O setor aéreo ainda vive um momento delicado. Apesar da recuperação da demanda, dólar e combustível em patamares elevados devem continuar pressionando os resultados das empresas, e, principalmente, dificultar seus pagamentos de leasings.
Se tomarmos como base o release divulgado nos resultados do 3T22, a Azul possui cerca de 2 anos de liquidez para seus arrendamentos e bonds emitidos. Para 2023, a companhia possui pouco mais de R$ 1 bilhão para ser amortizado, sendo esse montante dividido em: 347, 247, 278 e 142 milhões de reais entre o 1º e 4º trimestre de 2023. Já a Gol possui obrigações somando cerca de R$ 750 milhões no ano corrente, sendo que metade desse valor (~R$ 374 milhões) será pago em cada semestre do ano.
Durante o mês de fevereiro, Azul e Gol já anunciaram renegociações de dívidas, resultando na diminuição de seus ratings por agências como S&P e Fitch, que classificaram as perspectivas das companhias como “negativas”.
Logicamente, ainda temos os resultados do 4T22 a serem divulgados, e, com eles, dado a sazonalidade, esperamos que as companhias consigam certo fôlego, mas ainda assim longe do necessário para serem consideradas saudáveis.
Ressaltamos que os preços alvo de Azul e Gol estão sujeitos a alterações conforme novas informações sejam divulgadas a respeito do processo de renegociação de dívida das companhias. Ao longo do relatório dissertaremos sobre nosso cenário base para o setor em 2023, além de nossas perspectivas preliminares para o 1º trimestre de 2023.
Prévias de Tráfego Aéreo – Janeiro de 2023
Azul e Gol divulgaram seus dados de tráfego relativos ao primeiro mês de 2023. Tradicionalmente, o mês de janeiro é o mais forte em termos de sazonalidade, o que naturalmente eleva nossas expectativas com relação à demanda e oferta de assentos.
Em média, o RPK e ASK divulgados em janeiro são, respectivamente, 32,8% e 29,9% mais altos que a média do ano. Dado uma demanda mais elevada no período, historicamente, as companhias conseguem repassar mais custos aos passageiros, o que consequentemente resulta em um aumento no Yield. Entretanto, ressaltamos que esse ano pode ser diferente.
Nossa visão para o setor aéreo até o 4T22
Nos últimos meses do ano de 2022 (em que também temos uma sazonalidade pesando a favor), vimos que por conta de uma tarifa elevada, uma parcela da demanda não se comportou como o esperado, resultando em quedas nas taxas de ocupação. Numericamente, a taxa de ocupação do 4T22 ficou 1,2 p.p abaixo da média dos últimos 4 anos (incluindo 2020, ano de pandemia).
Para nós, esse movimento significaria que, apesar de uma retomada no turismo, o preço relativamente mais elevado das passagens aéreas afastou parte da demanda. Na nossa visão, é uma questão de tempo até que as companhias passem a reduzir marginalmente suas tarifas, buscando um ponto ótimo entre taxa de ocupação e níveis satisfatórios de tarifa.
2023 pode ser diferente?
Historicamente, temos uma queda nos preços das passagens em janeiro, visto que temos uma defasagem por conta de uma antecipação das viagens pelos passageiros. Isto é, dado que sazonalmente os meses do 2º trimestre são fracos, temos uma menor demanda por passagens nos primeiros meses do ano, o que, por consequência, resultaria em demandas menores entre abril e junho.
Além disso, dada a diminuição na taxa de ocupação mencionada previamente, esperávamos algo similar ao que vimos nos últimos anos. Isto é, uma queda expressiva nos preços, o que até então corroboraria com nossa teoria e explicaria a elevação da taxa de ocupação de janeiro, que subiu em relação ao 4T22, ficando, em alguns casos, acima da média do período.
Continuação da tendência?
Preliminarmente, o IPCA e os dados divulgados pelas companhias aéreas podem sugerir um movimento diferente. Apesar de apresentarem queda, os preços das passagens em janeiro se mantiveram praticamente estáveis em relação a dezembro (caindo apenas 0,51%). Com isso, a depender dos próximos dados divulgados, podemos observar um movimento de manutenção de Yields mais forte do que antecipávamos.
