Com novas perspectivas no cenário macroeconômico global e um começo de ano agitado, decidimos atualizar nossas perspectivas e recomendações para as empresas do setor aéreo em 2024.
Mesmo em meio às dificuldades enfrentadas pela Gol, que culminaram no Chapter 11 (pedido de recuperação judicial nos EUA), o ano começa com uma perspectiva melhor do que 2023, mas isso não significa que a situação é confortável ou simples. Além de uma possível redução de capacidade da Gol, o incremento na oferta de assentos está limitado globalmente devido aos gargalos produtivos nos principais fabricantes de aeronaves no mundo. Dentro desse contexto, uma demanda resiliente deve ajudar a manter os preços de passagens aéreas estruturalmente mais altos. No que diz respeito aos custos, a curva de preços do petróleo, apesar das incertezas trazidas por conflitos geopolíticos recentes, sugere valores inferiores aos praticados em 2023, sinalizando uma melhoria nas margens.
Em 2024, o papel do governo emerge como fundamental na recuperação do setor aéreo, mas com um olhar atento às implicações para as companhias aéreas. Medidas como o teto para os preços das passagens e o programa Voa Brasil refletem um esforço para tornar as viagens aéreas mais acessíveis aos consumidores. No entanto, o momento da Gol ressalta que preços elevados por si só não asseguram a estabilidade financeira das companhias aéreas. Em resposta, o governo se comprometeu a criar de um fundo de R$ 4 a 6 bilhões administrado pelo BNDES para ajudar o setor. Durante o relatório, comentaremos sobre a aproximação do Governo junto às Companhias aéreas brasileiras e como isso pode impactar o setor ao longo do ano.
Todas as Companhias aéreas que operam no Brasil carregam cicatrizes do Covid-19, umas com feridas abertas e outras em estágio de cicatrização. Nesse momento, acreditamos que Azul possa se beneficiar do cenário atual para capturar as oportunidades deixadas pela Gol.
Com um valuation descontado para 2024 e com a possibilidade de colher benefícios da situação delicada da sua concorrente, estamos alterando nossa recomendação de Azul (AZUL4) de MANTER para COMPRA, com preço-alvo subindo para R$ 23,00. Enquanto rebaixamos Gol (GOLL4) de MANTER para VENDER, com preço-alvo sendo ajustado para R$ 2,00.
A seguir, explicaremos o racional das mudanças nas recomendações.
O ano de 2023 foi desafiador, assim como esperávamos
Em dezembro de 2022, projetávamos um cenário para o setor aéreo em 2023, marcado por desafios. Nossa análise sugeria que o setor poderia sofrer com uma possível escalada do dólar, influenciada pelas indicações do governo eleito de não seguir uma trajetória fiscal sustentável. Paralelamente, antecipávamos uma leve redução nos custos com Querosene de Aviação, ancorada na possibilidade de diminuição no preço do barril de petróleo, trabalhamos com uma média de US$ 80 para o barril em 2023, muito próximo da média realizada de US$ 79.
Como herança da pandemia, as companhias aéreas entraram em 2023 muito alavancadas, e nossa principal preocupação naquele momento era o cronograma apertado de amortização de dívida das Companhias. Além disso, com uma expectativa de atividade econômica em queda, não sabíamos se a demanda seguiria absorvendo a escalada dos preços de passagens.
Logo no início de 2023, as incertezas foram agravadas pela complexidade do ambiente econômico. Com os juros globais em ascensão e uma crise de crédito nos mercados, a situação de renegociação de passivos ficou muito mais desafiadora, obrigando as companhias a mergulharem em processos longos e complexos de renegociação de seus dívidas. Com o passar dos meses uma nova preocupação no radar. Com a perspectiva de queda na taxa Selic e uma possível redução do diferencial de juros entre o Brasil e os Estados Unidos, o receio de uma nova disparada no câmbio voltou a prejudicar o setor. No segundo semestre, o panorama global ficou ainda mais complicado com a eclosão de novos conflitos geopolíticos. Nesse contexto, uma camada adicional de volatilidade tomou conta das principais variáveis que influenciam os custos operacionais do setor.
A instabilidade nos preços do petróleo e o novo patamar de juros no mundo, colocaram uma pressão significativa sobre o setor aéreo, desafiando as empresas a se adaptarem a um ambiente econômico ainda mais volátil.
