Desde jul/21, a unit do Banco Inter perdeu 80% do seu valor de mercado. Na nossa avaliação, o banco vem enfrentando a tempestade perfeita, com diversos fatores que prejudicaram o preço da ação/unit. Dentre eles podemos destacar: (i) não conseguir listar sua ação no exterior; (ii) liquidação do Fundo Ponta Sul, que operava alavancado e teve que vender suas ações após chamadas de margem; (iii) alta inflação e elevação da curva de juros, que prejudica o valuation principalmente de empresas de tecnologia; (iv) alta acelerada da selic, que pressiona as despesas financeiras; (v) aumento da inadimplência; (vi) sell off de fintechs, fenômeno observado em todo o mundo, e; (vii) volatilidade nos mercados com a guerra na Ucrânia.
Com o cenário desfavorável, o Inter passou a negociar a 1,7x P/VP 22. O múltiplo é comparável a bancos tradicionais, mesmo com o Inter apresentando um crescimento consideravelmente superior. O Itaú negocia a 1,6x P/VP 22 e o Bradesco a 1,2x P/VP 22. Eles tiveram um crescimento de carteira de crédito de 15,3% e 19,5% em 2021, respectivamente (vs. 96,6% do Inter). Apesar do P/VP atrativo, o P/L 22 de Inter segue elevado a 42x (vs. 8,2x do Itaú e 7,1x do Bradesco). O P/L alto pode é explicado pelos fortes investimentos do Inter para crescer, reduzindo seu lucro. Somente em 2021, as despesas de pessoal cresceram 101,3% a/a. Com o menor ritmo de crescimento de despesas que esperamos para próximos anos, o banco deverá se tornar mais rentável.
Mesmo se comparado a um banco digital, o Inter é excessivamente descontado na nossa visão. O Nubank possui um múltiplo preço por cliente ativo de R$ 4k em comparação a R$ 1,5k do Inter.
O Inter tem uma participação de 8,5% no total de transações de PIX realizadas no Brasil e somente ~0,4% na carteira de crédito total. O fechamento da assimetria entre os indicadores operacionais e financeiros justifica o acelerado crescimento da carteira de crédito. Esperamos que a tendência se mantenha para os próximos anos, o que nos faz reiterar a recomendação de COMPRAR.
Sell-off de Fintechs
O movimento de forte baixa não foi visto somente para o Inter. Diversas fintechs vem sofrendo com um sell-off, que consiste na venda generalizada das ações. A Pagseguro e Stone perderam 72% e 87% de seu valor de mercado no período do último ano, respectivamente. O sell-off está atribuído a elevação da curva de juros, cenário macro mais desafiador e aumento da competição.
O número crescente de fintechs faz com que muitas mantenham os preços baixos para ganhar competitividade, atrapalhando o horizonte de monetização. A competição é notória dentro de alguns segmentos, como o de adquirencia. As adquirentes vêm sofrendo com a constante queda no net–MDR. O net-MDR corresponde a taxa cobrada em cima do volume processado (TPV).
Curva de juros: pressionando as “techs”
O Inter é uma empresa de crescimento e que hoje ainda dá pouco lucro. Por isso, a maioria da remuneração ao acionista, via juros-sobre-capital-próprio e dividendos, deverá ser paga no longo prazo. Como a remuneração ao acionista é incerta, o aumento das taxas de juros torna mais atrativo investir em títulos de renda fixa, que possuem um menor risco. Por terem uma expectativa de remuneração mais distante e mais incerta do que companhia maduras, as empresas de tecnologia tendem a sofrer mais com a elevação das taxas de juros.
A taxa de juros selic saltou de 2% no final de 2020 para mais de 2 dígitos no 1T22. O acelerado aumento das taxas de juros, reduziram a atratividade de investir em empresas cuja expectativa de remuneração está no longo prazo, como o Banco Inter e outras empresas de tecnologia.