Basicamente, a melhora na taxa de ocupação aliada a menor queda no preço das passagens pode indicar que a demanda se mantém forte, e que as companhias apenas tiveram que ceder pouco (em relação ao histórico) em suas tarifas para manter um bom balanço entre taxa de ocupação e Yield.
No entanto, ressaltamos que apesar do janeiro relativamente positivo, ainda estamos com um viés negativo para o setor aéreo e acreditamos que esse efeito de manutenção das passagens não deverá se manter ao longo do ano. Ressaltamos novamente que essa é uma análise preliminar, considerando apenas o mês de janeiro. Seguiremos analisando e avaliando os dados divulgados mensalmente para atualizarmos nossas premissas e expectativas para o ano de 2023.
Azul (AZUL4)
Embora sua taxa de ocupação tenha ficado abaixo da média para o período, a Azul continua a reportar dados acima dos níveis de 2019. Em janeiro, o volume total de passageiros transportados (RPK) foi de 3,3b, +21% a/a e +14,5% m/m. A oferta total de assento (ASK) foi de 4,0b, +23,2% a/a e +7,9 m/m%. A taxa de ocupação finalizou o mês em 82,3% contra 83,8% no mesmo mês do ano passado.
No início de fevereiro foi anunciado que a Azul está em processo de renegociação de suas dívidas voltadas para arrendamentos de aeronaves. Ao todo, a empresa deve cerca de R$ 3,8 bilhões para arrendadores e R$ 700 milhões para bancos. Ademais, agência classificadora de risco Fitch informou que rebaixou os ratings da companhia.
Destacamos que apesar do cenário e do tom negativo da notícia, esperamos que o 4º trimestre traga consigo uma boa contribuição para o pagamento das dívidas. Além disso, o presidente da Azul se diz confiante que essas serão renegociadas, o que deve dar algum fôlego à empresa. Segundo a apresentação realizada no Azul Day, a companhia espera reduzir sua alavancagem em cerca de 1x ao longo de 2023, fazendo com que ela comece 2024 com uma relação Dív. Líquida/EBITDA de aproximadamente 3x.
Reiteramos que, na nossa visão, acreditamos haver espaço para uma desalavancagem. Porém, optamos por tomar uma postura mais conservadora do que a própria Companhia frente as premissas de demanda e tarifa para 2023. Esperamos que o processo de redução do endividamento aconteça de forma mais gradativa.
Mantemos nossa recomendação de MANTER para Azul com preço alvo de R$ 15,00.
Gol (GOLL4)
A Gol reportou dados neutros em nossa visão. Apesar da recuperação na taxa de ocupação, a companhia ainda não conseguiu recuperar o mesmo nível de demanda de 2019. O ASK reportado foi de 4,4b (+6,2 a/a e 3,1% m/m), enquanto o RPK foi de 3,7b (+8,9% a/a e +12,1% m/m). Com isso, o mês teve uma taxa de ocupação de 84,7% (+2,1pp a/a e +6,8pp m/m).
No início de fevereiro, a Gol anunciou a reestruturação de sua dívida junto a Abra, holding criada para administrar as operações da Gol e Avianca. Em suma, a Abra irá se comprometer em adquirir certos bonds de alguns investidores e investir cerca de US$ 400 milhões na companhia. Em troca, a Gol irá emitir 2 bonds à Abra, com vencimentos até 2028 e um custo de dívida de 18%. Para essa operação, a Gol utilizará seu programa de fidelidade (SMILES) e propriedade intelectual (marca e peças de reposição), que foram avaliados em cerca de US$ 5,2b como garantia.
Serão recomprados, no mínimo, US$ 680 milhões dos atuais US$ 1.925 bilhões de notas sêniores emitidas pela companhia. Contudo, lembramos que apenas parte desses são conversíveis em ações. Com isso, a Gol espera reduzir seu custo de dívida, além de reduzir parte de sua dívida com o aporte e conversão de parte da emissão em ações.
Achamos que a operação e a injeção de capital devem ajudar a Gol a cumprir parte de suas obrigações nos próximos dois anos. Contudo, o custo de dívida elevado aliado ao momento delicado da empresa e a incerteza sobre o setor ainda nos deixa com uma visão negativa para o papel.
Mantemos nossa recomendação de VENDA com preço alvo de R$ 5,40.