercado como única opção de funding.
A Companhia criou diversas SPEs (Sociedade de Propósito Específico) com a finalidade de estruturar operações de funding com o mercado nos três países principais. No Brasil dentro das SPEs foram criados FIDCs (Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios) ou CDBs distribuídas pela corretora Óroma.
No Brasil, que concentra a maior parte dos recursos captados nas SPEs, o custo de funding médio é de CDI + 2%, o que na nossa análise é um patamar baixo para fintechs. Esse patamar parece mais um indicativo sobre a capacidade de execução na Companhia. Os investidores dos FIDCs ou dos CDBs geralmente precificam o risco de crédito da operação, exigindo uma rentabilidade proporcional da captação. Portanto, observamos, para efeito de comparação, outras fintechs captando no Brasil com taxas próximas a CDI +6%, o que nos leva a conclusão de que o mercado precifica um risco menor de default (calote) para as operações de crédito do Mercado Livre se comparada a média das fintechs.
No 3T22, a carteira de crédito atingiu US$2,7b, marcando um crescimento de 146% a/a, guiado principalmente pela expansão das operações de crédito no Brasil, que acelerou 150% a/a. O Brasil segue sendo o país que mais contribui para formação da carteira, representando 45% do consolidado.
Em relação a segmentação da carteira, a categoria Consumer Credit é a mais representativa, chegando a 54% do valor total. Por outro lado, a linha de Cash Advances (On-line Merchant) é a que, na nossa visão, tem o maior potencial de crescimento, podendo atingir uma expansão de +191% até o final de 2026E.
Tese de investimento
Acreditamos que o Mercado Livre adotou um caminho reverso na construção do Marketplace em relação a concorrência: nasceu no 3P em 1999, quando poucas plataformas no mundo operavam nessa modalidade, e expandiu para vendas em 1P apenas em movimentos recentes. Isso possibilitou que a Companhia obtivesse vantagens competitivas em relação a outras varejistas tradicionais, o que embasa nossa tese de investimentos.
Dessa forma, listamos como vantagens competitivas importantes do Mercado Livre (i) prêmio no Take Rate em relação a outros marketplaces, (ii) um número consideravelmente maior de sellers na sua base, (iii) uma maior taxa de conversão média por cesta de produtos, (iv) uma malha logística superior à das concorrentes, entregando um nível de serviço em patamares mais elevados que os peers.
Na nossa visão, o ponto (iv) é a maior vantagem da Companhia. Através de investimentos estratégicos na logística do seu e-commerce, o Mercado Livre conseguiu atingir um nível de serviço que destoa dos outros players, de modo que os sellers estariam dispostos a pagar um Take Rate maior para utilizar os recursos de armazenamento e logística da Companhia, justificando o ponto (i). Acreditamos que, para eles, o incremento do Take Rate pago representaria um custo menor do que realizar os processos logísticos por conta própria. Adicionalmente, os sellers reconhecem a preferência dos consumidores pela eficiência na entrega dos produtos, de modo que não deixam de ofertar seus produtos no marketplace do Mercado Livre pelo maior Take Rate.
Em nossa análise, considerando que a Companhia nasceu como marketplace 3P focado em produtos de cauda longa, à medida que o Mercado Livre foi ganhando escala por seu nível de execução no 3P, naturalmente mais sellers demonstravam o interesse de estarem dentro da plataforma de e-commerce da Companhia, o que por sua vez, também auxiliava na expansão do tráfego de consumidores no marketplace, que, satisfeitos com o sortimento alto de produtos, impulsionavam a conversão de vendas.
Com a criação em 2003 do Mercado Pago, a Companhia deu início a sua trajetória no nicho de fintechs, ofertando soluções de meios de pagamento revolucionárias à época para compras on-line, que ainda eram vistas como inseguras por parte dos consumidores. Simultaneamente, a Companhia beneficiava as vendas da sua plataforma, ao passar mais segurança nas compras, conforme citamos anteriormente no texto.
Ao longo dos anos, o Mercado Livre expandiu as linhas de negócio da fintech, ofertando hoje contas de banco digital, emissões de cartões de débito, pré-pagos e crédito, atingindo crescimento nos meios de pagamento OFF- Platform através do business de adquirência, concessão de crédito para consumidores PFs e PJs, merchants e sellers. Na nossa visão, a Companhia foi eficiente no engajamento da sua base de clientes do e-commerce, realizando o cross-sell para os serviços de fintech, que vem aumentando a penetração nos 3 principais países em que a Companhia tem operações.