Choque entre oferta e demanda favorece novos aumentos de tarifa
Um novo ano, com novos ares…
Para 2024, as expectativas para o setor aéreo são mais positivas, impulsionadas por alguns fatores. Em primeiro lugar, os volumes de passageiros seguem em um patamar muito próximo aos observados no período pré-pandemia, apoiado por uma demanda resiliente e com espaço para continuidade do movimento de recuperação. Em segundo lugar, os preços das passagens parecem estruturalmente mais altos, o que favorece as companhias aéreas.
Desde a retomada do fluxo de viagens no pós-pandemia, o setor convive com longas filas de espera para novas aeronaves. Por último, falando especificamente de Brasil, as crises envolvendo Hubs e a 123Milhas geraram uma pressão extra nos preços das passagens, um efeito que deve se estender por parte de 2024. Com a saída desses players do mercado, os consumidores terão de aceitar preços mais altos para garantir suas viagens. Apesar de não sabermos exatamente a magnitude desse impacto, essa situação deve sustentar novos aumentos nas tarifas, considerando que os clientes afetados comprem novas passagens a preços relativamente maiores. Oficialmente, a 123 Milhas cancelou todos seus pacotes promocionais para o ano de 2024.
Atraso na entrega de aeronaves
As limitação na entrega de novas aeronaves acabaram sendo agravadas pela escassez de peças nos principais fabricantes globais. Esse fenômeno também é reflexo da falta de investimentos, em vários segmentos da cadeia produtiva aeronáutica, durante os anos de incerteza que assolaram a indústria entre 2019 e 2022. Como consequência, em um momento de recuperação do setor de turismo, a expansão da frota aérea global está severamente restringida.
O backlog dos principais fabricantes de aeronaves do mundo, seguem crescendo, porém agora com uma velocidade de entrega mais lenta. Essa limitação na produção não se restringe a um único fabricante, é uma realidade enfrentada por todos os fabricantes e abrange diferentes tipos de aeronaves.
Adicionalmente, questões específicas, como os desafios de produção enfrentados pela Boeing no modelo 737 Max 9, também tem impacto direto na perspectiva de normalização da oferta de assentos. Após alguns incidentes, a FAA pediu o congelamento da produção desse modelo junto à Boeing. Esse evento retarda ainda mais qualquer expectativa de retorno à normalidade na oferta. A expectativa das empresas do setor é de um prolongamento da escassez até pelo menos 2027-28.
Obviamente, também existe um lado negativo para as companhias. Como a melhora operacional também passa pela capacidade de crescer e renovar frota, o alongamento do cronograma de substituição de aeronaves se torna um ponto preocupante, especialmente para aquelas com frotas mais antigas, como a Gol. As novas aeronaves permitem às companhias aéreas aumentar a oferta de assentos em espaços similares aos modelos mais antigos, ao mesmo tempo que reduzem o consumo de combustível por km voado.
Entretanto também existe um lado positivo. O descompasso entre a oferta e a demanda no setor aéreo tem o potencial de gerar um cenário favorável para o aumento do yield em 2024. Com a demanda por viagens aéreas permanecendo robusta e as companhias aéreas enfrentando desafios significativos para expandir suas ofertas, este cenário cria a possibilidade de novos reajustes nos preços das passagens, melhorando a rentabilidade das companhias aéreas mesmo com o crescimento restrito no volume de passageiros.
Momento da Gol, joga contra a queda nas tarifas
A entrada da Gol no Chapter 11 e uma possível redução de sua capacidade têm implicações negativas para o setor aéreo brasileiro. A depender das negociações com os lessores, que serão divulgadas no plano de recuperação judicial, existe a possibilidade de retomada de aeronaves. A situação da Gol ocorre em um contexto global distinto do enfrentado pela Latam durante sua entrada em recuperação judicial. Ao contrário do período inicial da pandemia, quando havia um excesso de aeronaves disponíveis devido à redução drástica de voos, o cenário atual é marcado pela falta de aeronaves e pelos atrasos nas entregas de novos aviões.
A escassez de aeronaves no mercado global e a demanda consistente por voos diminuem os incentivos para que os lessores reduzam os preços do leasing. Isso significa que a Gol, enfrentará desafios nessas negociações de renovação de leasing, podendo resultar em custos mais elevados ou até mesmo devolução de aeronaves.