Margem com clientes: pressionada pela selic
A alta da taxa Selic prejudica também a elevação das despesas financeiras dos bancos. Os bancos captam dinheiro de um lado e emprestam de outro. Com o aumento das taxas de juros o custo para captar esses recursos sobem e precisam ser repassados aos empréstimos. A elevação das taxas de juros sem a reprecificação dos empréstimos geram uma compressão dos spreads. Os spreads correspondem a diferença entre o custo de captação e empréstimo do banco.
O Inter tem reprecificado sua carteira mais lentamente que outros bancos. A primeira razão para isso é que o Inter possui uma margem com o mercado robusta, advinda do reinvestimento dos depósitos à vista e recursos do follow on à taxa Selic. Na ocasião o Inter captou R$ 5,5b. A margem com mercado se refere a receita do banco com operações utilizando os recursos próprios. A margem com o mercado cresceu 8x em 2021.
A margem com clientes do Inter cresceu somente 68% em 2021, bem abaixo dos 96,6% de crescimento da carteira de crédito. A margem com clientes se refere ao resultado dos empréstimos do banco (carteira de crédito). Na nossa avaliação, o Inter está utilizando a boa margem com mercado para compensar as taxas mais baixas de seus empréstimos. O banco pode estar fazendo isso para se manter mais competitivo em alguns tipos de empréstimos, como o imobiliário. O crédito imobiliário cria um vínculo de longo prazo e utilizá-lo para atrair novos clientes pode ser uma boa estratégia para fidelizar os clientes.
Independentemente da estratégia do Inter, a pressão nos spreads é particularmente sensível em um ciclo de alta de juros, pois é como se o banco deixasse de ganhar com os seus empréstimos, que são o seu core bussiness.
Não se fala de outra coisa: inadimplência
Como resposta a paralisação econômica gerada pela pandeia de covid, o governo brasileiro implementou medidas para auxiliar as famílias e empresas, como o auxílio Brasil e Pronampe, por exemplo. Além disso, a taxa Selic chegou a 2%, patamar nunca visto na história recente do país. Como resultado dos estímulos, a inadimplência se manteve abaixo de patamares pré-pandêmicos em 2020 e 2021.
Para 2022, esperamos uma normalização da inadimplência para patamares anteriores a pandemia. A inflação ainda elevada em 22, baixo crescimento do PIB e elevado endividamento das famílias também podem contribuir para a elevação da inadimplência. O endividamento das famílias está no maior patamar desde o início da série histórica do Banco Central, em 2005. Conforme expectativas, alguns dos bancos tradicionais, como Bradesco e Santander já reportaram crescimento da inadimplência no 4T21.
O Inter teve uma inadimplência (NPL 90) estável de 2,8% t/t no 4T21, o banco vendeu uma carteira de cartão de crédito que estava inadimplente. Isso artificialmente diminui a inadimplência reportada – o mercado não gostou desse movimento em meio as incertezas do momento. Na nossa avaliação, a venda da carteira foi o principal ponto de desgosto dos investidores com relação ao resultado do 4T21. Adicionando a carteira vendida no cálculo da inadimplência teríamos um incremento de 0,4 pp, subindo para 3,2%. Na carteira de cartão, o impacto teria sido ainda maior. A inadimplência na carteira de cartão caiu 0,8 pp t/t no 4T21, mas adicionando a carteira vendida haveria um incremento de 1,5 pp, atingindo 6,7% (vs. 5,8% no 3T).
A inadimplência é especialmente relevante para teses de fintechs, como Nubank e Inter, pois essas empresas estão testando seus modelos de crédito e tem um acelerado crescimento de carteira. Uma vantagem do Inter é ter grande parte dos seus créditos colateralizados, ou seja, com alguma garantia, o que mitiga a inadimplência.
Listagem no exterior: inviabilizada por resgates
Alguns dos dilemas que o Inter enfrentou nos últimos meses foram vistos para todas as fintechs. Entretanto, alguns fatores específicos prejudicaram especialmente o Banco Inter. O primeiro deles foi o fracasso na tentativa de listar no exterior. Para um banco crescer a sua carteira de crédito é necessário que tenha um capital mínimo regulatório. O objetivo desse capital é absorver perdas inesperadas. Por isso, para crescer os bancos precisam levantar recursos, ou obtê-los através de seus resultados.