Na Argentina, os serviços de meios de pagamento do Mercado Pago são amplamente utilizados pela população, através do uso de QR Codes, fazendo da Companhia a líder em adquirência no país, com ~40% de market-share. No Brasil, observamos um mercado mais competitivo, porém mais maduro na gestão de crédito, dando mais margem para a Companhia conseguir rentabilidade em cima de volumes maiores.
Apesar de um Market-share 4x maior na Argentina em comparação ao Brasil, o volume de TPV Acquiring no Brasil foi superior em 1,5x em Fx-Neutral (mesma moeda – USD) em relação a Argentina nos últimos 9 meses, comprovando a maior potencialização de volume no sistema financeiro brasileiro. Projetamos ainda um crescimento de market-share para o business de adquirência do Mercado Pago, com uma expansão para ~15% até o 4T26E Vs. 11% no 3T22, segundo nossos cálculos.
Olhando para o segmento de varejo e-commerce no Brasil, nenhum outro player possui a robustez nas operações de fintechs que o Mercado Livre possui, de forma que o BanQi (Via), MagaluPay (Magazine Luiza) e Ame Digital (Americanas) se encontram hoje em patamares muito distantes em nível de execução, cross-sell e volume de TPV total (ON e OFF) se comparadas ao Mercado Pago. A capacidade logística acima dos outros players com o Mercado Envios aumenta o valor percebido da Companhia perante os sellers, justificando o prêmio no Take Rate de +3,4% em relação ao Magazine Luiza no 3T22. Estimamos um Take Rate próximo de 20% até o 4T26E nas operações brasileiras da Companhia, o que levaria a uma expansão de +2,10p.p em 4 anos.
Já no México, acreditamos que a população é pouco bancarizada, representando, ainda que com volumes incipientes, um grande potencial de crescimento no médio prazo. Segundo nossos cálculos, o tamanho de mercado hoje para adquirência no México é de ~Mex$2,75trilhões (US$142b) ao ano. Nossas estimativas apontam para um CAGR23-26E de +9,82% do mercado de adquirência mexicano, com uma expansão, segundo nossos cálculos, do atual ~11% de market-share do Mercado Pago para ~16% em 2026E.
Dessa forma, acreditamos que o sucesso da sua execução, entregas rápidas, elevado sortimento de produtos e soluções de pagamento inovadoras fizeram com que o Mercado Livre se tornasse top of mind para os consumidores.
Desafios e potenciais riscos
Na nossa visão, a turbulência macroeconômica da Argentina deverá restringir o crescimento operacional no país, de modo que esse mercado não deve representar uma via de crescimento significativa para o Mercado Livre no médio prazo, com a rentabilidade da operação no país permanecendo em patamares estáveis.
A inflação oficial da Argentina, medida pelo Indec, atingiu 88% no acumulado de 12 meses, até outubro. A inflação anual do país está no maior patamar desde dezembro de 1991, quando chegou a 84%. Esse nível de inflação levou a sucessivas escaladas na taxa de referência de juros (LELIQ 28 dias) pelo Banco Central da Argentina (BCRA), saindo de 38% no começo de 2022 para 75% em outubro.
Acreditamos que o alto nível de juros diminui o poder de penetração das compras parceladas na Argentina, dificultando o crescimento da operação de adiantamento de recebíveis (Cash Advances On-line Merchant) e da expansão da carteira de Consumer Credit no país. Vemos as adversidades na Argentina como o principal fator de risco na Companhia, uma vez que ~30% da receita total da holding (e-commerce + fintech)provém das operações argentinas.
Projetamos uma taxa de juros LELIQ para o final de 2022E em 75%, e ao contrário do que vimos acontecer na última reunião do comitê de política monetária do BCRA em novembro, que optou pela manutenção da taxa, não acreditamos que o ciclo de altas chegou ao final. Em nosso modelo de valuation continuamos a estimar o aperto monetário na Argentina, com a LELIQ subindo +385bps no 1T23E e chegando em uma taxa terminal de 78,85%. Após esse aumento, acreditamos que a taxa deve começar a desacelerar, com cortes suaves de -35bps por trimestre, até a estabilização, no patamar de 38% apenas no 3T26E, quando a inflação deverá convergir para ~48%. Salientamos que as estimativas sobre o macro da Argentina envolvem diversas variáveis e, portanto, o nosso modelo lida com um grau elevado de incertezas sobre o futuro e estarão sujeitas a revisão conforme os eventos no país forem acontecendo.