Lembramos que a Gol tem enfrentado desafios em recuperar plenamente sua operação pós-pandemia, incluindo a gestão financeira entre o pagamento de leasing, credores e a manutenção necessária para a frota. A redução observada na taxa de utilização da frota no pós pandemia, indicando uma menor proporção da frota operacional em relação à frota total, reflete justamente essas dificuldades. Uma redução maior dessa taxa de utilização contribuiria para limitar ainda mais a oferta de assentos disponíveis no mercado.
Perspectiva de câmbio relativamente mais estável
No início de janeiro, havia otimismo quanto a possíveis cortes nas taxas de juros dos EUA já no começo de 2024, motivado pela expectativa de desaceleração econômica controlada e inflação em queda, sem risco de recessão significativa. Esse cenário sugeriria condições monetárias mais leves com cortes de juros antecipados pelo Fed. Contudo, dados recentes do mercado de trabalho indicam que os cortes podem ser adiados para junho, ajustando as expectativas iniciais. A mensagem mais importante é que o ciclo econômico mudou, e essa transformação continuará a influenciar os ativos de risco. Agora, a tendência para as taxas de juros é de queda.
Embora as dívidas das companhias aéreas, sejam em sua maioria prefixadas, os juros americanos são extremamente relevantes, por várias razões. Primeiramente, considerando a emissão de novas dívidas, um ambiente de taxas de juros nos EUA mais baixas poderia reduzir os custos das emissões das empresas do setor. Um efeito secundário, está na variável câmbio. Como as dívidas são majoritariamente em dólar, a correlação com juros americanos também se manifesta através dessa variável. Apesar das incertezas decorrentes da redução do diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos, os fundamentos do real sugerem menos volatilidade no câmbio em 2024.
O cenário para o real brasileiro reflete uma combinação de fatores internos de resiliência econômica e desafios fiscais, em meio a um contexto internacional de incertezas. As perspectivas para as principais commodities no futuro são positivas em termos de produção. Os fundamentos do real, apontam para uma estabilidade para o câmbio em 2024, que deve apresentar uma média de R$ 5,00 ao longo do ano. Na nossa visão, o Brasil se encontra em uma posição de certa resiliência, beneficiado por um superávit comercial robusto, impulsionado especialmente pelas exportações de petróleo, minério e grãos. bem como pelas expectativas de que as reformas estruturais feitas no passado favorecem do real brasileiro em 2024.
A estabilidade do real frente ao dólar pode mitigar variações abrutas nos custos operacionais das companhias aéreas, muitos dos quais são dolarizados, como o leasing de aeronaves e a compra de combustível.
Contudo, a posição fiscal do Brasil é desafiadora e as incertezas política geram preocupações, especialmente no que tange ao investimento e à trajetória futura da dívida pública. Após um déficit significativo de R$ 116,1 bilhões em dezembro, o contexto fiscal foi tomado por uma necessidade de ajustes na política tributária, evidenciado pela proposição da MP que reintroduz a tributação sobre a folha de pagamentos. Juntamente, discussões sobre a reforma tributária e ajustes nas alíquotas do imposto de renda, podem reaparecer em breve.
Expectativa de preços de petróleo mais comportados
Quanto aos custos, as projeções para os preços do petróleo em 2024, mesmo diante das incertezas causadas por conflitos geopolíticos recentes, indicam valores inferiores aos de 2023, o que aponta para uma potencial melhoria nas margens das empresas do setor aéreo ao longo do ano. O querosene de aviação (QAV), um dos maiores custos operacionais para as companhias aéreas, tem apresentado menos volatilidade apesar das tensões geopolíticas e das incertezas macroeconômicas. Embora a expectativa não seja de preços de combustíveis necessariamente baixos, uma menor flutuação nos preços é uma perspectiva realista para 2024.
Vale lembrar que no 4T23 essa linha de custo deve ser afetada negativamente devido aos aumentos que já haviam sido divulgados pela Petrobras. Um aumento de preço do combustível de 21,4% e 5,3% em setembro e outubro. Há um atraso de 45 dias do efeito do repasse de preço até a efetivação desse aumento de custo na bomba para as companhias, portanto o trimestre deve apresentar uma elevação no preço médio pago no litro do QAV e compressão das margens operacionais.