Uma das formas para o banco levantar capital é fazer uma oferta pública de ações, vendendo novas ações da companhia e diluindo a participação dos demais acionistas. Como no Brasil não existiam ações com poder de voto extraordinário, caso a empresa ofertasse novas ações a ponto de diluir o acionista majoritário a menos de 50% das ações ordinárias, ele perderia o controle da companhia. Por ter ações com poder de voto extraordinários, a listagem nos EUA permitiria levantar capital para financiar o crescimento sem que a família Menin (atual controlador) perdesse o controle. Na prática seria como se a família Menin pudesse manter o controle com menos de 50% das ações ordinárias, pois suas ações dão um poder de voto maior. Atualmente, as ações com poder de voto extraordinário já são permitidas no Brasil, mas ainda não há nenhuma empresa listada que possua esse tipo de ação.
Outra vantagem da listagem no exterior é possibilitar que o Inter negocie a múltiplos mais altos. Empresas de tecnologia listadas nos EUA geralmente negociam a múltiplos maiores do que empresas comparáveis no Brasil.
Para concluir a reorganização societária e listar as ações nos EUA, o Inter precisava estabelecer um preço fixo para que os acionistas que não concordassem pudessem vender suas ações ao próprio banco (cash-out). O valor foi fixado em R$ 45,84. Contudo, caso o montante solicitado para venda superasse os R$ 2b, a reorganização seria cancelada. Com a rápida desvalorização das ações no final de 2021, tornou-se atrativo para os acionistas venderem suas ações pelo preço fixado, pois mitigariam sua perda. Assim, o valor de resgates (cash-out) superou os R$ 2b, inviabilizando a operação.
Dado os fatores positivos da listagem no exterior, o Inter anunciou que tentará efetuar novamente a reorganização societária ainda no 1S22. Acreditamos que caso seja concluída, a operação poderá destravar valor para o banco.
Liquidação do Ponta Sul
Outro fator que prejudicou especialmente o Inter foi a chamada de margem do fundo Ponta Sul, que possuía cerca de 12% de participação no banco. O fundo operava alavancado e com a rápida desvalorização das ações, sofreu chamadas de margem. Assim, o Ponta Sul teve que vender parte de suas ações.
Nas duas vendas do Ponta Sul que foram anunciadas pelo Inter, o fundo vendeu cerca de 8% de sua participação. A grande oferta de ações no mercado pode ter derrubado o preço da ação.
Luz no fim do túnel
Apesar dos reveses na tese de Banco Inter ainda estamos otimistas com o crescimento do banco. Acreditamos que a grande assimetria entre os indicadores financeiros e operacionais deve seguir diminuindo, principalmente através do acelerado crescimento da carteira de crédito. Além disso, enxergamos um caminho favorável para o banco rumo a lucratividade.
O Inter fez fortes investimentos em 2021, ampliando as despesas de pessoal em mais de 93,5% a/a. Com uma estrutura mais robusta, acreditamos que a desaceleração do crescimento das linhas de despesa e continuidade do avanço das receitas deve gerar resultado positivos mais consistentes em 2022/23. Esperamos um lucro de R$ 350m em 2022 e R$ 741m em 23.
Mesmo com uma tese semelhante à de Nubank, na nossa visão o tamanho do desconto do Inter não se justifica. O Inter negocia a R$ 1,5k por cliente ativo em comparação a R$ 4 do Nubank. O Nubank possui 41,1m de clientes ativos e vale R$ 162b. Já o Inter possui 8,8m de clientes ativos e tem um market cap de R$ 13,4b. Dado acelerado crescimento no crédito, horizonte de rentabilidade, perspectiva de listagem no exterior em 2022 e valuation atrativo reiteramos a recomendação de COMPRAR para Inter. Vale ressaltar que mesmo que não liste suas ações no exterior, o Inter possui um nível de capital confortável. No 4T21 o Inter tinha um nível de capital tier 1 de 44,3%.