As ações dos principais bancos brasileiros sofreram forte queda nesta terça-feira (19/Ago), com perdas de ~R$ 40 bilhões em valor de mercado. O movimento refletiu a decisão do ministro do STF, Flávio Dino, de que leis e ordens judiciais estrangeiras não possuem validade imediata no Brasil, interpretação vista pelo mercado como uma referência indireta à Lei Magnitsky, aplicada recentemente contra o ministro Alexandre de Moraes. A sanção americana impede Moraes de manter contas e investimentos em instituições financeiras ligadas ao sistema dos EUA, e a decisão do Supremo gerou um impasse: enquanto Washington reforçou que nenhum tribunal estrangeiro pode anular suas sanções, os bancos brasileiros se veem no dilema entre cumprir a legislação doméstica ou respeitar regras internacionais com alcance extraterritorial.
Esse cenário intensificou a aversão a risco no mercado financeiro, ao expor o setor bancário a potenciais consequências relevantes. Instituições com operações ou ativos nos EUA permanecem obrigadas a seguir a legislação norte-americana, sob risco de sofrer bloqueio de ativos, restrições no sistema de pagamentos em dólar e encarecimento da captação internacional, em consequência do isolamento comercial gerado pelo efeito cascata, caso descumpram as determinações externas. Ao mesmo tempo, deixar de seguir a decisão do STF pode gerar penalidades locais, ampliando a percepção de insegurança jurídica e reforçando a incerteza em torno da atuação dos bancos.
Lei Magnitsky
A Global Magnitsky Act (2016) permite aos EUA sancionar indivíduos e entidades estrangeiras envolvidos em graves violações de direitos humanos ou corrupção significativa.
As sanções têm caráter extraterritorial, já que se aplicam a qualquer operação que envolva “US persons” — pessoas físicas ou jurídicas americanas, incluindo bancos, corretoras, sistemas de compensação e emissores de cartões. A execução é feita pelo Departamento do Tesouro, por meio do OFAC (Office of Foreign Assets Control), que já aplicou multas bilionárias a bancos estrangeiros em casos semelhantes.
As medidas previstas incluem:
- Proibição de entrada nos EUA: bloqueio ou revogação de vistos já concedidos.
- Bloqueio de ativos: congelamento de bens, contas e investimentos localizados nos EUA ou que transitem pelo sistema financeiro americano.
- Proibição de transações financeiras: qualquer operação que passe por bancos ou instituições dos EUA (ou suas subsidiárias) fica sujeita a bloqueio. Isso afeta diretamente transações em dólar, já que quase sempre passam por bancos correspondentes nos EUA. Além disso, há um componente importante no varejo financeiro: as principais bandeiras de cartão de crédito (Visa, Mastercard e Amex) são empresas americanas. Isso significa que, na prática, um sancionado pela Magnitsky pode ser impedido de utilizar cartões dessas bandeiras, mesmo emitidos por bancos brasileiros, já que o processamento das transações depende de sistemas sob jurisdição dos EUA.
- Sanções secundárias: terceiros que facilitem ou tentem burlar essas restrições também podem ser penalizados, incluindo multas bilionárias (como no caso do BNP Paribas, que pagou US$ 8,9 bi por violar sanções americanas).
- Regra dos 50%: empresas controladas em 50% ou mais por indivíduos sancionados são automaticamente bloqueadas, como foi verificado em decisões anteriores da OFAC.
Alexandre de Moraes e a Decisão do STF
No caso brasileiro, o ministro Alexandre de Moraes foi incluído na lista de sancionados, ficando impedido de manter contas, investir ou realizar transações que envolvam instituições ligadas ao sistema financeiro dos EUA. Isso criou um impasse imediato para os bancos brasileiros, já que, em tese, até serviços básicos de cartão de crédito poderiam ser afetados.
O problema se agravou com a decisão do ministro Flávio Dino, do STF, que afirmou que leis e decisões estrangeiras não têm efeito automático no Brasil — só valem se homologadas judicialmente. Embora tratasse de outro caso, o mercado interpretou a medida como uma proteção indireta a Moraes.
Ontem (20/Ago), o ministro do STF Alexandre de Moraes afirmou que bancos brasileiros podem ser punidos se bloquearem ativos no país com base em sanções estrangeiras sem homologação judicial. O alerta reforça o dilema: as instituições estão expostas tanto a sanções secundárias nos EUA quanto a ações judiciais no Brasil caso sigam as medidas externas.