Em contrapartida, um certo alívio está no horizonte para a primeira metade de 2024 com a redução de preço do combustível de 2,1% e 6% ocorridas em novembro e dezembro do último ano. Esse efeito será sentido durante o 1T23, que deve combinar yields e volumes fortes (impulsionados pela alta temporada), taxas de ocupação sólidas e um custo de combustível em declínio, reiterando nossa visão otimista para o início de 2024.
Limite de preços imposto pelo governo não deve afetar significativamente
No fim de 2023, o governo e as três principais companhias aéreas do Brasil, Azul, Gol e Latam, anunciaram um plano para oferecer passagens aéreas mais acessíveis em voos domésticos. O programa começa a valer em março, fora do período de alta temporada, e deve perdurar até o fim de 2024. A primeira etapa de universalização do transporte aéreo proposta pelo governo envolve o oferecimento de passagens aéreas com um limite de preço.
A Azul se comprometeu em ofertar 10 milhões de passagens com teto de preços de R$799, já a Gol se comprometeu em 15 milhões de passagens com teto de R$699. Ambos os tetos de preços ainda estão distantes da média de preço de venda de passagens de ambas as companhias, demonstrando que ainda há margem para novos repasses de preços nas passagens. Paralelamente os dados da ANAC mostram que 75% dos assentos vendidos estão em uma faixa de preço inferior aos R$ 700.
Um fato que parece ter passado desapercebido, diz respeito à flexibilidade que as companhias aéreas possuem na alocação dos assentos destinados ao programa. Ou seja, a tarifa não foi travada às distancias percorridas, assim as empresas podem optar por destinar o volume de passagens do programa, em trechos que historicamente já possuem um preço médio bem inferior ao teto. Portanto, a oferta de assentos com tarifas reduzidas parece não ser capaz de impactara negativamente o Yield em 2024. Além disso, restrições como compra antecipada e limitações de bagagem, também ajudam a manter um equilíbrio de rentabilidade.
Em contrapartida, o governo brasileiro, está desenvolvendo um plano para fortalecer o setor da aviação no país. As medidas incluem a criação de um fundo de financiamento para a aviação. O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, anunciou que o fundo deverá contar com um aporte de R$ 4 a R$ 6 bilhões, estando atualmente em fase de estruturação em colaboração com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante. Este fundo permitirá que as empresas aéreas busquem crédito para se capitalizar e expandir seus investimentos, desde o refinanciamento de dívidas até a compra de novas aeronaves
Azul (AZUL4): alterando a recomendação para compra!
Estamos alterando nossa recomendação de Azul de MANTER para COMPRAR, com preço-alvo de R$ 22,00. Destacamos novamente que o processo de renegociação de dívidas da Azul, foi mais bem conduzido que o da Gol, culminando em uma redução de R$ 4,3 bilhões, dos passivos de arrendamento.
Dentro do cenário atual, esperamos uma adição de capacidade de 8% para 2024, acima da média do setor. O cenário favorável para o Yield e para preço de combustível, devem ajudar a manter as margens nos patamares favoráveis de 2023, adicionalmente as discussões com o governo sobre a estruturação de um fundo para ajudar a redução do custo da dívida podem beneficiar a empresa. Estimamos uma receita líquida de R$20,2 bilhões e um EBITDA de R$ 5,9 bilhões em 2024.
Valuation parece atrativo
Em termos de valuation, ainda acreditamos que Azul negocia com desconto relativo à média histórica. Mesmo olhando para a média recente (pós-pandemia), ao níveis atuais de preço Azul ainda parece descontada, a 4,8x EV/EBITDA 2024 vs uma média histórica de 8x. parece. Adicionalmente, observamos um movimento direcional correlato das ações de Gol e Azul, provavelmente por um medo do mercado de que a situação da Gol possa se espalhar no mercado local. Nós enxergamos exatamente o oposto.
Um 4T23 sem surpresas: yield subindo e margens caindo
O volume total de passageiros transportados (RPK) pela Azul no 4T23 foi de 8.885 milhões (+9,1% a/a e -6,3% t/t). A oferta total de assento (ASK) foi de 11.104 milhões (+6,5% a/a e -3,8% t/t) resultando em uma taxa de ocupação de 80,0% (+2,5pp a/a e -2,6pp t/t). Estimamos uma receita de R$ 5.026 milhões para a Azul no 4T23 (+12,8% a/a e +2,2% t/t), com um Yield de 52,6 centavos (+4,0% a/a e +8,9% t/t). Projetamos um EBITDA de R$ 1.466 milhões (+33,5% a/a e -6,0% t/t), resultando em uma margem de 29,2% (+4,5pp a/a e -2,6pp t/t).