Já o cenário de juros ainda em patamares elevados para economia brasileira, com uma SELIC de 13,75%, juntamente com as incertezas políticas relacionadas ao equilíbrio fiscal para o próximo governo a ser iniciado em 2023, representam, na nossa visão, desafios fortes para o consumo varejista. Acreditamos que a potencial aprovação da PEC de transição levaria a deterioração da relação Dívida líq./PIB, o que deve manter os agentes de mercado precificando uma curva de juros futura ainda em aceleração. Colaborando também para um consumo adverso, acreditamos que a inflação do Brasil (IPCA) deve cessar os movimentos de recuo, tendo em vista a interrupção do processo de deflação observada nos meses de julho a setembro, o que nos levou a projetar um IPCA de 6,6% para 2022E e 7% em 2023E (ambos mais pessimistas que a média do mercado).
Em nosso modelo, consideramos um cenário base com a SELIC ainda crescente em 2023E, com sucessivos aumentos de +25bps até atingir o ponto terminal de 14,50% no 3T23E. Acreditamos que, em virtude desse cenário, também será exigido do Mercado Livre uma boa gestão de inadimplência vis a vis crescimento de carteira de crédito.
Agora olhando para as operações no México, apesar de enxergarmos uma oportunidade de crescimento dos serviços financeiros pela desbancarização da população, a proximidade do país com os EUA traz intuições financeiras consolidadas como competidores fortes para o Mercado Livre nos negócios de fintech. Essa mesma questão pode representar um desafio para o e-commerce, pela forte presença da Amazon em território mexicano, dificultando a Companhia expandir o market-share do patamar atual de ~30% nas operações de e-commerce, de forma que projetamos esse número flat até o longo prazo, no 4Q26E, com pequenas oscilações pela sazonalidade. Ainda assim, vemos o tamanho total de mercado e-commerce saindo de Mex$495b (US$25b) para atingir Mex$745b (US$39b) em 2026E, apresentando um CAGR23-26E de +10,76%.
Análise do 3T22
O Mercado Livre reportou os resultados do 3T22 no dia 3 de novembro, apresentando números sólidos. Observamos a continuidade do desempenho consistente no e-commerce, consolidando mais um trimestre de crescimento de receita, chegando as marcas de +23,4% a/a na Argentina, +15,0% a/a no Brasil e +41,4% a/a no México. A Companhia atingiu um GMV consolidado de US$8,6b, originando um crescimento de 32% a/a, com o Brasil seguindo como líder de representatividade na contribuição do GMV consolidado, na ordem de 44,8%.
Em nossa análise, o desempenho no segmento de e-commerce no Brasil apresentou melhoras, com o market-share em expansão relevante de +8p.p a/a, marcando uma entrega de GMV 3P de R$19,9b (+20,7% a/a) e um Take Rate de 3P chegando a 17,9% (+1,56p.p t/t ; -6,27p.p a/a). É necessário esclarecer que no 3T21 a Companhia estava com prêmios maiores no Take Rate, ainda considerando a aceleração do e-commerce devido a pandemia do Covid-19. Dessa forma, pontuamos o crescimento de +1,56p.p t/t, o que evidência a tentativa da Companhia em retomar o prêmio visto em anos anteriores, conforme comentamos ao longo do relatório. Acreditamos que o gap ainda está alto, porém, vemos o resultado como positivo.
Já no México, acreditamos que o crescimento foi impulsionado principalmente por um aumento de compradores únicos (Unique buyers), atingindo um GMV 3P de Mex$31,6b (+23,71% a/a), com um Take Rate de 17,15% (+1,54p.p t/t; +2,63p.p a/a).