O episódio ganhou ainda mais destaque após a notícia veiculada hoje (21/Ago) que o Banco do Brasil bloqueou um cartão de crédito de bandeira americana do ministro Alexandre de Moraes, em função das sanções da Lei Magnitsky. Segundo o noticiário, não está claro qual era a bandeira, mas o magistrado teria recebido a oferta de um novo cartão que não depende da jurisdição americana. O caso é simbólico porque mostra que, mesmo sem pronunciamento oficial, o Banco do Brasil na prática seguiu a lei americana, ao restringir o uso de um produto atrelado a uma bandeira sujeita às sanções dos EUA.
Impacto nos Bancos
Sanções Secundárias. Caso os bancos brasileiros não acatem às restrições impostas, eles estarão sujeitos a penalidades, que, embora aplicadas no exterior, têm potencial de comprometer diretamente as operações no Brasil.
- Perda de acesso ao sistema financeiro dos EUA
Bancos podem ser excluídos do mercado de dólares, perder correspondentes, e até ser impedidos de operar nos EUA. - Congelamento de ativos e bloqueio de transações
Ativos mantidos em instituições sob jurisdição americana podem ser congelados, e novas transações — especialmente em dólares — podem ser barradas. - Multas e penalidades financeiras
Mesmo indiretamente, bancos podem ser alvo de penalidades bilionárias: o caso do BNP Paribas (US$ 8,9 bilhões em multa por violação de sanções) é um exemplo extremo. - “Over‑compliance” e retração de serviços
Por precaução, muitas empresas americanas podem restringir ou encerrar relações com instituições brasileiras vistas como de risco, mesmo que as sanções sejam pessoais. Isso pode comprometer o acesso dos bancos a serviços essenciais para sua operação, como provedores de nuvem, softwares corporativos e processadores de pagamentos, além de gerar atrasos em transações internacionais e maior custo operacional. - “Efeito Cascata”
Se o Banco A atende uma pessoa sancionada e paralelamente o Banco A mantém relacionamento com o Banco B, este também pode ser considerado “contaminado”, mesmo sem vínculo direto com o sancionado, sob o argumento de que esse possa estar, indiretamente, facilitando transações proibidas. Desta forma, ambos ficam sujeitos a sanções secundárias, ampliando o alcance da Lei Magnitsky. Isso traz a ideia de que uma pessoa, seja física ou jurídica, contaminada, pode afetar, por consequência, todas as outras empresas que possam estar relacionadas a ela. Com isso, a sanção da lei gera um efeito dominó, em que as empresas, para não sofrerem sanções, se distanciem do sancionado primário, implicando em um isolamento desse deste sancionado.
Por essa razão, não podemos restringir os impactos financeiros somente às sanções, mas sim a toda eventual receita que deixa de ser gerada com o rompimento dessas relações.
Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander e BTG
Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e BTG Pactual possuem subsidiárias e escritórios nos EUA, o que os expõe diretamente à regulação americana em suas operações. O Santander Brasil, por sua vez, não tem operação própria nos EUA. Ainda assim, por ser controlado pela matriz na Espanha, que possui operações relevantes no EUA, pode ser afetado, pelo efeito cascata, o que reduz sua autonomia em cenários de maior risco regulatório.
Além do risco de serem afetados pela exposição indireta significativa: liquidações em dólar dependem de correspondentes nos EUA, transações de clientes passam por bandeiras de cartão americanas (Visa, Mastercard, Amex, Dinners, etc.) e o funding externo costuma envolver intermediários sujeitos à jurisdição dos EUA — canais que ampliam a vulnerabilidade a sanções extraterritoriais.
Conclusão e Desfechos Possíveis
A saída mais pragmática para os bancos é o encerramento ou a segregação de contas de clientes sancionados, prática já respaldada por jurisprudência do STJ e que reduz o risco de punições nos EUA. No curto prazo, devem reforçar políticas de compliance e revisar relacionamentos sensíveis. A médio prazo, os desfechos dependerão de dois caminhos: (i) flexibilização ou esclarecimento dos EUA sobre o alcance das sanções ou (ii) escalada do conflito, com impacto direto no funding em dólar, spreads e percepção de risco sobre o setor.