Portanto, do lado positivo, o 4T23 para a Azul deve ser marcado por um desempenho operacional robusto, acompanhado de uma receita recorde e volumes expressivos. Os dados do IPCA de passagens no período, indicam um aumento de preço equivalente a 47% a/a favorecendo um novo incremento no yield.
Do lado negativo, o trimestre deve ser marcado por queda nas margens operacionais. Como mencionamos anteriormente, esse foi um trimestre de aumento no preço médio do litro de combustível, assim como anunciado pela Petrobras nos aumentos de setembro e outubro. Portanto, apesar de maiores volumes, o EBITDA deve se manter estável em relação ao 3T23. Além disso, temos um viés altista para as despesas financeiras, impulsionadas pelo aumento no custo de dívida das novas emissões e ao processo de reestruturação da companhia. Na figura consolidada, Azul deve superar o guidance de R$ 5,2 bilhões de EBITDA para 2023. O acordo entre Azul, Gol e Latam, não impacta o 4T23, mas importante ressaltar que não esperamos uma tarifa média próxima ao teto de R$ 700.
Mais confortável para entregar o guidance em 2024
Para 2024, acreditamos que existem boas oportunidades para melhora na geração de caixa da Companhia. Com um cronograma de amortização de dívida mais reajustado e preços de insumos mais comportados, estimamos que a alavancagem caia para 2,9x ao final de 2024, em linha com o número da Azul de 3x.
Recentemente, a companhia revisitou seu Guidance para 2023 e 2024. Com uma expectativa de uma demanda resiliente e bons níveis de tarifas, o guidance de EBITDA para 2024 subiu de R$6 bilhões para R$6,3 bilhões, se aproximando ao valor que consideramos em nosso cenário otimista. Com os atrasos nas entrega das aeronaves, a empresa revisou suas estimativas de um aumento de ASK de 14% para 11% em 2023. O mesmo pode acontecer em 2024 e por isso nossas estimativas estão abaixo dos números projetados pela Azul.
A renovação de frota antecipada, garantiu à empresa uma vantagem no momento de gargalos na indústria aeronáutica. De acordo com o cronograma de substituição de aeronaves, para que em 2025 sua frota seja 92% de última geração, estimamos que haja o recebimento de em torno de 12 aeronaves E2 ao longo de 2024. Substituindo os modelos E1 pelos modelos E2. O cronograma de recebimento de aeronaves prevê a chegada de 11 a 13 aeronaves E2 em 2024, mesmo com a Embraer apresentando atrasos de 2 a 3 meses.
Lembramos que as novas aeronaves garantem uma redução de 26% de custo por assento, além de uma queima de combustível 18% menor por quilómetro voado.
Momento da Gol, joga a favor da Azul
A entrada da Gol no processo de Chapter 11 pode abrir um espaço no mercado brasileiro, oferecendo uma oportunidade para outras companhias aéreas expandirem sua presença e capturarem uma parcela maior do mercado. Mesmo que a Gol não reduza capacidade, o momento delicado pode reduzir a confiança dos clientes, levando a uma migração para os concorrentes. Em um caso de redução de capacidade, a situação da Gol, atuaria como um catalisador que poderia impedir uma queda nas tarifas.
Neste contexto, a Azul surge como uma candidata para preencher parte de um possível vácuo deixado pela Gol. Apesar de ter uma sobreposição de rotas menor em comparação com a Latam, ~30% vs 60%, nossa expectativa é que a Azul, possa se beneficiar de um cenário favorável, tanto pela migração da demanda, quanto por novas altas nas tarifas.
Gol (GOLL4): desafios estão apenas começando – alterando para venda
Mesmo após cair mais 70% desde o anúncio do Chapter 11, estamos alterando nossa recomendação de Gol de MANTER para VENDER, com preço-alvo de R$ 2,00.
Nosso rebaixamento reflete um acúmulo de desafios que ameaçam a rápida recuperação da empresa, incluindo a perda de participação de mercado. Os desafios da Gol incluem dificuldades de refinanciamento, uma possível conversão de dívida em ações – gerando uma diluição grande dos investidores. Em um período positivo para o setor, as dificuldades nas negociação com lessores e fornecedores afloram um risco de reajuste de frota.