O negócio de Fintech continuou a mostrar aceleração com o TPV total atingindo US$32,2b (+6,5% t/t; +54,1% a/a) no 3T22. Destacamos o crescimento Fx-Neutral de +122,2% a/a do TPV OFF- Platform, apresentando um incremento acima de 100% pelo quarto trimestre consecutivo. O TPV Acquiring foi de US$21,6b (+3,6% t/t; +40,1% a/a), impulsionado pelo México, que segundo nossos cálculos, atingiu Mex$69,1b, o que representaria US$3,5b (+7,5% t/t; +56,4% a/a), na frente do Brasil, que cresceu ~40% a/a na base em dólar. Ainda assim, o volume transacionado pelo business de adquirência no Brasil foi 3x maior que o do México no 3T22, ambos em dólar, indicando que no México há um potencial de crescimento maior, porém, com volumes ainda pouco maduros.
A receita da fintech atingiu a marca de US$1,2b (+2,07% t/t; +57,5% a/a) no 3T22, chegando, segundo nossos cálculos, a US$675m no Mercado Pago e US$542 no Mercado crédito, com um Fintech Take Rate divulgado pela Companhia de 3,85% (-0,10p.p t/t; +0,82p.p a/a).
De acordo com as nossas contas internas, as receitas com MDRs chegaram a um total de US$303m, o que representaria uma retração de -4,9% t/t, porém, parcialmente compensadas pelas receitas com interchange da wallet crescendo +13,5% t/t, ajudando a atenuar o impacto na receita total de Transactional Fees, que teria atingindo a marca de US$390m, com uma desaceleração de -1,5% t/t. Parte dessa retração teria ocorrido, em nossa análise, devido a um mercado na Argentina menos aquecido e um câmbio mais desvalorizado. Observamos o câmbio USD /AR$ depreciando 15,5% entre o 2T22 e o 3T22.
A Companhia atingiu a marca de 41,6 milhões de usuários ativos na fintech (8,9% t/t; 31,6% a/a), compondo um driver para a carteira de crédito, que alcançou US$2,7b (3,24% t/t; 146,1% a/a). Vale a ressalva de que a Companhia vinha crescendo a carteira em ritmos mais acelerados até o 2T22. Observamos um pico de expansão na ordem de +50% t/t no 4T21, com esse número desacelerando para +11,26% t/t no 2T22 e agora para +3,24% t/t no 3T22.
Acreditamos que essa desaceleração ocorre em virtude de um cenário macro mais desafiador nos países de atuação da fintech. Com os juros subindo nos três países, fomentando o risco de inadimplência, a Companhia passou a reduzir a originação de crédito numa tentativa de diminuir o risco relacionado a operação.
Apesar da Companhia ter passado a controlar a concessão de crédito, acreditamos que o crescimento acelerado da carteira em períodos anteriores ainda deve representar um desafio para a inadimplência dos próximos trimestres, à medida que as parcelas em atraso vão envelhecendo (aging). Para atingir o crescimento expressivo observado anteriormente, a nossa análise é de que a fintech concedeu crédito para clientes com score mais baixo. Assim, com juros mais altos, uma maior parcela da carteira fica inadimplente e, à medida em que os juros seguem em trajetória ascendente, essas parcelas em atraso possuem maior tendência de continuarem sem serem quitadas.
Entendemos que esse efeito já pode ser visto nesse trimestre, de modo que 95,7% das parcelas em atraso no 2T22 que pertenciam a maturidade de 61-90 dias continuaram inadimplentes no 3T22, representando um aumento +5p.p t/t no envelhecimento da inadimplência acima de 90 dias.
Acreditamos que este seja um sinal de alerta para a concessão de crédito do Mercado Livre, de modo que esperamos um crescimento ainda tímido da carteira nos próximos trimestres. Na nossa visão, a fintech está no caminho certo ao ser mais conservadora na originação de crédito no curto prazo, visando uma maior rentabilidade da operação frente ao cenário desafiador. Com uma melhora do cenário macroeconômico no médio prazo, ainda vemos espaço para uma retomada do crescimento das operações do Mercado Crédito, especialmente no Brasil e no México.
Com uma desaceleração no ritmo de crescimento da carteira, nossos cálculos apontam para uma receita de intermediação financeira da carteira de Consumer Credit/Lending chegando a US$447m no 3T22, apresentando uma leve retração de -0,5% t/t. Por outro lado, nossas estimativas apontam para uma receita de Revolving Credit em expansão de +29% t/t, devido ao aumento do número de cartões de crédito emitidos no Brasil.