Diante deste cenário, esperamos uma redução de capacidade de 4,4% para 2024, com receitas caindo cerca de 9% na comparação anual, margens comprimindo devido à maiores custos com manutenção e menor diluição de custos fixos. Estimamos uma receita líquida de R$16,9 bilhões e um EBITDA de R$ 3,9 bilhões em 2024.
Chapter 11: como chegamos até aqui?
As cicatrizes da pandemia, não deixaram a Gol sair da zona de turbulência e após diversas tentativas de reestruturação de seus passivos, no dia 25 de janeiro de 2024, a companhia protocolou seu pedido de proteção contra falência sob o Chapter 11 nos EUA. No final do 3T23, a empresa possuía menos de R$ 1 bilhão em caixa contra mais de R$ 20 bilhões em dívida e obrigações de leasing de aeronaves. Se levarmos em contas outros passivos, esse número ultrapassam os R$ 27 bilhões, dos quais R$ 3 bilhões vencendo curto prazo.
As feridas da pandemia da COVID-19 foram profundas, segundo a própria Gol, o período limou cerca de R$20 bilhões em receitas e pelo menos R$10 bilhões de geração de caixa. Apesar da recuperação dos volumes e melhora do EBITDA, o resultado operacional só começou a retornar aos níveis pré-pandemia em 2023, prejudicando substancialmente a geração fluxo de caixa excedente necessário para pagar passivos diferidos no período.
Vale lembrar que, em outras regiões, o suporte do governo foi crucial para as companhias aéreas enfrentarem a pandemia, sob condições econômicas vantajosas, vantagens essas que as companhias aéreas brasileiras não receberam.
Mesmo após um 3T23 forte, em um momento em que observamos diversas companhias aumentando sua capacidade, a Gol começou a patinar. A liquidez apertada ficou evidente, quando nos meses de novembro e dezembro, mesmo com o cenário favorável para o setor aéreo, vimos a empresa reduzindo capacidade. O impasse entre escolher destinar recursos para manutenção de aeronaves ou no pagamento dos credores chegou no limite.
Após a contratação de uma nova consultoria financeira (Seabury), a companhia decidiu dar início ao chamado Chapter 11, equivalente a uma recuperação judicial nos Estados Unidos, que será feita no formato deptor in possession (DIP). Isso permite que a Companhia continue suas operações e mantenha posse de seus ativos enquanto está sob a proteção do tribunal de falências. O processo permite reestruturar dívidas, vender ativos não essenciais e realizar outras ações de reorganização sem a interferência direta dos credores, na tentativa de fortalecer sua posição de caixa.
A recuperação no exterior não é anormal para uma companhia aérea, além de maior proteção, a maior parte dos credores está no exterior, incluindo contratos de leasing e compras de peças. A companhia já recebeu um financiamento de US$ 950 milhões para reestruturação de seu capital, financiado pelos bond holders do Grupo Abra (controlador). O financiamento DIP, tem prioridade sobre as dívidas existentes em termos de reembolso.
Mesmo com o novo financiamento a situação da Gol não é simples, as negociações com os credores serão duras. Em um passado recente, situações similares culminaram em conversão de dívida em ações, gerando grandes diluições nos acionistas minoritários.
Chapter 11 da Latam: um outro contexto
O grupo solicitou proteção em maio de 2020 para reestruturar suas finanças em resposta à pandemia. No processo, houve uma reestruturação significativa que envolveu um aumento de capital de quase US$ 10 bilhões. Esse aumento de capital foi composto por duas partes principais: investimento de dinheiro novo e a conversão de dívida em capital.
Investidores importantes, incluindo fundos americanos que detinham uma grande parte da dívida e os acionistas âncora como Delta, Qatar Airways e a família Cueto contribuíram com dinheiro novo para manter suas participações na empresa.
Durante o processo inicial, vários fundos participaram do financiamento do tipo DIP, que posteriormente foi reestruturado em capital e dívida, com a participação desses mesmos acionistas âncora. Esta estratégia foi essencial para sua recuperação. A Latam emergiu do Chapter 11 com uma liquidez de US$ 2,2 bilhões e uma dívida 35% menor.
O processo de Chapter 11 da Gol ocorre sob circunstâncias bem distintas. Não estamos em uma pandemia e a demanda tem se mostrado resiliente. Diferentemente de quando a Latam entrou em recuperação judicial – um momento em que as aeronaves permaneciam em solo e havia uma incerteza generalizada no setor – o mercado atual vive um boom de demanda por viagens aéreas, ao mesmo tempo que convive com atrasos nas entregas de aeronaves.
Nesse contexto, os desafios da Gol nas negociações com arrendadores e credores são maiores. Com um cenário favorável aos concorrentes, existe pouca motivação para negociar reduções nos preços de leasing ou conceder condições mais vantajosas de pagamento de dívida. Enquanto Latam e Azul saíram com seus contratos de arrendamento reajustados para baixo, a Gol não deve ter a mesma sorte.
Reestruturação da dívida da Azul pode inspirar a Gol!
Sabemos que o DIP não é suficiente, para realmente gerar um alívio duradouro no fluxo de caixa, portando acreditamos que o Grupo Abra também precisaria converter suas ESSN 2028. Além de reduzir a alavancagem, esse movimento aliviaria as despesas financeiras. Hoje essa dívida, tem um custo equivalente à 18% ao ano em dólar. Outra parte relevante do consumo de caixa da empresa está comprometida aos arrendadores, que hoje representam mais de 60% da dívida da Companhia.
A estratégia adotada pela Azul em sua reestruturação pode servir como base para a Gol. Durante o início de 2023, a empresa renegociou cerca de 90% de sua dívida com arrendadores. O acordo consistiu em reduzir os pagamentos de arrendamentos, parra eliminar diferimentos relacionados à Covid. Em troca, a empresa emitiu R$ 2,3 bilhões em dívida com vencimento em 2030 e o restante da dívida, será trocado por ações no valor de R$ 36,00, que se iniciará no 3T24 e irá até 2027. Com esse processo, a empresa reduziu seus pagamentos em aproximadamente R$ 5,4 bilhões da dívida, equivalente à 23% dos passivos totais na época.
Como dissemos, diferentemente da Azul, os arrendadores não têm motivos para aceitar termos de redução dos valores atuais das obrigações de leasing de aeronaves, já que o cenário global indica escassez de aeronaves e uma demanda forte. No entanto, não seria um absurdo imaginar que esses arrendadores aceitem trocas de suas dívidas por ações da Gol, dado que no longo prazo, perder um parceiro como a Gol seria negativo.
Em um exercício, fizemos uma análise de sensibilidade para entender qual seria o efeito de diluição dos acionistas minoritário caso a Gol conseguisse delinear o processo de reestruturação de passivos nos moldes do que a Azul fez. Considerando um EBITDA projetado de R$ 4 bilhões para 2024 e um múltiplo da transação EV/EBITDA de 5,2x, a conversão de 25% das dívidas (R$ 5,1 bilhões) diluiria em 75% os acionistas minoritários.
Considerando o cronograma de amortização atual, aproximadamente R$ 10 bilhões seriam suficientes para aliviar os pagamentos em 2024 e 2025, liberando o caixa para a retomada das aeronaves fora de operação. Com os US$ 950 captados no DIP, mais esses R$ 5,1 bilhões de conversão de dívida em capital, a Gol teria 2 anos em plena operação, com capacidade para retomar o caixa a um nível saudável. O lado ruim disso é que veríamos uma aniquilação do acionista minoritário.
Impacto nas Operações e Posição de Mercado da Gol
Caso o processo de negociação não caminhe na direção de conversão de dívidas, a empresa ainda poderá adotar uma outra estratégia para aliviar o fluxo de caixa. A liberação de capital via devolução de aeronaves aos arrendadores, adequando a frota às atuais capacidades financeiras.
Devolvendo algumas de suas aeronaves em operação aos arrendadores, readequando a frota à capacidade de arcar com as obrigações. Se a empresa seguir por esse caminho, potencialmente proporcionará um impulso para seus principais concorrentes, Latam e Azul ocuparam essa lacuna remanescente do mercado.
Embora o Chapter 11 e o financiamento DIP possam oferecer algum alívio temporário, eles tendem a não resolver a situação, mas sim postergar o problema. Proteger o fluxo de caixa da Gol no curto prazo é extremamente importante, porém é crucial que a empresa busque soluções de longo prazo para sua estrutura de capital e obrigações financeiras.