Já sobre o COGS (Custo do produto vendido – CPV em português), o Mercado Livre reportou US$1,38b (+11,8% t/t; +39,0% a/a) na rubrica, excluindo a depreciação e amortização (D&A). O custo de funding, que é reportado pela Companhia dentro do COGS, teria sofrido um aumento de 12% t/t segundo nossas estimativas nesse 3T22, reflexo da escalada das taxas de juros nos principais países das SPEs.
Na medida em que os custos cresceram em um proporção menor que a receita, observamos um crescimento de 12,3% t/t do EBITDA no 3T22, levando a uma margem EBITDA de 14,6% (+1,1p.p t/t; +3,2p.p a/a).
O Mercado Livre reportou um lucro líquido de US$129m (4,9% t/t; 35,4% a/a), crescendo mesmo enfrentando um cenário desafiador tanto para consumo quanto para crédito.
Nossa visão e recomendação
Com uma ampla operação, seja através de regiões geográficas diferentes (Argentina, Brasil e México), seja por escopo de unidade de negócios (e-commerce e fintech), o Mercado Livre vem apresentando inovações ao longo dos anos para engajar sua base de usuários e aumentar o cross-sell entre os segmentos de negócios da holding, sendo líder em market-share na comercialização digital e oferecendo meios de pagamento, com soluções de crédito tanto para sellers/merchants quanto para os compradores em sua plataforma.
Listamos 4 pontos como principais diferenciais do Mercado Livre na atuação de e-commerce: (i) robustez da malha logística, conforme comentamos, acreditamos que através da oferta de serviços logísticos de eficiência superior, o Mercado Livre vem conseguindo entregar uma capacidade de execução acima dos peers no papel de agente intermediário entre compradores e sellers, sendo capaz de atrair e reter um grande número de clientes na sua plataforma, tendo (ii) um número de sellers 6x acima do segundo maior player no Brasil e (iii) uma elevada taxa de conversão, puxada por fluxo robusto de usuários no marketplace. Por esses fatores, os sellers estão dispostos a pagar (iv) um prêmio no Take Rate em relação aos competidores, reportando um nível de receita muito superior ao de outras varejistas.
Com uma base fiel de clientes de e-commerce, comprovada pelas Cohorts com altos níveis de recorrência, o Mercado Livre vem sendo muito eficiente no cross-sell para outras linhas de negócios, engajando essa base para os serviços de fintech, aumentando a penetração do Mercado Pago nos três países de atuação, o que suportaria a nossa Tese de Investimento na Companhia. Estimamos um aumento de representatividade do TPV Digital Account para ~40% no TPV total até 2026E Vs. 30% hoje, impulsionado por crescente número de contas digitais abertas de serviços financeiros, o que levaria ao aumento da base de clientes ativos da fintech para 121 milhões em 2026E Vs. 35 milhões em 2021, apresentando um CAGR 22-26E de 28,16%.
Ofertando diferentes produtos de crédito, seja para sellers/merchants, através da linha de antecipação de recebíveis e capital de giro, seja para clientes ON- Platform ou OFF- Platform através da carteira de Consumer Credit, vemos o Mercado Livre com um ecossistema completo para seus usuários, sendo o único player de varejo na Argentina e no México que utiliza o próprio sistema de intermediação de pagamento dentro do marketplace, ajudando a fomentar o crédito para compras on-line dentro da plataforma e entregando soluções fora da plataforma, como cartão de débito e crédito próprios e competindo com outros players como PagSeguro na adquirência no Brasil, um mercado mais maduro para Transactional Fees. Já na Argentina, a Companhia segue líder no business de adquirência, com cerca de 40% market-share e no México esperamos taxas de crescimento mais elevadas tanto para o TPV Acquiring quanto para Digital Account pela alta capacidade de execução da Companhia em um mercado ainda desbancarizado. Vale a ressalva que, conforme comentamos na análise do 3T22, esse movimento mais acentuado no México já está começando a ser visto.
Do lado de riscos de desafios, apesar de esperarmos uma expansão dos serviços da fintech, entendemos que a operação de crédito representa um entrave para Companhia num cenário de altos juros nos três países de atuação. Vemos um ambiente macro bastante desfavorável na Argentina, país que concentra ~45% da exposição total de receita da fintech. Acreditamos que a Argentina deverá continuar enfrentando uma inflação persistente, de forma que em nosso modelo de valuation estimamos o final de ciclo de alta de juros a 78,85% e uma inflação ainda de triple digits até 2025E, arrefecendo a partir de 2026E com mais intensidade, freando o consumo e a expansão de uma carteira de crédito com uma gestão de inadimplência saudável.