Outra saída, seria reduzir seus planos de crescimento de longo prazo, desistindo das novas aeronaves encomendadas. Segundo seu cronograma de renovação de frotas, 80% das novas aeronaves MAX serão entregues apenas em 2028. No entanto, optar por não renovar a frota, traz mais um impasse para a companhia. Com a frota mais velha que a média dos pares (10,8 anos no 3T23), os custos de manutenção e reparo por ASK disparam nos últimos 2 trimestres, um aumento de 143% em relação ao 3T22, não renovar a frota implicaria em margens estruturalmente mais baixas.
Lembramos que fornecedores de combustível, aeroportos, fornecedores de peças não tem motivos para conceder prazos de pagamentos para a Gol. Uma situação como a atual, tende a aumentar a necessidade de capital de giro.
Por fim, a situação financeira da Gol também pode afetar negativamente a percepção da marca e a confiança dos consumidores, um enorme problema para uma companhia aérea. Ao evidenciar as dificuldades financeiras, a empresa pode sofrer com a migração dos clientes para as concorrentes. Dentro desse cenário, a empresa pode ser obrigada a praticar tarifas mais baixas para manter os volumes.
O 4T23 evidencia as dificuldades
O volume total de passageiros transportados (RPK) pela Gol no 4T23 foi de 9.010 milhões (-1,1% a/a e -0,4% t/t). A oferta total de assento (ASK) foi de 10.730 milhões (-5,7% a/a e -0,8% t/t) resultando em uma taxa de ocupação de 84,0% (+3,9 pp a/a e +0,3 pp t/t). Estimamos uma receita de R$ 4.873 milhões para a Gol no 4T23 (+3,1% a/a e +4,4% t/t), com um Yield de 49,4 centavos (+2,5% a/a e +5,0% t/t). Projetamos um EBITDA de R$ 1.236 milhões (+13,1% a/a e -1,1% t/t), resultando em uma margem de 25,4% (+2,2 pp a/a e -1,4 pp t/t).
No que se refere aos destaques positivos do trimestre, é evidente que o 4T23 se beneficiou da sazonalidade favorável, que é típica da alta temporada no Brasil. Isso geralmente permite às companhias aéreas, como a Gol, capitalizar em tarifas mais elevadas por quilômetro voado devido ao aumento da demanda.
A empresa experimentou uma diminuição na demanda, refletida em uma queda da oferta total de assentos e do volume de passageiros transportados em relação ao 4T22. A redução na taxa de utilização da frota, indica uma menor proporção da frota operacional em relação à frota total, refletindo as dificuldades enfrentadas pela companhia aérea em suas operações. O fato de as margens estarem caindo também é reflexo do impacto do aumento dos custos operacionais, como os de combustível e manutenção.
Expectativas para 2024
A incerteza quanto à devolução de aeronaves ou conversão de dívida permanecem, embora a Gol tenha conseguido um tempo adicional para negociar o contrato de arrendamento de 39 aviões com a AerCap.
As expectativas para a Gol em 2024 sugerem um ano mais desafiador, marcado por uma redução de capacidade que segue uma tendência similar à diminuição observada no segmento doméstico nos últimos meses de 2023. Esperamos uma redução dos volumes operacionais, medidos em ASK, de 6,2% para 2024, reflexo direto das repercussões do processo de Chapter 11.
Projetamos uma receita líquida de R$ 17 bilhões para 2024, uma queda de 8,4% em relação ao ano anterior. Também projetamos uma diminuição do Yield de 1,9%, que na média do ano deve ficar próximo aos 47 centavos. Essa expectativa reflete um cenário complexo para manter sua posição no mercado. As vendas de passagem em janeiro, sugerem que a Gol está perdendo de participação de mercado para Azul e Latam e justamente por isso, acreditamos que a empresa precisará ceder em preço caso consiga manter os volumes.
Nossas estimativas apontam para uma compressão nas margens operacionais devido a custos de manutenção crescentes e uma menor diluição de custos fixos atrelada aos menores volumes, pressionando a rentabilidade da empresa. A Margem EBITDA prevista para 2024 é de 23,8%, uma redução de 1,1 pontos percentuais em comparação com 2023.
Por fim, esperamos que alavancagem siga crescendo, com a relação dívida líquida/EBITDA aumentando 0,8 pp de 4,2x para 5,0x. Nossas expectativas para a recuperação da companhia em 2024 não se mostram otimistas.