O resultado do 3T22 nos trouxe um alerta para inadimplência acima de 90 dias, que nos pareceu atingir patamares mais elevados pelo envelhecimento mais acelerado das parcelas em atraso. O nível de cobertura da PDD reduziu no trimestre em 4,72% para US$294m Vs. US$308 no 2T22, porém, a inadimplência efetiva total chegou a 37% da carteira Vs. 31% no 2T22, representando um aumento de +6p.p t/t.
Com isso, esperamos observar um ritmo de crescimento menor de carteira de crédito, seguindo a desaceleração dos últimos dois trimestres, principalmente nas categorias de Consumer Credit e On-line Merchant. Caso a Companhia consiga controlar a inadimplência, vemos ainda potencial e espaço para crescimento principalmente no Brasil e no México.
Com perspectivas de geração de caixa, o Mercado Livre se torna, em nossa visão, uma Companhia do setor de tecnologia / e-commerce que não deverá sofrer grandes impactos sobre a ótica dos investidores que procuram Free Cash Flow Yield (FCFY), possuindo mais ferramentas para lidar com ambientes macro mais desafiadores e continuar explorando avenidas de crescimento. Em nossas projeções chegamos a um FCFY desalavancado de +4,97% 2023E, o que nos parece atrativo em um cenário de consumo desacelerando e potencial crise nas “Big Techs”, após anúncios de demissões em massa vistos no Twitter, Meta Facebook, Amazon e Intel, com os layoffs podendo chegar a 45-50 mil funcionários no mundo todo.
Gostaríamos de enfatizar que vemos a Companhia ainda em níveis significativos de alavancagem, com uma Dívida Líq./EBITDA de 1,67X 2022E, o que afeta drasticamente o FCFY alavancado para -1,29% 2022E. Nossas estimativas apontam para um processo de desalavancagem para níveis mais saudáveis apenas em 2024E, chegando a 0,25X Dívida Líq./EBITDA, o que marcaria o primeiro ano em nossa projeção em que FCFY alavancado se tornaria positivo, atingindo a marca de 1,91%.
Nossa Top Pick: Com um valuation fortificado por múltiplos, chegando a 22,98X EV/EBIT 2023E, vemos o Mercado Livre descontado se comparamos com Amazon (32,8x 2023E) e Etsy (33,0x 2023E). Diante da complexidade operacional, nossa visão é de que a Companhia se encontra mais próxima da Amazon do que das varejistas e-commerce que estão localizadas no Brasil, o que justifica múltiplos mais esticados para o Mercado Livre em comparação a Magazine Luiza, Via e Americanas, que reportaram resultados mornos no 3T22, todas auferindo prejuízos, enquanto o Mercado Livre registrou um lucro líquido de US$129m e uma geração de caixa operacional de US$215m. Tendo em vista a robustez e a diversidade das linhas de negócio, com a fintech ocupando atualmente ~45% da representatividade na receita total e as nossas projeções chegando a ~56% em 2026E e 60% em 2031E, categorizamos a Companhia dentro do setor de Tecnologia (e não de varejo e-commerce), como nossa Top Pick. Nossa recomendação é de COMPRA, com o Preço Alvo de US$1.175,60 para MELI (NASDAQ), o que levaria ao BDR MELI34 (B3) a um Preço Alvo 23E de R$51,40, com +33,58% de upside.
Sumário da recomendação
Chegamos através do nosso modelo de Valuation para o Mercado Livre a uma recomendação de COMPRA com preço alvo de US$1.175,60 para MELI (NASDAQ), implicando num preço alvo de R$51,40 para o BDR MELI34 (B3). Apuramos esse preço através da metodologia de Fluxo de Caixa Descontado (DCF), utilizando como taxa de desconto um WACC de 8,33% e um Ke de 13,65%. Conforme detalhado nas Figuras de 1 a 3.
Figura 1: Múltiplos e métricas do Mercado Livre (2022E a 2031E)
Figura 2 e 3: DRE e Fluxo de Caixa projetados (2022E a 2031E)
Figuras 4 a 7: Análise de Múltiplos Comparáveis (2021A, 2022E ,2023E, 2024E)